Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1595/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ADJUDICAÇÃO DE BENS EM EXECUÇÃO
CONTEÚDO DO DESPACHO DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 824º DO CIV. ; 888º E 900º DO CPC .
Sumário: I – O adquirente de bens imóveis em adjudicação judicial pode exigir que do respectivo título de transmissão conste a expressa referência de que a dita transmissão está isenta do cumprimento de obrigações fiscais, sendo o caso, pelo que importa que seja proferida decisão judicial nesse sentido .
II – Compete ao juiz determinar, em despacho por si proferido, o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam com a venda, incumbindo à secção judicial tão somente entregar ao adquirente a certidão desse despacho, competindo ao adquirente providenciar, junto da respectiva conservatória, pelo cancelamento e feitura dos pertinentes actos de registo .

III – Ao impor-se, no artº 888º do CPC, o carácter oficioso do cancelamento dos registos de ónus ou encargos existentes sobre os bens vendidos em processo de execução, visou-se manter sobre o controle judicial a decisão relativa à caducidade dos direitos reais que devam caducar, nos termos do artº 824º, nº 2, do CC, pelo que deve o juiz especificar ou identificar, no despacho relativo ao cumprimento do artº 888º do CPC, as inscrições registrais que devam ser canceladas, não bastando que o faça através de uma ordem genérica e abstracta de cancelamento .

Decisão Texto Integral: 1
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A A... , instaurou (em 25/3/1999) os presentes autos de execução, então com forma de processo ordinário, contra B... e sua mulher C... e D..., visando obter deles o pagamento da quantia exequenda por si descriminada no seu requerimento inicial executivo. Quantia essa que resultou de um empréstimo (mútuo) efectuado aos 1ºs executados, e avalizado pelo 2º, e cujo pagamento aqueles haviam garantido com a constituição de uma hipoteca voluntária sobre o imóvel ali identificado.
Após os autos terem prosseguido o correspondente ritualismo processual (que incluiu da dedução do "incidente" previsto no artº 869 do CPC de outros credores, Altamiro Cunha e sua mulher) veio tal imóvel (que oportunamente havia sido penhorado) a ser vendido judicialmente. Venda essa feita, na modalidade de negociação particular, à própria exequente, com dispensa de depósito do correspondente preço, e depois de previamente ter efectuado o depósito do montante das custas prováveis em dívida.
No correspondente despacho judicial de adjudicação do imóvel, proferido a fls. 461, a srª juiz a quo ordenou, para o efeito que aqui nos interessa, que a mesma fosse feita "livre de quaisquer ónus e/ou encargos, de cujo registo determino o cancelamento".
Mais tarde, através do seu requerimento de fls. 280, a exequente-adquirente veio pedir ao tribunal a quo que declarasse, por um lado, que a mesma estava isenta do pagamento de sisa, e, por outro, que os ónus a cancelar são os registados sob as cotas C2, F1 e F2, alegando para o efeito, e em síntese, que sem tal menção especificadora a Conservatória se recusava a efectuar, a seu favor, o registo definitivo do direito de propriedade que havia adquirido sobre o aludido imóvel.
Requerimento petitório esse que a srª juiz a quo indeferiu, através do seu despacho de fls. 481, considerando as respectivas declarações desnecessárias, face ao teor daquele seu despacho adjudicatório, e que, em síntese, fundamentou nos seguintes termos:
No que concerne ao 1º pedido (declaração de isenção de sisa), argumentou-se que tal dispensa está insíta naquele seu despacho, já que foi precisamente por se considerar que a exequente beneficiava de tal isenção que foi proferido, sem mais, o referido despacho de adjudicação, sendo que, todavia, sempre tal declaração de isenção seria da competência da repartição de finanças e não do tribunal.
No que tange ao 2º pedido (especificação dos ónus/registos existentes o imóvel a cancelar), argumentou-se com a sua desnecessidade face à declaração genéríca de cancelamento feita naquele seu mesmo despacho, que impõe ao srº Conservador a obrigação de efectuar o cancelamento de todas as inscrições que estiverem em vigor à data da venda do dito imóvel.

2. Não se tendo conformado com tal despacho, que foi mantido mesmo depois do pedido de aclaração que dele foi pedido, a exequente dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo e a subir nos próprios autos.

3. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentou, a exequente-agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
"1. O título de transmissão de imóvel judicialmente adquirido e adjudicado deve certificar, expressamente o cumprimento das obrigações fiscais, que no caso dos autos passa pela declaração de isenção de que beneficia a recorrente.
2. O cancelamento dos ónus e/ou encargos registados sobre o imóvel deverá ser ordenado de forma explícita, identificando-se concretamente sobre quais incide, não sendo suficiente uma menção genérica.
3. Em nome do princípio da cooperação, nada obsta, antes aconselha, a que se mencione e concretize especificadamente os factos que assumidamente se verificam e se entende terem sido referidos de forma genérica; como forma, além do mais, de remover o obstáculo que assim se apresenta à parte utente dos serviços da justiça que se vê impedida de exercer um direito que legitimamente lhe assiste, porque se insiste em não concretizar o que se assume se disse genericamente.
4. Pelo exposto, deveria ter sido deferido o requerimento da recorrente, no sentido de se declarar no título de transmissão que se mostram cumpridas, pelo adquirente ora recorrente, as obrigações fiscais, posto beneficiar da respectiva isenção, bem como identificar concretamente quais os ónus/e ou encargos a cancelar.
5. Mostra-se, assim, violado, no douto despacho em recurso, o disposto nos artigos 900º, 888º e 266º do CPC e 284 (trata-se de manifesto lapso de escrita, já que, tal como decorre do contexto do que foi expressamente alegado e citado nas alegações motivatórias do recurso, queria a recorrente dizer e escrever 824 ) do CC."

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. A srª juiz a quo proferiu, de forma tabelar, despacho a sustentar o despacho decisório recorrido.

6. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto ou o âmbito dos mesmos (cfr. artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC, e bem assim, entre muitos outros, o Ac. da RC de 5/11/2002, in "CJ, Ano XXVII, T5 - 15").
1.1 Ora calcorreando as conclusões da parte motivatória do presente recurso, verifica-se que as questões que nele importa apreciar e decidir são as seguintes:
a) Deverá, ou não, no despacho judicial de adjudicação de bem imóvel, e que serve de título de transmissão do mesmo, declarar-se ou certificar-se expressamente o cumprimento, pelo seu adquirente, das obrigações fiscais devidas pelo acto (transmissivo) ou, no caso de tal suceder, a sua isenção?
b) A declaração que, em tal despacho, determina o cancelamento dos registos dos ónus ou encargos (ou melhor dos direitos reais) que subsistam sobre o bem imóvel em causa, e que devem caducar nos termos do artº 824 do CC, deverá especificar ou identificar concretamente esses registos ou deverá bastar-se com uma declaração genérica e abstracta de cancelamento dos mesmos?
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2. Os factos
Com relevância para a decisão, os factos a atender são aqueles que acima deixámos descritos no nº 1 do ponto I.
A eles deve ainda acrescentar-se que as únicas inscrições registais actualmente subsistentes - embora tivessem havido outras - sobre o aludido imóvel são (tal como resulta da respectiva certidão registral junta aos autos) aquelas acima referidas e cujo pedido de cancelamento foi expressamente pedido pela exequente-agravante.
Factos esses que resultam directamente dos autos e dos diversos documentos a eles juntos.
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3. O direito
3.1 Antes de entrarmos propriamente na apreciação das sobreditas questões, começaremos por lamentar que as mesmas tenham motivado o presente recurso, pondo, a nosso ver, desnecessariamente, em causa o princípio de uma justiça célere e eficaz, ou seja, feita em tempo oportuno (e que constitui uma pedra angular da vigente reforma processual). É que, como se pode observar pelo que atrás se deixou exarado, não existe desíntonia quanto ao fundo ou amâgo das questões substanciais que estão subjacentes àquelas duas enunciadas questões recursivas, ou seja, quer o tribunal a quo, quer a parte recorrente, estão de acordo que, no caso em apreço, a exequente está isenta do pagamento do imposto devido pela transmissão/quisição do aludido imóvel, e bem assim quanto à necessidade, legalmente imposta, de cancelar os registos dos direitos reais que devam caducar nos termos do artº 824 do CC. O que a tal propósito divide o tribunal a quo e a recorrente é tão somente uma pequena questão de pormenor, ou seja, sobre o modo, a forma ou os termos de que deve revestir-se (a declaração de) tal reconhecimento e cancelamento.
Por outro lado, devemos, desde já, deixar expresso que o presente caso será analisado, em termos da legislação processual civil aplicável, à luz da reforma introduzida pelos DLs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9 (e que doravante designaremos somente por CPC/95) e que estava então em vigor à data da reforma processual, introduzida pelo DL nº 38/2003 de 8/3, que consagrou o novo regime jurídico da acção executiva, actualmente em vigor (o qual, como é sabido, só é aplicável aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, acontecida em 15/9/2003 – cfr. artºs 21, nº 1, e 23, do último diploma).
3.2 Quanto à 1ª questão
Da expressa referência ao cumprimento das obrigações fiscais.
Como resulta do que atrás já deixámos exarado, não constitui objecto de polémica no presente recurso o indagar sobre o cumprimento ou o incumprimento das obrigações fiscais, já que é questão pacífica (tal como foi reconhecido pelo tribunal a quo no seu despacho aclaratório) que a agravante, adquirente do imóvel vendido no processo de execução a que se reportam os presentes autos, está, pela legislação aplicável ao caso, isenta do correspondente imposto que, normalmente, é devido em tais situações, e como tal não iremos perder tempo sobre essa subjacente questão substancial.
Sendo assim, aqui tão somente se discute sobre a necessidade, ou não, de naquele despacho judicial de adjudicação do bem imóvel em causa, e que serve de título de transmissão do mesmo, constar expressa referência ao cumprimento, pela sua adquirente, das obrigações fiscais devidas pelo acto (transmissivo) e, mais concretamente ainda, que a mesma está isenta do pagamento do correspondente imposto que seria devido pela aquisição do imóvel em causa.
Na reforma do CPC/95, o artigo 900, sobre a epígrafe “Adjudicação dos Bens”, dispunha o seguinte:
Nº 1 “Os bens apenas são adjudicados e entregues ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão”.
Nº 2 “Proferido despacho de adjudicação dos bens, é passado ao adquirente título da transmissão, no qual se identifiquem os bens, se certifique o pagamento do preço e o cumprimento das obrigações fiscais e se declare a data em que os bens lhe foram adjudicados”.
Ora da leitura de tal normativo resulta, por um lado, que o pagamento integral do preço e a satisfação das legais obrigações fiscais devidas por tal acto transmissivo funcionam como condição sine qua non para que os bens vendidos em processo de execução possam ser adjudicados e entregues ao seu adquirente, e, por outro lado, resulta que uma vez satisfeitos tais requisitos se impõe ao tribunal que profira despacho de adjudicação dos bens e que automática e expressamente faça constar, além do mais, do título de transmissão que foram cumpridas pelo adquirente as correspondentes obrigações fiscais devidas por tal acto. Só assim faz sentido e se compreende o teor do citado nº 2: “Proferido despacho de adjudicação dos bens, é passado ao adquirente título da transmissão, no qual ....se certifique.....o cumprimento das obrigações fiscais...”.
Tal imposição resulta, pois, a nosso ver, directamente da lei. Na versão anterior ao CPC/95, o artigo 905 equivalia ao acima citado normativo, apresentando, a tal propósito, uma ligeira, mas quanto a nós, significativa alteração, ao dispor no seu nº 2 que “depositado o preço e paga a sisa, se for devida, pode o arrematante exigir que lhe seja passado título....no qual...se certifique o pagamento....da sisa” (sublinhado nosso). Aí a referência expressa no título do cumprimento das obrigações fiscais (pagamento do imposto de sisa), não era automática, já que a mesma estava, ao contrário do que sucedia na versão do CPC/95 e mesmo também no actual regime da acção executiva (com a diferença de que a emissão do correspondente título compete agora ao agente de execução), dependente da exigência ou pedido feito nesse sentido pelo adquirente.
Afigura-se-nos, assim, e sem necessidade de outras considerações, que, quanto a tal questão, faz todo o sentido, por ter suporte legal, a pretensão da ora agravante ao exigir que do respectivo título de transmissão do aludido bem imóvel, que adquiriu nestes autos, conste a expressa referência de que a mesma está, no caso, isenta do cumprimento das obrigações fiscais que seriam devidas, razão pela qual se julga, quanto a essa questão, procedente o recurso, revogando-se, consequentemente, nessa parte o despacho recorrido.
3.3 Quanto à 2ª questão
Da necessidade, ou não, de especificação ou concretização das inscrições registrais que devam ser canceladas.
Voltamos a sublinhar que a questão terá que ser, pelos motivos supra expressos, analisada à luz da reforma processual de 95.
Preceitua, o artigo 888 do CPC/95 que “após o pagamento do preço devido pela transmissão, são oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº 2 do artigo 824 do Código Civil, entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho.”
Depois do nº 1 do artº 824 do CC começar por estatuir que “a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida”, dispõe o nº 2 desse mesmo normativo que “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.”
Face ao que supra se deixou exarado, não subsistem dúvidas de que no despacho judicial de adjudicação do imóvel, a srª juiz a quo ordenou o cancelamento de todos os ónus ou encargos que se encontrassem registados sobre o mesmo.
A questão que constitui pomo de discórdia, e que aqui urge resolver, consiste apenas em saber se, para cumprimento daqueles normativos legais, basta que o tribunal a quo profira uma ordem genérica e abstracta de cancelamento dos registos dos ónus ou encargos (ou melhor dos direitos reais) que subsistam sobre o bem imóvel em causa, e que devem caducar nos termos do artº 824 do CC (tal como fez e defende a srª juiz a quo), ou, pelo contrário, se tal ordem deverá especificar ou identificar concretamente esses registos a cancelar (tal como defende a agravante)?
Vejamos então.
O artº 888 do CPC/95 (na sequência do que já havia sucedido com o artº 907, na redacção que então lhe havia sido dada pelo DL nº 457/80 de 10/10) manteve inequívoco o sentido da oficiosidade processual, imposta ao juiz do processo, do cancelamento dos registos dos ónus ou encargos existentes sobre os bens vendidos em processo de execução. Oficiosidade essa que – entendimento esse que é hoje pacífico, face ao seguemento final que foi acrescentado a tal normativo com a referida reforma “entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho” – deve ser interpretada no sentido de competir ao juiz determinar, em despacho por si proferido nos autos, o cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam com a venda, e já não que deva ser o tribunal ex offício a proceder a tal cancelamento junto da competente Conservatória do Registo Predial, incumbindo depois à secção entregar tão somente ao adquirente certidão de tal despacho, ao qual competírá, esse sim – de acordo como princípio da instância registral -, providenciar directamente, junto da conservatória, pelo cancelamento e feitura dos pertinentes actos de registo (vidé, a propósito e por todos, o cons. Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 596, nota II” e o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. 3º, pág. 570”). Matéria essa que veio a sofrer a alterações, como adiante veremos (ainda que ao de leve, por não ser aplicável, como acima já deixámos exarado, ao caso em apreço), com a nova redacção dada a tal normativo pelo diploma que introduziu o novo regime da acção executiva.
Como resulta, aliás, do seu próprio texto, aquele normativo terá que ser articulado com o acima citado artº 824 (nomeadamente com o seu nº 2) do CC.
Normativos esses que, no essencial, visam satisfazer o princípio geral de que no processo de execução os bens devem ser transmitidos para o seu adquirente livres de ónus ou encargos.
Daí que o legislador processual se tenha preocupado, antes de mais, em chamar ao processo todos os credores beneficiários de direitos reais (reunindo-os num só processo), nomeadamente de garantia (sendo esses que nestes autos apenas estão em causa), sobre os bens que nele foram penhorados, para que possam fazer valer atempadamente os seus direitos, dado o facto de a venda deles só ser possível uma vez e de para o seu produto serem transferidos todos os direitos reais (cfr., nomeadamente, artºs 864 e 871, do CPC).
Ora considerando, por um lado, que os direitos reais, nomeadamente os de garantia, estão sujeitos a registo (cfr., nomeadamente, artº 2, nº 1 als. a), h), n) e u), do CRP) e, por outro, que a finalidade do registo predial (enunciada no artº 1 desse mesmo código) só se concretizará desde que ele corresponda à realidade, facilmente será de concluir que a venda de bens penhorados na execução imponha, com a caducidade dos direitos reais (especialmente os direitos de garantia), o cancelamento dos respectivos registos, sob pena, de o não fazendo, se defraudar a finalidade do registo e , ao mesmo tempo, se não defender segurança dos direitos em causa.
Porém, e como resulta de uma leitura atenta do citado nº 2 do artº 824 do CC, nem todos os direitos reais existentes sobre o bem imóvel vendido caducam, mas tão só aqueles que se encontrem nas situações ali expressamente referidas, ou seja, que não se encontrem compreendidos na ressalva ali feita (e cujas situações aqui nos dispensamos de descriminar, por ora tal se achar despiciendo).
Logo, ao impor-se no citado artº 888 do CPC/95 o carácter oficioso do cancelamento dos registos de ónus ou encargos existentes sobre os bens vendidos em processo de execução, visou-se manter sobre o controle judicial a decisão relativa à caducidade dos direitos reais (neste nosso caso de garantia) que devam caducar nos termos do aludido artº 824, nº 2, do CC.
E porquê?
Porque é o juiz (e já não, por exemplo, o srº Conservador) quem está em melhores condições – já que acompanha e controla processo desde os seus primórdios (não nos cansamos de sublinhar que estamos a falar à luz do regime anterior ao actual regime da acção executiva) e face aos concretos elementos factuais carreados para os autos - de indagar, por um lado, sobre quais os direitos reais que caducaram ou devem ser declarados caducos (pois já acima deixamos expresso que nem todos caducam automaticamente), e, por outro lado, se foi proporcionada a todos os credores, que detêm direitos reais (nomeadamente de garantia) sobre os bens vendidos, a possibilidade de terem vindo ao processo defender os seus direitos ou interesses, sendo certo ainda que aquele seu despacho de adjudicação dos bens e de declaração de cancelamento dos registos, por caducidade dos direitos reais que sobre eles incidam, está, naturalmente, sujeito a ser objecto de impugnação judicial, por via de recurso, o que significa que só será título bastante (com a produção de todos os seus efeitos) se tiver transitado em julgado.
Por tudo o exposto, somos chegamos à conclusão de que o juiz, ao proferir despacho em que, à luz do citado artº 888 do CPC/95, ordene o cancelamento dos registos dos ónus ou encargos existentes sobre o imóvel que, em processo de execução, foi objecto de venda, deva aí especificar ou concretamente identificar as inscrições registrais que devam ser canceladas, não bastando (como o fez a srª juiz a quo) que o faça através de um ordem genéríca e abstracta de cancelamento. (Entendimento esse que vem sendo sufragado, podemos dizer de forma uniforme, pelo Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado, através dos seus múltiplos pareceres - vidé, por ex: parecer proferido, no proc. nº RP 107/99 , em 17/12/999 -, e que igualmente foi perfilhado pelo Ac. da RP de 18/11/2003, in “CJ, Ano XXXVIII, T5 – 191”; Ac. da RE de 2/7/1998, in “BMJ nº 479 – 732” e Ac. do STJ de 17/12/1991, in “BMJ nº 412, págs. 471/47”3, sendo certo que na escassa jurisprudência publicada a tal propósito não descortinámos nenhuma proferida em sentido contrário).
Dir-se-á, por fim, que a nova redacção dada entretanto ao citado artº 888 pelo DL nº 38/03 de 8/3, e da qual resulta (além do mais) que aquela tarefa de cancelamento oficioso dos registos que estava cometida ao juiz passou a estar atribuída ao Conservador Predial, em nada altera tal entendimento, antes mesmo o reforçando, já que, por um lado, tal incumbência é agora (o que não sucedia até então, em que o silencio era absoluto) feita expressamente, e, por outro lado, porque a dejudicialização de tal tarefa ou função se insere nos objectivos que estiveram subjacentes à consagração legal do novo regime da acção executiva e que expressamente visavam acabar com a excessiva jurisdicionalização e rigidez de que enfermava o anterior regime (cfr. o preâmbulo do respectivo diploma).
Logo, também quanto a tal questão, se terá de reconhecer assistir razão à agravante ao pretender que o tribunal a quo especifique ou expressamente identifique as inscrições registrais, subsistentes sobre o imóvel que adquiriu nos autos de execução, que devem ser canceladas.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, na medida e por forma a ser substituído por outro no qual se faça expressamente constar do título de transmissão acima referido que a exequente-agravante está isenta, na aquisição do imóvel supra identificado, do cumprimento das obrigações fiscais que seriam devidas (ou seja, do pagamento do imposto correspondente) e bem assim ali se especifique ou concretize a identificação das inscrições registais existentes sobre tal imóvel que devam ser canceladas.
Sem custas.

Coimbra, 2005/10/04