Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3888/07.0TVLSB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APREENSÃO DE VEÍCULO
LEGITIMIDADE ACTIVA
RESERVA DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 12/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 15º, 16º, 17º E 18º DO D.L. Nº 54/75, DE 12/02.
Sumário: I – A apreensão de veículo automóvel e do respectivo certificado de matrícula, permitidos pelos artºs 15º, nº 1, 16º, nº 1, e 17º, nº 1, todos do D.L. nº 54/75, é unanimemente entendida como um processo cautelar especificado, regulado fora do CPC.

II - Como tal, este procedimento cautelar tem regras próprias e está também sujeito às disposições constantes do procedimento cautelar comum regulado no CPC, conforme resulta do artº 392º, nº1, do CPC.

III - Do que resulta que o referido procedimento é dependência de uma causa, que tenha por fundamento o direito acautelado – artº 383º, nº 1, CPC –, causa essa que deve ter por objecto a resolução do contrato de alienação, conforme muito claramente resulta do artº 18º, nºs 1, 2ª parte, e 3, do Dec. Lei nº 54/75.

IV - Esta forma de procedimento cautelar apenas pode ser usada pelo alienante que tenha a seu favor uma garantia de reserva de propriedade, pois só este tem legitimidade para pedir a resolução do contrato de alienação – artºs 874º e segs. do C. Civ., designadamente o artº 934º, conjugados com o artº 409º, nº 1, do C.C .

V - Só o vendedor de um veículo automóvel a prestações, com reserva de propriedade, que é titular do respectivo registo, detém legitimidade para requerer, em processo cautelar, a apreensão do veículo.

VI - Se o alienante do veículo e a financiadora da respectiva aquisição forem pessoas diferentes, não pode esta última, ainda que em associação com aquela, instaurar providência cautelar destinada à apreensão do veículo vendido.

VII - A apreensão de veículo automóvel constitui uma providência que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato, sendo, sempre, dependente ou instrumental da competente acção de resolução.

Decisão Texto Integral: 9


Decisão sumária proferida na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do artº 705º do CPC:
I

No Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, corre termos o presente processo no qual a sociedade “A…”, requereu contra B…, a providência cautelar para apreensão de veículo automóvel, relativamente à viatura matrícula 49-90-ZJ, e bem assim dos respectivos documentos, ao abrigo do disposto no artº 15º do D.L. nº 54/75, de 12/02.
Para tanto e muito em resumo, alegou que celebrou com a Requerida, no dia 04/01/2005, um contrato de crédito para o financiamento de € 62.195,48, destinado à aquisição, por parte da Requerida, da dita viatura, para o que foi exigida a constituição de reserva de propriedade sobre a viatura a favor da Requerente.
Que essa reserva de propriedade se encontra registada, face ao que a propriedade da viatura se mantém na esfera jurídica da Requerente.
Que tendo a Requerida assumido a obrigação de pagar à Requerente uma prestação mensal de € 854,59, por um período de 72 meses, tal deixou de se verificar desde a 19ª prestação, com vencimento em 8/08/2006, por conta da qual a Requerida apenas pagou € 290,25, não tendo voltado a pagar qualquer outra importância.
Que a Requerente notificou a Requerida, por carta registada de 10/01/2007, para proceder ao pagamento em débito no prazo de 8 dias, sob pena de incumprimento definitivo, sem qualquer resultado.
Face ao que a Requerente tem direito a que lhe seja entregue a citada viatura, como sua proprietária, o que pretende conseguir através do presente meio processual, como preliminar da respectiva acção principal.

II
Apreciando liminarmente tal requerimento, pelo Tribunal foi proferido o despacho de fls. 20, no qual foi decidido ordenar a apreensão da requerida viatura, em conformidade com o disposto nos artºs 15º e 17º do D. L. nº 54/75.
III
Tendo sido apreendida tal viatura, pela GNR, a qual foi entregue à depositária indicada pela Requente, conforme fls. 99 a 102, nessa sequência foi a Requerida notificada da decisão de apreensão proferida.
IV
Foi então interposto recurso do dito despacho, conforme fls. 151, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou a Agravante concluiu do seguinte modo:
1ª – Não tem a requerente A... legitimidade para requerer o procedimento cautelar de apreensão do veículo identificado nos autos.
2ª – A cláusula de reserva de propriedade constante do contrato de crédito e constituída a favor da Requerente é nula, por o seu objecto ser legalmente impossível – artº 280º, nº 1, C. Civ..
3ª – O artº 409º, nº 1, do C. Civ., prevê que só o alienante possa reservar para si a propriedade da coisa, nos casos em que o mesmo pretenda garantir ou assegurar o cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte e até que isso ou qualquer outro evento se verifique, no que se configura como uma excepção ao efeito real imediato dos contratos de alienação – artº 408º, nº 1, C. Civ..
4ª – O segmento normativo “verificação de qualquer outro evento” do nº 1 do artº 409º C. Civ. deve ser interpretado no sentido de que esse acontecimento tem de ser configurável e ocorrer dentro da relação contratual da alienação.
5ª – De igual modo, o D.L. nº 54/75, de 12/02, nos seus artºs 15º, 16º e 18º, pressupõe a qualidade de alienante naquele que tem a reserva de propriedade sobre o veículo.
6ª – Outra interpretação de tais normas não será concorde com as regras de interpretação fixadas no artº 9º C. Civ..
7ª – O contrato de crédito referido e o contrato de compra e venda que titula a aquisição pela Recorrente do veículo são estruturalmente autónomos e distintos quanto ao objecto e fins.
8ª – E salvo nos casos previstos na lei, as vicissitudes de um destes contratos não afectam a vida do outro.
9ª – O Tribunal a quo, ao deferir e decretar a providência cautelar dos autos, violou as disposições dos artºs 9º, 280º, 408º, 409º e 1142º do C. Civ., o D. L. nº 54/75, de 12/02, e o artº 12º do D.L. nº 359/91, de 21/09.
10ª – Termos em que deve ser provido o presente recurso.
V
Contra-alegou a Recorrida, onde defende que é manifesta a improcedência do presente recurso, dado o disposto nos artºs 15º e 16º do D. L. nº 54/75, de 12/02, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos aí exigidos: a existência de registo de reserva de propriedade a favor da Requerente e o não cumprimento das obrigações que originaram a dita reserva.
VI
Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, cumprindo proferir decisão sumária, nos termos do artº 705º do CPC, dado que a questão que se coloca tem vindo a ser sucessivamente tratada na jurisprudência, mormente pelo STJ e, ultimamente, de forma praticamente unânime, segundo se conhece.
Tal questão prende-se apenas com a aplicação ou não do processo especial cautelar de apreensão de veículo, previsto no D. L. nº 54/75, de 12/02, a favor de um mutuante (financiador) num contrato de mútuo para aquisição de viatura automóvel, a favor do qual tenha sido convencionada a “reserva de propriedade” da viatura.
Para tal apreciação cumpre, antes de mais, enunciar os factos que emergem dos autos e que foram considerados na decisão recorrida, relativamente aos quais não foi apresentada qualquer impugnação.
São eles os seguintes:
1 – Em 4/01/2005, entre a Requerente e a Requerida foi celebrado o contrato de crédito com o nº 525476, no montante de € 44.999,98, para aquisição, por esta, do veículo matrícula 49-90-ZJ, no valor de € 56.000,00, mediante o pagamento pela Requerida à Requerente de 72 prestações mensais, no montante individual de € 854,59, vencendo-se a primeira em 8/02/2005 - conforme fls. 12 e 13.
2 – No referido contrato foi convencionada a reserva de propriedade da viatura a favor da mutuante, como garantia desta e do bom pagamento do capital emprestado, respectivos juros e demais obrigações contratuais.
3 – Na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa encontra-se registada a propriedade do referido veículo a favor da Requerida, com o encargo de reserva a favor da Requerente - conforme fls. 14 e 15.
4 – A Requerida não paga as prestações devidas desde 8/09/2009 (20ª prestação) e relativamente à 19ª prestação apenas pagou € 290,25.
5 – Através de carta registada datada de 10/01/2007, a Requente concedeu à Requerida um prazo suplementar de 8 dias úteis para ser efectuado o referido pagamento, findo o qual a Requerente considerava como definitivamente incumprido o contrato e resolvido automaticamente.
6 – A Requerida não procedeu ao pagamento dessas prestações nem de qualquer outro montante.

Fixados os factos cumpre reapreciar o despacho de fls. 20, agora recorrido, no qual foi ordenada a apreensão da referida viatura, o que, entretanto, já teve lugar, conforme supra se dá fé, na sequência do que foi interposto o presente recurso.
Como resulta do pedido formulado pela Requerente e do sobredito despacho, a apreensão ordenada baseou-se no normativo do D.L. nº 54/75, de 12/02, diploma respeitante ao registo da propriedade automóvel e ao chamado “processo cautelar de apreensão de veículos automóveis”, que veio substituir o Dec. Lei nº 47 952, de 22/09/1967.
Sendo obrigatório o registo de veículos automóveis, ao mesmo estão sujeitos, entre outros, o direito de propriedade, a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos automóveis, a hipoteca, a locação financeira, a penhora, o arresto, o arrolamento, a apreensão ou quaisquer outras providências judiciais ou administrativas que afectem a livre disposição de veículos, conforme resulta do artº 5º, nº 1 (com as alterações que foi sofrendo aos longos dos anos), do D.L. nº 54/75, de 12/02, com o fim de dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor, tendo em vista a segurança do comércio jurídico - artº 1º do D.L. nº 54/75, na redacção do D. L. 178-A/2005, de 28/10.
Com relevância para o tratamento da questão que se nos coloca, dispõem os artºs 15º, nº 1, 16º, nº 1, e 17, nº 1, todos do D.L. nº 54/75, na referida redacção, que “uma vez vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originam a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula, e provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo, a qual e do respectivo certificado de matrícula pode ser realizada directamente pelo tribunal ou, a requisição deste, por qualquer autoridade administrativa ou policial”.
Esta apreensão de veículos automóveis é unanimemente entendida como um processo cautelar especificado, regulado fora do CPC – ver, p. ex., L. P. Moitinho de Almeida, in “O Processo cautelar de apreensão de veículos automóveis”.
Como tal, este procedimento cautelar tem regras próprias e está também sujeito às disposições constantes do procedimento cautelar comum regulado no CPC, conforme resulta do artº 392º, nº1, do CPC.
Do que resulta que o referido procedimento é dependência de uma causa, que tenha por fundamento o direito acautelado – artº 383º, nº 1, CPC – causa essa que deve ter por objecto a resolução do contrato de alienação, conforme muito claramente resulta do artº 18º, nºs 1, 2ª parte, e 3, do Dec. Lei nº 54/75, onde se diz: “dentro de quinze dias a contar da data da apreensão, …, o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação… e transitada em julgado a decisão que declare a resolução do contrato de alienação com reserva de propriedade, o certificado de matrícula apreendido é entregue pelo tribunal ao autor da acção que toma posse do veículo, independentemente de qualquer outro acto ou formalidade”.
Portanto, o referido processo cautelar especificado (de apreensão de veículos) é dependente de uma acção para resolução do contrato de alienação desse dito veículo, desde que existe reserva de propriedade a favor do alienante.
Por outras palavras, esta forma de procedimento cautelar apenas pode ser usada pelo alienante que tenha a seu favor uma garantia de reserva de propriedade a seu favor, pois só este tem legitimidade para pedir a resolução do contrato de alienação – artºs 874º e segs. do C. Civ., designadamente o artº 934º, conjugados com o artº 409º, nº 1, segundo o qual “nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento”..
É o que também nos diz Moitinho de Almeida, loc. cit., pgs. 9 a 23: “Todas essas características convergem no processo de apreensão de veículos automóveis para garantia de créditos hipotecários sobre eles, vencidos e não pagos, bem como para garantia dos direitos do vendedor com reserva de propriedade quando as obrigações que originaram aquela reserva de propriedade não tiverem sido cumpridas, o que implica a resolução do contrato de alienação (artº 15º-1 e 18º-1)”.

“No caso de resolução do contrato de alienação quando as obrigações que originaram a reserva de propriedade não tiverem sido cumpridas, a urgência resulta também da necessidade de evitar que o veículo, com o respectivo uso, se deteriore, prejudicando assim o vendedor, que continua a ser seu proprietário”.
Não é a situação da aqui Requerente/Agravada, que nunca foi dona do veículo automóvel em causa, na medida em que apenas celebrou com a aqui Requerida um contrato de crédito com o nº 525476, no montante de € 44.999,98, para aquisição, por esta, do veículo matrícula 49-90-ZJ, no valor de € 56.000,00, mediante o pagamento pela Requerida à Requerente de 72 prestações mensais, no montante individual de € 854,59, vencendo-se a primeira em 8/02/2005 - conforme fls. 12 e 13.
Logo, o que se nos afigura é que, apesar de no referido contrato de mútuo ter sido convencionada a reserva de propriedade da viatura a favor da mutuante, como garantia desta e do bom pagamento do capital emprestado, respectivos juros e demais obrigações contratuais, tal reserva não lhe confere a legitimidade para usar do meio cautelar requerido, na medida em que este apenas se aplica ao vendedor com reserva de propriedade, dado o antes exposto (o que se compreende, na medida em que tal providência está ligada a uma acção de resolução do contrato e venda do veículo).
No entanto, a aqui Requerente não está privada de acautelar os seus direitos, desde que verificados determinados requisitos, como seja o recurso ao procedimento cautelar comum, previsto nos artºs 381º e segs. do CPC, do que, aliás, se tem servido em outros casos, como sucedeu, p. ex., no proc. cautelar comum nº 1985/07.1TBFIG.C1, cujo recurso foi relatado por mim em 6/05/2008, deferindo esse tipo de providência nesse caso concreto.
Donde entendermos que a providência que foi requerida neste procedimento cautelar deveria ter sido indeferida, por a Requerente não gozar de legitimidade para a dita, isto é, por não ter a condição de vendedora do veículo automóvel cuja apreensão requereu.
Mas dissemos antes que procedíamos a uma decisão sumária por também assim ser entendida e decidida esta questão, de forma praticamente unânime, pela jurisprudência mais recente, nomeadamente do STJ.
É o que também cumpre justificar.
Assim, O STJ, pelos seus acórdãos de 12/05/2005, de 10/07/2008 e de 16/09/2008, respectivamente in “C. J. STJ ano XIII, tomo II, pg. 94”, e em www.dgsi.pt, vem entendendo que “só o vendedor de um veículo automóvel a prestações, com reserva de propriedade, que é titular do respectivo registo, detém legitimidade para requerer, em processo cautelar, a apreensão do veículo. Se o alienante do veículo e a financiadora da respectiva aquisição forem pessoas diferentes, não pode esta última, ainda que em associação com aquela, instaurar providência cautelar destinada à apreensão do veículo vendido. A apreensão de veículo automóvel constitui uma providência que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato, sendo, sempre, dependente ou instrumental da competente acção de resolução. Do teor literal do artº 409º, nº 1, do C. Civ. conclui-se que só nos contratos de alienação – maxime nos contratos de compra e venda – é lícita a estipulação da cláusula de reserva de propriedade, a favor do alienante. No mesmo sentido apontam os artºs 15º, 18º, 19º e 21º do D.L. nº 54/75, de 12 de Fevereiro, dos quais decorre que é pressuposto do recurso à providência cautelar de apreensão, prevista nesse diploma, a existência de um contrato de alienação de veículo, em que tenha sido convencionada a reserva de propriedade, só dela podendo lançar mão o alienante. No contrato de mútuo, celebrado para financiamento da aquisição, pelo mutuário, de um veículo automóvel, não pode o financiador reservar para si o direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que, não sendo seu dono, nada vendeu: o contrato de mútuo não é um contrato de alienação, constituindo uma contradição nos próprios termos alguém reservar um direito de propriedade que não tem. É, assim, nula, porque legalmente impossível, a cláusula de reserva de propriedade incluída em contrato de financiamento, a favor do financiador que mutuou o preço da aquisição do veículo, não tendo este, em consequência do incumprimento, pelo mutuário, do contrato de mútuo, direito à entrega do dito veículo. O D. L. nº 54/75 não previa aquelas situações que as novas realidades económico-financeiras e do crédito ao consumo colocaram. Foi arquitectado para conferir apenas ao vendedor a possibilidade de apreensão do veículo, já que a propriedade lhe continua a pertencer até ao pagamento integral do preço. O regime específico de apreensão de veículos automóveis apenas convive com o princípio de que essa faculdade radica na esfera do vendedor com reserva de propriedade e já não com a entidade financeira, mesmo que lhe tenha sido transmitida a titularidade dessa reserva. São realidades distintas e de efeitos diferentes o contrato de alienação com reserva de propriedade, que implica a transferência, sob condição suspensiva, da propriedade do veículo, e o contrato de mútuo que produz apenas a transferência para o mutuário da quantia entregue e em que a sua resolução implica o vencimento das prestações convencionadas, mas já não a restituição do veículo”.
Também esta Relação, recentemente, pelo seu acórdão de 11/03/2008, proferido no procº nº 3291/07.2TVLSB.C1 (sendo seu Relator o Des. Nunes Ribeiro), disponível in www.dgsi.pt, entendeu e decidiu que “os artºs 15º, nº 1, e 18º, nº 1, do D. L. nº 54/75, de 12/02, não conferem legitimidade ao mutuante para instaurar a providência cautelar de apreensão de veículo, requerida ao abrigo do D.L. nº 54/75, de 12/02, com fundamento no incumprimento do contrato de crédito ao consumo, que teve por objecto o financiamento da aquisição pelo requerido, a terceiro, de uma viatura automóvel, ainda que o mutuante tenha conseguido registar a seu favor a reserva de propriedade do veículo vendido. Muito embora seja titular do registo de reserva de propriedade do veículo, não é legítimo ao mero mutuante o recurso à providência cautelar de apreensão prevista no Dec. Lei nº 54/75, de 12/02, uma vez que não tem legitimidade para intentar a acção de resolução do contrato de alienação, de que é dependência o procedimento e a que se reporta o mencionado artº 18º, nº 1 (parte final) daquele D.L.”.
Também defende tal entendimento o Des. Jorge Arcanjo, nesta Relação, como consta das suas decisões sumárias proferidas nas Apelações nºs 396/08 (em 25/07/2008) e 3019/08 (em 7/10/2008) – esta na qual é autora a Recorrida no presente processo - , e que seria o 1ª Adjunto no presente processo caso nele fosse proferido acórdão.
Veja-se, ainda, neste sentido, o Ac. Rel. Lisboa de 22/05/2007, in C. J. ano XXXII, tomo III, pg. 80, relatado pelo Des. Abrantes Geraldes.
Para melhor e mais exaustiva fundamentação vejam-se os referidos arestos.
Conhece-se, também, o Ac. desta Relação de 15/07/2008, proferido no Procº nº 187/08.4TBAGN.C1 (disponível em www.dgsi.pt), em que é relator o Des. Hélder Roque, que opina em sentido contrário, embora com um voto de vencido, mas, como já antes se disse, afigura-se ser uma opinião minoritária, designadamente sem acolhimento no STJ.
Razões pelas quais se entende que a aqui Requerente/Agravada, carece de legitimidade para se servir do procedimento cautelar de apreensão de veículos automóveis seguido nos presentes autos, o qual, por isso, deveria ter sido indeferido, face ao que importa revogar o despacho recorrido e no qual foi ordenada a apreensão da viatura matrícula 49-90-ZJ, o que se decide, devendo, em consequência, ser entregue a viatura à Requerida, pela depositária nomeada para o efeito, logo que transite em julgado a presente decisão.
VI
Decisão:
Face ao exposto, concede-se provimento ao presente recurso de agravo, face ao que se revoga o despacho recorrido e no qual foi ordenada a apreensão da viatura matrícula 49-90-ZJ, devendo, em consequência, ser entregue a viatura à Requerida, pela depositária nomeada para o efeito, logo que transite em julgado a presente decisão.

Notifique-se essa depositária, logo que ocorra o trânsito da presente decisão e cumpra-se o disposto no artº 19º, nº 3, do D.L. 54/75, de 12/02, na redacção do D.L. nº 178-A/05, de 28/10.

Custas da providência e do presente recurso pela Requerente/Agravada.
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Tribunal da Relação de Coimbra, em 18 / 12/ 2008