Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JACINTO MECA | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES OBRIGAÇÕES A CARGO DO FGADM INÍCIO DO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES A CARGO DO FGADM | ||
Data do Acordão: | 12/17/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 75/98, DE 19/11; 2º, 3º E 4º, Nº 5, DO D.L. Nº 164/99, DE 13/05. | ||
Sumário: | I – Ao lermos o D.L. nº 164/99, de 13/05, verificamos que o FGADM assegura o pagamento das prestações de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada (a prestar alimentos a menor residente em território nacional) não satisfizer as quantias em dívida e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, até ao início do efectivo cumprimento da obrigação – als. a) e b) do nº 1 do artº 3º.
II – Porém, o FGADM só é chamado a substituir o progenitor quando este esteja numa clara situação de incumprimento em matéria de alimentos e estejam reunidos os pressupostos e requisitos justificativos da intervenção do IGFSS. III – O Estado não se substitui ao progenitor na obrigação de prestação de alimentos, mas apenas satisfaz as necessidades de alimentos devidos ao menor, obrigação esta que é subsidiária da obrigação parental. IV – A obrigação do FGADM só nasce com a notificação de decisão que julgue o incidente de incumprimento do progenitor/devedor, obrigação que se inicia no mês seguinte ao da notificação de decisão do tribunal – artº 4º, nº 5, do D.L. nº 164/99, de 13/05. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acórdão Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra. 1. Relatório O Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Sertã, propôs em representação e interesses dos menores A... e B... contra os seus pais C... e D... a presente acção de regulação do poder paternal nos termos dos artigos 146º, d) 149º, 155º, nº 1, 174º e seguintes da OTM e artigo 1905º do CC. No essencial alegou que os menores são filhos dos requeridos que são casados entre si, mas estão em desacordo quanto à regulação do poder paternal. Os menores vivem com a progenitora desde 26 de Março de 2007. * Designado dia e hora para a conferência a que alude o artigo 175º, nº 1 da OTM, realizou-se a mesma, alcançando-se o acordo a que alude folhas 11 a 13 e do qual destacamos: 1. Os menores, A... e B... ficam à guarda e cuidados da mãe com quem residirão, sendo que o poder paternal será exercido conjuntamente pelos progenitores. 2. A título de alimentos o pai contribuirá mensalmente com a quantia de € 125,00 para ambos os menores a pagar até ao dia 8 de do mês a que disser respeito. * Em 10 de Dezembro de 2007, a requerida atravessou nos autos o requerimento de folhas 31, através do qual deu conta que o marido desde a altura da conferência não cumpriu com a pensão que lhe foi proposta de 125,00. * Em face da situação de desemprego do requerido, o Ministério Público promoveu a elaboração de relatório à Segurança Social – folhas 34 – que realizado deu nota que o requerido era caixeiro numa loja e que auferia 426,00 (…) com despesas mensais na ordem dos € 259,00. * Designado dia e hora para uma conferência de pais, veio a mesma a realizar-se – folhas 60 – confirmando o requerido a falta de pagamento da pensão de alimentos a que se vinculou, informando que pese o facto de não estar declarado à Segurança Social está a trabalhar como pedreiro na firma Engenharia 6000. * Elaborado o relatório a que alude o nº 4 do artigo 181º da OTM, veio a designar-se dia e hora para nova conferência, na qual o requerido confirmou a falta de pagamento da prestação de alimentos e informou que estava desempregado. Veio a ser proferida sentença que julgando o incidente de incumprimento de alimentos procedente condenou o requerido C... a pagar a D... o valor da dívida de € 1.250,00 a título de prestação de alimentos devidos a menores, acrescida de juros de mora. * Na sequência de mais um relatório elaborado pela DGSS, a Exma. Juiz proferiu decisão ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º, 3º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e artigos 2º e 3º do DL nº 164/99 de 13 de Maio, na sequência da qual: a) Fixou o montante da prestação alimentar substitutiva em € 125,00. b) Condenou o Estado Português, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a pagar o referido montante mensal. c) No montante a suportar pelo FGADM devem ser abrangidas as prestações devidas desde Outubro de 2007. * Notificado da decisão e por dela discordar, interpôs recurso o IGFSS – folhas 116 – que foi admitido como agravo, com subida imediata e nos autos e com efeito devolutivo – folhas 124. * O agravante atravessou nos autos as suas doutas alegações que rematou, na parte que releva ao conhecimento do recurso, com as seguintes conclusões: 1. As necessidades pretéritas dos menores estão por natureza satisfeitas. 2. A prestação a assegurar pelo Fundo não tem carácter incondicional – nº 6 do artigo 3º da Lei nº 75/98 e artigo 9º, nº 1 do DL nº 164/99. 3. O DL nº 164/99, de 13 de Maio é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações 4. Não só seria incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas dos menores, como seria inadequado substituir o obrigado originário a alimentos no seu inalienável dever de proceder ao seu sustento. 5. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19.11 e 3º, nº 1, alínea a) do DL nº 164/99, de 13.5, bem como o artigo 4º, nº 5 do DL nº 164/99, de 13.5. 6. Concluiu pelo provimento do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida quanto à obrigação do pagamento pelo FGADM do débito acumulado pelo obrigado e, consequentemente, deve proferir-se nova decisão que defina como data a partir da qual deverá ser assegurada a prestação de alimentos pelo FGADM, a do mês seguinte à notificação da decisão do Tribunal. * O Ministério Público contra alegou e após pertinentes considerandos pugnou pela revogação do decidido, considerando que a obrigação a cargo do FGADM é apenas devida no mês seguinte ao da sua notificação. * 2. Delimitação do objecto do recurso A questão a decidir no recurso de agravo e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte: § Momento do nascimento da obrigação de alimentos por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. * 3. Matéria de facto provada 1. A... nasceu em 20 de Junho de 1993 e é filha de C... e D.... 2. B... nasceu no dia 5 de Abril de 1998 e é filho de C... e D.... 3. Por sentença datada de 25 de Setembro de 2007, os menores A... e B... ficaram à guarda e cuidados da mãe com quem residirão, sendo que o poder paternal será exercido conjuntamente pelos progenitores. 4. …contribuindo o pai a título de alimentos com a quantia mensal de € 125,00 para ambos os menores a pagar até ao dia 8 de do mês a que disser respeito. 5. O pai dos menores não efectuou o pagamento de qualquer prestação. 6. Por sentença datada de 16 de Junho de 2008, o pai foi condenado, no âmbito de incidente de incumprimento de alimentos a pagar a D... a quantia em dívida no valor de € 1.250,00, acrescida de juros. 7. A Exma. Juiz proferiu decisão ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 2º, 3º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e artigos 2º e 3º do DL nº 164/99 de 13 de Maio, na sequência da qual fixou o montante da prestação alimentar substitutiva em € 125,00, condenou o Estado Português, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a pagar o referido montante mensal e a suportar as prestações devidas desde Outubro de 2007. * 4. Cumpre decidir Na decisão recorrida, a Exma. Juiz fixou a prestação mensal a satisfazer pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores no montante de € 125,00 sendo esta prestação devida desde Outubro de 2007 data que corresponde ao mês seguinte àquele em que foi conseguido o acordo de regulação do poder paternal – folhas 11. Como se pode verificar, não está em discussão a obrigação legal do FGADM no pagamento da prestação de alimentos devida aos menores, mas tão só, a questão de se saber se está vinculado ao pagamento desde o mês seguinte àquele em que foi fixada a prestação alimentar a cargo do progenitor ou se a partir do mês seguinte ao da notificação da sentença ao FGADM. Apesar de ser esta a única questão a dirimir, impõe-se que façamos, ainda que breve, uma incursão pelos preceitos constitucionais e leis ordinárias que disciplinam e regulam o direito das crianças a alimentos. Se tivermos por referência o quadro legal internacional, nomeadamente a Recomendação do Conselho da Europa R (82)2 de 4 de Fevereiro de 1982 em matéria de antecipação pelo Estado das prestações de alimentos devidas a menores e se interiorizarmos em matéria de direitos consagrados na nossa Lei Constitucional – artigo 69º – rapidamente concluiremos que a intenção do legislador foi a de garantir a dignidade da criança como pessoa em formação e a quem deve ser concedida a necessária protecção – preâmbulo do DL nº 164/99, de 13.5 – mesmo que daqui decorra, como necessariamente, decorre um encargo para o Estado. O artigo 69º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado à obrigação de velar pelas crianças órfãs, abandonadas ou privados de um ambiente familiar normal, explicitando o nº 3 do artigo 63º da CRP que o sistema de segurança social protege os cidadãos que se encontrem na situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência. A concretização deste desígnio constitucional passou pela publicação da Lei nº 75/98, de 19.11, cujo artigo 1º preceitua: quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL nº 314/78, de 27.10 e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação. Com um cariz essencialmente regulamentar da Lei nº 75/98, surge o DL nº 164/99, de 13 de Maio cujo nº 5 do artigo 4º prescreve: O Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal. É em torno desta norma que o agravante constrói a tese, segunda a qual o pagamento das prestações devidas à menor se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão judicial. Trata-se de uma questão que apesar de não ter um tratamento jurisprudencial consensual[1], a verdade é que como relator – processo nº 218-A/1997 e como adjunto – processo nº 10140-A/1991.C1 sufragámos o entendimento que «o início do pagamento por parte IGFSS das prestações de alimentos se retroagia à data da propositura da acção», entendimento este que assentava, há que reconhecê-lo, numa interpretação excessivamente abrangente do artigo 2006º do CC[2], na medida em que se entendia que esta norma regulava genericamente a obrigação de alimentos e que para ser afastada implicaria a consagração de norma legal expressa nesse sentido. Por via das divisões existente na jurisprudência das Relações[3], é fundamental que procedamos a uma análise detalhada da jurisprudência que considera que o IGFSS só tem o dever de cumprir a obrigação a partir do momento em que é chamado a substituir «o devedor». Não existe a mais leve dúvida que o artigo 2006º do CC ao referir-se ao «devedor» está a reportar-se ao progenitor(a) que se vinculou por acordo ou decisão judicial ao pagamento de uma determinada prestação a título de alimentos. Claramente, o IGFSS não se constituiu «devedor» de qualquer prestação de alimentos, e por isso não lhe pode ser aplicável a previsão vazada no artigo 2006º do CC que, como sabemos, considera que os alimentos são devidos a partir da instauração da acção, o que bem se compreendo por via das especiais responsabilidades parentais dos progenitores perante os seus filhos. Por se tratar de uma situação, infelizmente, recorrente na vida judiciária portuguesa – incumprimentos da prestação de alimentos – o Estado português decidiu-se pela criação de um quadro legal que respondesse à obrigação constitucional vazada no artigo 69º – direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado – e por essa via criou mecanismos de substituição que assegurassem, na falta de cumprimento por parte do progenitor[4], a satisfação das crianças a um dos direitos mais básico: o direito a alimentos. Ao lermos o decreto-lei nº 164/99, de 13 de Maio verificamos que FGADM assegura o pagamento das prestações de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada não satisfizer as quantias em dívida e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre – alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 3º – prestações que são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 Uc – nº 3 do artigo 3º. Pese a situação de incumprimento por parte do progenitor, o DL nº 164/99, de 13.5 impõe ao tribunal a realização de um conjunto de diligências e só depois de as realizar está em condições de decidir pela verificação ou não dos pressupostos exigidos por aquele diploma legal. Daqui decorre que o FGADM/IGFSS só é chamado a substituir o progenitor quando este esteja numa clara situação de incumprimento e estejam reunidos os pressupostos e requisitos justificativos da intervenção do IGFSS. Como resulta da lei, a intervenção do FGADM só se justifica quando o progenitor(a) não assume as suas responsabilidades parentais em matéria de alimentos, e por isso o Fundo é chamado a satisfazer o direito da criança a alimentos, intervenção que só se mantém enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado – artigo 9º. Como se vê, o Estado não se substitui ao progenitor na obrigação de prestação de alimentos, mas antes considerou, atentos os direitos das crianças, estabelecer um regime que respondendo ao desígnio constitucional – artigo 69º – lhe permitisse satisfazer as necessidades de alimentos devidos ao menor, obrigação que sendo própria do Estado, tem a natureza subsidiária na medida em que se limita a garantir os alimentos enquanto, repete-se, subsistirem as circunstâncias que motivaram a sua concessão, possibilitando o artigo 5º do decreto-lei nº 164/99, de 13.5 que o IGFSS se subrogue em todos os direitos dos menores, com vista à garantia do respectivo reembolso. Assim a intervenção do FGADM/IGFSS só ocorre num momento posterior à fixação de alimentos devidos ao menor, numa situação de claro incumprimento por parte do progenitor e desde que se verifiquem os requisitos pressupostos enunciados no artigo 3º do DL nº 164/99, de 13.5. Ou seja, quando o FGADM/IGFSS intervém, até por via do conjunto de diligências que os Tribunais efectuam no sentido de obrigar o progenitor a cumprir, já passaram vários meses sobre a data da instauração da acção, situação que é claramente desconhecida do FGADM, e daí que não seja de interpretar o artigo 2006º do CC no sentido do IGFSS ser considerado «devedor» o que clara e objectivamente não é, já que «o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário de alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pagar, ficando onerado com uma nova prestação[5]», que é independente e autónoma, embora subsidiária, da prestação de alimentos devida pelo «devedor» originário A este entendimento podemos juntar um outro de carácter interpretativo segundo o qual o texto da lei – nº 5 do artigo 4º do DL nº 164/99, de 13.5 – está longe de poder acolher a tese que inicialmente subscrevemos – a de que as prestações eram devidas desde a data da propositura da acção – na medida em que vincula o FGADM ao pagamento da prestação no início do mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, o que bem se compreende considerando a necessidade de implementação de todo o processo burocrático conducente ao respectivo pagamento, por parte do Centro Regional de Segurança Social. Assim arrepiando caminho e começando a trilhar aquele que é o mais conducente com a interpretação dos artigos 63º e 69º da CRP, 1885º a 1888º e 2006º do CC, 186º a 189ºda OTM; 1º, 2º, 4º e 6º da Lei nº 75/98, de 19.12; 1º a 5º e 9º do DL nº 164/99, de 13.5, entendemos que a obrigação do FGADM só nasce com a notificação da decisão que julgue o incidente de incumprimento do progenitor/devedor, obrigação que se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal. * Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e consequentemente revoga-se a decisão recorrida, na parte em que determinou que fiquem a cargo da agravante as prestações vencidas desde Outubro de 2007, devendo a agravante proceder ao pagamento das prestações que lhe foram fixadas a partir do mês seguinte ao da notificação do incidente de incumprimento. * Sem custas. * Notifique. * Coimbra[6], 17 de Dezembro de 2008
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