Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
690/03.2TTAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
RETRIBUIÇÕES DEVIDAS A TRABALHADOR ILICITAMENTE DESPEDIDO
DEDUÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS RELATIVAS A RENDIMENTOS DO TRABALHO AUFERIDAS PELO TRABALHADOR EM ACTIVIDADES INICIADAS POSTERIORMENTE AO SEU DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 13º, Nº 2, AL. B), DA LCCT (APROVADA PELO D. L. Nº 64-A/89, DE 27/02) E 437º, Nº 4, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A Lei não confere ao trabalhador/exequente o direito de ser pago duas vezes ao mesmo título, ou seja, não lhe reconhece, indiscutivelmente, o direito de cumular os rendimentos do trabalho auferidos durante o período decorrente do despedimento até ao trânsito da decisão, com a totalidade das retribuições intercalares.

II – Às retribuições a que o trabalhador ilicitamente despedido tem direito (as que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal) deduzem-se as importâncias que esse trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento - artº 437º, nº 2, do Código do Trabalho.

III – É jurisprudência do STJ que se pode considerar tal dedução na liquidação, em execução de sentença ou em sede de oposição à execução.

IV – Por isso, é legítimo que o empregador possa reagir à consumação de uma pretensão contrária ao direito constituído, nomeadamente no momento em que é confrontado com a liquidação feita em sede de execução, deduzindo a oposição que tiver por pertinente sobre a questão em apreço.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

. A sociedade ‘A...’, executada nos Autos que correram sob o n.º 690/03.2, do Tribunal do Trabalho de Aveiro, apresentou oportunamente Oposição à Execução, nos termos consentidos pelo art. 91.º do C.P.T.

. Notificado, o exequente respondeu no sentido da improcedência da oposição.

. Designou-se audiência preliminar com vista a tentar a composição consensual e a possibilitar, sendo caso disso, a discussão, para decisão em sede de despacho saneador, como se considerou a fls.105.

. Proferiu-se depois decisão em que se entendeu que a situação sujeita se enquadra na previsão do art. 814.º, a), do C.P.C., julgando-se, por isso, totalmente procedente a oposição e extinta a execução, em consequência.

– Mas o A./exequente, inconformado, reagiu.
Alegando, concluiu assim:
· O título executivo é uma sentença condenatória transitada em julgado (art. 46.º/1, a) e 47.º/1 do C.P.C.);
· Assim, a oposição à execução não tem fundamento (art. 814.º, a), do C.P.C., aplicável por força do art. 91.º/2 do C.P.T.);
· É de rejeitar a tese exploratória defendida na sentença pela qual, não obstante o exequente ter arranjado novo emprego antes da sentença mas só dele sabendo a oponente depois do encerramento na 1.ª Instância (e antes do recurso de revista que fez), a sentença é fictícia e inexequível;
· A oponente (executada) podia e devia ter acautelado a existência eventual de novo emprego na contestação da acção, e bem o podia ter feito no recurso de revista que deduziu depois desse conhecimento e da condenação por inteiro;
· A sentença recorrida viola os arts. 46.º/1, a), 47.º/1 e 814.º, a), do C.P.C., transformando a sentença condenatória transitada em julgado numa nuvem de fumo.
Deve o recurso proceder e ser revogada a sentença recorrida.

. A recorrida respondeu, concluindo, em síntese, que a exequibilidade de um título (exequibilidade extrínseca) não implica a exequibilidade da pretensão exequenda vertida naquele (exequibilidade intrínseca).
O título executivo em que o recorrente baseou a sua pretensão é intrinsecamente inexequível, impondo peremptoriamente o art. 437.º/4 do Cód. do Trabalho que se proceda à dedução dos rendimentos auferidos pelo trabalhador durante o período a que se reportam as remunerações intercalares, tornando dispensável a alegação das partes nesse sentido, ou mesmo que tal menção seja feita em decisão judicial.
É por isso que entende que, tendo auferido rendimentos em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, o A. não pode executar na sua totalidade o Acórdão da Relação de Coimbra.

Admitido o recurso como de agravo, e sustentado sumariamente, subiram os Autos a esta Instância.
Colheram-se os vistos legais devidos, com o Exm.º P.G.A. a opinar no sentido da manutenção do julgado, entendimento a que não foi oferecida resposta.
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II –

Importa, antes de mais, ter presentes as ocorrências de facto essenciais à equação, dilucidação e solução da questão decidenda – todas aliás de comprovação processual.
Vejamos então.
Considerando traduzir-se a questão controvertida em saber se o requerimento da oposição pode ou não constituir fundamento de oposição à execução, consignou-se na decisão sujeita, (a fls. 115-116), ser possível apreciá-la com os elementos disponíveis nos Autos, uma vez que não existiam factos concretos a carecer de demonstração.
Servindo-nos, assim, da premissa de facto pressuposta, temos que:
‘No processo principal a decisão final concluiu, entre o mais, pela condenação da R. a reconhecer que ilicitude do despedimento do A., a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe o valor correspondente às retribuições vencidas e vincendas desde 1.5.2003 até à decisão final, totalizando as prestações vencidas a importância de € 33.451,04…com juros legais sobre as prestações desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.
O A. veio dar à execução esse Acórdão condenatório, liquidando a quantia em dívida em € 65.700,36.

Ora, como se vê, o Acórdão dado à Execução não fala das deduções a que respeitava o n.º2, alínea b), do art. 13.º da LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

Resta ora saber se, enquanto título executivo (pelo qual se determina, como se sabe, o fim e os limites da acção executiva, ‘ut’ art. 45.º/1 do C.P.C.), é susceptível de, num contexto como o presente, suportar uma qualquer compressão ou redução, em termos da preconizada inexequibilidade relativa – à luz da teleologia e da ponderação dos valores maiores que determinaram o legislador a prevenir, por compreensíveis razões, (também éticas…), a dedução do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.

O problema, tal como bem se percepcionou na decisão 'sub judicio', não é de solução fácil e incontroversa, reconhecemo-lo.
Tem sido, aliás, objecto de respostas desencontradas e também nós já sustentámos entendimento diverso do que hoje preconizamos como mais consentâneo com a ‘ratio legis’… – e que é o plasmado na decisão sob protesto.
Mas se, razoavelmente, se perceber o que efectivamente está em causa, (que tem a ver, afinal, com a conformação dos direitos de cada um, sendo patente que a Lei não confere ao trabalhador/exequente o direito de ser pago duas vezes ao mesmo título, ou seja, não lhe reconhece, indiscutivelmente, o direito de cumular os rendimentos do trabalho auferidos durante o período decorrente do despedimento até ao trânsito da decisão com a totalidade das retribuições intercalares), não repugnará aceitar como justa e tecnicamente sustentável a solução a que ora se reage.

E, se já assim era no império da LCCT, assim se mantém, com igual (se não maior ênfase…) na Lei vigente.
Às retribuições a que o trabalhador ilicitamente despedido tem direito, (as que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal), deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento – n.º2 do art. 437.º do Cód. do Trabalho.
A preocupação do legislador no sentido de evitar que a realização tardia da prestação possa constituir-se numa situação de maior vantagem para o trabalhador, sem fundamento de qualquer ordem, relativamente àquela em que estaria se o contrato de trabalho não tivesse sofrido a vicissitude do (indevido) despedimento, vai ora ao ponto de obstar que a acumule com as retribuições vincendas/intercalares o próprio subsídio de desemprego, situação tida por socialmente injusta e injustificável.

(Vide sobre este ponto, Júlio Vieira Gomes, ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, pg. 1020 e ss. e Pedro Romano Martinez, in ‘Código do Trabalho’, 5.ª Edição, 2007, anotação ao art. 437.º e ‘Direito do Trabalho’, 2.ª Edição, pg. 971-3).

Não ratificando o entendimento que foi sendo geralmente firmado, nos primeiros tempos, em cujos termos a questão da dedução dos rendimentos do trabalho apenas poderia ser suscitada na acção declarativa, o S.T.J. produziu jurisprudência estabelecendo que se pudesse considerar tal dedução na liquidação, em execução de sentença, ou em sede de oposição à execução – cfr., v.g., os Acórdãos 3 de Maio de 2000,de 23.1.2002 e de 12.7.2007, in BMJ 497/242, C.J./S.T.J., Ano X, Tomo I, pg. 249 e www.stj.pt, Proc. n.º06S4280, respectivamente.

E porque a fundamentação expendida no segundo dos Arestos vindos de citar confere maior conforto e autoridade às considerações que antecedem, não resistimos a transcrever, com vénia, os seguintes excertos.
É preciso não olvidar que a dedução das importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidas pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento decorre de uma Lei de natureza imperativa, pela qual se visa ‘aproximar tanto quanto possível aquele montante ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas’ e cuja aplicação tem inteiro cabimento no âmbito daquela liquidação, que, tendo lugar em sede de execução, integra uma fase declarativa daquela, com vista à discussão do valor da prestação devida.
Aliás, o exequente, ao proceder à liquidação, deve fazê-la de harmonia com o direito que lhe assiste, pois não pode formular pedidos ilegais.
Se o exequente auferiu rendimentos do trabalho durante o período a que se reportam as remunerações intercalares, não lhe confere a Lei o direito a estas por inteiro, mas (apenas) a estas subtraídas daqueles rendimentos.

Anotando-se, também aí, que a questão suscitada não é de resolução simples, os demais argumentos aduzidos continuam todavia a apontar no sentido da bondade da solução sob protesto.
Em bom rigor – como sempre preconizámos, tanto no império da LCCT como na vigência do Cód. do Trabalho – a notícia da existência de rendimentos dedutíveis e demais elementos relevantes, nos termos e para os sobreditos efeitos, deve ser adiantada pelo empregador (a quem cabe, em primeira linha, o ónus de provar tais rendimentos – vide Acs. S.T.J. de 1.3.2000, in C.J./S.T.J., Ano VIII, Tomo I, pg. 269 e de 3.5.2000, in BMJ n.º 497/242), na e durante a acção declarativa, até ao encerramento da discussão – mesmo enquanto factos supervenientes, art. 506.º do C.P.C.
Podem todavia ocorrer circunstâncias sérias que obstem ao atempado conhecimento dessa realidade por banda do empregador.
E, assim sendo, não vemos que não lhe seja legítimo reagir à consumação de uma pretensão contrária ao direito constituído, nomeadamente no momento em que é confrontada com a liquidação feita em sede de execução, deduzindo a oposição que tiver por pertinente sobre a questão em apreço (Ibidem).
Perfeitamente.
(Como se consigna na fundamentação da decisão aprecianda – com todo o crédito que acompanha a asserção – o próprio exequente, que passou a exercer outra actividade antes da instauração da acção, alegou que a executada teve conhecimento de tal facto em Março de 2005, altura em que o processo comum se encontrava já na Relação).

E vamos terminar citando ainda duas breves mas eloquentes passagens do identificado Acórdão do S.T.J. de 23.1.2002.
…Na fixação daquela obrigação da entidade patronal impõe-se que, da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, sejam deduzidos (…‘são deduzidos’, diz a Lei em tom que se afigura imperativo)…
…A peremptoriedade com que a Lei impõe se proceda à dedução dos montantes referidos nas duas alíneas do art. 13.º da LCCT permite concluir que nem será necessário que a entidade patronal alegue a existência dessas retribuições e rendimentos do trabalho para que o Juiz as possa ter em consideração, caso da sua existência venha a ter conhecimento no decurso da acção.
… O que justifica que no Acórdão/título executivo se tivesse expressamente salvaguardado a eventualidade de dedução de rendimentos do trabalho entretanto auferidos…
Mas não tendo o mesmo assim procedido, há que interpretá-lo no sentido de que a liquidação a operar dever ter em conta a necessidade daquelas deduções que a Lei impõe.

Acrescendo estes argumentos, não temos dúvidas em ratificar a solução eleita na decisão 'sub judicio'.

Não se acolhem por isso as razões que sustentam as conclusões da motivação.
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III –
DECISÃO
Em conformidade com o exposto, delibera-se julgar improcedente o recurso, confirmando inteiramente a decisão impugnada.
Custas pelo recorrente.
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Coimbra,