Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1474/05.9TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPROPRIETÁRIO
PRÉDIO URBANO
VENDA
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA- 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1409.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Não goza do direito de preferência o comproprietário de prédio urbano vendido, na sua totalidade, em acção de divisão de coisa comum.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A…. e mulher B intentaram no 3º Juízo Cível de Coimbra uma acção com processo especial para divisão de coisa comum, nos termos dos art.ºs 1052 e seguintes do CPC, contra C…. e mulher D…., alegando, essencialmente, que sendo Requerentes e Requeridos comproprietários de determinado prédio urbano, na proporção de 1/2 para cada casal, não pretendem permanecer na respectiva indivisão nem se entendem quanto ao destino a dar ao imóvel; pelo que, desejando os Requerentes pôr termo a essa situação, e sendo o imóvel indivisível, deverá providenciar-se pela sua adjudicação ou venda, de harmonia com o previsto na lei adjectiva.

Citados os Requeridos, e sem que houvesse contestação, foi designada a conferência de interessados, na qual, não tendo sido possível o acordo sobre a adjudicação do bem, ficou determinado que se procedesse à venda precedida da sua avaliação através de perito a indicar pela secção.

Avaliado o imóvel a dividir, junta a certidão dos ónus e encargos inscritos e cumprido o art.º 864 do CPC, foi designado dia e hora para a venda mediante a abertura de propostas em carta fechada, tendo por base o montante da dita avaliação.

No dia marcado, encontrando-se presentes e representados Requerentes e Requeridos, e havendo três propostas a considerar, foi proferido despacho a considerar aceite a proposta apresentada por A… de € 152.500,00, por ser a de preço mais elevado.

De seguida, consignou-se em acta um requerimento do i. mandatário do Requerido C….., do seguinte teor:

"Em face da proposta apresentada de 152.500 € (Cento e cinquenta e dois mil e quinhentos euros), o requerido Cpretende exercer o seu direito de preferência na aquisição do imóvel pelo mesmo valor".

Sobre este requerimento - a que, ao ser ouvido, se opôs o Requerente A…. – veio a recair o despacho de fls. 245-246, em que se decidiu "não assistir pelo requerente direito de preferência na venda da totalidade do prédio ao comproprietário Ada Silva, não havendo que cumprir o n° 1 do art° 896° do C.P.C.".

Irresignados com tal veredicto, do mesmo interpuseram recurso os Requeridos, recurso admitido como de agravo, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O despacho recorrido foi oportunamente sustentado.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

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Os pressupostos de facto da decisão são que acima se acham enunciados, e que, por se acharem suficientemente relatados, reflectindo os diversos passos do processo relevantes para a apreciação do recurso, igualmente se têm por definitivamente fixados. 

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O agravo.

Nas conclusões com que delimitam o objecto do recurso – ex vi dos art.ºs 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC, na redacção aplicável – os agravantes, não obstante aduzirem vária argumentação, suscitam como única questão a de se saber se, em virtude da sua qualidade de comproprietários, detinham ou não um direito de preferência em relação ao objecto da venda judicialmente ordenada nos autos, direito que, porque adequadamente manifestado, lhes consentia a aquisição do imóvel pelo valor da proposta aceite.

O Requerente e agravado contra-alegou, pugnando pela confirmação do decidido.

Sobre a questão colocada no agravo.

Em causa está o exercício pelo Requerido C…. de um invocado direito de preferência na venda do prédio de que é comproprietário, direito que o mesmo entende tutelado pelo disposto no art.º 1409, nº 1, do C. Civil.

Desde já se adianta que a razão está do lado da M.ma Juíza.

Senão vejamos.

Reza então aquele normativo:

"O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes".

Não é fruto do acaso ou do diletantismo do legislador, esta preferência atribuída ao comproprietário.   

Explicando o que está na base da consagração desta preferência legal, Pires de Lima e Antunes Varela [1] referem serem "três os fins principais que justificam a concessão da preferência no caso especial da compropriedade: a) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens; b) não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; c) impedir o ingresso, na contitularidade do direito, de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer".

Como é de uma cristalina percepção, estes apontados fins só fazem sentido na alienação da quota. Não na venda ou dação em cumprimento da totalidade do direito de propriedade sobre o bem objecto da contitularidade, em que obviamente se não põem aqueles problemas da exploração do bem – dada que ele se transmite para um único dono - ou da harmonia entre os consortes – visto que estes deixam de existir.

Tal como é salientado no Acórdão do STJ citado no despacho de sustentação[2], não tem apoio nem na letra do n.° l do artigo 1409° do Código Civil, nem na sua razão de ser, a extensão do direito de preferência aos comproprietários, em caso de alienação da totalidade do prédio a terceiros. 

O agravante ainda chama à colação o disposto no regime da venda por propostas em carta fechada dos artigos 896, nº 1 e 892, nº 1 do CPC, onde se acham previstas, quer a notificação dos titulares do direito de preferência legal ou convencional do dia, hora e local aprazados para a abertura das propostas, quer a interpelação dos mesmos titulares para declararem, aceite alguma proposta, se querem exercer tal direito.

Trata-se aqui, porém, e como se sabe, de regras adjectivas ou processuais, que, por isso, são meramente instrumentais da realização do direito substantivo aplicável. A norma de direito material que ao caso vertente compete é a do mencionado art.º 1409, nº 1 do C.C., artigo que - de acordo com o que se expendeu - exclui qualquer direito de preferência do agravante em hipóteses como aquela que ocorre nos presentes autos.

Donde a refutação por inteiro do fundamento do agravo.

Pelo exposto, negam provimento ao agravo.

Custas pelo agravante.


[1] C. Civil Anotado, 1972, V. III, p. 333.
[2] Ac. de 10 de Julho de 2008, in http//www.dgsi.pt.