Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4059/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
INDEMNIZAÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 02/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 74º, Nº 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Estando em causa o incumprimento de um contrato de arrendamento para habitação relativo a um imóvel sito na área da comarca de Vila Nova de Foz Côa, com todas as cláusulas de cumprimento a terem lugar nessa comarca e residindo os réus na área dessa mesma comarca, é competente territorialmente o Tribunal da aludida comarca, nos termos do artº 74º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., residente na Rua Luís Duarte Santos, nº 28-1º B, em Coimbra, propôs, em 07/10/2003, pelo Tribunal Judicial de Coimbra, acção com processo sumário contra B... e mulher, C..., residentes na Rua do Cabo, nº 5, em Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa, com os seguintes fundamentos, em síntese:
Em 20/08/2002 a autora cedeu aos réus, por documento escrito, o uso e fruição de uma habitação sita na Rua Eng. Carlos Lacerda, nº 8, r/c, em Vila Nova de Foz Côa.
O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos e convencionou-se que, findo o prazo de arrendamento, o contrato renovar-se-ia por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o denunciasse e que a denúncia tinha de ser comunicada ao senhorio por carta registada com a antecedência mínima de 60 dias.
Em 29/06/2003, os réus, mediante declaração unilateral e por escrito comunicam à senhoria a extinção da relação de arrendamento para o dia 30/09/2003.
A autora opôs-se à denuncia.
Entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação sujeito ao regime vinculístico e não um contrato de duração limitada.
Os réus faltaram culposamente o cumprimento das suas obrigações e agiram de má fé, tendo a autora direito a ser indemnizada (artº 562º do CC), nomeadamente pelos danos causados pelo incumprimento do prazo de vigência do contrato de arrendamento.
Na cláusula nº 10 do contrato de arrendamento as partes convencionaram o pagamento de uma indemnização no valor de 9.338 €, por parte dos arrendatários, se incumprissem o prazo do arrendamento, nos seguintes termos: “Caso os locatários não cumpram o estipulado na cláusula nº 1, a) terá aplicação a cláusula penal, de montante igual ao valor das rendas, calculadas desde a extinção do contrato (por qualquer causa) até ao fim do prazo fixado na cláusula nº 1, al. a), estabelecendo-se o plafond mínimo de 5000 € (cinco mil euros)”.
Termina, pedindo que, na procedência da acção, devem os réus ser condenados a pagar-lhe solidariamente:
a) o montante indemnizatório de 9.338 €, conforme cláusula penal fixada no contrato de arrendamento por incumprimento do prazo do contrato e respectivos juros de mora.
b) quando assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, o montante indemnizatório descriminado nos artºs 68º a 73º, na quantia líquida de 800 € e respectivos juros de mora.
c) no montante de 660 € e respectivos juros de mora.
d) o montante de 350 € acrescido de juros de mora à taxa legal.
e) o montante de 50 €, acrescido de juros de mora à taxa legal. E
f) o montante de 100 €, acrescido de juros de mora à taxa legal.
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Os réus contestaram, por excepção, invocando a incompetência territorial do Tribunal de Coimbra, alegando ser competente o de Vila Nova de Foz Côa.
Por impugnação defenderam a improcedência da acção.
Em reconvenção, pediram a condenação da autora a pagar-lhes a quantia de 5.000 € de indemnização pelos danos e incómodos que lhes causou.
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Por despacho de fls. 73, foi a contestação considerada como não escrita em relação ao co-réu B....
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A autora respondeu à contestação, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas, bem como da reconvenção.
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Por despacho de 19/04/2005 (fls. 123), foi decidido ser a comarca de Coimbra incompetente em razão do território, por competente ser a de Vila Nova de Foz Côa, para onde foi ordenada remessa do processo.

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Inconformada, agravou a autora, rematando a sua alegação com as seguintes (extensas) conclusões:
1. A agravante é autora no presente processo e recorre do despacho do 5º Juízo Cível de Coimbra que julgou procedente a excepção de incompetência territorial deduzida pela ré.
2. Fundamentou o Juiz a quo a decisão no seguinte:
a) a autora intentou uma acção de indemnização contra os réus, por incumprimento (por estes) de cláusulas do contrato de arrendamento do prédio sito em Vila Nova de Foz Côa, que cessou;
b) ”in casu” convencionou-se expressamente que o cumprimento de todas as cláusulas do contrato teria lugar em Vila Nova de Foz CÔA, comarca da situação do arrendado e de domicílio dos réus;
c) o pedido não se trata de quantia certa em dinheiro, a qual será a determinar;
d) o domicílio da autora em Coimbra não é determinante “in casu”;
e) é de aplicar o disposto no artº 85º, nº 1 do Cód. Proc. Civil e não a norma do artº 74º, nº 1 do CPC e o artº 774º do Código Civil.
3. A recorrente vem com a presente acção judicial exercer um direito de crédito consubstanciado numa indemnização a pagar pelos réus por responsabilidade contratual (incumprimento de obrigações).
4. A acção não se destina a exercer direitos reais ou pessoais de gozo sobre o imóvel, nem é de despejo.
5. Não tem aplicação o disposto no artº 73º do CPC, não sendo, por isso, o Tribunal de Vila Nova de Foz Côa o competente.
6. O contrato extinguiu-se em 30/9/2003, data a partir da qual os réus deixaram de ser arrendatários.
7. O douto Juiz a quo fundamentou também a sua decisão no facto aceite pelas partes de cessação do contrato de arrendamento e extinção da relação locativa.
8. Do contrato escrito e suas cláusulas, não resulta que as partes tenham expressamente convencionado ser o lugar do cumprimento, no caso o lugar do pagamento da indemnização, Vila Nova de Foz Côa.
9. Facto que a autora considera incorrectamente julgado pelo douto Juiz a quo.
10. As cláusulas constantes do contrato de arrendamento, em cujo incumprimento a

autora baseia o direito de indemnização que peticiona, têm causa na extinção do contrato e produzem efeitos jurídicos concretos após essa extinção (ex vi, cláusula nº 10º do contrato de arrendamento).
11. As restantes cláusulas constantes do mesmo contrato, correspondem às regras do Código Civil e do Regime do Arrendamento Urbano que regulam a relação locatícia.
12. No referido contrato de arrendamento não se estipulou, expressamente, qual o lugar de cumprimento de tais cláusulas, devendo aplicar-se na questão a decidir as normas jurídicas que dispõem sobre a determinação da competência territorial do tribunal.
13. A relação locatícia não existe pelo que a autora não pretende o pagamento de rendas, mas de uma indemnização em dinheiro pelo incumprimento das cláusulas contratuais.
14. A autora quantificou os danos e prejuízos por si alegados quer na narração quer no pedido da petição inicial.
15. Facto que considera incorrectamente julgado pelo douto Juiz a quo.
16. A acção declarativa considerada como de indemnização, em que se peticiona o pagamento de uma quantia em dinheiro pelo não cumprimento de obrigações não deixa de o ser pelo simples facto de estar ou não determinado na petição inicial o concreto montante pecuniário em que se traduz a indemnização e a condenação.
17. A prova dos danos far-se-á na audiência de discussão e julgamento, podendo o quantitativo ser até liquidado em execução de sentença.
18. A autora não pediu a condenação dos réus a uma prestação de facto, mas ao pagamento de uma quantia em dinheiro.
19. O douto Juiz a quo violou o disposto nos artºs 74º, nº 1 e 85º do Cód. Proc. Civil e 772º e 774º do Código Civil.
20. O Juiz a quo não deve afastar a aplicação do artº 774º do Código Civil, com o argumento de que as quantias pedidas são a determinar.
21. A regra geral em matéria de competência jurisdicional em razão do território, no que concerne a acções de cumprimento de contrato, é a que decorre da norma do artº 74º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: tal acção será proposta à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.
22. O artº 774º do Código Civil determina que no caso de cumprimento de obrigações pecuniárias (que tenham por objecto uma quantia em dinheiro), o lugar da prestação “transfere-se” para o lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

23º. O artº 74º, nº 1 do CPC e o artº 774º do CC referem-se ao não cumprimento de obrigações contratuais.
24. O artº 74º, nº 1 do CPC e o artº 774º do CC são regras especiais que afastam a regra geral (artº 85º do CPC e 772º do CC).
25. A autora tem domicílio em Coimbra e estando em causa na acção o exercício de um direito de crédito pecuniário (indemnizatório) que tem origem contratual: cláusulas incertas no contrato de arrendamento; a acção há-de ser proposta ou no tribunal do domicílio dos réus ou no tribunal do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento, pelo que a acção poderia ser proposta ou no tribunal da área do seu domicílio ou no tribunal da área de domicílio dos réus, daí a plena competência do Tribunal Cível de Coimbra.
26. Os fundamentos estão em oposição com a decisão: ao julgar que a autora intentou uma acção de indemnização contra os réus, por incumprimento, por estes de cláusulas contratuais não pode deixar de aplicar a regra especial de determinação de competência territorial consagrada no artº 74º, nº 1 do CPC e no artº 774º dfo CC..
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Mmº Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Por com ele concordarmos, confirmamos inteiramente o despacho recorrido, para cujos fundamentos da decisão se remete, fazendo uso da faculdade conferida pelo nº 5 do artº 713º do Código de Processo Civil.
Com efeito, e ao contrário do que sustenta a recorrente, o que está em causa é o incumprimento de um contrato de arrendamento para habitação relativo a um imóvel sito na área da comarca de Vila Nova de Foz Côa, com todas as cláusulas de cumprimento a terem lugar nessa comarca, como se vê do contrato de arrendamento junto com a petição inicial.
Que é o incumprimento do contrato que está na base da presente acção resulta, ex abundanti, da petição inicial, nomeadamente dos artºs 17º a 35º, subordinados ao título “Do incumprimento do contrato”.

A autora só terá, eventualmente, direito à indemnização que peticiona se se demonstrar o alegado incumprimento do contrato de arrendamento.
Por isso, como bem se decidiu no despacho recorrido, por aplicação do disposto no nº 1 do artº 74º do Código de Processo Civil, é o Tribunal da comarca de Vila Nova de Foz Côa o competente para conhecer da presente acção, quer se tome em consideração o lugar onde a obrigação devia ser cumprida, quer o domicílio dos réus.
Assim, e porque também, ao contrário do que alega a recorrente, os fundamentos não estão em oposição com a decisão, terá o recurso que improceder.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.