Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3056/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: MENORES EM PERIGO
PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO - TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 34º DA LEI Nº 147/99, DE 1/9 .
Sumário: I – Atendendo às finalidades das medidas de protecção de menores, justifica-se a aplicação da medida provisória de acolhimento em instituição própria .
II – A entrega a esse tipo de instituição afastará a situação de perigo na formação da personalidade em que se encontre o menor .
Decisão Texto Integral: 1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Leiria requereu neste Tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 1918º do C.Civil, 1º, 3º nº1 e 2 al. c), 35º , 49º e segs. e 92º da Lei 147/99 de 1/9, a aplicação de medida provisória de promoção dos direitos e protecção da menor A..., nascida em 24-11-97, em Leiria.
Fundamenta o pedido, em síntese, no facto de a menor se encontrar, enquanto inserida no seu agregado familiar, numa situação de risco para a sua formação moral, razão por que deverá ser entregue à guarda e cuidados do Lar Santa Isabel, podendo a mesma ficar acolhida no Centro da Acolhimento Temporário “Casinha do Mar” durante o período de férias de Páscoa do mencionado Lar.
Juntou a certidão de nascimento da menor, uma informação social, uma certidão de processo-crime e um relatório social.
1-2- O Mº Juiz procedeu à inquirição das testemunhas oferecidas, após o que proferiu decisão, em que determinou, a título provisório, a aplicação da medida de apoio aos requeridos de natureza psicopedagógica e social, a ser efectuada pelo CRSS, devendo este efectuar um rigoroso acompanhamento daqueles e enviar mensalmente relatórios circunstanciados da vivência da menor.
1-3- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer o requerente, M.P., recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
1-4- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- Dos elementos constantes do processo, deve-se concluir que a família onde a menor se insere, é uma família desorganizada, com ausência de interiorização de regras de carácter ético, moral, social e sexual, pautada pela total condescendência e falta de orientação dos filhos altamente permissiva e sem sentido de reprovação social
2ª- Pela falta de capacidade educativa dos progenitores, pela falta de formação e correcta adequação de personalidade, ambos puseram em risco futuro a formação e educação das três filhas mais velhas, as quais apresentam vivências precoces a nível sexual, com abandono do seio da família, sem oposição de quem quer que seja, abandono precoce da escola e falta de conceito de censurabilidade ou reprovação social.
3ª- Neste caso concreto não poderá defender-se o princípio da prevalência da família e investimento na cédula natural, não podendo ser aplicada qualquer medida que privilegie a manutenção da menor na família.
4ª- Terá que haver uma intervenção precoce, com defesa do superior interesse da criança, devendo esta ser retirada do seu agregado familiar de origem, sendo que, atenta a sua idade, ainda poderá ser orientada e acompanhada para uma adequada interiorização de regras de conduta que contribuam para uma correcta formação da sua personalidade.
5ª- Esta intervenção é a única necessária e adequada a afastar a situação de perigo em que a menor se encontra e prevenir que, em relação a ela no futuro, venham a ser assumidas atitudes por parte dos progenitores que a coloquem numa situação grave de violação dos seus direitos e da sua integridade física e psíquica.
6ª- A medida preconizada, nunca virá a pôr em causa a preservação dos laços afectivos da menor com os progenitores e com as irmãs, pois isso ficará assegurado com o estabelecimento de um regime de visitas compatível com os interesses da menor.
7ª- A menor verá, assim, assegurada a sua formação e educação de uma forma que os progenitores, por falta de formação moral e capacidade educativa, nunca lhe poderão proporcionar.
8ª- Ao aplicar a medida de promoção e protecção de apoio junto da família, a decisão recorrida violou o disposto noa arts. 4 als. a), c), e), 37º, 39º e 49º da Lei 147/99 de 1/9.
1-5- O M.º Juiz recorrido manteve a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Como se viu, o requerente, o M.P., pediu como medida de protecção da menor A..., nascida em 24-11-97, em Leiria, a sua entrega à guarda e cuidados do Lar Santa Isabel, retirando-se, para tal à sua família de origem.
O Mº Juiz, considerando que não se justificava no caso a medida drástica de subtracção à família, entendeu que era suficiente, a título provisório, a aplicação aos requeridos, pais da menor, a medida de apoio de natureza psicopedagógica e social a ser efectuada pelo CRSS.
Atendendo à posição que assumiu sobre o caso que não foi aceite pelo Mº Juiz, o M.P. entendeu mostrar o seu inconformismo através do presente recurso.
A questão que se coloca é pois a de se saber qual a medida, para protecção da menor, que se justifica no caso vertente.
Comecemos por verificar os factos que, entre outros, se devem ter como assentes. Assim:
1- A menor A..., nasceu em 24-11-97, em Leiria, sendo filha de B... e de C....
2- A menor vive com os pais e com uma irmã mais velha de nome D....
3- O pai tem 80 anos ( nasceu a 17-1-24 ) e a mãe tem 38 anos ( nasceu a 23-5-66 )
4- A menor é uma criança alegre, sendo assídua e pontual na escola primária que frequenta.
5- O agregado familiar habita numa casa de tipo T 3, ( habitação social ) que permanece, no geral, desorganizada e suja.
6- A mãe revela alguma debilidade mental.
7- O pai da menor foi condenado em processo-crime como autor material de dois crimes continuados de prática de abuso sexual de crianças p.e p. pelos arts. 172º nº 2 e 177º nº 1 al. a) do C. Penal e de dois crimes continuados de lenocínio de menores p.e p. pelos arts. 176º nº 3 e 177º nº 1 al. a) do mesmo Código, cujas vítimas foram, nos dois tipos de crime, umas outras suas filhas, irmãs mais velhas da menor Patrícia.
8- A mãe da menor foi condenada em processo-crime como autora material de dois crimes continuados de lenocínio de menores p.e p. pelos arts. 176º nº 3 e 177º nº 1 al. a) do mesmo Código, cujas vítimas foram, igualmente, as mesmas irmãs mais velhas da menor Patrícia, também suas filhas.
9- Pela prática destes crimes, o pai foi condenado na pena unitária de 8 anos de prisão e a mãe foi condenada na pena única de 3 anos de prisão cuja execução ficou suspensa por 3 anos.
10- Dão-se aqui como reproduzidos os factos que conduziram à condenação dos pais da menor, nos autos de fls. 41 a 47. -------------------------------------
2-2- Como se verifica pelos factos dados como provados e como ressalta dos relatórios sociais elaborados, a menor está inserida numa família de modesta condição social e económica. O pai é já pessoa de avançada idade e a mãe sofre de alguma debilidade mental. Através da condenação que sofreram e atenta a factualidade que fundamentou essa condenação, indicia-se que se trata de pessoas, principalmente o pai, com evidente ausência de interiorização das mais elementares regras de carácter ético, moral e social, circunstância que se irá repercutir, necessariamente, de forma negativa no seu relacionamento com a filha e no consequente desenvolvimento psíquico e até físico da menor. Parece-nos evidente, face aos mesmos factos e ainda às circunstâncias mencionadas em 5 e 6 dos factos provados, que carecem os progenitores de capacidade para educar e cuidar da menor de forma minimamente apropriada, já que se trata, patentemente, de pessoas alheias a qualquer conceito de censurabilidade e reprovação sociais. Os factos que os progenitores terão praticado e em relação aos quais foram condenados criminalmente, tendo como vítimas as irmãs mais velhas da Patrícia, suas filhas ( quando elas tinham uma tenra idade ), são extremamente graves, mesmo para um critério mais permissivo de moralidade. Disto tudo se poderá concluir que, continuando a viver com os pais, a formação moral e cívica da menor estará em perigo.
Por outro lado, a menor tem apenas 6 anos de idade, isto é, está no começo da sua formação como pessoa, o que serve para dizer que a intervenção de uma instituição apropriada, no sentido de fornecer à menor regras de conduta que contribuam para a correcta formação da sua personalidade, ainda é tempestiva. Simultaneamente a entrega a essa instituição, afastará a situação de perigo na formação da sua personalidade em que a menor se encontra.
Significa isto tudo que, atendendo às finalidades da medida de protecção de menores a que alude o art. 34º da Lei 147/99 de 1/9 ( concretamente, afastar o perigo em que a menor se encontra e outrossim proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral ), justifica-se aplicar à menor a medida provisória de acolhimento em instituição ( Lar Santa Isabel, em Leiria ), tal como foi requerido pelo M.P..
Haverá, porém, que preservar os laços afectivos da menor em relação aos seus progenitores, irmãs e restante família, o que se logrará através de visitas que lhe poderão fazer na instituição a que ficará entregue, sem, porém, prejuízo das suas obrigações escolares e necessidades de repouso.
O agravo procederá, pois.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, determinando-se que a menor A... seja entregue provisoriamente ao Lar Santa Isabel, em Leiria, conforme foi requerido pelo M.P.
Faculta-se aos pais, irmãs e restante família, a possibilidade de visitarem a menor na instituição, desde que o façam a horas que não colidam com as suas obrigações escolares e necessidades de repouso.
Sem custas.