Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
381/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 04/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1437.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 6.º AL. E) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: A legitimidade conferida pelo artigo 1437.º do Código Civil ao administrador não exclui a legitimidade do próprio condomínio. Ele pode ser parte na acção, onde é representado pelo administrador.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A..., em S. Martinho do Porto, demandou, na comarca de Alcobaça, B..., para que seja condenado na reconstituição natural da situação que existia antes das obras que ele efectuou no prédio, por alegadamente terem violado os direitos dos condóminos.
Na contestação, além do mais, foi arguida a ilegitimidade do autor. Houve resposta e, no saneador, o sr. juiz julgou procedente a excepção e absolveu o réu da instância.

2. O autor não se conforma e agrava da decisão, concluindo:
1) Face ao artigo 26° do C.P.C., à causa de pedir invocada e ao pedido formulado na acção judicial, o Recorrente tem legitimidade processual para figurar como A. nos presentes autos.
2) O tribunal a quo confundiu legitimidade processual com capacidade processual, na medida em que a questão sub judice concerne à representação do Condomínio.
3) Sendo o Administrador o órgão do Condomínio que tem a sua representação orgânica, está o Recorrente representado ex necessario pelo seu administrador em exercício.
4) Além de que a procuração forense foi outorgada pelo Administrador em exercício do Recorrente.
5) Atentos os interesses que o ora Recorrente visa proteger com os presentes autos, a norma aplicável seria a do artigo 1437, n.º 3 do C.P.C.
6) E, também neste caso, está o Recorrente devidamente representado pelo seu Administrador em consequência da deliberação tomada na reunião de Assembleia realizada no dia 10 de Fevereiro de 2001.
7) O tribunal a quo errou na determinação das normas que aplicou, nomeadamente dos artigos 1430.º, n.º 1,1436° e 1437°, n.º 1 e 2 todos do C.C. e do artigo 26° do C.P.C.
8) As normas que no caso se deveriam aplicar seriam as do artigo 1437.º, n.º 3 do C.C. e, eventualmente, as normas do artigos 9.º e 24° do C.P .C.


3. Contra-alegou o apelado em defesa do julgado. Foi proferido despacho de sustentação. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta a seguinte factualidade:
1) A presente acção foi proposta pelo autor “A..., São Martinho do Porto” contra o réu B..., nos termos constantes da petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá integralmente por reproduzida;
2) Conforme docs. n.º 1 e 2 juntos com a réplica, pelas assembleias ordinárias de condóminos, realizadas em 29 de Janeiro de 2000 e 23 de Fevereiro de 2002, a “D...” foi eleita administradora do A., respectivamente, para os biénios de 2000/2001 e 2002/2003 ;
3) Como resulta também do doc. n.º 3 junto com a réplica, pela assembleia ordinária de condóminos, realizada em 10 de Fevereiro de 2001, deliberou-se que o Administrador do A. providenciasse pela instauração das acção judiciais contra os condóminos que tivessem realizado obras que prejudicassem a linha arquitectónica do prédio;
4) Conforme resulta da procuração forense que constitui fls. 7 dos presentes autos, “D...”, na qualidade de “Administradora do Condomínio do prédio urbano «Apartamentos S.M.», sito na Rua Dr. Rafael G. Graça, n.º 31, em S.M. Porto”, constituiu seu "bastante procurador o Sr. o Dr. o C..., advogado", a quem conferiu "os mais amplos poderes forenses em direito permitidos".

4. Em causa está apenas a questão de saber se a acção poderia ter sido, como foi, proposta pelo próprio condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, em vez de – como o entendeu o sr. juiz recorrido – o ter sido pelo administrador do condomínio, face ao disposto no artigo 1437.º, n.º 1 do Código Civil.
Está fora de questão tratar-se de matéria da competência do administrador, não só porque lhe está conferida nos termos do artigo 1436.º, al. f) – realização de actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – como também lhe foi conferida pela Assembleia de Condóminos, nos termos do artigo 1437.º, n.º 3 do mesmo diploma.
O que se disse em 1ª instância foi que a legitimidade activa cabe ao administrador do condomínio e não ao próprio condomínio. Num litígio que oponha o condomínio a qualquer dos condóminos é o administrador e não o condomínio quem tem a legitimidade, diz-se na decisão recorrida.
E efectivamente do artigo 1437.º, 1 e 2 do Código Civil – que é uma norma de natureza processual – colhe-se que o administrador do condomínio pode demandar terceiros ou qualquer dos condóminos, na execução das suas funções ou quando autorizado pela assembleia, e ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, exceptuando as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, casos em que pode litigar com poderes especiais conferidos pela assembleia dos condóminos (n.º 3 do artigo).
Nesta óptica, estando em causa a demanda de um condómino para defesa de bens comuns, uma vez que se lhe pede que reconstitua o que alterou em parte comum do edifício, é inquestionável que o administrador tem legitimidade para demandar o condómino. A questão é, como já se disse, a de saber se a legitimidade do administrador exclui a legitimidade do próprio administrado – o condomínio.

5. Sabe-se que a figura do condomínio surge como suporte dos direitos e obrigações dos titulares das fracções, relativamente às partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal. É esta entidade que no mundo das relações jurídicas aparece, por assim dizer, no lugar dos titulares das diversas fracções, para facilitar e quiçá até para possibilitar o tráfego jurídico, no que respeita às partes comuns do edifício, e é-lhe reconhecida legitimidade numa altura em que a lei adjectiva não reconhecia expressamente personalidade judiciária ao condomínio.
E essa entidade é administrada por uma assembleia dos condóminos e por um administrador (artigo 1430.º, n.º 1 do Código Civil), com funções definidas na lei. Estes são os órgãos administrativos das partes comuns (condomínio) e a figura do administrador surge, na disciplina do condomínio, como um representante deste. É o administrador que representa o condomínio em juízo, quando demanda ou é demandado. Os efeitos da sua intervenção na relação jurídica processual repercutem-se directamente no condomínio; o mesmo será dizer, nos direitos e obrigações dos titulares das fracções (condóminos), referentes às partes comuns do edifício.

6. Quando entrou em vigor o novo Código Civil, que instituiu a actual disciplina do condomínio, vigorava o Código de Processo Civil na versão anterior à saída do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12, em cujo artigo 6.º não constava (como hoje consta) a extensão da personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”. Constava apenas que “a herança cuja titularidade ainda não esteja determinada e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária”, sendo certo que a doutrina vinha entendendo que aí (nos patrimónios autónomos) se integrava o condomínio, a quem era reconhecida susceptibilidade de ser parte. ( cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pags. 111 e ss; e M. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, pag. 18 )
Por conseguinte não há dúvida de que o condomínio pode ser parte, como hoje claramente diz o artigo 6.º al. e) do Código de Processo Civil; e também pode ser parte o administrador do condomínio, na medida em que a lei lhe confere legitimidade, como resulta do já citado artigo 1437.º, 1 e 2 do Código Civil e do artigo 26.º,n.º 3 do Código de Processo Civil. O condomínio pode ser parte nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador e este pode ser parte nessas mesmas acções, na medida em que lhe é reconhecida legitimidade.
Na verdade, sendo o administrador um representante do condomínio, não faz sentido ter poderes que o representado não tem. Dificilmente se compreende como é que o administrador pode ter legitimidade para estar em juízo a representar os interesses do condomínio e o próprio condomínio não ter legitimidade para ser parte, quando é certo que tem capacidade judiciária. O que faz sentido é que parte legítima seja o condomínio representado pelo seu administrador, ainda que este possa igualmente demandar ou ser demandado, por referência legal.
O titular do interesse relevante para efeito da legitimidade é o condomínio. Os direitos e obrigações em litígio são das partes comuns (condomínio) e não do administrador. O administrador, como tal, só administra, não é titular do que administra. E se lhe é conferida legitimidade é por necessidade de simplificar as coisas e não porque seja ele o titular do interesse relevante. Como sujeito da relação controvertida e com personalidade judiciária o condomínio não pode deixar de ter legitimidade para demandar ou ser demandado, ainda que representado pelo administrador.
Foi este o entendimento seguido nesta Relação em acórdão recente, lavrado no Processo n.º 1789/04, relatado pelo sr. Desembargador Custódio Costa, onde se conclui - em acção intentada contra o administrador do condomínio - que o réu é o condomínio que está representado em juízo pelo seu administrador.
Também na Relação do Porto se decidiu ( Acórdão de 09-12-91; JTRP00000603, em www.dgsi.pt
) que “o condomínio tem legitimidade para defender, perante terceiros, partes comuns da propriedade horizontal quando também defende a sua fracção, devido a acto ou facto que simultaneamente põe em perigo de lesão ou lesionou ambas as partes”. Noutro aresto ( acórdão de 10-03-99; JTRP00029182,em www.dgsi.pt
) decidiu também a mesma Relação que “discutindo-se na acção interesses relativos às partes comuns de um prédio em propriedade horizontal, é o condomínio, como património autónomo integrado por essas partes comuns, que é parte em juízo e não o administrador do prédio que apenas o representa em juízo”. E noutro acórdão ainda ( Acórdão de 13-01-99; JTRP00026464, em www.dgsi.pt ) deu por decidido que “o administrador do condomínio pode agir em juízo, seja na execução das funções que a lei lhe atribui, seja quando munido de poderes conferidos pela assembleia de condóminos. Parte na acção é o condomínio, agindo o administrador, ao intentá-la, em nome dele”.
Isto posto, podemos então concluir que a legitimidade conferida pelo artigo 1437.º do Código Civil ao administrador não exclui a legitimidade do próprio condomínio. Ele pode ser parte na acção, onde é representado pelo administrador.
Logo, no caso em apreço, a acção está bem intentada pelo Condomínio do Prédio Urbano, tendo a administrador conferido poderes forenses ao advogado que o patrocina.

7. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, devendo o autor ser julgado parte legítima.
Custas a cargo do agravado.
Coimbra,
Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros