Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
357/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: ERRO MATERIAL
ERRO DE JULGAMENTO
SUA CORRECÇÃO
CERTIDÃO MATRICIAL
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 06/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALBERGARIA-A-VELHA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 667º, Nº 1, DO CPC.
Sumário: I – A divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito é que caracteriza o erro material, o qual é passível de rectificação .

IINo erro de julgamento o que se escreveu foi o que se quis escrever na altura, embora, posteriormente, se reconhecesse que estava mal escrito, mas por desconformidade com o direito ou com a realidade do facto ocorrido, e não por desencontro entre o pensamento e a actuação deste , erro este não rectificável.

III - As certidões das matrizes prediais, emitidas pelas repartições de finanças, apenas constituem presunções para efeitos fiscais, não para efeitos civis . Os elementos matriciais apenas conseguem obter relevância civil indirectamente, através dos registos prediais, com os quais se devem harmonizar – artºs 8º, nº 4, do C. Contrib. Autárquica , e 28º e segs. do C. Reg. Predial .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

A... e marido, B..., intentaram a presente acção com processo ordinário contra C... e mulher, D..., pedindo que estes fossem condenados a reconhecer o direito de propriedade dos primeiros sobre o prédio identificado no artº 1º da petição inicial, a restituírem a parcela de 1.300 m2 que indevidamente ocupam desse mesmo prédio, a reporem os marcos arrancados, e a pagarem uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença.
Alegaram, em síntese, que tendo adquirido o direito de propriedade sobre tal prédio por via derivada e originária, vieram os RR., possuidores de terrenos confinantes a norte e a sul, a ocupar indevidamente parte daquele prédio, tendo procedido ao arranque dos marcos que o delimitam, bem como ao derrube de àrvores, aproveitando-se da ausência dos AA. em França, onde trabalham.
Os RR apresentaram a sua contestação, onde, depois de descreverem a origem dos prédios em causa, alegam por seu lado que observaram os limites dos prédios, tal como ocorreu ao longo dos tempos, o que sempre levaria à aquisição por usucapião do direito sobre os mesmos.
Concluíram pedindo a improcedência dos pedidos formulados e a condenação dos AA. como litigantes de má fé.
Os AA. vieram responder, e depois de rectificarem o “croquis” apresentado bem como os artigos 9º e 10º do articulado inicial, e apreciarem as escrituras apresentadas pelos RR., impugnaram a matéria de excepção, reiterando o alegado inicialmente.
Foi elaborado o despacho saneador, e, imediatamente de seguida, organizada a matéria de facto dada como assente e a base instrutória, que foram alteradas de acordo com a reclamação apresentada posteriormente.
Juntos os respectivos meios de prova, prosseguiu-se para julgamento, cuja audiência veio a decorrer com observância do formalismo legal, respondendo-se à matéria de facto como consta de fls. 338-343, sem que tenha merecido reparo das partes.
A fls. 360 rectificou-se através do despacho que aí consta, e na sequência daquele outro de fls. 348, um alegado lapso material que acarretava a contradição entre os quesitos 12º, 25º e 27º, o qual foi objecto de recurso por parte dos RR., vindo ainda os AA., na sequência dos requerimentos apresentados, a pedir a condenação daqueles como litigantes de má fé em multa e indemnização.
Apreciou-se tal pedido, tendo o mesmo sido indeferido, decisão essa que transitou em julgado.
Quanto àquele recurso do despacho de fls. 360, vieram os RR. apresentar as suas alegações nas quais exibiram as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo ao proferir um despacho que altera a resposta já dada aos quesitos, viola o princípio da extinção do poder jurisdicional, viola o art.º 666.º, n.º 1, do CPC, que se aplica aos casos sub judice por força do n.º 3, do referido art.º;
B) Uma vez que o poder jurisdicional do Tribunal a quo relativamente à resposta aos quesitos constante da base instrutória já se encontrava esgotado;
C) Apesar desse princípio ter limitações, nomeadamente permitindo a rectificação de erros materiais, não é esse o caso em análise;
D) Pelo que, não estando perante um erro material, o Tribunal a quo fez uma aplicação ilegal do art.º 667.º do CPC, ao rectificar a decisão por si já proferida;
E) Devendo o despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado, por ilegal e a resposta aos quesitos formulada em conformidade.

Os agravados apresentaram as suas contra-alegações, sustentando que o despacho recorrido é insusceptível de recurso, pois que tratando-se de decisão sobre matéria de facto cabia da mesma reclamação, adiantando ainda que em todo o caso será de manter tal despacho pois que se verificou uma situação de manifesto lapso material.
Foi proferida a sentença, na qual se verteu a seguinte decisão:
“Face a tudo quanto fica exposto, julgo a presente acção procedente por provada, e, em consequência, condeno os RR. C... e mulher, D... a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. A... e marido, B..., sobre o prédio identificado no artº 1º da PI, ou seja, um terreno a Pinhal sito no Picoto, limites da freguesia de Rocas do Vouga, que confronta do norte com José Mendes da Rocha, do nascente com caminho, do Sul com Palmira Tavares da Rocha e do poente com José Maria Barbosa, inscrita na matriz sob o artº 4512 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Sever do Vouga, sob o n° 01990 da freguesia de Rocas do Vouga, com a área de 2.100 m2, a restituírem a parcela de 1.300 m2 que indevidamente ocupam desse mesmo prédio, a reporem os marcos arrancados, e a pagarem a quantia correspondente em euros a Esc. 121.200$0 (cento e vinte e um mil e duzentos escudos), e bem assim a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença sobre o prédio.
“Condeno ainda os RR., como litigantes de má fé, na multa de 350 € (trezentos e cinquenta euros) e na indemnização de 250€ (duzentos e cinquenta euros) a favor dos AA”.
Inconformados com tal sentença vieram os RR. recorrer da mesma tendo apresentado as suas alegações das quais constam as seguintes conclusões:

1- O presente recurso interposto da sentença que condenou os RR. restringe-se á decisão proferida sobre a matéria de facto;

2- Porquanto não se conformam com a decisão do tribunal a quo que considerou provado que o prédio dos AA., situado no “Pinhal da Genoveva”, tem 2100 m2, condenando assim os RR. a restituírem a parcela de 1300 m2 que o tribunal a quo considerou estar a ser ocupado por eles, a reporem os marcos arrancados, condenado ainda os RR a pagar 121.200$00, assim como a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença e condenando-os como litigantes de má-fé na multa de 350 Euros e na indemnização de 250 Euros.

3- Os AA. são proprietários do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art. 4512, confrontando a Norte com os prédios rústicos inscritos na matriz predial sob o art. 4513 e 4514 e a Sul com o prédio inscrito na matriz predial sob o art. 4511, propriedade dos RR., como resulta provado das certidões matriciais juntas aos autos com a contestação.

4- Como resulta da certidão do processo de inventário, junto aos autos pelos RR., o prédio denominado “Pinhal da Genoveva”, limite de Irijo, a confrontar do Nascente com caminho e valado, do Poente com Manuel Tavares Ventura e outros, do Norte com Manuel Joaquim Tavares Ventura, do Sul com extremo de Vilarinho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Rocas, sob o art. 5920, 5921 e 5925, propriedade de Jerónimo Tavares Barbosa, constituía um único prédio.

5- Com o inventário por morte de Jerónimo Barbosa o referido prédio foi dividido em quatro verbas: verba n.° 21, n.° 36, n.º 48 e n.° 57. (Cfr. Certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa junto aos autos).

6- A verba n.° 57, 1/2 do referido prédio, foi por doação adjudicado aos netos de Jerónimo Barbosa. Ficando assim metade do prédio dividido em seis lotes atribuídos a:
- Manuel António Mendes,
- Maria Emília Tavares,
- Luciana Tavares da Rocha,
- José Mendes da Rocha por sucessão hereditária do seu filho pré-falecido Albano Tavares da Rocha,
- D...,
- Palmira Tavares da Rocha.
(Cfr. Certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa junto aos autos).

7- As verbas n.° 21 (2/8 do prédio), n.° 36 (1/8 do prédio) e n.º 48 (1/8 do prédio), foram licitadas e repartidas em partes iguais entre os netos, (Cfr. Certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa junto aos autos).

8- Ficando o “Pinhal da Genoveva” repartido em 12 lotes com áreas se não iguais, bastante aproximadas, (cfr. croquis junto Pelos RR. em audiência de julgamento).

9- Ficando cada neto do falecido Jerónimo com dois lotes, um na parte doada e um na parte licitada (cfr. croquis junto pelos RR em audiência de julgamento).

10- O referido prédio, com área de 10.451 m2 até 1968 estava inscrito sob os artgs. matriciais n.°s 5920, 5921 e 5925 (Cfr. Certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa junto aos autos).

11- Após 1968 o prédio deu origem aos seguintes artgs. matriciais:
- na parte doada:
- art° 4506 com 1000 m2;
- art° 4507 com 1000 m2;
- art° 4508 com 1000 m2;
- art°4509 com 1000m2;
- art° 4510 com 770 m2;
-art°4511 com 77Om2;
- na parte licitada:
- art° 4512 com 1131m2 (78mx14,5m) e não os 2100 m2 que os A.A. alegam.
- art° 4513 com 360 m2;
- art°45l4 com 350m2;
- art° 4515 com 950 m2;
-art°4516 com 1120m2;
-art° 4517 com 1000 m2 (cfr. certidões matriciais juntas aos autos com a contestação e croquis apresentado pelos RR. em audiência).

12- Sendo a área global do “Pinhal da Genoveva” 10.451 m2, dividido em 8 oitavos de 1.306,37 m2 cada (Cfr. Certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa junta aos autos), pelo que após as diversas vendas, doações e trocas de terreno, nunca o valor de cada lote que resultou da divisão inicial poderia ser superior a 1.306,72 m2!!!!

13- Pelo que o prédio dos AA. nunca poderia ter a dimensão de 2100 m2!!

14- Os prédios propriedades dos RR. vieram à sua posse da seguinte forma:
- os lotes a que foram atribuídos os artgs. matriciais n°4515 e n°4510 foram adjudicados à Ré Ermelinda por sucessão hereditária, por morte de Jerónimo Barbosa;
- os lotes a que foram atribuídos os artgs. matriciais n.° 4508 e n.° 4516 foram adquiridos a Luciana Tavares da Rocha em 16/06/69, por escritura de compra e venda, correspondendo a 1/6 indiviso do prédio inscrito sob os art°s matriciais n°s 5925 e 5936;
- os lotes a que foram atribuídos os artgs. matriciais n.° 4509 e n.° 4511, foram adquiridos a Palmira Tavares da Rocha em 16/06/69, por escritura de compra e venda, que correspondem a 3/12 do prédio inscrito nos artgs. matriciais nos 5925 e 5936;
- os lotes a que foram atribuídos os artgs. matriciais n° 4513 e n.º 4514, foram em 08/03/68 doados por José Mendes da Rocha a D... e marido, R.R. nos autos, e a Palmira Tavares da Rocha, por conta da quota disponível, tendo a 20/02/78 a Palmira Tavares da Rocha doado a sua parte nos referidos imóveis aos RR.
(cfr. escrituras de compra e venda e escrituras de doação juntas aos autos com a contestação, e certidão de inventário por morte de Jerónimo Barbosa).

15- Assim face á divisão equitativa do referido “Pinhal da Genoveva” entre os herdeiros de Jerónimo Barbosa, as diversas transacções mantiveram os lotes com as dimensões resultantes da sucessão hereditária, pelo que nunca o prédio dos autores poderá ter uma área de 2100 m2 como alegam!

16- Em função do supra alegado deverão V. Exªs nos termos do art° 712.º do C.P.C. modificar a resposta dada aos quesitos 1° e 6° a 12°, considerando-os “‘não provados”;

17 - Modificar a resposta dada ao quesito 28°, considerando-o “provado”, de acordo com os documentos 2 e 3 juntos aos autos com a petição inicial;

18 - Modificar a resposta dada ao quesito 29°, considerando-o “provado” em função do documento fotográfico junto pelos RR. em audiência, confirmado pelo depoimento da testemunha Armindo Abreu, tal como o tribunal “a quo” indica na fundamentação da sentença.

19 - Sendo os prédios dos RR. de “forma rectangular”, iguais em largura considerando o caminho, delimitados por marcos, como afirmou a testemunha Armindo Abreu, como refere o tribunal “a quo’ na fundamentação da sentença, mas que não tomou em consideração.

20 - Como resulta da resposta aos quesitos 34° e 35°, os RR. não extrapolaram os limites do seu prédio, porquanto procederam ao corte de árvores “no terreno do seu prédio”.

21 - Deverão modificar V. Ex.ªs a resposta dada aos quesitos 25.º e 27.°, considerando-os “provados”, como inicialmente foram considerados pelo Tribunal a quo e posteriormente modificada a resposta dada, quando o poder jurisdicional do tribunal a quo já se encontrava esgotado, violando assim a norma constante do art. 666.º do Código de Processo Civil.

22- Devendo assim alterar-se a decisão proferida, julgando-se o presente recurso procedente, absolvendo-se os RR. do pedido.

23- Quanto à condenação dos RR. como litigantes de má-fé, não tem a mínima sustentação legal, porquanto os RR pugnaram pela correcta aplicação do direito, em consonância com os documentos que se encontram juntos aos autos.
Defendendo em consciência a tese que consideram ser a correcta, não violando o dever de cooperação, não litigando de má fé!

Os apelados apresentaram as suas contra-alegações, nas quais defenderam a bondade da decisão recorrida, pugnando pela sua manutenção.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
Questões a conhecer

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelos agravantes e apelantes, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
Vejamos então as questões que são suscitadas pelos agravantes e pelos apelantes no âmbito dos dois recursos:

A- DO AGRAVO

É apenas uma a questão aqui colocada, prendendo-se com a natureza da correcção efectuada pelo despacho de fls. 360 à resposta inicialmente dada a três quesitos da base instrutória, defendendo os recorrentes que não se terá tratado de mero erro material.

B – DA APELAÇÃO

B.1. - Os apelantes recorrem da matéria de facto, pretendendo que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 1.º, 6.º a 12.º, 25.º, 27.º, 28.º, 29.º;
B.2. – Da condenação dos RR como litigantes de má fé.

III – FUNDAMENTOS

A- DO AGRAVO

Comecemos por conhecer do recurso de agravo.
O despacho recorrido reza assim:
“Verifiquei que, por um lapso material na redacção dos quesitos, existe uma contradição entre aqueles apontados no despacho de fls. 348, ou seja, os quesitos 12.º, 25.º e 27.º.
“A realidade que resulta do 1.º e aquele outro dos segundos, que configuram, em síntese, as posições dos Autores e Réus na presente acção serão contraditórios e excluem-se naturalmente, pelo que as respostas que deviam ter sido dadas aos quesitos 25.º e 27.º deveriam ser e passam a ser, não provado, fazendo conjunto com todos os factos já indicados nos quesitos 26.º e 28.º e seguintes. Isso mesmo, resulta da fundamentação que consta da decisão de fls. 338 a 343.
“Notifique.”
Consideram os agravantes que o despacho recorrido viola o princípio da extinção do poder jurisdicional previsto no art.º 666.º, n.º 1, do CPC Diploma a que nos reportaremos daqui em diante, sempre que expressamente não se indique outro. , não sendo possível ao Juiz modificar, como modificou a resposta aos apontados quesitos.
É sabido que no nosso sistema processual vigora o princípio geral de que uma vez proferida a sentença (ou um despacho) fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art.º 666.º, n.ºs 1 e 3).
Tal princípio comporta no entanto excepções, desde logo previstas genericamente no n.º 2 desse mesmo preceito legal – admissibilidade de se rectificarem erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas e reformar a decisão nos termos dos artgs. 667.º a 670.º.
Os erros de escrita, integram a noção mais abrangente de erros materiais, estando expressamente previstos no aludido n.º 1, do art.º 667.º.
Será que o lapso detectado e corrigido pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo assume a natureza de erro de escrita?
O Prof. Alberto dos Reis, por via de divergência com o Prof. Barbosa de Magalhães, teve o cuidado de explicitar que «o princípio da intangibilidade da decisão judicial, formulado no art.666.º, pressupõe que a sentença ou despacho reproduz fielmente a vontade do juiz» Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, vol. V, pág. 130, anotação ao artigo 667º.; pelo que «a inalterabilidade da decisão cessa quando a vontade expressa na sentença (ou no despacho) não é a que o juiz quis declarar» obra e local citados..
Esta divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito é que caracteriza o erro material. No erro de julgamento, o que se escreveu foi o que se quis escrever na altura, embora, posteriormente, se reconhecesse que estava mal escrito, mas por desconformidade com o direito ou com a realidade do facto ocorrido, e não por desencontro entre o pensamento e a actuação deste.
O Prof. Alberto dos Reis, para ilustrar em que se traduz o erro material, dá o seguinte exemplo: «o juiz queria escrever “absolvo” e por lapso, inconsideração, distracção, escreveu precisamente o contrário: “condeno”» obra e local citados, penúltimo §..
A detecção desta divergência nem sempre se revela fácil de demonstrar, carecendo por via de regras de elementos que consubstanciem a existência da vontade real do Juiz.
No caso em apreço, afigura-se-nos que tais pressupostos se verificam.
Com efeito, como resulta expresso desde logo no próprio despacho que procedeu à rectificação do erro, as respostas positivas dadas aos quesitos 25.º e 27.º, seriam contraditórias com a resposta positiva dada ao quesito 12.º, pois que uns e outro expressam as duas versões antagónicas que se mostram em discussão nestes autos, sendo que uma resposta positiva a todos eles geraria uma evidente contradição.
Ora, da fundamentação quanto à resposta dada à matéria de facto resulta evidente que se pretendeu dar por provada a versão dos AA. - o que resulta patente face às respostas positivas dadas aos quesitos 1.º a 21.º (todos eles provados em pleinitude ou com algumas restrições) – e não a dos RR. – como se depreende das respostas negativas dadas aos quesitos 26.º e 28.º a 33.º.
É pois claro que as respostas positivas aos quesitos 25.º e 27.º da base instrutória, resultaram de manifesto lapso de escrita por parte do Senhor Juiz do Tribunal a quo que terá escrito o que não pretendia escrever.
Entendemos pois que lhe era legítimo proceder à correcção que efectuou ao abrigo do indicado art.º 667.º, n.º 1, razão pela qual este recurso de agravo não poderá proceder.

B – DA APELAÇÃO
Na sentença deram-se por provados os seguintes factos:
1. Está inscrito, pela inscrição G-1, a favor da autora mulher, casada em comunhão geral com o autor marido, a aquisição de um terreno a Pinhal sito no Picoto, limites da freguesia de Rocas do Vouga, que confronta do norte com José Mendes da Rocha, do nascente com caminho, do Sul com Palmira Tavares da Rocha e do poente com José Maria Barbosa, inscrita na matriz sob o artº 4512 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Sever do Vouga, sob o n° 01990 da freguesia de Rocas do Vouga. (Alínea A)

2. Os autores adquiriram o referido prédio por sucessão hereditária de António Tavares Barbosa, falecido em 9/9/86, operada através de inventário obrigatório n° 11/86 do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha. (Alínea B)

3. O referido prédio havia pertencido aos pais de António Tavares, a quem aquele sucedeu, como único e universal herdeiro. (Alínea C)

4. Os autores estão emigrados em França há alguns anos, tendo o seu terreno entregue aos cuidados e vigilância de familiares da autora mulher. (Alínea D)

5. Nos termos de escritura outorgada no dia 12 de Junho de 1969, os réus compraram a Luciana Tavares da Rocha Cunha:
a) «um pinhal no sítio denominado Picoto ou Genoveva, no limites da Papeira, freguesia de Rocas, concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com Palmira Tavares da Rocha, do sul com Maria Emília Tavares, do nascente com caminho e do poente com Adérito Tavares Ventura, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artº 4.508».
b ) «um pinhal no mesmo sítio, a confrontar do norte, nascente e poente com caminho e do sul com D..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo n° 4.516».(Alínea E)

6. Nos termos de escritura de compra e venda outorgada no dia 12 de Junho de 1969 no Cartório Notarial do Concelho de Sever do Vouga, os réus compraram a Palmira Tavares da Rocha:
a) “um terreno a pinhal, no sítio denominado Picoto ou Genoveva, limites da Papeira, freguesia de Rocas, concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com D..., do sul com Luciana Tavares da Rocha, do nascente com caminho, e do poente com Adérito Tavares Ventura, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o mo 4.509»;
b ) «terreno a pinhal, no mesmo sítio a confrontar do norte com Manuel Joaquim Tavares, do sul com D..., do nascente com caminho e do poente com Adérito Tavares Ventura, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art° 4.511º». (Alínea F)

7. Nos termos de escritura outorgada no dia 8 de Março de 1968, no Cartório Notarial do Concelho de Sever do Vouga, José Mendes da Rocha doou aos réus e a Palmira Tavares da Rocha, em comum e partes iguais, formando aquele casal um só cabeça:
- «uma sexta parte indivisa de um terreno a mato, chamado Pinhal de Genoveva, no sítio da Papeira, limites do lugar de Erijó, da mencionada freguesia de Rocas, a partir no seu todo, do norte com Manuel Joaquim Tavares Ventura, do sul com António Tavares Marques e outro, do nascente com o caminho, e do poente com Adérito Tavares Ventura e outros», « inscrito na matriz predial rústica, no seu todo, sob os artºs números 5925 e 5936».(Alínea G)

8. Nos termos de doação outorgada em 20 de Fevereiro de 1978, no Cartório Notarial de Sever do Vouga, Luciana Tavares da Rocha e marido doaram aos réus:
a) «um pinhal no Picoto, a partir no norte com António Tavares da Silva, do nascente com caminho, do sul com Joaquim Tavares do poente com herdeiros de José Maria Barbosa inscrito na matriz sob o artigo 4.513º»
b) «um pinhal no Picoto, a partir do norte com C..., do nascente e poente com caminho, e do sul com Manuel Joaquim Tavares, inscrito na matriz sob o mo 4514º». (Alínea H)

9. No processo de inventário obrigatório por óbito de Jerónimo Tavares Barbosa, falecido a 4 Julho de 1951, foi adjudicada à neta, ora Ré, Ermelinda Tavares um doze avos das verbas:
- n° 21: dois oitavos de um terreno a mato denominado Pinhal de Genoveva, limite de Erijó, a partir do nascente com caminho e valado, do poente com Manuel Tavares Ventura e do sul com estremo de Vilarinho, descrito na Conservatória de Registo Predial a fls. 167 verso, sob o n° 39716, e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 5920, 5921, e 5925;
- n° 36: uma oitava parte de um terreno a mato, denominado Pinhal da Genoveva, limite de Erijó, a partir do nascente com caminho e valado, do poente com Manuel Tavares Ventura e do sul com extremo de Vilarinho, descrito na Conservatória de Registo Predial do livro B- quarenta e quatro a fls. 167 verso sob nO 39716, e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 5920, 5921, e 5925;
- n° 48: 1/8 de um terreno a mato denominado o Pinhal de Genoveva, limites de Erijó, a partir do nascente com caminho e valado, do poente com Manuel Tavares Ventura e outros, do norte com Manuel Joaquim Tavares Ventura e do sul com extremo de Vilarinho, descrito na Conservatória de Registo Predial no Livro B-44 s fls. 167 verso sob o n° 39716 e inscrito na matriz sob os artºs rústicos 5920, 5921, e 5925. (Alínea I)

10. Ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artº 4509 da freguesia de Rocas do Vouga corresponde a área matricial de 1000 metros quadrados. (Alínea J)

11. Ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o nº 4510 da freguesia de Rocas do Vouga corresponde a área matricial de 770 metros quadrados. (Alínea L)

12. Ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artº 4515 da freguesia de Rocas do Vouga corresponde a área matricial de 950 metros quadrados. (Alínea M)

13. Ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o nº 4516 da freguesia de Rocas do Vouga corresponde a área matricial de 1120 metros quadrados. (Alínea N)

14. O prédio referido em A) tem a área de 2100 metros quadrados. (cfr. descrição da Conservatória de Registo Predial a fls. 17) (Quesito 1º)

15. Há mais de 30 anos que os autores vem extraindo todas as utilidades do terreno com a área referida em 1º, colhendo lenhas e roçando mato e estrumes, e cortando árvores. (Quesito 2º)

16. Praticam os actos referidos em 2º à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja. (Quesito 3º)

17. De forma continuada e ininterrupta. (Quesito 4º)

18. Agindo na convicção de que exercem um direito próprio e exclusivo, e não ofendem direito ou interesse legítimo alheio. (Quesito 5º)

19. No Verão de 1997, os réus procederam a um corte nos seus terrenos, e extravasaram os limites dos seus prédios, invadindo o terreno dos autores, arrancando marcos de pedra, e cortando árvores a esmo. (Quesito 6º)

20. Posteriormente abriram covas no terreno dos autores. (Quesito 7º)

21. Os réus com as descritas actividades ocuparam uma área superior a 1.300 metros quadrados do terreno dos autores. (Quesito 8º)

22. Deixaram intacta uma área de 1.090 m2. (Quesito 9º)

23. O valor da madeira apropriada pelos RR. é de Esc. 121.200$0. (Quesito 10º)

24. Em razão da actividade dos réus, o terreno dos autores, que era perfeitamente demarcado do dos réus deixou de sê-lo. (Quesito 11º)
25. O terreno dos autores teve sempre a implantação e configuração constantes do croquis a fls. 93, que se dá por reproduzido. (Quesito 12º)

26. O prédio dos autores confina a norte com o prédio inscrito na matriz sob o artº rústico 4513, e com o prédio inscrito na matriz rústica sob o artº 4514, ambos da freguesia de Rocas do Vouga. (Quesito 13º)

27. O prédio dos autores confina a sul com o prédio inscrito na matriz sob o artº 4511. (Quesito 14º)

28. O prédio dos réus inscrito sob o n° 4510 confina do norte com o prédio dos réus inscrito sob o n° 4511. (Quesito 17º)

29. Os prédios inscritos na matriz predial sob os artºs 4508 e 4516 correspondem a 1/6 da parte indivisa do prédio inscrito na matriz da freguesia de Rocas do Vouga, que deixou de vigorar sob os 5925 e 5926, referido na al. G) dos factos assentes. (Quesito 20º)

30. O prédio dos réus inscrito na matriz sob o n° 4509 e o prédio inscrito na matriz sob o artº 5.411 correspondem a 3/12 de um terreno a pinhal inscrito no seu todo na antiga matriz predial rústica da freguesia de Rocas do Vouga sob os artºs 5.925 e 5936. (Quesito 21º)

31. Os réus, por si e antepossuidores, há mais de 40 anos retiram todas as utilidades dos prédios referidos e inscritos na matriz sob os artigos 4508, 4509, 4510, 4511, 4513, 4514, 4515, 4516, neles plantando e cortando árvores, roçando e cortando mato. (Quesito 23º)

32. À vista de toda a gente, de modo ininterrupto, na convicção de exercerem o seu legítimo direito de propriedade. (Quesito 24º)

33. Em 1986 os RR. procederam ao corte de árvores no terreno dos seus prédios, que venderam a André Fernandes de Almeida. (Quesito 34º)

34. Em 1997 os RR. procederam a novo corte e limpeza de árvores no terreno dos seus prédios. (Quesito 35º)

B.1. - Os apelantes recorrem da matéria de facto, pretendendo que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 1.º, 6.º a 12.º, 25.º, 27.º, 28.º e 29.º

Das conclusões apresentadas resulta que os apelantes no que concerne aos quesitos 1.º e 6.º a 12.º, pretendem que as respostas dadas aos mesmos sejam alteradas para “não provados”. Invocam para tanto a existência de docs. juntos aos autos que, na sua óptica, apontarão nesse sentido. São eles: certidões matriciais de diversos prédios, certidão do processo de inventário aberto por morte de Jerónimo Barbosa, croquis junto aos autos pelos RR. a fls. 263-264 e escrituras de doação e de compra e venda.
Quanto aos quesitos 25.º e 27.º, pretendem os recorrentes que as respostas aos mesmaos sejam alteradas para “provados”. Como fundamento para tal alteração invocam o facto de inicialmente ter sido essa a resposta dada pelo Senhor Juiz, que no entanto a alterou em despacho posterior, sendo que, na sua óptica, tal procedimento viola o disposto no art.º 666.º.
Ora, esta questão foi objecto de apreciação no âmbito do recurso de agravo que antecedeu a análise deste, sendo que aí se considerou não ter sido violado aquele dispositivo legal, antes tendo-se admitido a existência de erro material e a legalidade da sua rectificação. Assim sendo, não pode esta questão ser de novo aqui tratada, o que leva a que não se alterem as respostas a esses dois quesitos.
Quanto às respostas aos quesitos 28.º e 29, entendem os apelantes que devem ser modificadas para “provados”, tendo por base os docs. n.ºs 2 e 3, juntos com a petição inicial (quanto ao primeiro) e o doc. fotográfico junto pelos RR na audiência e confirmado com o depoimento da testemunha Armindo Abreu (quanto ao segundo).
Afigura-se-nos não assistir razão aos recorrentes nesta sua pretensão de verem alteradas as respostas aos quesitos que apontam.
Desde logo, há que ter presente que este Tribunal da Relação está limitado no seu poder de reapreciação das provas produzidas em 1.ª Instância, essencialmente nas situações em que tenha havido produção de prova testemunhal não sujeita a gravação, pois que nesses casos (como é o presente) fica-se destituído dum dos elementos passíveis de serem tomados em consideração na resposta que terá sido dada à factualidade constante da base instrutória.
Acresce que a posição dominantemente aceite na jurisprudência aponta no sentido de tal reapreciação não poder subverter o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 655.º do CPC.
Como muito bem é salientado no Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, in CJ, Ano XXV, T. 4, págs. 186 “…o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.
Ora, para além de não nos ser possível o acesso à prova testemunhal, há ainda a salientar que os docs. indicados pelos recorrentes como passíveis de nos levar a responder por forma diversa da respondida pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo não nos levam obrigatoriamente a esse resultado.
Antes porém de entrarmos na abordagem de tais docs. importará ver em que circunstâncias é que será admissível a este Tribunal modificar a decisão de facto da 1.ª Instância.
O art.º 712.º, refere nas três alíneas do seu n.º 1, quais as situações em que tal pode ocorrer, indicando-se por seu turno no n.º 1 do art.º 690.º-A, do mesmo diploma legal, quais os procedimentos que o(a) recorrente deve assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Tendo presente o caso em apreço, há desde logo que afastar a aplicabilidade da alínea a), do n.º 1, do citado art.º 712.º, pelas razões já indicadas supra. Com efeito, tendo sido produzida prova testemunhal e não tendo esta sido objecto de gravação, não estamos face a uma situação em que se encontrem à nossa disposição todos es elementos probatórios que estiveram na base da decisão de facto proferida na 1.ª Instância.
Da mesma forma haverá que afastar a aplicabilidade da alínea c) desse n.º 1, visto que não foi apresentado supervenientemente qualquer documento susceptível de, por si só, ser suficiente para destruir a prova em que assentou a decisão sobre a matéria de facto.
Resta-nos como única possibilidade de alteração da matéria de facto a previsão ínsita na al. b), do n.º 1, do art.º 712.º: “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
Interessa pois saber se os elementos a que os recorrentes fazem alusão para sustentarem a alteração das respostas dadas impôem tal tomada de posição, em moldes que não permitam outra resposta (designadamente a que foi dada).
Ora, como referimos supra, os meios de prova indicados pelos recorrentes para sustentarem a alteração das respostas aos quesitos são: certidões matriciais, escrituras (de doação e de compra e venda), certidões de processos de inventário, croquis, fotografias e depoimento de testemunha.
Quanto à força probatória das certidões das matrizes prediais, emitidas pelas repartições de finanças, estas apenas constituem presunções para efeitos fiscais e não para efeitos civis A presunção do n.º 4 do art.º 8º do Cód. da Contribuição Autárquica segundo a qual « presume-se proprietário ou usufrutuário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na data referida no n.º 1 (31 de Dezembro do ano que respeite a contribuição) ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio » Ac. da R. do Porto de 09-12-1998: CJ Ano XXIII (1998), tomo5, pág. 218; Ac. da R. de Évora de 10-05-1999: CJ Ano XIV (1999), tomo 3, pág. 267
Os elementos matriciais apenas conseguem obter relevância civil indirectamente, através dos registos prediais Vd. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, Lisboa – 2001, pág. 122 nota 1; Ac. do STJ de 22-01-1997: Revista, in www.dgsi.pt/jstj.nsf/, n.º Convencional JSTJ00031469, com os quais se devem em princípio harmonizar (art.ºs 28º e segs. do Cód. Registo Predial) As certidões do registo predial têm apenas força probatória plena quanto às presunções registrais juris tantum estabelecidas no art.º 7.º do Cód. Reg. Predial (a de que o direito existe tal como o registo o revela e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular), não abrangendo porém os elementos circunstanciais descritivos como as áreas, limites e confrontações – vd. entre muitos outros os acds. do STJ de 23/01/01 e de 2/05/02, in www.dgsi.pt .
Fora do âmbito da força probatória material legal plena desses docs. (a respeitante ao próprio conteúdo do documento, às declarações (atestações) nele incluídas) vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal (art.º 655º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).
Também no tocante às escrituras (seja de doacção, seja de compra e venda) a força probatória material das mesmas “... não respeita a tudo quanto nelas se diz ou contém, mas apenas aos factos que as mesmas referem que foram praticados pelo notário (v.g., que a leu, explicou e entregou cópias), ou que foram por ele atestados com base nas suas percepções, isto é, aos factos de que o notário se pode inteirar com os seus próprios sentidos, e não aqueles sobre os quais o notário apenas pode formar um juízo ou apreciação de natureza mais ou menos falível (v.g., que o outorgante declarou perante o notário que compra imóvel e que o outro declarou que quer vendê-lo e que já recebeu o dinheiro).
“Sendo assim e nos termos do art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil apenas estão cobertos pela força probatória plena destes docs. autênticos, que o notário leu, explicou e entregou duas cópias das escrituras, v.g., e que um outorgante disse perante ele isto ou aquilo, mas já não fica plenamente provado que sejam verdadeiras as afirmações feitas pelos outorgantes, ou que elas não estejam viciadas por erro, dolo ou coacção”. Ac. da Relação de Guimarães de 22/01/03, in, www.dgsi.pt
Do que se deixa dito deriva que o tribunal aprecia livremente, segundo a sua prudente convicção, o conteúdo de tais escrituras, bem como os elementos matriciais contantes das certidões, delas tirando as suas conclusões, em conformidade com as suas impressões colhidas, e de acordo com a convicção que através delas se for gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência que forem aplicáveis ao caso. O que não significa, portanto, que o faça de forma arbitrária ou caprichosa.
E se assim é quanto às escrituras e certidões matriciais, por maioria de razão o mesmo se passa quanto ao croquis e fotografias, que se revelam como docs. particulares sujeitos à livre apreciação do julgador (art.º 655.º).
Por outro lado ainda há a referir que as certidões relativas aos processos de inventário em que foram inventariados Jerónimo Barbosa e António Tavares Barbosa, atestando os factos delas constantes, não encerram elementos que nos levem a alterar as respostas aos quesitos 1.º, 6.º a 12.º e 28.º, pois que dos mesmos não se extrai por forma alguma quais as dimensões dos prédios em causa.
Refira-se aliás que os apelantes formulam conclusões, partindo de permissas que não se mostram sequer comprovadas nos autos, como é o caso da referida sob o n.º 12, onde é referido que a área global do Pinhal da Genoveva é de 10.451m2. Essa área não é indicada em lado algum (resultando das adição feita pelos recorrentes das áreas constantes das matrizes, na sua versão, isto é, considerando que o prédio dos apelados teria 1131m2 e não 2100m2), sendo certo que a afetação desse pinhal aos herdeiros de Jerónimo Barbosa foi feita através de “quotas ideais” e não de parcelas de terreno determinadas, devidamente majoradas metricamente.
Resta ainda salientar que a referência ao depoimento da testemunha Armindo Abreu, como passível de levar à alteração da resposta oa quesito 29.º, não poderia nunca colher, na medida em que a prova testemunhal não foi objecto de gravação, logo não tem este Tribunal de recurso possibilidade de a reapreciar (art.º 690.º-A, n.ºs 1 e 2, a contrario sensu).
De tudo o que se deixa dito, há pois que concluir, face ao caso em apreço, que não se encontram nos autos nem doc. nem qualquer outro meio de prova que imponha decisão diversa daquela que foi proferida pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, não podendo ser alterada a decisão da matéria de facto, designadamente com base em documentos que não contêm elementos com força probatória plena relativamente aos factos que se pretendem ver provados. Daqui se retira que também não é aplicável ao caso o disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 712.º.
Certo é também que a este Tribunal de recurso, “compete apurar a razoabilidade da convicção probatória de primeiro grau... face aos elementos que lhe são apresentados nos autos e, assim, não vai o Tribunal de segunda jurisdição à procura duma nova convicção mas á procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que ... os elementos existentes nos autos podem exibir perante si.” Anotação ao art.º 655.º do CPC, in Cód. Proc. Civil Anotado de Fernando Luso Soares, Duarte Mesquita e Wanda Ferraz de Brito, 15.ª edição, 2004, Almedina, pág. 526.
A fundamentação apresentada pelo Senhor Juiz surge-nos como equilibrada, sustentada em diversos elementos de prova, todos eles passíveis de serem considerados, não se descortinando razão para alterar as respostas aos quesitos, como pretendem os apelantes.
Assim, considera-se improcedente a suscitada questão da impugnação da matéria de facto.

B.2. – Da condenação dos RR como litigantes de má fé

No tocante a esta questão, entendem os recorrentes que a mesma não tem nenhuma sustentação legal, pois que os RR terão pugnado pela correcta aplicação do direito, em consonância com os docs. que se encontram juntos aos autos.
A sentença recorrida, neste particular refere o seguinte:
“Por último, perante a matéria de facto que resulta como assente, e a posição que os RR. assumiram na lide, termos ainda de concluir que deverão ser condenada como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor dos AA., nos termos do art 456º, nºs 1 e 2, a), do CPC e 192º, a), do CCJ.
Com efeito, estamos perante uma invocação dolosa por parte daqueles primeiros de factos cuja falta de fundamento não só não poderiam ignorar, mas de que tinha perfeito e claro fundamento, já que se tratam de factos que a eles são directamente imputáveis. (cf. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", pg 356 e sgs; António Santos Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", Vol. I, pg 76 e sgs)
A má fé, como é sabido, traduz-se em última análise, na violação do dever de cooperação que os artºs 266º e 266º-A, do CPC, impõem às partes, e foi exactamente isso que aconteceu no âmbito desta acção por parte daqueles, porquanto sabedores da delimitação dos prédios, ordenaram o corte de árvores existentes naquele dos AA., venderam a madeira daí resultante e apropriaram-se do produto dessa mesma venda, colocando em causa o direito de propriedade daqueles mesmos AA.
Deverão pois, repita-se, ser condenados em multa e indemnização como litigantes de má fé.”
Apreciemos.
O art.º 456.º, n.º 2, classifica como litigante de má fé, aquele que, com dolo ou negligência grave:
“a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
“b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
“c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
“d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Resulta pois do preceito, que a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave, consubstanciada, objectivamente numa das diversas situações previstas nas quatro alíneas de tal n.º 2.
No fundo, pode afirmar-se que “a má fé se traduz na violação do dever de probidade que o artigo 264º do C.Proc.Civil impõe às partes – dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias”. Ac. do STJ de 30/09/2004, in, www.dgsi.pt
Há porém que ter presente que a interpretação a dar ao art.º 456.º não poderá nunca ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório.
Na realidade, a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual.
A este propósito escrevia-se: “… a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave.” Ac. do STJ de 16/01/2002, in, Rec. Agravo n.º 3520/01 – 4.ª Secção, Sumários, pág.57
Tendo presente estes princípios haverá que concluir que no caso em apreço não se poderá considerar que a actuação processual dos apelantes assuma contornos de má fé.
Com efeito, verifica-se que ao longo do processo sustentaram uma posição distinta da defendida pelos apelados, tendo apresentado elementos probatórios destinados a suportá-la, verificando-se no entanto que não lograram convencer o tribunal da bondade de tal posição.
A tese que assumiram, bem como os elementos probatórios apresentados, não podem ser considerados destituídos de sentido face à matéria que se encontrava em disputa, antes surgindo como defensáveis à luz da percepção dum qualquer cidadão comum, razão pela qual se discorda do entendimento sustentado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo. Afigura-se-nos perfeitamente possível que tenham cortado as árvores no convencimento de que as mesmas seriam suas por se encontrarem em prédio que consideravam pertencerem-lhes.
Não vislumbramos pois aqui a existência de conduta passível de ser censurada a título de má fé.
Consideramos pois que no caso, não se regista uma situação de má fé por parte dos RR, ora apelantes.
Daqui deriva assistir razão aos recorrentes quanto a esta questão, devendo nesta parte ser revogada a sentença recorrida.

IV - DECISÃO

Desta forma, face a todo o exposto, acorda-se:
a) Em negar provimento ao recurso de agravo e, consequentemente, em manter o despacho agravado;
b) Em dar parcial provimento ao recurso de apelação, no que concerne à condenação dos RR. como litigantes de má fé e, consequentemente, revogar a sentença nessa parte o que implica a revogação da condenação dos RR (ora apelantes) na multa de 350 € (trezentos e cinquenta euros) e na indemnização de 250€ (duzentos e cinquenta euros) a favor dos AA., mantendo-se no mais a sentença nos precisos termos em que foi proferida.

Custas por apelantes e apelados, na proporção do respectivo decaimento, tendo-se em conta o apoio judiciário de que beneficiam.

Coimbra,