Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/05.2TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
EXCEPÇÕES
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1380.º; 1381.º, B)DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O pressuposto da excepção do direito de preferência, prevista na al. b) do artigo 1381.º do Código Civil, é a existência da exploração agrícola do tipo familiar no momento da alienação, abrangendo um conjunto predial.
2. Não obsta à excepção o facto de se tratarem de prédios contíguos
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A...., casado no regime da separação de bens, residente em Vinhas, Ribeiradio, Oliveira de Frades, intentou a presente acção de condenação, sob a forma de processo sumário, a qual veio a ser determinada que seguisse a forma do processo ordinário, contra B....e mulher C...., residentes na Rua de Miragaia, Aguada de Cima, Águeda e D.... e marido E...., residentes em Ribeiradio, Oliveira de Frades, pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem o direito de preferência do Autor na transmissão do prédio rústico denominado “Terras do Justo”, com o artigo matricial 5675º, freguesia de Ribeiradio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº 1164, freguesia de Ribeiradio e, consequentemente, verem-se os segundos Réus substituídos pelo Autor na referida transmissão, sendo-lhe atribuído o direito de haver para si o mencionado prédio, mediante o pagamento do preço de € 10.000,00 e dos custos proporcionais da escritura de € 158,87.
Para tanto, alega que por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, em 08/09/2004, os primeiros Réus venderam e os segundos Réus compraram o imóvel já referido, com a área de 1.490 m2, pelo preço de € 10.000,00. Mais alega que é dono e legítimo possuidor do prédio rústico com o artigo matricial 5674º, freguesia de Ribeiradio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob o nº 1943, freguesia de Ribeiradio, com a área de 900 m2, que confina com o prédio já descrito, sendo ambos os prédios de área inferior à unidade de cultura, gozando pois de preferência em caso de venda. Alega ainda que nem os vendedores nem os compradores comunicaram ao Autor os elementos do contrato, nem dele deram conhecimento ao Autor, que apenas veio a ter dele conhecimento por terceiros, em 2005, tendo sabido do comprador quando obteve a certidão correspondente ao documento nº 1 junto com a petição inicial, considerando estar em tempo de exercer tal direito. Mais refere que os segundos réus não são proprietários de nenhum prédio confinante não tendo direito a opor ao do Autor.
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Regularmente citados, os segundos Réus invocaram a caducidade do direito do Autor já que a escritura foi celebrada em 08/09/2004, tendo sido citados em 21/03/2005. Mais referem que o Réu B....já havia falecido, pelo que a acção deveria ter sido intentada contra os herdeiros. Alegam que adquiriram por tal escritura dois artigos matriciais, que confinam entre si e que se tratam do mesmo imóvel, não sabendo onde começa um e acaba o outro, tendo adquirido em conjunto tais prédios, que não eram autónomos, mas formavam um único prédio de exploração agrícola, constituído por parte urbana correspondente a um curral, não referida na matriz, e por parte de cultura para pastagem e parte florestal, sendo o único prédio dos Réus vendedores no concelho, formando pois uma unidade predial, pelo que entendem não gozar o Autor de direito de preferência. Alegam ainda que o Autor não poderia exercer qualquer direito de preferência sobre apenas um dos prédios, visto que a lei proíbe o fraccionamento dos artigos que compõem o mesmo prédio, pagando apenas metade do preço, quando deveria ser depositado o preço global. Alegam ainda que o Autor não é confinante com o prédio adquirido pelos Réus pois que a parcela confinante com os prédios pertenciam aos Réus vendedores que, por residirem em Águeda, foram deixando a mesma ao abandono, e o Autor tomando conta dela, nunca a comprando a quem quer que fosse, sabendo ser pertença dos Réus. Mais afirmam que o imóvel adquirido pelo Autor não confina com o prédio dos Réus, mas antes existe entre ambos um caminho público cimentado e empedrado desde a via pública até a casa de David Nogueira. Por outro lado, mais referem que o prédio do Autor não é rústico mas antes constituído por uma casa da eira, espigueiro, barraca e logradouro, tratando-se de prédio misto que não beneficia do regime da preferência.
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Foi declarada suspensa a instância até à habilitação dos herdeiros do Réu B...., tendo sido habilitados como sucessores do mesmo C...., F.... e G.... para prosseguirem os termos da acção principal em representação da herança aberta por óbito daquele.
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Foi ordenada a citação dos habilitados, os quais vieram declarar fazer seu o articulado dos segundos Réus, por com ele concordarem.
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Notificado da Contestação, o Autor veio ampliar a causa de pedir, aceitando o alegado quanto a tratar-se de um único prédio, com as inscrições matriciais 5675º e 5777º e descrições prediais 1164º e 1165º, ao invés do alegado na petição inicial, mais referindo tratar-se de confissão dos Réus e apenas ter tomado conhecimento de tal ao ser notificado da Contestação, tendo aqueles prédios a área global de 2.980 m2, pelo que são de área inferior à unidade de cultura, pelo que conclui que, verificando-se também os requisitos já alegados quanto a ambos, terá direito de preferência sobre eles, referindo ter depositado o remanescente do preço e despesas com a escritura. No que se refere à caducidade, refere que o prazo apenas se conta a partir da data em que a parte teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, o que apenas soube em 2005, tomando conhecimento da pessoa do comprador em 28/02/2005, pelo que considera estar em tempo para exercer o direito de preferência, bem como apenas soube através da notificação da Contestação de que se trata de um prédio, com dois artigos matriciais e duas descrições prediais, o que é elemento essencial do contrato.
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Os Réus impugnaram o alegado, dizendo que o Autor sempre soube tratar-se de uma exploração agrícola única, residindo a curta distância dos imóveis e sendo tal exploração claramente visível, considerando extemporâneo o pedido formulado já que deveria ter sido efectuado no prazo da resposta, pedido esse que consideram ter sido alterado. Referem ainda que o Autor não estava interessado na preferência ou não tinha a quantia para depositar, apenas por isso vindo agora exercer o direito invocado. Mais consideram que a forma de processo em causa, sumário, não comportaria a ampliação formulada. Por outro lado, e visto que o Autor reconhece na resposta que o prédio em causa é uma exploração agrícola de tipo familiar, está excluída a preferência, nos termos do art. 1381º, al. b) do Código Civil, mais mantendo o já alegado.
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Foi admitida a ampliação da causa de pedir, e consequentemente, do pedido, considerando-se ter havido confissão dos Réus quanto à matéria que motivou a ampliação. Mais foi fixado o valor da acção em € 20.317,74, determinando-se o registo da acção.
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Inconformados com este despacho, os Réus interpuseram recurso do mesmo, o qual foi admitido como de agravo, com subida diferida e com efeito devolutivo, cf. despacho de fl.s 145, concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões (resumidas):
A) O agravado não tem fundamento legal para requerer a ampliação do pedido e causa de pedir, por o mesmo ser extemporâneo, nos termos do artigo 1410.º do CC; não ser admitido na forma de processo que a presente acção segue e por não ter existido uma verdadeira confissão dos agravantes, na asserção do artigo 352.º CC.
B) Efectivamente, o agravado intentou a presente acção em 2 de Março de 2005, tendo os agravantes E....e mulher sido para a mesma citados em 16 desse mesmo mês e ano e os demais em 31 de tal mês e só em 24 de Maio de 2006 foi tal ampliação requerida, alegando que aceita a confissão dos agravantes de que se trata de uma única parcela de terreno e que formam uma exploração agrícola do tipo familiar.
C) Desde Maio de 2005 que o agravado sabia que assim era e, mesmo que houvesse engano, teria de a requerer no prazo da resposta, não podendo exceder o prazo previsto para o exercício da preferência.
D) Os presentes autos, no momento em que tal ampliação foi requerida, seguiam a forma sumária, pelo que a mesma só poderia ter sido requerida com a resposta, por ser o único articulado previsto, em tal forma de processo, a seguir à contestação.
E) Os agravantes na sua contestação apenas vieram excepcionar o direito invocado pelo agravado, com o fundamento em se tratar de unidade de exploração agrícola de tipo familiar, não reconhecendo nenhum facto que tivesse sido por aquele alegado, pelo que, da sua parte, não houve nenhuma confissão e ainda que assim fosse, tal alegação não lhe era desfavorável, pelo que não poderia ser tida como confissão, face ao disposto no artigo 352.º CC.
F) Violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 352.º, 1381.º, n.º 1 e 1410.º, todos do CC e 273.º do CPC.
Terminam, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que indefira a requerida ampliação do pedido e da causa de pedir.

Contra-alegando, o autor pugna pela manutenção do despacho recorrido, por referência aos fundamentos no mesmo expostos.
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Uma vez junto o comprovativo do registo, prosseguiram os autos, sendo proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, convidando-se os Réus a alegarem factos concretos relativos à caducidade do direito do Autor e referentes à exploração agrícola familiar.
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Os Réus apresentaram articulado invocando a caducidade do direito do Autor já que a escritura foi celebrada em 08/09/2004, e que antes da data da escritura os Réus colocaram uma placa com a indicação de venda e contacto telefónico no prédio, tendo sido contactados por vários interessados comunicando o preço de € 20.000,00, sendo € 10.000,00 para cada um dos artigos matriciais, com o preço a pagar no acto da escritura, pelo que o Autor conhecia o imóvel, as características do mesmo e área, o nome dos vendedores e contacto telefónico e o preço bem como o momento do pagamento do mesmo, não tendo intentado a acção no espaço de seis meses após a escritura.
Quanto à concretização da unidade, dizem que os Réus vendedores apenas tinham aquele prédio na área da comarca, sendo nele que os seus antepassados faziam a cultura de sobrevivência, sendo nela predominantemente agricultada e colhidos os frutos pelos proprietários do imóvel ou pessoas do agregado familiar, socorrendo-se de terceiros para ajudar a plantar, semear e colher os frutos ou a roçar mato no regime de permuta, com características débeis economicamente mas com espírito humano e social, ali se cultivando e criando animais, sendo abrangente e indispensável para o casal, mantendo o já alegado na Contestação.
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No exercício do contraditório, respondeu o Autor impugnando o alegado e dizendo que os Réus extravasam o convite formulado, mais referindo que não se aplica a excepção invocada do art. 1381º, al. b) pois que tal é apenas aplicável quando se trata de mais de um prédio e não quando se trata de apenas um prédio com duas inscrições matriciais, indivisível, sendo uma única unidade predial.
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Foi decidido não ter havido excesso por parte dos Réus na resposta ao convite formulado e foi proferido despacho saneador, relegando para a decisão final o conhecimento da excepção de caducidade invocada, seleccionando-se a matéria de facto assente e a que, estando controvertida, era relevante para a decisão da causa, de que reclamou o autor, tendo sido esta reclamação julgada improcedente, cf. despacho de fl.s 262 e 263, já transitado.
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Foi designada data para audiência de discussão e julgamento a qual se realizou de acordo com o formalismo legal, tendo o Tribunal respondido à base instrutória sem que houvesse reclamações.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 482 a 498, na qual se julgou a presente acção improcedente, por não provada e se absolveram os réus do pedido, ficando as custas a cargo do autor.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o autor, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 477), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões (resumidas):
1. Para que possa proceder a excepção prevista na al. b) do art.º 1381.º CC é necessário que a exploração agrícola do tipo familiar já seja uma realidade efectiva ao tempo da venda cuja preferência se discute (Ac. do STJ de 30/06/98, BMJ 478 – 379), não bastando que exista o projecto de a constituir.
2. Os proprietários de terrenos confinantes apenas não gozam do direito de preferência na alienação de prédios que formem uma exploração agrícola efectiva, exclusiva ou predominantemente feita através do trabalho do próprio agricultor, cultivador directo, ou agricultor autónomo, ou do seu agregado familiar.
3. Um dos objectivos da lei ao limitar o parcelamento da propriedade rústica é o de conseguir, tanto quanto possível, que se formem explorações agrícolas do tipo familiar.
4. Só uma análise, caso a caso, sobre a situação profissional e ocupacional de cada um dos alegados “candidatos” à situação de agricultor autónomo ou pequeno agricultor, permitirá aferir do seu enquadramento ou não nos critérios legais e doutrinais de onde resultam os contornos da verificação da existência de uma exploração agrícola do tipo familiar.
5. A matéria das al.s W), X), Y), Z) e AA), dos factos provados, é declaradamente insuficiente para integrar o conceito de exploração agrícola do tipo familiar, apresenta-se com um carácter meramente residual, onde não vem declarado o exercício permanente, exclusivo e predominante de qualquer actividade agrícola, de onde os réus retirem o seu sustento e de que vivam … já que dela não resultam reunidos os pressupostos da verificação de uma “exploração agrícola de tipo familiar”, a qual encerra um conceito de direito, a extrair da matéria provada, o que, in casu, não se verifica e, em consequência, não se verifica a excepção da al. b) do artigo 1381.º CC.
6. Com o art.º 1380.º CC o legislador teve em vista o emparcelamento do prédio com o fim de criar unidades de cultura de maiores dimensões e mais rentáveis, o que não sucederia se ao autor não fosse reconhecido o direito de preferência invocado, o que o impediria de anexar ao seu prédio os vendidos, não sendo, deste modo, possível formar um todo.
7. O artigo 1381.º CC não é aplicável ao caso dos autos, dado que o mesmo apenas se aplica quando a alienação abranja um conjunto de prédios dispersos (constituindo uma exploração agrícola do tipo familiar) e a preferência se dirija apenas a algum (s) deles.
8. A norma visa proteger essencialmente a integridade do conjunto predial (enquanto unidade económica), uma vez que exercida a preferência sobre uma das suas parcelas, as restantes ficarão amputadas e impedidas de satisfazer plenamente as suas finalidades económicas, o que não se verifica nos autos.
9. As “Terras do Justo “ e “As Terras da Quinta”, mais do que prédios dispersos unidos pela sua afectação a uma exploração económica conjunta, constituem um só imóvel e a totalidade do objecto da alienação preferida.
10. O autor provou os factos de que dependia a procedência do seu pedido: proprietário de prédio rústico confinante com o alienado; ambos são aptos para cultura, com áreas inferiores à da unidade de cultura; não lhe foi dado conhecimento da venda nem dos respectivos elementos essenciais; a acção é tempestiva e procedeu ao depósito do preço da compra e despesas com a escritura, pelo que a acção deveria ter merecido procedência, reconhecendo-se-lhe o invocado direito de preferência.
11. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1380.º, 1381.º, al. b) e 204.º, n.º 1, al. a) e 2, todos do CC.
Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a presente acção procedente, por provada, condenando-se os réus nos pedidos.

Contra-alegando, os réus pugnam pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos na mesma invocados.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se no caso dos autos se deve ter por verificada a excepção a que alude o artigo 1381.º, al. b), do Código Civil.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
A) Por Escritura outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, em 8 de Setembro de 2004, lavrada a fls. 73/74, do livro n.º 195 - C, os réus B....e mulher C.... declararam vender à ré D.... e esta, por intermédio de procuradora H...., declarou comprar, pelo preço de vinte mil euros, que aqueles declaram já ter recebido, os seguintes bens imóveis: a) Por dez mil euros, o prédio rústico, denominado "Terras do Justo", sito no lugar da Igreja, limites da freguesia de Ribeiradio, concelho de Oliveira de Frades, composto de terreno de cultura com videiras e pastagem, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º 5675°, com a área de 1490 m2, e o valor patrimonial tributário de € 486,98, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Oliveira de Frades, sob o nº 1164, da dita freguesia de Ribeiradio, e inscrito pelo G-um a favor do Outorgante vendedor; b) Por dez mil euros, o prédio rústico denominado "Terras da Quinta", sito na Quinta, terreno de cultura com videiras e mato, inscrito na matriz respectiva sob o artigo n.º 5677, com a área de 1490 m2 e o valor patrimonial tributário de 238,55 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1165, da dita freguesia de Ribeiradio e inscrito pelo G-um a favor do outorgante vendedor (alínea A) dos Factos Assentes);
B) Os prédios referidos em A) constituem um só imóvel que formam uma única unidade agrícola (alínea B) dos Factos Assentes);
C) Encontra-se descrito a favor do autor pela inscrição G - 1 na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Frades sob a Ficha nº, 01943/20010912, o prédio rústico denominado "Eiras", terreno culto e pastagens, com a área de 900 m2, sito na freguesia de Ribeiradio, a confrontar do Norte com José Fernandes Gomes, Nascente com David Fernandes Nogueira, Sul com Junta de Freguesia e Poente com Hamilton Lopes Correia e estrada municipal, inscrito na respectiva matriz predial sob o art°. 5674 (alínea C) dos Factos Assentes);
D) O Autor procedeu ao depósito, nos presentes autos, da quantia de € 20.3l7,73, referente ao preço da venda referida em A) e ao montante da escritura (alínea D) dos Factos Assentes);
E) Há mais de 20 que o autor, por si e antecessores, administra de forma pública, pacífica e exclusiva o prédio identificado em C) (art. 1º da Base Instrutória);
F) ( ... ) Plantando oliveiras, macieiras, vinha e outras árvores (art. 2º da Base Instrutória);
G) ( ... ) Tratando-as e colhendo os seus frutos (art. 3º da Base Instrutória);
H) ( ... ) Utilizando esses produtos para uso próprio e para comercializar (art. 4º da Base Instrutória);
I) ( ... ) Lavrando a terra, semeando e colhendo ervas para o gado (art. 5º da Base Instrutória);
J) ( ... ) Pagando os respectivos impostos (art. 6º da Base Instrutória);
K) ( ... ) Actos estes praticados à vista de toda a gente (art. 7º da Base Instrutória);
L) ( ... ) De forma contínua e ininterrupta, (art. 8º da Base Instrutória);
M) ( ... ) Sem oposição de quem quer que seja (art. 9º da Base Instrutória);
N) ( ... ) Agindo na plena convicção de que é dono e legítimo proprietário do identificado prédio, sem lesão de direitos de terceiros (art. 10º da Base Instrutória);
O) O prédio referido em A) confina do lado sul e poente com o prédio referido em C) (art. 11º da Base Instrutória);
P) O prédio referido em A) tem a área total de cerca de 2.980 m2 (resposta ao art. 12º da Base Instrutória);
Q) ( .... ) E o identificado em C) tem a área de cerca de 900 m2 (resposta ao art. 13º da Base Instrutória);
R) Os prédios identificados em A) e C) são ambos aptos para cultura (art. 14º da Base Instrutória);
S) Os réus compradores não são proprietários de qualquer prédio confinante com o referidos em A) (art. 15º da Base Instrutória);
T) Nenhum dos réus, antes da escritura referida em A), deu conhecimento ao autor dessa venda e suas principais condições (art. 16º da Base Instrutória);
U) Antes da escritura referida A) os réus vendedores colocaram nesse prédio uma placa com a indicação "vende-se" e o número de telefone para contactos (art. 17º da Base Instrutória);
V) ( ... ) O que foi do conhecimento do autor (art. 18º da Base Instrutória);
W) O prédio referido em A) era agricultado pelos seus proprietários ou seus familiares que colhiam os seus frutos (art. 23º da Base Instrutória);
X) ( ... ) E tem um curral para acolher e criar animais (art. 24º da Base Instrutória);
Y) (…) Sendo uma parte destinada à cultura e pastagens (art. 25º da Base Instrutória);
Z) ( ... ) E outra parte destinada e usada para exploração florestal (art. 26º da Base Instrutória);
AA) ( ... ) Onde os réus José Gomes e mulher colhiam os matos e estrumes para após passarem pelo curral serem transformados em estrume para fertilizar a terra (art. 27º da Base Instrutória).

Se se verifica a excepção a que alude o artigo 1381.º, al. b), do Código Civil.
Como vimos, resulta da sentença recorrida que o autor demonstrou todos os requisitos legais exigidos para que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na alienação que motiva os presentes autos, só tendo tal pretensão naufragado em virtude de na mesma se ter considerado que se verifica a excepção prevista na al. b) do artigo 1381.º, CC.
Contra tal se insurge o autor, aqui recorrente, fundamentalmente, por duas ordens de razões:
a matéria de facto dada por demonstrada e constante das al.s W) a AA), dos factos provados é insuficiente para integrar o conceito de exploração agrícola de tipo familiar e;
porque a excepção em causa apenas tem aplicação quando a alienação abranja um conjunto de prédios dispersos (constituindo uma exploração agrícola de tipo familiar) e a preferência se dirija apenas a algum (s) deles, o que não acontece in casu, porque, na sua óptica, se trata de um só imóvel e que constitui a totalidade do objecto da alienação preferida, pelo que não se verifica nem a dispersão nem a pluralidade de prédios vendidos.

Conforme disposto no artigo 1381.º, alínea b) do CC:
“Não gozam do direito de preferência os proprietários dos terrenos confinantes:
(…)
b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar”.
Colhendo os ensinamentos de P. de Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág. 276, deve entender-se por exploração agrícola do tipo familiar a que tem por objecto “um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o trabalho próprio ou o das pessoas do seu agregado doméstico”, isto por referência ao regime especial do arrendamento rural ao agricultor autónomo.
Ali acrescentando, a pág. 277, que se trata de uma questão de facto a resolver caso a caso, sendo o seu traço essencial o de que “O que interessa, para o efeito do disposto na al. b), é saber se, de facto, a empresa agrícola reúne os caracteres de uma exploração familiar, embora o agricultor e sua família vivam em situação económica precária ou se vejam obrigados a procurar noutras actividade os réditos que lhe permitam um nível de vida satisfatório”.
Daqui resulta, pois que, como se refere no Acórdão do STJ, de 30 de Junho de 1998, in BMJ 478 – 390, “… exploração agrícola de tipo familiar é um conceito de direito cujo preenchimento há-de resultar da conjugação dos vários elementos factuais a que a lei faz referência, consistindo o mais importante na efectivação do prédio, ou conjunto de prédios, à exploração agrícola através do trabalho próprio do cultivador ou de pessoas do seu agregado familiar”.
Trata-se, pois, de um conjunto de prédios que, embora dispersos, habitualmente sejam explorados e agricultados, predominantemente, através do trabalho próprio do cultivador ou de pessoas do seu agregado familiar.
Por outro lado e como decorre do disposto na referida al. b) do artigo 1381.º CC, o que releva é a situação de facto existente no momento da alienação e não a que poderá vir a ser instalada pelo adquirente, isto é, para que se possa ter por verificada a aludida excepção, é mister que a exploração agrícola de tipo familiar já seja uma realidade efectiva, nos moldes assinalados, ao tempo da venda cuja preferência se discute – neste sentido, para além do Aresto acima já citado, A. Varela, in RLJ, ano 117, a pág. 244.

Posto isto, importa, agora, à luz da matéria de facto dada como provada, averiguar se da mesma se podem extrair os assinalados requisitos da excepção invocada.
Ora, como resulta das al.s A) e B), da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, importa reter que os réus venderam os dois prédios ali descritos, constituídos por terrenos de cultura com videiras, pastagem e mato, os quais constituem um só imóvel que formam uma única unidade agrícola.
Por outro lado, como resulta das al.s W) a AA), da mesma matéria de facto, o prédio em causa era agricultado pelos seus proprietários ou seus familiares que colhiam os seus frutos, existindo nele um curral para acolher e criar animais, sendo uma parte destinada à cultura e pastagens e outra para exploração florestal e onde os réus José Gomes e mulher colhiam os matos e estrumes para após passarem pelo curral serem transformados em estrume para fertilizar a terra.
De tal matéria de facto tem de retirar-se a conclusão de que os imóveis em questão formam um conjunto que se complementa, dada a unidade predial que formam, nos sobreditos termos, dadas as diferentes e complementares actividades neles levadas a cabo, sem esquecer a existência do curral para acolher e criar animais.
Ou seja, de tal matéria de facto, contrariamente ao alegado pelo recorrente, resulta que este conjunto predial forma uma unidade agrícola, explorada, directa e habitualmente, pelo seu anterior proprietário e respectivo agregado familiar, situação que se mantinha à data da venda, em moldes que permitem concluir que se trata de uma exploração agrícola de tipo familiar, assim carecendo de razão o recorrente, no que concerne ao primeiro dos argumentos invocados.
Pelo que, tal como decidido na sentença recorrida, no que a esta questão concerne, se entenda que se deve ter por verificada a aludida excepção e, por conseguinte, tem a presente acção de improceder, não merecendo aquela qualquer censura.

Mas será que o facto de se tratar de um só imóvel (segundo a alegação do recorrente) e sem que se verifique a dispersão de um conjunto de prédios, obsta a que tal excepção não se possa ter por verificada?
Cremos que não!
Desde logo porque o que resulta das alíneas A) e B) dos factos provados é que se trata, efectivamente, de dois prédios distintos, com inscrições matriciais e registrais próprias e autónomas, os quais, mercê da sua confinância e modo como têm vindo a ser explorados e agricultados, formam uma única unidade agrícola.
Mas tal não permite concluir que não se trata de um conjunto de prédios, o que, de resto, o recorrente admite ao ter requerido, nos termos acima relatados, a ampliação do pedido e da causa de pedir.
Por outro lado, também não colhe a argumentação do recorrente no sentido de que tal excepção não se pode ter por verificada porque a mesma apenas está prevista para os casos em que se trata de um conjunto de prédios dispersos e não para situações em que, como nos autos, se trata de um único prédio e sem que se verifique a apontada dispersão física.
Quanto a isto, já vimos que não se trata apenas de um só prédio, mas de dois.
Para além de que a lei não a limita apenas aos casos em que se verifique uma dispersão física dos prédios que, em conjunto, constituam uma exploração agrícola de tipo familiar.
O que se retira da al. b) do artigo 1381.º CC é que a mesma se verifica, ainda que tais prédios sejam dispersos, atenta a expressão utilizada pelo legislador: “embora dispersos, …”.
Se o que está em causa é salvaguardar a integralidade de um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar, por maioria de razão assim deve ser quando os prédios que a formam sejam contíguos entre si, dada a complementaridade entre eles sair reforçada.
Por último, alega o recorrente, que a referida excepção não se pode ter por verificada porque a mesma apenas se verifica quando a alienação abranja um conjunto de prédios e a preferência se dirija apenas a algum ou alguns deles, o que não acontece no caso, porque pretende preferir em ambos os prédios alienados.
No entanto, também com base em tal argumentação carece de razão.
Efectivamente, como acima já referido, o que a lei pretende salvaguardar é a manutenção da situação existente à data da venda: preservar a exploração agrícola de tipo familiar e, em caso de existência desta, não atribui o direito de preferência ao proprietário de terreno confinante, isto é, não se protege o direito de preferência, resultante da confinância, em caso de existência de uma exploração agrícola de tipo familiar.
A atribuição do direito de preferência nos casos legalmente previstos constitui uma limitação ao carácter pleno do direito de propriedade, no qual se inclui a livre disposição dos bens de que se tem a propriedade – cf. artigo 1305.º CC.
Assim, como excepção ou limitação ao direito de propriedade, a atribuição do direito de preferência, só pode valer nos limites e termos em que se encontra legalmente previsto.
Ora, quando se está em presença de uma exploração agrícola de tipo familiar, nos termos do disposto no artigo 1381.º, al. b) do CC, entendeu o legislador que não existe o direito de preferência tal como resulta do artigo 1380.º do mesmo Código e sem que a esta excepção seja oposta qualquer condicionalismo específico, limitando-se o legislador a consagrar a solução de que tal direito de preferência não existe, pelo que, mesmo na situação dos autos, não se acha consagrada a possibilidade do exercício do direito de preferência, por via da confinância de prédios.
Assim, carece, na totalidade, o ora recorrente de razão, pelo que, improcede o seu recurso.

Dada a improcedência do recurso de apelação interposto pelo autor, é de manter a decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento do agravo interposto pelos réus, em face do disposto no artigo 710.º, n.º 1 do CPC.

Nestes termos se decide:
Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que confirma a decisão recorrida.
Considerar prejudicado o conhecimento do agravo interposto pelos réus.
Custas pelo apelante.
Coimbra, 06 de Outubro de 2009.