Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3531/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: SEGURANÇA NO TRABALHO
Data do Acordão: 02/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 1, E 8º DO DEC. LEI Nº 441/91, DE 14/11; DL 155/95, DE 1/7 ; PORTARIA 101/96, DE 3/4 .
Sumário:

I – O artº 4º, nº 1, do DL 441/91, de 14/11, determina que todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e protecção à saúde, prescrevendo o artº 8º do dito diploma que o empregador tem a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho .
II – Por força do artº 4º, nº 5, da Portaria nº 101/96, de ¾, os cabos eléctricos existentes devem ser desviados para fora do estaleiro ou colocados fora de tensão, ou, sempre que isso não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação permitido a veículos e o afastamento das instalações ( regra esta que apenas é de aplicar relativamente aos cabos existentes no próprio estaleiro ou, então, quando os estaleiros se encontrem a uma distância inferior à de segurança ).
III – O artº 29º do Dec. Regul. nº 1/92, de 18/02 , que aprovou o novo regulamento de segurança das linhas eléctricas de alta tensão, preceitua que este tipo de linhas eléctricas quando se encontrem na proximidade de edifícios devem distar das partes mais elevadas deles ( coberturas, chaminés, ... ) pelo menos 4 metros, podendo este número ser superior, atenta a voltagem dos cabos de alta tensão que passem num dado local .
IV – Se é esta a distância exigível para as linhas de alta tensão, por maioria de razão não se poderá considerar outra de valor superior para os casos de linhas de média tensão, dada a inferior voltagem destas e, portanto, a menor extensão do seu campo eléctrico .
***
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
Em acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial em que são autores AA, por si e em representação de sua filha AB e réus a “AC” e “AD”, não tendo logrado êxito a tentativa de conciliação realizada no final da fase conciliatória do processo, vieram os autores deduzir petição contra os réus, alegando, em resumo, que o sinistrado AE, respectivamente, seu marido e pai, foi vítima de um acidente ocorrido pelas 09,35 horas do dia 18 de Abril de 2001, ao ter sido atingido mortalmente por uma descarga eléctrica de média tensão, quando manuseava uma “rede malha sol” no último piso de uma obra de construção civil de ampliação das instalações da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Juncal, trabalhos esses que decorriam sob a autoridade, direcção e fiscalização da 1ª ré, auferindo o sinistrado ao serviço da mesma o vencimento mensal de 85.700$00 x 14, acrescido de 705$00 x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação.
A primeira ré tinha, à data do acidente, transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado, para a segunda ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 10167766.
Não foram tomadas as medidas de segurança adequadas e a falta destas foi determinante da produção do sinistro, o qual, deste modo, resultou de culpa exclusiva da primeira ré, entidade patronal do sinistrado, respondendo a ré seguradora apenas subsidiariamente e apenas pelas prestações normais da Lei.
À data da morte, o sinistrado tinha 46 anos, era saudável e robusto e proporcionava às autoras uma situação de bem estar e de desafogo económico, sendo uma família que se respeitava e muito feliz, tendo as autoras sentido a perda de seu marido e pai com muito sofrimento, tristeza, consternação e dor profundas.
Concluíram pedindo:
A título principal:
Que a ré “AC” seja condenada a pagar:
A) À viúva do sinistrado:
a) 3.000$00 a título de despesas de transporte;
b) 402.000$00 a título de subsídio por morte;
c) 32.792$00 a título de perdas de salário;
d) 18.950$00 a título de compra de roupas;
e) A pensão anual e vitalícia de 1.096.328$00, com efeitos a partir de 19-04-2001, actualizável nos termos legais;
f) Juros de mora à taxa legal.
B) À filha do sinistrado:
a) 402.000$00 a título de subsídio por morte;
b) a pensão anual e temporária de 274.082$00, actualizável nos termos legais;
c) juros de mora à taxa legal.
A título subsidiário:
Que a ré “AD” seja condenada a pagar:
A) À viúva do sinistrado:
a) 3.000$00 a título de despesas de transporte;
b) 402.000$00 a título de subsídio por morte;
c) 32.792$00 a título de perda de salário;
d) 18.950$00 a título de compra de roupas;
e) a pensão anual e vitalícia de 411.123$00, com efeitos a partir de 19-04-2001, a qual passará para 548.164$00 ao atingir a idade da reforma ou se vier a ser dada sensivelmente incapaz para o trabalho e actualizável nos termos legais;
f) juros de mora à taxa legal.
B) À filha do sinistrado:
a) 402.000$00, a título de subsídio por morte;
b) a pensão anual e temporária de 274.082$00, actualizável nos termos legais;
c) juros de mora à taxa legal.
Citadas as rés para deduzirem contestação, vieram fazê-lo, alegando a ré “AC”, em resumo que cumpriu todas as normas e medidas de segurança na obra que se encontrava a edificar e na qual o sinistrado AE cordeiro sofreu o acidente de que foi vítima mortal, não lhe podendo, por isso, ser imputada qualquer responsabilidade na verificação do mesmo.
Acresce que transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a 2ª ré, mediante contrato de seguro que se encontrava em vigor à data da ocorrência do sinistro, motivo pelo qual deve ser a 2ª ré a única responsável pelo pagamento das indemnizações devidas.
Mesmo que tivesse violado as normas de segurança, tal não faz presumir o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
A ré apenas iniciou a obra em causa após a mesma ter sido devidamente licenciada pelos competentes serviços da Câmara Municipal de ....
Para além disso, também lhe não deveria ser assacada qualquer responsabilidade, porquanto o próprio sinistrado é que violou culposamente as mais elementares regras de segurança, bem como dos seus deveres gerais resultantes do contrato de trabalho, uma vez que no momento do acidente apresentava uma elevada taxa de alcoolémia no sangue –1,27 g/l – facto este que a contestante desconhecia e que contribuiu decisivamente para a verificação do sinistro, não assistindo, por isso, aos autores o direito à reparação dos danos do mesmo emergentes.
Concluiu afirmando que a presente acção deve ser julgada improcedente.
Por seu turno a ré seguradora alegou em contestação não ser ela responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente, mas sim da entidade patronal do sinistrado, uma vez que, culposamente, violou de forma grosseira, as mais elementares regras de segurança. É que só seria possível iniciar a obra após pedido à EDP para retirar ou desviar os cabos de condução eléctrica que passavam por cima da mesma, devido ao risco de acidente, uma vez que a distância entre os cabos eléctricos e a obra era de apenas 3,60 metros, quando a distância obrigatória é de 4 metros, tendo a ré patronal violado, entre outros, os artigos 8º e 12º do DL n.º 441/91, os arts. 6º e 11º do DL 155/95 de 01.07, o art. 29º do Dec. Reg. N.º 1/92 de 18.02 e o art. 4º da Portaria n.º 101/96 de 03.04, pelo que a responsabilidade pelo sinistro cabe-lhe por inteiro.
Acresce que de acordo com os dados da autópsia efectuada ao sinistrado, na altura do acidente, o mesmo tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,27 g/l, circunstância esta que também pode ter contribuído para a produção do sinistro e suas nefastas consequências.
Além disso também que a contestante nunca poderia ser responsabilizada pela reparação integral dos danos emergentes do sinistro, na medida em que a ré patronal apenas transferiu para ela a responsabilidade por acidentes de trabalho com base no salário de 85.700$00 x 14, no total anual de 1.199.800$00, não transferindo, assim, tal responsabilidade com base no subsídio de alimentação, sendo certo ainda que, apenas em termos subsidiários, poderia ser responsabilizada pelo montante relativo ao vencimento base
Terminou afirmando que a presente acção deve ser julgada improcedente relativamente à responsabilidade da segunda ré, devendo a mesma ser absolvida do pedido.
Responderam as autoras às contestações formuladas pelas rés, reafirmando a responsabilidade das mesmas pela reparação dos danos emergentes do acidente.
Respondeu também a ré “AC” à contestação formulada pela ré seguradora, no sentido de haver respeitado as regras de segurança na obra que se encontrava a edificar, não lhe podendo, por isso, ser imputada qualquer responsabilidade.
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que na parcial procedência da acção condenou presente acção apenas em parte procedente e, consequentemente, condenou as rés pagarem:
A) À autora AA:
a) No seu domicílio e nos termos legais, a pensão anual e vitalícia no valor de € 2.050,67 (dois mil e cinquenta euros e sessenta e sete cêntimos), com efeitos desde 19 de Abril de 2001 (dia seguinte ao do falecimento do sinistrado), cabendo à ré seguradora suportar a pensão anual e vitalícia de € 1.795,37 (mil setecentos e noventa e cinco euros e trinta e sete cêntimos) e à ré patronal suportar a pensão anual e vitalícia de € 255,30 (duzentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos), sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de um catorze avos da pensão anual, a pagar nos meses de Maio e Novembro, respectivamente. Quando a referida autora atingir a idade da reforma a dita pensão passará a ser de € 2.734,23 (dois mil setecentos e trinta e quatro euros e vinte e três cêntimos), cabendo à ré seguradora suportar a pensão anula de € 2.393,83 e à ré patronal suportar a pensão anual de € 340,40;
b) A importância de € 2.005,17 (dois mil e cinco euros e dezassete cêntimos) a título de subsídio por morte, cabendo à ré seguradora suportar o montante de € 1.755,53 e à ré patronal o remanescente de € 294,64;
c) Juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas e a calcular desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
B) À autora AB:
a) A pensão anual e temporária de € 1.367,12 (mil trezentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos), também com efeitos desde 19 de Abril de 2001, cabendo à ré seguradora suportar o montante anual de € 1.196,92 (mil cento e noventa e seis euros e noventa e dois cêntimos) e à ré patronal o montante anual de € 170,20 (cento e setenta euros e vinte cêntimos), sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de um catorze avos da pensão anual, a pagar nos meses de Maio e de Novembro, respectivamente;
b) A importância de € 2.005,17 (dois mil e cinco euros e dezassete cêntimos) a título de subsídio por morte, cabendo à ré seguradora suportar o montante de € 1.755,53 (mil setecentos e cinquenta e cinco cêntimos e cinquenta e três cêntimos) e à ré patronal suportar o montante de € 294,64 (duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos);
c) Juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas e a calcular desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
A) de cerca de 4 metros em relação à última lage da obra referida em J)
Discordando apelou a seguradora alegando e concluindo:
1- Existiu por parte da 1ª Ré, entidade patronal do sinistrado, efectivo desrespeito pelas regras de segurança no trabalho;
2- Foi esse desrespeito causa única e directa do acidente dos autos, razão pela qual deve ser a 1º Ré considerada a única responsável;
3- De acordo com a legislação aplicável,. Nomeadamente o artº 8º do D.L. 441/91 de 14/11 “ o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho”;
4- De acordo com a Portaria 101/96 “ os cabos eléctricos existentes devem ser desviados para for da área do estaleiro ou colocados fora de tensão ou, sempre que isso não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação de veículos e o afastamento das instalações”
5- No caso dos autos a 1ª Ré deveria ter desviado os cabos eléctricos que deram origem ao sinistro fatal, para fora da área do estaleiro, ou caso assim não fosse possível, deveria ter garantido que tais cabos estavam fora de tensão;
6- Não o tendo feito, a 1ª Ré não tomou os cuidados necessários para garantir a segurança no trabalho, nomeadamente os que lhe eram impostos para evitar que os seus operários sofressem acidentes através do contacto com cabos eléctricos;
7- Assim forçoso é considerar que a 1ª Ré agiu de forma negligente, não prevendo, como poderia e deveria ter previsto, a ocorrência de um acidente, violando assim as normas legais acima referidas;
8- O acidente que originou a sua morte consistiu no facto do falecido Vitor Manuel ter sido atingido por uma descarga eléctrica quando aproximou o rolo de rede “ malha sol” de 2, 5 m dos cabos de média tensão que passavam por cima da obra;
9- Se as linhas de média tensão tivessem sido retiradas ou desviadas, ou estivessem cortadas, o infeliz sinistrado nunca teria morrido electrocutado;
10- Razão pela qual existe óbvio nexo de causalidade entre a conduta da 1ª Ré e o acidente e a morte do AE;
11- Houve desrespeito das mais elementares regras de segurança no trabalho, desrespeito que foi causa directa do acidente que vitimou o infeliz AE;
12- Verificando-se a culpa da entidade patronal, o Tribunal “ a quo” não poderia ter condenado como condenou, a ora Apelante, já que esta em caso de culpa( mesmo tratando-se de mera culpa) da entidade patronal, só responderia subsidiariamente;
13- Razão pela qual deve ser alterada a decisão em crise, por uma que considere que a 1ª Ré agiu com culpa, devendo ser considerada a única responsável pelo ressarcimento dos danos decorrentes do acidente dos autos;
14- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal “ a quo” entre outros, o disposto no artº 8º do D.L. 441/91 de 14/11, o artº 8º do D.L. 155/95 de 1/7, a Portaria n.º 101/96 e o artº 18º da L. 100/97 de 13/9
Contra alegaram as AA e a entidade patronal defendendo a correcção da decisão impugnada.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Dos Factos
É a seguinte a factualidade a ter em conta:
A)- Em 17/8/85 AE casou com AA
B) - O casamento a que se alude em A), foi dissolvido por óbito do cônjuge marido ocorrido em 18 de Abril de 2001;
C)- Em 02 de Novembro de 1986, nasceu AB, a qual foi registada como filha de AE e de AA;
D)- A AA referida em A), nasceu no dia 09 de Fevereiro de 1965;
E)- O falecido AE contribuía regular e permanentemente para o sustento do seu agregado familiar composto por si, sua esposa e sua filha;
F)- No dia 18 de Abril de 2001, o AE foi vítima de um acidente, em Juncal, Porto de Mós, quando trabalhava, com a categoria profissional de “pedreiro de 1ª” sob as ordens, direcção e fiscalização da ré “AC”, com sede em Calvaria de Cima – Porto de Mós;
G)- O acidente referido em F), consistiu no facto de o falecido AE haver sido atingido por uma descarga eléctrica de média tensão, quando manuseava um rolo de rede “malha sol”, daí lhe resultando as lesões examinadas e descritas no relatório de autópsia de fls. 61 a 70, lesões essas que foram causa directa e necessária da sua morte ocorrida de imediato;
H)- À data do acidente o falecido AE auferia a remuneração de 85.700$00 x 14 meses, acrescida de 705$00 x 22 dias x 11 meses, a título de subsídio de alimentação;
I)- O falecimento do AE ocorreu pelas 09,35 horas do dia mencionado em F);
J)- No momento referido em F) e G), o AE encontrava-se no último piso da obra de construção civil “ampliação” das instalações da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Juncal;
K)- À data do acidente referido em F) e G), a ré “AC”, tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado AE transferida para a ré “AD”, pelo menos com base na remuneração de 85.700$00 x 14 meses, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 10.167766;
l)- No momento do acidente o falecido AE apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,27 g/litro;
M)- A obra a que se alude em J) estava licenciada pelos serviços competentes da Câmara Municipal de Porto de Mós, através de alvará de licença de construção n.º 87/01 emitido em 16/03/2001 a favor do dono da obra Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Juncal;
N)- O rolo de rede referido em G) tinha cerca de 2,5 metros de comprimento.
O)- No momento do acidente referido em F) e G), o sinistrado aproximou o rolo de rede de uns cabos eléctricos de média tensão (30.000 W).
P)- Os cabos eléctricos referidos no quesito anterior passavam por cima da obra referida em J).
Q)- Os cabos eléctricos referidos nos quesitos 2º a 4º são os que figuram nos documentos de fls. 119.
R)- A ré “AC” não tinha conhecimento do facto referido em L) –
S)- Antes da ocorrência do acidente a que se alude em F) e G), o sinistrado havia-se ausentado da obra referida em J) durante algum tempo, sem dar conhecimento ao chefe de equipa e colegas de trabalho
T)- Após chamamentos do seu chefe de equipa, o sinistrado apareceu na obra.
U)- Na sequência do facto referido na resposta dada ao quesito anterior, o chefe de equipa do sinistrado chamou-o à atenção para o facto de se haver ausentado da obra sem seu conhecimento .
V)- O sinistrado retomou a actividade.
W)- O sinistrado levantou o rolo de “malha sol” respondendo a uma solicitação de um colega de trabalho.
X)- O colega de trabalho do sinistrado e a que se alude no quesito anterior, encontrava-se num patamar superior ao deste
Y)- Os cabos eléctricos referidos no quesito 2º, passavam a uma altura de cerca de 4 metros em relação à última lage da obra referida em J)
Do Direito:
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que e neste recurso, cumpre dilucidar:
- se houve violação por parte da entidade patronal, de normas de segurança relativamente à actividade que se efectuava( trabalhos de construção civil para ampliação de edifício);
- em caso afirmativo se existe nexo causal entre tal inobservância e o acidente que vitimou o malogrado trabalhador.
Relativamente ao primeiro ponto há a considerar vários princípios programáticos que estão estabelecidos de forma genérica em diversos diplomas legais.
E assim e desde logo o artº 4º nº1 do D.L. 441/91 de 14/11 determina que todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e protecção à saúde , prescrevendo em consequência o artº 8º n.º 1 deste diploma que o empregador tem a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho( itálico nosso).
E também nesta mesma linha o artº 8º n.º 1 do D.L. 155/95 de 1/7(diploma este que transpôs para a nossa ordem jurídica as prescrições mínimas de segurança e saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis, adoptados pela Directiva n.º 92/57/CEE do Conselho de 24/6) determina que cabe aos empregadores a observância das obrigações gerais previstas no artº 8º n.º 1 do D.L. 441/91.
Acresce que e por força do artº 4º n.º 5 da Portaria 101/96 de 3/4 “ os cabos eléctricos existentes devem ser desviados para fora do estaleiro ou colocados fora de tensão, ou sempre que isso não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação permitido a veículos e o afastamento das instalações”.
Dúvidas não podem restar por outro lado, que o acidente ocorreu num “ estaleiro temporário ou móvel” dada a definição plasmada no artº 3º a) do citado D.L. 155/95.
Aí se escreve que por estaleiros temporários ou móveis, entende-se ( e para além do mais que ao caso não importa) os locais onde se efectuam trabalhos de construção civil, cuja lista consta do Anexo I a este diploma.
Ora do mencionado Anexo consta expressamente a referência à “ ampliação de edifícios” como era o caso da obra em que o acidente ocorreu.
Finalmente e conforme determina o artº 29º do D Regulamentar n.º 1/92 de 18/2( que aprovou o novo Regulamento de Segurança das Linhas Eléctricas de Alta Tensão) estas linhas quando se encontram na proximidade de edifícios, devem distar das partes mais elevadas deles( coberturas, chaminés etc.) , pelo menos 4 metros, podendo este número ser superior, atenta a voltagem dos cabos de alta tensão que por ali passem- cfr. fórmula indicada na alínea a) do artº 29º nº1 citado -.
Ora se é esta a distância exigível para as linhas de alta tensão, por maioria de razão não se poderá considerar outra de valor superior, para o caso de linhas de média tensão, dada a inferior voltagem destas e portanto a menor “ extensão” do seu “ campo eléctrico”.
“ In casu” e por aplicação da aludida fórmula e tendo em conta a voltagem dos cabos eléctricos em questão( 30.0000 Volts), a distância em análise era de 4 m.
E provado ficou que os cabos passavam a uma altura de cerca de 4 metros em relação à última lage da obra em que ocorreu o acidente.
O que vale dizer, que no momento em que este sucedeu, a distância legal de segurança estava a ser observada.
Salvo melhor entendimento, não se vê assim e por esta via, onde tenha a entidade patronal desrespeitado qualquer norma de segurança no trabalho( no ponto que ora nos ocupa evidentemente).
Todavia a recorrente invoca em seu favor o que se prescreve na Portaria 101/96 de 3/4
E na verdade no n.º 5 do artº 4º desse diploma se determina que “ os cabos eléctricos existentes devem ser desviados para fora da área do estaleiro ou colocados fora de tensão, ou sempre que isso não seja possível, devem ser colocadas barreiras ou avisos que indiquem o limite de circulação permitido a veículos e o afastamento das instalações”, o que efectivamente não foi feito.
Contudo –e sempre ressalvando o respeito devido por opinião mais esclarecida- esta regra apenas é de aplicar relativamente aos cabos existentes no próprio estaleiro( o que não é a situação dos autos, pois como ficou provado tratavam-se de fios de distribuição de energia eléctrica da rede pública), ou então quando aqueles ( estaleiros) se encontrem ( ou sejam colocados) a uma distância inferior à de segurança e que é- como se viu- aquela que resulta da aplicação da já aludida fórmula contida no mencionado artº 29º n.º 1 a).
Ora, no caso em análise tal distância estava salvaguardada, pois a obra na sua parte mais elevada, encontrava-se a não menos de 4 m dos cabos eléctricos que sobre ela passavam, como provado ficou.
Por isso e porque por outro lado como se disse, não se tratava de cabos pertencentes ao próprio estaleiro, a nosso ver não tem razão de ser a aplicação do determinado na Portaria 101/96.
Se assim se não entendesse, então sempre em qualquer obra, fosse qual fosse a distância a que o estaleiro se encontrasse de cabos da rede pública de distribuição de electricidade ( de média ou alta tensão), ter-se-ia que proceder ou à sua desactivação, ou então à sua mudança de local, com todas as delongas e prejuízos que tal acarreta, mesmo eventualmente para as populações que por eles são servidos.
Em suma: não resulta da factualidade dada como assente que a Ré patronal tenha violada qualquer regra relativa à segurança no trabalho.
E o respectivo ónus de alegação( e prova), competia à recorrente( artº 342º do CCv).
Por tudo isto conclui-se pela não do disposto no artº 18º n.º 1 da L. 100/97 de 13/9, impendendo consequentemente a responsabilidade de reparação infortunística em primeira linha à apelante, por força do contrato de seguro celebrado com a ré empregadora( e naturalmente dentro dos limites estabelecidos em tal convénio)- cfr. artº 37º nº1 da L. 100/97-.
E uma vez que não está demonstrada a violação de qualquer regra relativa à segurança no trabalho por parte da entidade patronal, torna-se despiciendo proceder à análise da temática respeitante à existência de nexo causal entre a alegada( mas não provada) inobservância e o acidente que vitimou o infeliz trabalhador.
Termos em que e por todo o expendido, se nega provimento ao recurso, mantendo-se- ainda que com fundamentação não coincidente( pelo menos na sua totalidade), a decisão impugnada.
Custas pela Ré Seguradora.