Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
140/09.0GBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ERROS MÁXIMOS ADMISSÍVEIS
Data do Acordão: 09/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292.º N.º 1 E 69.º N.º 1 DO CÓDIGO PENAL, PORTARIA N.º 748/94, DE 13/08
Sumário: Não resulta da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro qualquer menção à existência de erros máximos admissíveis a que as entidades fiscalizadoras ou os Tribunais, devam atender, em cada medição individual, feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica.
Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo sumário, o arguido
D..., casado, motorista, residente na Rua….,
imputando-se-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 16 de Março de 2009, decidiu julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
- condenar o arguido D... pela prática de um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz € 300 ou, subsidiariamente, 40 dias de prisão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1- A contraprova não é a mesma coisa do que prova do contrário ou de factos diferentes.
2- Na verificação da taxa de álcool no sangue através de analisador quantitativo devidamente aprovado não tem que entrar-se em linha de conta com qualquer margem de erro ou EMA.
3- Nem é de aplicar o princípio in dubio pro reo para se proceder a correcções da taxa de álcool no sangue apurada pelo alcoolímetro.
4- Atenta ausência de exame de contra-prova, há que dar como provado o valor constante do talão do alcoolímetro de 2,43g/1.
5- Nesta parte violou a douta Sentença o disposto no artigo 203.º, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 1.º, n.º 2, 6.º, n.º 2 e 8.º, no 1, alíneas a) e b), todos do DL. n.º 291/190, de 20 de Setembro, o Preâmbulo e os artigos 4.º e 6.º, alíneas a), b) e c), todos da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro e do Despacho n.º 8036/2003, publicado no Diário da República de 28 de Abril de 2003, pág, 6454, na II.ª Série.
6- Apontados os critérios gerais de determinação da medida concreta da pena e, sumariamente, as especificidades do caso concreto, consideramos que a pena de multa aplicada não adequa a pena à culpa, dentro da medida da necessidade de tutela do bem jurídico, comprometendo as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada, devendo-se ter condenado na pena de 65 dias de multa
7- Ao aplicar-se pena de multa em 60 dias, foi violado o disposto nos art.ºs 40.º e 47.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
8- Na pena de inibição dever-se-á ter em conta a taxa de alcoolemia.
9- É entendimento do Ministério Público, estando o arguido em notório estado de embriaguez e impedindo-o de efectuar uma condução em condições de destreza e segurança, sem descurar as necessidades de prevenção geral, julga-se adequada a agravação desta pena que deve ser fixada em 5 meses.
10- Nesta parte, foram violados os arts. 40.º, 69.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
Pelo exposto, julgando-se o presente recurso procedente, deve revogar-se a douta sentença por outra que proceda à modificação do facto indicado na decisão recorrida sob o n.º 3, nos seguintes termos:
“Após ter sido interveniente em acidente de viação, foi o arguido fiscalizado por elementos da G.N.R. e submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de álcool no sangue de 2,43 g/1.” e que condene o arguido na pena de 65 dias de multa e na sanção acessória de inibição de condução pelo período de 5 meses.

O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia 14/03/2009, pelas 17 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …, na E.N. 243, km 8.900, em Livramento, Porto de Mós;
2. O arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução;
3. Após ter sido interveniente em acidente de viação, foi o arguido fiscalizado por elementos da GNR e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de álcool no sangue de 2,43 g/litro, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,71 g/l;
3. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/litro;
4. Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que, necessariamente, lhe iria provocar uma T.A.S. superior a 1,2 g/litro; no entanto, não se absteve de conduzir;
5. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir aquele veículo na via pública depois de ingerir álcool em tal quantidade e que tal conduta lhe era vedada por lei penal;
6. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos constantes de 1. a 4.;
7. O arguido não tem antecedentes criminais;
8. O arguido vive sozinho, em casa própria, e aufere uma pensão mensal de € 374;
9. O arguido paga mensalmente à Santa Casa de Misericórdia de … € 300 para serviços domésticos e alimentação.
Factos não provados
De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.
Motivação da decisão de facto
A decisão de facto assentou na análise do auto de notícia de fls. 3 e do impresso do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII de fls. 4, conjugado com o teor das declarações confessórias do arguido, o qual confirmou os factos de que vem acusado, bem como a sua situação pessoal, profissional e económica.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos.
No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado é expressa a taxa de álcool no sangue de 2,43 g/1, apurada pelo aparelho de medição DRAGER, modelo MKIII (alcoolímetro quantitativo) - cfr. fls. 4.
Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ser feito desconto ou não na taxa de álcool apurada com este tipo de aparelho. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem.
Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Sendo que, a Portaria n.º 748/94, de 13/08, dispõe, no n.º 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”.
No n.º 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que “Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701;
b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo;
c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo”.
Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo n.º 34/84, de 11/07.
Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade”, “Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação n.º 126 que contem um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade" (citada no Acórdão do TR Guimarães de 2610212007, disp. in www.dgsi.pt).
Por outro lado, na Portaria n.º 1556/2007, de 10/12, que aprovou o regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros, são expressamente previstos erros máximos admissíveis, que para TAE superiores a 2,00 mg/1, com verificação periódica, é de 30%.
Sendo certo que, apesar desta Portaria se aplicar apenas aos alcoolímetros já em utilização, desde que estes estejam em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica, como é referido no Acórdão do TR Guimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, de forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127.º do CPPenal.
E isto porque, sendo a Portaria em causa aplicável aos alcoolímetros mais recentes e prevendo taxas de erro admissíveis para os mesmos, só se pode concluir que tais taxas de erro também se verificam nos alcoolímetros já em utilização, como o usado nos presentes autos, pois é do conhecimento corrente que a tecnologia tem tendência a evoluir, e não o oposto. Se equipamentos mais recentes têm margens de erro, necessariamente que os mais antigos também as têm.
Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro acusou foi de 2,43 g/l. Atendendo à margem de erro admissível, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 30%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 1,71 g/1 e 3,15 g/1.
Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados.
Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,71 g/1, por ser mais favorável ao arguido.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do Ministério Público as questões a decidir são as seguintes :
- se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 203.º, da C.R.P., os artigos 1.º, n.º 2, 6.º, n.º 2 e 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do DL. n.º 291/190, de 20 de Setembro, o Preâmbulo e os artigos 4.º e 6.º, alíneas a), b) e c), todos da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro e do Despacho n.º 8036/2003, publicado no Diário da República de 28 de Abril de 2003, pág, 6454, na II.ª Série, ao proceder ao desconto na TAS do EMA, pelo que deve ser dado como provado que o arguido conduzia com uma TAS de 2,43g/1, que consta do talão do alcoolímetro; e
- se, consequentemente, devem ser agravados os dias de multa aplicada ao arguido, passando para 65 dias, bem como a respectiva sanção acessória de inibição de conduzir , que deve passar para 5 meses.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O problema da subtracção ou dedução dos erros máximos admissíveis ( EMA ), ao valor que consta do talão emitido pelo alcoolímetro, veio a colocar-se aos Tribunais em face das instruções da DGV, constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, ao difundir pelas autoridades policiais e, com recurso ao CSM, pelos Tribunais Judiciais, que as medições individuais feitas pelos alcoolímetros estavam sujeitas a margens de erro e, indicando depois essas margens de erro, invocando a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto e a norma NF X 2-701, determinou que dos autos de contra-ordenação constasse que, ao valor da T.A.S. registada, fosse deduzido o valor do erro máximo admissível.
A jurisprudência, designadamente das Relações, passou então a dividir-se sobre a possibilidade de atendimento ou não dos EMA.
A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, a que se faz referência nas instruções da DGV foi entretanto revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro e até as instruções da DGV constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06 deixaram de constar desde há já algum tempo dos autos de notícia elaborados pelas forças políciais.
A Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprova o Regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros, vigente á data dos factos em apreciação, estatui no seu art.4.º que os alcoolímetros obedecerão aos requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 125.
No seu art.5.º, acrescenta que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do IPQ e comprende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
O art.7.º do Regulamento estabelece o momento em que devem efectuar-se aquelas verificações metrológicas e o art.8.º e seu quadro anexo, definem quais os erros máximos admissíveis nas várias verificações, ou seja, na aprovação de modelo / primeira verificação e verificação periódica / verificação extraordinária .
Não resulta da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, nomeadamente dos números acabados de referir, qualquer menção à existência de erros máximos admissíveis a que as entidades fiscalizadoras ou os Tribunais, devam atender, em cada medição individual, feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica.
Entretanto, também António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente, Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, em artigo intitulado “A alcoolemia e o controlo metrológico dos alcoolímetros” , publicado já em 2008-04-28 ( in www.ipq.pt), referem a propósito dos EMA, designadamente o seguinte:
« A operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambientes locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA. O condutor visado na medição, nos termos da lei, caso não confie nessa indicação pode pedir uma contraprova imediata ou realizar uma análise ao sangue, ou ainda pode pedir uma verificação extraordinária do instrumento de medição utilizado.». Mais se refere: « As instruções dadas às entidades fiscalizadoras, de maior ou menor tolerância, em determinados momentos, seja por razões de campanha especifíca , sazonais, ou ainda para reduzir o número de casos susceptíveis de contestação das contra-ordenações, pode justificar-se no sentido de educar ou promover nos condutores uma crescente sensibilização para os efeitos do álcool. Para esse efeito, podem tomar-se como limites aqueles que forem entendidos como medida de política, inclusivamente os EMA. Mas apenas por essa razão de política. O limite superior do erro máximo admissível não é nem pode ser entendido como uma “margem de erro” a aplicar indiscriminadamente, descontando-o no valor das indicações dos aparelhos.».
Considerando que a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que remete para a Recomendação OIML R 126, não faz menção à existência de erros máximos admissíveis a que as entidades fiscalizadoras ou os Tribunais devam atender em cada medição individual feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica, sendo que os peritos do IPQ asseguram que o eventual erro da indicação do aparelho está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA, o Tribunal da Relação entende que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido daquela Portaria, bem como da já revogada Portaria n.º n.º 748/94, de 13 de Agosto não foi a mais correcta.
Resultando do auto de notícia de folhas 3 e do impresso de folhas 4 – para que se na fundamentação da matéria de facto da sentença -, que o aparelho alcoolímetro utilizado na fiscalização do arguido se encontra devidamente aprovado para a despistagem de alcoolémia, não poderia o Tribunal a quo, oficiosamente , sem contraprova ou exame ao alcoolímetro – que não foram requeridos - e invocando o princípio in dubio pro reo , deduzir à T.A.S. registada pelo alcoolímetro, de 2,43 g/l, uma margem de EMA e fixar a mesma taxa em 1,71 g/l, como consta do ponto n.º3 dos factos dados como provados ( o primeiro dos pontos n.º 3, pois os “factos provados” na sentença apresentam dois pontos n.º3).
Deste modo, e procedendo esta primeira questão, deve a redacção do ponto n.º3 dos “factos provados” constantes da sentença ( o primeiro dos pontos n.º 3) ser modificada, passando o mesmo ponto a ter a seguinte redacção:
« 3. Após ter sido interveniente em acidente de viação, foi o arguido fiscalizado por elementos da GNR e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de álcool no sangue de 2,43 g/litro; ».
A questão seguinte é se devem ser agravados os dias de multa aplicada ao arguido , passando para 65 dias, bem como a respectiva sanção acessória de inibição de conduzir que deve passar para 5 meses.
É pacifico que o arguido D... com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto pelo art.292.º, n.º l do Código Penal, na redacção da Lei n.º77/2001, de 13 de Julho, e punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
No presente caso, o Tribunal recorrido, atento o disposto no art.70.º do Código Penal , optou pela aplicação ao arguido da pena de multa, em detrimento da pena de prisão .
Na determinação concreta da pena de multa deve o juiz começar por fixar o número de dias de multa.
Estes , por expressa remissão do art.47.º , n.º1 do Código Penal , devem ser determinados de acordo com os critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal .
Assim , na graduação do número de dias da pena de multa deve o Tribunal atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção ( n.º1 ), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este ( n.º2).
A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa , censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio-comunitário.”- cfr. Prof. Fig. Dias , in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral , servindo quer para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes , que reincida.
Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez , que aqui está em causa , visa a preservação da segurança rodoviária e de bens inerentes a esta.
O Tribunal da Relação entende que o grau de ilicitude do facto imputado ao arguido é elevado , considerando a TAS de 2,43 g/l que apresentava na condução e é elevada a culpa , uma vez que agiu com dolo directo.

A conduta anterior aos factos é-lhe favorável uma vez que não tem já antecedentes criminais e embora seja pouco relevante, em face da facilidade da prova dos factos por outros meios, não deixa de ser mencionar a confissão integral dos factos provados.
O arguido é de modesta condição social e económica.
As exigências de prevenção geral , no caso em análise, são prementes , tendo em conta , nomeadamente , o elevado índice de sinistralidade rodoviária resultante de condução sob influência de álcool no sangue , com graves consequências para a vida , o corpo e o património quer dos agentes do crime , quer de outras pessoas alheias à conduta destes, não sendo aqui de esquecer que o arguido foi interveniente num acidente de viação.
Considerando o exposto e que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e , simultaneamente , uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada , o Tribunal da Relação conclui que se justifica a agravação da pena de multa de 60 para 75 dias, por mais consentânea com a culpa do arguido e as exigências de prevenção .
Importa aqui realçar que o julgador não está limitado pelos pârametros fixados pelo Ministério Público no seu recurso quando, como aqui acontece, não se limita a pedir a agravação da pena e adianta ele próprio a medida da pena, pois esta é uma questão de direito, competindo ao Tribunal fixar essa medida – cfr. acórdão do STJ de 22 de Junho de 1994, in CJ, ASTJ, ano II, 2.º T, pág. 255.
O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º.
Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º, da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal , n.ºs 5, 8, 10 e 41 ), traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.
No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.
Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal .
Não obstante a pena principal e a acessória assentarem num juízo de censura global pelo crime praticado, a pena acessória não tem que seguir o destino e a sorte da pena principal , uma vez que não visa integralmente a mesma finalidade .
Considerando o factualismo descrito e a amplitude do período de proibição de conduzir veículos com motor, que vai de três meses a três anos, afigura-se-nos que a sanção de inibição de conduzir veículos com motor fixada na sentença recorrida em 4 meses, quando o arguido conduzia com uma TAS de 2,43 g/l, peca por defeito.
Por mais adequada aos critérios definidos no art.71.º do Código Penal entendemos fixar o período dessa sanção acessória de proibição de conduzir em 7 ( sete) meses.
Deste modo, procede também esta questão.

Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando parcialmente a douta sentença recorrida, decide-se alterar a redacção do ponto n.º 3 dos factos dados como provados, fixando-a nos termos atrás consignados, e condenar o arguido D..., pela prática de um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 75 ( setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5 ( cinco euros), ou seja, na multa de € 375 ( trezentos e setenta e cinco euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 ( sete ) meses.
Sem custas.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,