Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
380/07.7
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 808.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O incumprimento do contrato promessa pelo promitente vendedor só dá direito à resolução do contrato e consequente restituição do sinal, verificada que esteja uma situação de incumprimento definitivo do contrato (art. 808º do Cód. Civil), não se encontrando razões para excepcionar o contrato promessa do regime geral aplicável aos demais contratos
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra 

I.RELATÓRIO

A...., B....e C....intentaram contra D....e E...., a presente acção declarativa com forma de processo sumário, pedindo que:

a) se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os demandantes, na qualidade de promitentes compradores, e os demandados na qualidade de promitentes vendedores;

b) a condenação dos réus a restituir aos autores a quantia de 10.000,00 Euros recebida a título de sinal, acrescida de juros de mora até integral pagamento;

c) a condenação dos réus a pagar as despesas que os autores terão de suportar com a presente acção, nomeadamente com a custas judiciais, despesas e honorários com a mandatária, bem como com as deslocações de França que terão de fazer, estimando tudo em quantia não inferior a 2.000,00 Euros.

Para fundamentar a sua pretensão invocam, em síntese, que:

Em Agosto de 2006 celebraram com os réus um contrato-promessa de compra e venda de um lote de terreno, que destinariam a construção, ficando os réus encarregues de proceder ao registo do prédio em seu nome (réus) e à marcação da escritura de compra e venda relativa ao contrato prometido, após o que deveriam informar os autores do dia, hora e cartório notarial em que a referida escritura seria celebrada;

Logo na altura da assinatura do contrato-promessa os autores entregaram aos réus a quantia de 10 000,00 Euros a título de sinal e princípio de pagamento, propondo-se pagar a parte restante do preço no acto da celebração da escritura de compra e venda;

Os réus procederam à marcação da dita escritura, informando os autores em conformidade com o que havia sido acordado, porém, na véspera da data agendada, estes últimos, que se haviam deslocado de França para o efeito, foram ao cartório notarial escolhido para o acto e, uma vez ali, constataram que os réus se preparavam para celebrar, em simultâneo, uma escrita de justificação e de compra e venda; e ainda que aquilo que os réus se propunham vender era uma fracção indivisa de um prédio sem correspondência directa com um determinado lote de terreno.

Após, os autores deslocaram-se aos serviços da Câmara Municipal de Castelo Branco, onde foram informados que não havia qualquer processo de loteamento de onde constasse o lote de terreno prometido vender, nem a dita Câmara Municipal permitiria aos réus a venda de uma parcela de terreno a destacar de um prédio indiviso.

Concluem pela impossibilidade culposa de cumprimento do contrato-promessa de compra e venda por parte dos réus promitentes vendedores, pois que tinham obrigação de saber que não estavam em condições de vender aquilo que haviam prometido vender aos autores.

Citados, os réus impugnam alguns dos factos articulados na petição inicial e invocam, em síntese, que:

Colocaram à venda o prédio rústico identificado na cláusula primeira do contrato-promessa de compra e venda celebrado com os autores, numa imobiliária sedeada nesta cidade de Castelo Branco, a quem forneceram todos os documentos necessários para permitir aos potenciais compradores conhecerem a sua situação jurídica.

Os autores, desde que demonstraram interesse na aquisição do aludido prédio até à celebração do contrato-promessa, durante vários meses, deslocaram-se ao local por mais de seis ou sete vezes, sozinhos ou acompanhados; foi ainda fornecida aos autores toda a documentação e dada a conhecer a situação jurídica do prédio, quer em termos matriciais e fiscais, quer em termos registrais, designadamente, através da exibição da caderneta predial rústica e da certidão da conservatória do registo predial.

Aquando da redacção e assinatura do contrato-promessa, os autores estavam devidamente esclarecidos em relação ao prédio rústico que compravam, às suas características, às suas potencialidades, à sua composição, à sua dimensão, inscrição e descrição.

Em cumprimento do acordado, os réus procederam a uma primeira marcação da escritura de compra e venda relativa ao contrato prometido, que os autores se recusaram a outorgar, alegando para o efeito que o prédio ainda não estava registado a favor dos vendedores.

Por isso, os réus efectuaram a escritura de justificação e posteriormente efectuaram o registo na Conservatória, comunicando aos autores a data de celebração da escritura de compra e venda relativa ao contrato-prometido. Porém, na data marcada, os autores voltaram a não comparecer no cartório notarial para a realização da escritura.

Os autores apresentaram resposta, reafirmando, no essencial os factos já alegados na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e a levar à base instrutória.

Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“3.Decisão:

Tudo visto e ponderado de facto e de direito, decidimos julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo os réus do pedido .

Custas da acção: pelos autores ( artigo 446.º, n. º1 do C.P.C.)”.

Inconformados, os autores recorreram, propugnando pela revogação da decisão e condenação dos réus no pedido, formulando as seguintes conclusões:

“Por todo o exposto vêm os ora recorrentes pugnar pela reposição da verdade que no seu entender será alcançada por uma análise justa e cuidada da matéria de facto, incluindo toda a prova documental apresentada nos autos, provando-se assim o incumprimento culposo por parte dos recorridos com grave prejuízo para os recorrentes decorrente da alteração anormal e não previsível das circunstâncias, ferindo os princípios de equidade e boa fé pelos quais se deverão pautar as relações contratuais”.

Os réus não apresentaram contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade, aditando esta Relação a respectiva proveniência:

1- Os réus colocaram à venda “1/104 avos indivisos de um prédio rústico designado de “Líria – Alvorações”, com 51.5250 ha, sito na freguesia de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n. º 27 da Secção “AE 1”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n. º 01806/290390, a confrontar do Norte com Francisco Amaro Lopes e Ribeira da Líria, a Sul com o caminho PÚBLICO e Joaquim Gomes Belo, a Nascente com Joaquim Gomes Belo e a Poente coma Ribeira da Líria, com Quitéria Gomes Belo e Maria da Piedade Lencastre, os quais correspondem ao Lote B 26, com área de 4 903 m2 (alínea A  dos factos assentes).

2- E colocaram-nos à venda na “Sociedade de Mediação Imobiliária IMOBIBI”, com sede na Urbanização Quinta Pires Marques, Lote 248, R/c trás, em Castelo Branco, tendo para o efeito contactado o sócio gerente deste sociedade, o Sr. F.....

3- Após algum tempo, este último entrou em contacto com os réus, no sentido de lhes dar a conhecer que tinha encontrado comprador para o prédio em causa (alínea B dos factos assentes).

4- Antes da celebração do contrato-promessa de compra e venda, os réus forneceram ao gerente da sociedade imobiliária “Sociedade de Mediação Imobiliária Imobibi” e aos ora autores, a caderneta predial rústica e a certidão da Conservatória do Registo Predial, que lhes davam a conhecer a situação jurídica em que o prédio sito na Líria- Alvorações, na freguesia de concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 27 da Secção AE 1, se encontrava, designadamente, os termos em que o mesmo estava inscrito nas finanças e descrito na Conservatória do Registo Predial (resposta aos quesitos 33º e 34º).

5- O mediador imobiliário encarregue pelos réus de vender o terreno deu a conhecer aos autores A… e B…. que já tinha sido aprovada a regulamentação do Plano de Pormenor do Lirião (resposta ao quesito 35º).

6- Autores e réus celebraram, em 31 de Agosto de 2006, um contrato-promessa de compra e venda, cujo texto se encontra junto aos autos com a PI como documento n. º1 e que aqui damos por integralmente reproduzido (alínea C dos factos assentes).

7- Através dele, os réus arrogaram-se a qualidade de “donos e legítimos possuidores de 1/104 avos indivisos de um prédio rústico designado por “Líria – Alvorações”, com 51.5250 ha, sito na freguesia de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º 27, Secção “AE 1”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 01806/290390, a confrontar do Norte com Francisco Amaro Lopes e a Ribeira da Líria; a Sul com o caminho público e Joaquim Gomes Belo; a Nascente com Joaquim Gomes Belo; e a Poente com a Ribeira da Líria, Quitéria Gomes Belo e Maria da Piedade Lencastre, os quais correspondem ao lote B 26, com área de 4. 903 m2, lote esse que é efectivamente prometido vender à segunda outorgante” ( aqui autores) (alínea D dos factos assentes).

8- O preço total convencionado foi de 124.699,47 Euros (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) (alínea E dos factos assentes).

9- Tendo os autores pago aos réus no acto da celebração do referido contrato promessa a quantia de 10.000,00 Euros (dez mil euros) a título de sinal e início de pagamento (alínea F dos factos assentes).

10- O contrato-promessa de compra e venda foi elaborado por um advogado que acompanhou os autores na dita celebração, e que foi contactado pela própria imobiliária (resposta aos quesitos 36º e 37º).

11- Na data da assinatura do contrato-promessa, os autores estavam esclarecidos em relação ao prédio rústico que compravam, quanto às suas características, às suas potencialidades, à sua composição, à sua dimensão, inscrição e descrição registral (resposta ao quesito 38º).

12- Aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, foi dado a conhecer aos autores que o prédio ainda não estava inscrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos réus.

13- Com o regulado na cláusula 7.ª do contrato-promessa de compra e venda, no que diz respeito às despesas de infra-estruturas, as partes quiseram acordar em que os autores suportariam toda a qualquer infra-estrutura relativa ao prédio e não ao lote (resposta ao quesito 39º).

14- Até à presente data os réus não restituíram aos autores a quantia paga por estes a título de sinal e princípio de pagamento (alínea G dos factos assentes).

15- Desde que demonstraram interesse na aquisição do aludido prédio até à celebração do contrato-promessa de compra e venda, os autores deslocaram-se àquele por mais de seis ou sete vezes, sozinhos e acompanhados e durante vários meses (alínea H dos factos assentes).

16- Na cláusula primeira do contrato-promessa a identificação do prédio rústico é feita de acordo com o “Plano de pormenor do Lirião”, cuja regulamentação tinha sido aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 195/2005, de 19.12, e com a correspondência que ali é feita com o Lote B 26 (alínea I dos factos assentes).

17- Foi exibido aos autores cópia da planta anexa à regulamentação do “Plano de pormenor do Lirião”, onde o prédio rústico referido na cláusula 1.ª do contrato-promessa se encontra localizado (alínea J dos factos assentes).

18- A localização do Lote B 26 foi mostrada aos autores no local (alínea L dos factos assentes).

19- Na altura foi apresentada aos autores uma cópia do “Plano de pormenor” para assinalar a localização do lote (resposta ao quesito 9º).

20- Quando os autores se deslocaram ao local, viram ali um lote numa zona onde já existiam construções, sendo que, uma ou duas delas serviam de habitação (resposta ao quesito 8º).

21- Os autores estão a residir em França (alínea M dos factos assentes).

22- Ficou acordado entre os autores e os réus que aqueles assumiriam por sua conta “ o pagamento de toda e qualquer infra-estrutura relativa ao referido prédio” (alínea N dos factos assentes).

23- Mais acordaram que a “escritura de compra e venda será celebrada num dos cartórios notariais da cidade de Castelo Branco no prazo máximo de 60 dias, a contar da data e que o prédio estiver registado na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos primeiros outorgantes (aqui réus), sendo a sua marcação da responsabilidade dos primeiros outorgantes (aqui réus), que se obrigam a comunicar aos segundos outorgantes (aqui autores) com a antecedência de oito dias, o cartório, a data e a hora” (alínea O dos factos assentes).

24- Pelo menos aquando da celebração do contrato-promessa e em função do que consta deste, os autores pretendiam que a compra e venda fosse celebrada com a intervenção dos três (resposta ao quesito 46º).

25- Passados mais de três meses após a data da assinatura do contrato-promessa, os autores receberam uma carta dando-lhes conta de que a escritura se realizaria pelas 10 horas e 30 minutos do dia 05.12.2006, em Castelo Branco, no Cartório Notarial da Licenciada Maria Fernanda Cordeiro Vicente, sito na Rua Cadetes e Toledo, Lote 5, R/c (alínea P dos factos assentes).

26- Após a redacção e a assinatura do contrato-promessa de compra e venda, os réus reuniram toda a documentação necessária para a realização da escritura de justificação e em simultâneo de compra e venda, suportando os custos inerentes à justificação, e às publicações e ao respectivo registo na Conservatória (alínea Q dos factos assentes).

27- No dia 05 de Dezembro de 2006, os autores, com a celebração da escritura marcada pelos réus, iriam pagar-lhes os restantes 114.699,47 Euros (cento e catorze mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) (alínea R dos factos assentes).

28- Mais teriam de aguardar por 30 dias pela publicação inerente à justificação e esperar que ninguém reclamasse direitos sobre o prédio, e teriam de aguardar pelo registo em nome dos réus ou de fazer esse registo em simultâneo com o registo pelos autores da sua aquisição (alínea U dos factos assentes).

29- Pelo menos os autores A… e B…. deslocaram-se de França até Castelo Branco , onde estavam no dia 04.12.2006 (resposta ao quesito 14º).

30- Nesse dia 04.12.2006, pelo menos os autores A.... e  B...deslocaram-se ao Cartório Notarial para onde estava marcada a escritura pública de compra e venda para o dia 05.12.2006 (resposta ao quesito 15º).

31- E ali foi-lhes comunicado que, efectivamente, estava agendada pelos réus uma escritura de justificação notarial e de compra e venda (resposta ao quesito 16º).

32- No dia 04 de Dezembro de 2006 os autores solicitaram a presença no Cartório Notarial de Castelo Banco da Licenciada Maria Fernanda Cordeiro Vicente, sito na Rua Cadetes de Toledo, Lote 5, R/c, de um representante dos réus, que efectivamente ali compareceu (alínea V dos factos assentes).

33- Na altura, os autores deram conta ao representante dos réus de que não iriam comprar o prédio celebrando no mesmo acto a escritura de justificação notarial (resposta ao quesito 22º).

34- Em dia não concretamente determinado, os autores A.... e  B...deslocaram-se aos Serviços de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal de Castelo Branco munidos com uma planta do plano de pormenor onde se encontrava assinalado o Lote B-26 (resposta ao quesito 24º).

35- Nestes serviços os autores foram informados de que não existia qualquer pedido de loteamento para aquele prédio, e de que o Lote B-26 não é um lote propriamente dito mas sim uma parcela de terreno (resposta ao quesito 25º).

36- Os autores não compareceram na escritura que se iram celebrar pelas 10 horas e 30 minutos do dia 05 de Dezembro de 2006 em Castelo Branco, no Cartório Notarial da Licenciada Maria Fernanda Cordeiro Vicente, sito na Rua Cadetes de Toledo, Lote 5, R/c. (alínea X dos factos assentes).

37- No dia 05 de Dezembro de 2006, os réus efectuaram a escritura de justificação notarial em seu nome de 1/104 avos do prédio rústico, que se compõe de terra de cultura arvense, mato e construções rurais, com área de quinhentos e quinze mil duzentos e cinquenta metros quadrados, sito em Líria – Alvorações, na freguesia e concelho de Castelo Branco, a confrontar a Norte com Francisco Amaro Lopes e Ribeira da Líria, do Sul com o caminho público e Joaquim Gomes Belo, do Nascente com Joaquim Gomes Belo e do Poente com a Ribeira da Líria, Quitéria Gomes Belo e Maria da Piedade Lencastre, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 27 da Secção AE 1, com o valor patrimonial tributário correspondente à fracção de 5.56 Euros e atribuído de mil e quinhentos euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o número mil e oitocentos e seus da freguesia de Castelo Branco, sem registo de aquisição da referida fracção a favor dos justificantes (alínea Z dos factos assentes).

38- Posteriormente os réus publicaram o extracto da referida escritura de justificação e efectuaram o registo em seu nome na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco (alínea AA dos factos assentes).

39- Após a realização da escritura de justificação, em 03 de Janeiro de 2007, os réus remeteram aos autores uma carta registada com aviso de recepção, referindo-lhes para além do mais, que:

“Vimos pela presente e na sequência do fax enviado à vossa advogada pelo nosso advogado, transmitir-lhes que não consideramos que o contrato-promessa de compra e venda se encontre incumprido, uma vez que a escritura de compra e venda já esteve marcada para o dia 5 de Dezembro de 2006 tendo sido dado conhecimento a V. Exas. para comparecerem. No entanto, à data e hora marcadas, não compareceram, tendo, por isso, sido apenas realizada a escritura de justificação”.

Mais dizem os réus que : “Assim, encontram-se a correr éditos de 30 dias, para que possamos registar a nosso favor o prédio rústico designado por “Líria – Alvorações”, inscrito sob o artigo matricial n. º 27 da Secção AE 1, correspondente ao Lote B 26, com área de 4. 903 m2.

Após o decurso de 30dias, procederemos ao registo do aludido prédio.

Sendo nossa intenção marcar nova data e hora para a realização da escritura de compra e venda. Caso V. Exas. não compareçam na hora, data e local indicado para o efeito, consideraremos o contrato-promessa de compra e venda incumprido, sem que seja devolvida qualquer quantia”, tudo nos termos do documento junto sob o n. º 4 com a contestação, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido (alínea BB dos factos assentes).

40- Com a data impressa de 16 de Janeiro de 2007, mas registo de 21 de Fevereiro de 2007 e recepção a 28.02.2007, os réus remeteram aos autores uma carta registada com aviso de recepção, a marcar a escritura definitiva de compra e venda para o dia 01. 03.2007, pelas 11 horas, no Cartório Notarial de Castelo Branco da Licenciada Maria Fernanda Cordeiro Vicente, sito na Rua Cadetes de Toledo, Lote 5, R/c, em Castelo Branco, tudo nos termos do dos documentos juntos com a contestação sob os n. º 5 e 6, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido (alínea CC dos factos assentes).

41- No dia 01 de Março de 2007, os autores voltaram a não comparecerem no cartório notarial para a realização da escritura de compra e venda, referente ao contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 31 de Agosto de 2006 (alínea DD dos factos assentes).

42- Em 06 de Março de 2005 os réus enviaram aos autores a carta junta com a contestação sob o n. º 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se pode ler, para além do mais : “Vimos pela presente informar V. Exas que comparecemos no Cartório Notarial de Castelo Branco da Licenciada Maria Fernanda Cordeiro Vicente, sito na Rua Cadetes de Toledo, Lote 5, R/c, no dia 01 de Março de 2007, pelas 11 horas, conforme havia ficado estipulado para a realização da escritura de compra e venda, e cumprimento da terceira cláusula do contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 31 de Agosto de 2006 ...”, e ainda, “... apesar de terem sido informados através de carta registada com aviso de recepção do cartório, data e hora da realização da escritura de compra e venda, V. E.xas. não compareceram, nem apresentaram qualquer motivo para a não comparência, pelo que, consideramos o contrato-promessa de compra e venda incumprido por vossa exclusiva culpa” (alínea EE dos factos assentes).

43- A planta do “Plano de pormenor do Lirião” não corresponde a uma planta de um loteamento já existente e aprovado nos serviços competentes da Câmara Municipal de Castelo (alínea FF dos factos assentes).

44- Nos serviços da Câmara Municipal de Castelo Branco não existe qualquer pedido de loteamento para o prédio sito em Líria – Alvorações, na freguesia e concelho de Castelo Branco, a confrontar do Norte com Francisco Amaro Lopes e Ribeira da Líria, do Sul com o caminho público e Joaquim Gomes Belo, do Nascente com Joaquim Gomes Belo e do Poente com a Ribeira da Líria, Quitéria Gomes Belo e Maria da Piedade Lencastre, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 27 da Secção AE 1 (alínea GG dos factos assentes).

45- Os autores remeteram aos réus, com registo de 26.01.2007, a carta junta aos autos com a PI sob o n.º 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde expõem as suas razões pelas quais não compareceram na escritura de compra e venda marcada para o dia 05.12.2006 e manifestaram a sua intenção de resolver o contrato, solicitando aos réus a devolução da quantia entregue a título de sinal no acto de assinatura do contrato-promessa, no valor de 10 000, 00 Euros (alínea HH dos factos assentes).

46- Os Serviços Técnicos da Câmara Municipal de Castelo Branco emitiu o parecer constante do ofício junto pelos autores a fls. 85 e 86, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido (alínea II dos factos assentes).

47- Os autores A.... e  B...pretendiam construir uma habitação no local correspondente ao Lote B-26 (resposta ao quesito 2º).

48- Os autores pretendem voltar, definitivamente, de França para Portugal e, por isso, planearam a compra de um terreno onde pudessem construir (resposta ao quesito 3º).

49- É intenção dos réus que a escritura de compra e venda relativa ao contrato prometido se realize (resposta ao quesito 45º).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.– salientando-se, no entanto, que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do C.P.C.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente:

- da impugnação da matéria de facto; 

- do incumprimento do contrato promessa por parte dos réus;

- da resolução do contrato por alteração das circunstâncias.

2. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos especificados no art. 712º do C.P.C., a saber:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por outro lado, dispõe o art. 690º-A do mesmo diploma:

 “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Vejamos, então, em que termos se deve processar a reapreciação da prova produzida.

Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção.

Desde logo, e fazendo apelo ao preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, [ [i] ] o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador.

Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, o princípio da livre apreciação da prova – arts. 396º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem e 655º, nº1 – e o princípio da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. [ [ii] ]

O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.

                                             *                    

Está em causa apreciar a resposta do tribunal de 1ª instância a um conjunto de quesitos que correspondem, grosso modo, à alegação dos autores vertida na petição inicial e resposta à contestação e que mereceram resposta negativa (quesitos 1º, 4º a 7º, 10º a 13º, 17º a 20º, 23º, 26º a 32º e 47º ) e restritiva (quesitos 2º, 8º 9º, 14º, 15º, 21º, 24º e 46º), sendo que só com muita benevolência é que se pode considerar que os recorrentes deram cumprimento ao disposto no art. 690º A do C.P.C..

Globalmente, os recorrentes consideram que o Sr. Juiz não deu relevância a determinados depoimentos – por exemplo, o da irmã da autora – e atendeu a outros – por exemplo, o da testemunha Domingos Barata –, indevidamente, e que “o conjunto das provas produzidas” “não foram correctamente avaliadas e enquadradas, tendo sido dada relevância ao testemunho dúbio e incerto com passagens demonstrativas da falta de informação e imprecisão durante todo o processo de negociação em detrimento do testemunho de quem claramente demonstrou conhecer directamente a questão quer por conhecimentos técnicos quer por proximidade e vivência com os recorrentes”.

Considerando que se procedeu à gravação da prova produzida em audiência de julgamento, cumpre então apreciar dos diversos elementos probatórios constantes dos autos.

                                             * 

Depois de se proceder à audição dos depoimentos constantes do registo- audio, entendemos que não se justifica qualquer alteração à resposta aos quesitos, sendo que, no caso em apreço, o Sr. Juiz fundamentou suficientemente essa resposta, conjugando os vários depoimentos e analisando-os com recurso a regras de experiência comum, em suma, valorando, criticamente a prova produzida, como impõe o art.653º, nº2 do C.P.C. e explicando o seu percurso de avaliação.

Vejamos, no entanto, com mais pormenor, os depoimentos das testemunhas a que a apelante alude, tendo por referência as questões que esta suscitou.

A testemunha Carlos Lopes, respondeu aos quesitos 8º, 9º, 12º e 13º.

A testemunha não conhece os autores, conhecendo apenas o réu D.... Referiu que o plano de pormenor foi aprovado e publicado em D.R., fazendo a testemunha parte da direcção da Associação, como secretário. A testemunha limitou-se a confirmar a existência no local de duas habitações para residências e aludiu ao plano de pormenor – enquanto instrumento de ordenamento do território –, esclarecendo que isso significa que “no futuro vai-se poder construir”, que “está todo um processo a correr na Câmara” e que num “curto prazo” a situação fica resolvida.   

 Sobre os autores e a sua situação a testemunha, concretamente, nada sabia e nem sequer lhe foram feitas perguntas relativamente à posição dos autores, pelo que nunca seria possível, com base neste depoimento, responder de forma diferente aos quesitos a que foi inquirida, para além do que consta da resposta aos quesitos 8º e 9º. Refira-se que, no caso da testemunha, esta adquiriu a sua parcela de terreno para agricultura.

Quanto à testemunha Luís Peres, respondeu aos mesmos quesitos 8º, 9º, 12º e 13º. A testemunha também só conhece o réu D..., foi vice presidente da mesma Associação e ainda hoje faz parte da direcção. A testemunha prestou um depoimento perfeitamente similar à anterior, pronunciando-se mais pormenorizadamente sobre as diligências que estão a ser feitas pela Associação junto da Câmara – “o objectivo da associação sempre foi urbanizar aquilo”, referiu a testemunha.

As duas testemunhas reportaram-se ainda às diligências que têm sido feitas pela Associação, com base no plano de pormenor, aludindo ainda que as despesas de infra-estruturas alusivas a todo o prédio, são suportadas pelos proprietários das várias parcelas – vide a resposta ao quesito 39º.    

Em suma, o tribunal serviu-se do depoimento destas testemunhas (Carlos Lopes e Luís Peres) para a resposta aos quesitos 8º e 9º e nos precisos termos que resultam da resposta, correctamente, porquanto relativamente aos outros factos, nada disseram – aliás, a mandatária dos autores nem sequer fez qualquer pergunta específica relativa aos autores.   

A testemunha …., técnica superior da área de urbanismo da Câmara Municipal de Castelo Branco, respondeu aos quesitos 12º - e não 2º como por lapso se refere nas alegações de recurso –, 24º, 25º e 26º.

Os recorrentes entendem que este depoimento foi “esclarecedor” quanto a um “facto”, a saber, “a exigência por parte dos ora recorrentes em que ficasse expressa a correspondência ao lote B26 visava garantir que os recorridos legalizassem correctamente o prédio antes de o vender, o que não fizeram”, referindo ainda que o depoimento releva quanto ao que “os recorridos deveriam ter feito”.

Ora, a testemunha limitou-se a explicitar o plano de reconversão urbanística – começando por referir que o plano de pormenor e o projecto de loteamento são formas de proceder à reconversão, tendo a Câmara optado, no caso, pelo plano de pormenor, aludindo às competências da assembleia de proprietários e procedimentos alusivos ao registo…  –, nada sabendo, concretamente, relativamente aos autores e o relacionamento negocial mantido com os réus, a não ser que o “casal” se deslocou à Câmara, não se recordando da data, nem se lembrando do que concretamente lhes disse, para além do que consta das respostas aos quesitos 24º e 25º, explicitando que “normalmente é isso que digo às pessoas”.        

Saliente-se que o que está fundamentalmente em causa é saber em que termos se desenvolveram as negociações entre autores e réus, negociações que precederam a outorga do contrato promessa, invocando os recorrentes um circunstancialismo (cfr. por exemplo os quesitos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 12º e 13º) que, manifestamente, não lograram provar – daí as respostas negativas e restritivas –, desde logo porque, relativamente às testemunhas aludidas, estas nem sequer conheciam os autores, nunca se tendo reportando, concretamente, ao caso dos autores, – à excepção da Edite Candeias, nos termos já referidos – limitando-se a aludir genericamente ao prédio e diligências que vêm sendo feitas, ao logo dos anos, pelos proprietários das várias parcelas, através da Associação, e pela Câmara. 

Passamos então, à testemunha Irene de Jesus Costa Antão, irmã da autora, que foi inquirida a toda a base instrutória.

A testemunha viu “uma vez” o réu, não conhecendo a ré. Conhece o terreno em causa, que “foi visitar” porque esteve também interessada no terreno, que depois achou caro pelo que se “desinteressou” do negócio. Em bom rigor, do depoimento da testemunha retiram-se, exclusivamente, os elementos constantes da resposta aos quesitos 2º e 3º, como bem avaliou o Sr. Juiz, ou seja, a testemunha limitou-se a confirmar que a sua irmã queria o terreno para nele “construir” e que a sua irmã e cunhado pretendem regressar a Portugal, pelo que planearam a compra do terreno. 

Efectivamente e ao contrário do que se podia supor, considerando as relações familiares da testemunha e o facto de conhecer o terreno, a testemunha pouco ou nada sabia sobre as matérias em causa nos autos – aliás, trata-se de um depoimento rápido, sendo que apenas a mandatária dos réus fez perguntas à testemunha. Assim, a testemunha começou por contar o que o réu lhe transmitiu, na altura em que este lhes mostrou o terreno – que “tinham um advogado na associação para poderem urbanizar o terreno”, que “estava para breve para poder construir”.

Inquirida pela mandatária quanto à “intervenção do sobrinho na compra”, e se o sobrinho pretendia efectivamente comprar o terreno, a testemunha respondeu de forma titubeante, dizendo “penso que sim” e terminando por referir “não sei”. Quanto ao mais, a testemunha não acompanhou o que se passou subsequentemente – “depois não sei o que se passou”. 

Quanto à testemunha Domingos Barata, que respondeu aos quesitos 33º a 37º, a testemunha conhece o casal autor e os réus, bem como o prédio em causa. Foi a testemunha que mediou o negócio, tendo referido que, actualmente, já não é dono da imobiliária.

A instância começa a ser feita pelo mandatário dos réus mas o Sr. Juiz inicia um conjunto de perguntas à testemunha. Atente-se no seguinte diálogo:

Juiz: Queria que me explicasse o que é que transmitiu aos compradores sobre a situação do Lirião, isso é que eu preciso que me explique. O que é que lhes disse?

Testemunha: Oh Sr. Dr. Juiz, aquilo que eu lhes transmiti foi aquilo que foi transmitido no dia em que se fez o contrato.

Juiz: E o que foi?

Test.: O que foi é o que está escrito no contrato.

Juiz: Mas o senhor, alguma vez durante esse processo, foi dito aos senhores que havia lá um projecto de loteamento?  

Test.: Então, está aqui, no Diário da República.

Juiz: Isso, é um plano de pormenor.

Test.: Foi isso que eu comuniquei, não podia adiantar mais nada, porque não tinha mais nada em meu poder!

Juiz: Então não lhes disseram que aquilo era um lote para construção e que estava pronto a construir?

Test.: Não não, desculpe lá! Estava pronto a construir não. Só estava pronto a construir quando fosse aprovado pela Câmara!. Não, isso aí … É o que estava aqui. Eu aí não podia dizer que estava pronto a construir”.    

Posteriormente, quando o mandatário dos réus instou a testemunha sobre se os autores lhe tinham dito que queriam o terreno para construir a curto prazo – “para o ano, ou este ano” –, a testemunha respondeu negativamente, de forma inequívoca, acrescentando ainda que se os autores lhe tivessem dito isso a testemunha lhes teria referido imediatamente que isso não podia ser – “se era para construir logo ou imediatamente, eu era o próprio a dizer, perante os elementos que eu tinha, que não o podiam fazer!”, referiu a testemunha.

Em suma, a testemunha foi inequívoca em afirmar que os compradores foram informados da situação em que estava o terreno – “as coisas foram clarificadas, bem esclarecidas” –, tendo explicitado com pormenor o circunstancialismo alusivo à celebração do contrato – o filho dos autores não estava presente quando “o contrato foi feito”.

Saliente-se que a testemunha não manifestou uma especial ligação ao réu, como não manifestou qualquer animosidade relativamente aos autores, sendo que a testemunha já não é proprietário da imobiliária que efectuou a actividade de mediação.

A contradição evidenciada no depoimento da testemunha, relativamente a determinado ponto – a testemunha, a instâncias da mandatária dos autores, referiu que já não se recordava se alguma vez o casal lhe disse que queria construir no terreno e, posteriormente, ao Sr. juiz, referiu que o casal lhe tinha dito que queria o terreno para aí construir –, não é de molde a afectar a relevância do depoimento. Aliás, quanto a algumas matérias, a testemunha foi inquirida com alguma insistência, tendo de responder a perguntas idênticas ou similares, ora feitas pelos mandatários ora pelo Sr. Juiz.

Concluímos, pois, que o Sr. Juiz valorou correctamente este depoimento no sentido do mesmo suportar a resposta aos quesitos 33º a 39º, nos termos indicados no despacho de fundamentação da resposta aos quesitos e, por outro lado, a testemunha contrariou a versão dos autores, carreada para alguns quesitos.

Quanto à testemunha Rui D..., filho dos réus, o Sr. Juiz referiu que a factualidade consignada na resposta aos quesitos 14º, 15º e 16º “acabou por ser confirmada pela testemunha, na exacta medida aí referida” – a testemunha foi indicada para responder apenas aos quesitos 33º a 37º. A testemunha sabia, essencialmente, o que o seu pai (réu) lhe havia dito, sendo que a factualidade enunciada na resposta a tais quesitos (14º, 15º e 16º) parece-nos razoavelmente adquirida para o processo, nomeadamente também pelo depoimento da testemunha Domingos Barata. Refira-se que a testemunha Rui confirmou ainda a matéria consignada na resposta aos quesitos 21º e 22º, não se percebendo sequer a objecção feita pelos recorrentes.

Em sede de prova documental, os recorrentes fazem menção a uma “declaração bancária que deveria instruir a escritura”, documento que alegadamente “consta do autos”. Ora, compulsando o processo não se encontra qualquer declaração emitida por entidade bancária e, por outro lado, também não se vislumbra em que termos se pode retirar de uma “declaração bancária” a conclusão pretendida nas alegações de recurso.

Para a resposta a alguns quesitos releva, ainda, o texto do próprio contrato, subscrito livremente pelas partes e que ninguém põe em causa. Por exemplo, parece evidente que os autores teriam consciência da situação jurídica do prédio, em termos registrais – mais precisamente, que os réus não tinham registada a seu favor a aquisição do prédio –, considerando o teor da cláusula 3º, nos termos da qual a “escritura de compra e venda será celebrada num dos Cartórios Notariais da cidade de Castelo Branco no prazo máximo de 60 dias, a contar da data e que o prédio estiver registado na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos primeiros outorgantes, sendo a sua marcação da responsabilidade dos primeiros outorgantes, que se obrigam a comunicar aos segundos outorgantes (aqui autores) com a antecedência de oito dias, o cartório, a data e a hora”.

Em conclusão, não pode este Tribunal da Relação deixar de analisar criticamente, e numa perspectiva de razoabilidade, toda a prova produzida, nada havendo que apontar à ponderação feita na 1ª instância, relativamente aos termos em que apreciou os vários elementos probatórios.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

3. Os recorrentes invocam o incumprimento do contrato promessa celebrado, imputável aos réus, referindo que estes “não estão em condições de vender o efectivamente prometido” e, por outro lado, a “perda de interesse negocial” por parte dos demandantes.

Na tese dos autores/recorrentes, os réus prometeram vender uma parcela de terreno com correspondência a um lote para construção, mas não podem cumprir o prometido porque apenas são proprietários de uma parcela indivisa de um terreno, não existindo qualquer correspondência entre essa parcela indivisa e o lote em causa, em face do que os autores reclamaram dos réus a devolução da quantia de 10 000, 00 Euros entregue a titulo de sinal e princípio de pagamento.

Ora, esta versão não tem qualquer suporte na factualidade assente, não tendo os autores provado, como lhes competia (art. 342º, nº1), o circunstancialismo invocado na petição inicial.

Como se refere na decisão recorrida, para a qual se remete (art. 713º, nº5 do C.P.C.), fazendo apelo às regras de interpretação dos contratos ínsitas no art. 238º e da declaração negocial (art. 236º), ponderando que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina objectivista da interpretação,  [ [iii] ]  “em parte alguma do clausulado do contrato-promessa apreciado nos autos foi feito constar que o objecto do futuro contrato de compra e venda seria um lote de terreno resultante de uma operação de loteamento e imediatamente apto para construção. Se assim fosse as partes não fariam constar da sua cláusula primeira que os réus “são donos e legítimos possuidores de 1/104 avos indivisos de um prédio rústico designado por “Líria”. Pois que, por definição uma operação de loteamento destina-se a pôr fim a uma situação de indivisão, procedendo à divisão do prédio mãe em vários outros prédios autónomos destinados a construção .

Se no referido contrato os réus se arrogaram a qualidade de donos de 1/104 avos indivisos do prédio, os quais correspondiam ao lote B 26, com área de 4. 903 m2, o qual é assinalado por referência à planta integrante de um plano de pormenor, é de concluir que as partes não tiveram como pressupostos negocial a existência de um verdadeiro loteamento, mas sim de um plano de pormenor elaborado nos termos referidos anteriormente, cujo teor foi dado a conhecer aos autores, como resulta da matéria de facto provada. (…) Para além do mais, também se não pode dizer que os autores, comprando aquela parcela de terreno assim assinalada no plano de pormenor, não podem depois vir a obter o posterior loteamento com vista à construção .

Por isso, salvo melhor opinião, tal declaração negocial terá de valer com o sentido que um declaratário normal colocado na concreta posição dos réus apreenderia da sua recepção, ao celebrarem o referido contrato no contexto referido referido anteriormente.

E esse sentido não pode ser outro que não o resultante do próprio elemento literal do texto do contrato : os réus disseram ser donos e legítimos possuidores de 1/104 avos indivisos de um prédio rústico designado por “Líria – Alvorações”, com 51.5250 ha, sito na freguesia de Castelo Branco, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º 27, Secção “AE 1”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n. º 01806/290390, a confrontar do Norte com Francisco Amaro Lopes e a Ribeira da Líria; a Sul com o caminho público e Joaquim Gomes Belo; a Nascente com Joaquim Gomes Belo; e a Poente com a Ribeira da Líria, Quitéria Gomes Belo e Maria da Piedade Lencastre, os quais correspondem ao lote B 26, com área de 4. 903 m2, lote esse que efectivamente prometeram vender aos autores e que estes lhes prometeram comprar, e é exactamente isso que os réus, ainda hoje estão disposto a vender aos autores, assim eles queiram efectivamente comprar”.

                                             *          

Decorre do contrato promessa celebrado entre as partes que incumbia aos réus, promitentes vendedores, a obrigação (acessória) de marcação da escritura definitiva, tendo as partes convencionado, relativamente ao prazo para realização da prestação (a celebração do contrato definitivo), que a escritura de compra e venda seria outorgada, no prazo máximo de 60 dias a contar da data e que o prédio estiver registado na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos réus, conforme cláusula terceira do contrato – cfr. a factualidade assente sob o nº 23. Uma vez que não se estabeleceu qualquer data para os réus procederem à inscrição da aquisição a seu favor, o que daqui resulta é que estamos perante uma obrigação com prazo incerto ou não fixo, quer dizer, um prazo que se expira pela verificação de um acontecimento certo em si, mas incerto quanto à sua data, tornando-se necessária a interpelação ao cumprimento.[ [iv] ]

Provou-se, no entanto, que depois de realizada a escritura de justificação (em 5 de Dezembro de 2006), os réus efectuaram o registo de aquisição, a seu favor, na C.R.P. de Castelo Branco – nº 38 da factualidade assente – sendo que da certidão junta a fls. 23 a 25 resulta que está inscrita essa aquisição por apresentação nº 4 de 02/02/2007, pelo que o aludido prazo de 60 dias terminava em Abril de 2007.  

Ora, apurou-se que os réus marcaram dia para realização da escritura de compra e venda, comunicando a data respectiva aos autores mas, em ambas as ocasiões, fizeram-no de forma incorrecta e portanto juridicamente irrelevante. Assim, aquando da marcação para o dia 5 de Dezembro de 2006, os autores marcaram, para o mesmo dia, a escritura de justificação e a escritura relativa ao contrato prometido, violando o clausulado no contrato promessa porquanto não asseguraram a prévia inscrição da aquisição do prédio a seu favor, na C.R.P. – não tinham, portanto, os autores que aceitar a prestação, comparecendo a esse acto notarial. Mais tarde, assegurada essa condição, os réus procederam, efectivamente, à marcação da escritura, mas não a comunicaram aos autores atempadamente, como resulta da factualidade consignada sob o nº 40, pelo que também não pode assacar-se aos autores, que não compareceram, actuação delituosa – a escritura foi marcada para o dia 1 de Março de 2007 e a comunicação aos autores foi feita no dia 28 de Fevereiro de 2007, ou seja, sem a antecedência de oito dias prevista no contrato, não olvidado que os autores residiam em França.

Assentamos, então, que os promitentes vendedores não cumpriram uma das obrigações emergentes do contrato, entrando em mora.

Perante uma situação de retardamento da prestação, imputável aos réus recorridos, cabe agora analisar se a mesma fundamenta a pretensão formulada pelos autores, que pretendem resolver o contrato com esse fundamento.

Nos termos do art. 808, nº1 do Cód. Civil, «se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação».

O legislador previu, assim, mecanismos legais que permitem ao credor libertar-se de um vínculo contratual que lhe acarreta prejuízos, convertendo a mora do devedor em incumprimento definitivo, com vista a obter o direito à resolução do contrato, nomeadamente através da chamada notificação admonitória ou interpelação cominatória.

Consiste tal mecanismo no poder do credor de fixar ao devedor, que haja incorrido em mora, um prazo para além do qual declara já não lhe interessar a prestação. Tal prazo, destinado a conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato, tem de ter uma dilação razoável e tem de ser fixado em termos de claramente deixar transparecer a intenção do credor.

No caso, não há elementos que permitam concluir que os autores converteram a mora numa situação de incumprimento definitivo e, como tem sido maioritariamente entendido, cremos, pela doutrina e jurisprudência, só o incumprimento definitivo e culposo do contrato dá direito à sua resolução e consequente restituição do sinal – refira-se que, no caso, os autores peticionam a simples restituição do sinal entregue e não a restituição em dobro (art. 442º, nº2). [ [v] ]

Aliás, em bom rigor, os autores nunca alegaram sequer terem fixado qualquer prazo suplementar para a realização da prestação, pelo contrário, comunicaram aos réus que pretendiam fazer cessar o contrato, pedindo a restituição da quantia entregue, de 10.000,00€.

Quanto à perda de interesse na prestação, é notório que os autores não lograram provar factos suficientes para suportar a sua tese.

Como refere Pessoa Jorge “o interesse do credor, como fim da obrigação, apresenta conteúdo essencialmente variável, pois reporta-se às utilidades concretas que a prestação lhe proporciona; e, por isso, pode dizer-se que se atende ao valor subjectivo da prestação, para exprimir a utilidade que hic et nunc tem para o sujeito activo. Valor subjectivo não significa, porém, valor apreciado pelo sujeito, mas valor apreciado em função do sujeito. Não se trata, pois, de valor arbitrariamente fixado pelo credor, mas valor determinável por terceiro (nomeadamente pelo tribunal) em atenção às utilidades que concretamente o credor tiraria da prestação. Tal é o entendimento que, a nosso ver, se deve dar à expressão, usada no artigo 808º, 2 do Código Civil, apreciada objectivamente”.[ [vi] ]         

Concluindo, não se verificando no caso em apreço a impossibilidade de cumprimento da obrigação, nem uma situação de incumprimento definitivo do contrato – sendo que nunca sequer se colocou a hipótese de recusa definitiva e antecipada de cumprimento por qualquer das partes –, tem de entender-se que os autores não têm direito à resolução do contrato, nem consequentemente, à restituição do sinal.

4. Os recorrentes vêm ainda invocar o direito à resolução do contrato promessa de compra e venda por “alteração anormal das circunstâncias”, invocando o disposto no art. 437º, nº1.

Fazem-no pela primeira vez porquanto, como resulta da petição inicial, aí fundaram o pretendido direito à resolução do contrato invocando apenas uma situação de incumprimento do mesmo, imputável aos réus, nos termos já analisados.

Ora, os recursos são um meio de impugnação de decisões judiciais, não sendo admissível a invocação de questões novas, que não foram anteriormente objecto de apreciação pelo tribunal ad quo, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso.   

De qualquer forma, parece-nos absolutamente evidente que os autores não alegaram nem provaram factos pertinentes ao fundamento de resolução agora enunciado, considerando os requisitos a que alude o art. 437º, nº1, a saber: a) que tenha ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; b) que a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do negócio. [ [vii] ]

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Conclusão

O incumprimento do contrato promessa pelo promitente vendedor só dá direito à resolução do contrato e consequente restituição do sinal, verificada que esteja uma situação de incumprimento definitivo do contrato (art. 808º do Cód. Civil), não se encontrando razões para excepcionar o contrato promessa do regime geral aplicável aos demais contratos.

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos autores/apelantes.

Notifique.

[i] Refere-se no preâmbulo: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.

[ii] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, acessível in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste:«De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)».

[iii] Objectivismo temperado, no entanto, “por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 3ª edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora,  Vol. I, p. 222.

[iv] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição Revista e Actualizada, Almedina, p.1012.

[v] No sentido de que o regime do art. 442º, nº2 do Cód. Civil pressupõe o incumprimento definitivo do contrato, imputável a uma das partes, Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 297-301 e Januário da Costa Gomes, in Temas de Contrato-Promessa, p. 15; na jurisprudência, vide, o Ac. STJ de 10/03/2005, C.J. (STJ) Ano XII, T.I, (2005), p.126 e ainda os Acs. STJ de 07/02/2008, proferido no processo proc. 07A4437 (Relator: Cons. Paulo Sá), de 10/07/2008, proferido no processo 08B1849 (Relator. Alberto Sobrinho); Ac. T.R.C. de 27/11/2007, proferido no processo 432/2001.C1 (Relator: Des. Hélder Roque), acessíveis in www.dgsi.pt.

Em sentido contrário, considerando que no contrato promessa, havendo sinal passado, a simples mora dá lugar à resolução do contrato-promessa vide Almeida Costa, obr. cit. p. 436-438 e Antunes Varela, in Sobre o Contrato Promessa, Coimbra Editora, 1988, p. 148-153, criticando o que diz ser a solução legal, que refere “precipitada e condenável” .  

[vi]In Ensaios sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, p. 20, nota 3; vide ainda o Ac. STJ de 07/02/2008 supra referido e o Ac. STJ de 08/06/2006, C.J. (STJ) Ano XIV, T.II, (2006), p.113;

[vii] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 388; sobre a interpretação do art. 437º nº1 do Cód. Civil vide Meneses Cordeiro, in Da Alteração das Circunstâncias, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, 1987, p. 65-70.