Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2132/12.3TBPBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO
EXECUÇÃO
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ANSIÃO - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.577, 583 CC
Sumário: Ocorrendo cessão de créditos na pendência da execução, a notificação ao devedor (executado), para efeitos do art. 583º do C.Civil, pode ser feita no próprio incidente de habilitação, aquando da notificação do mesmo ao executado para contestar o incidente.
Decisão Texto Integral:









            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

 Por apenso à acção executiva, veio a requerente “O (…), S.A. requerer incidente de habilitação, pedindo a sua habilitação como cessionária do exequente “Banco (…)S.A.”, a fim de, com ela, prosseguirem os termos da demanda.

Alega, para tanto e em síntese, que o exequente lhe cedeu os créditos que tem sobre o executado.

Juntou documentos.

*

Regularmente notificado, o requerido/executado J (…) apresentou contestação.

Alega o requerido que a requerente não tem legitimidade processual e substantiva para se substituir ao exequente.

O requerido alega que ocorreu preenchimento abusivo da livrança, que ocorre prescrição do direito de acção do exequente e que nada deve.

Conclui pela improcedência do incidente.  

                                                           *

Foi na sequência proferido despacho saneador-sentença, no qual, após identificação em “Relatório”, das partes e do objeto do litígio, se alinharam os factos provados [e consignando-se que «Não há factos não provados»], relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que resultava provado que foi cedido à requerente o crédito do exequente através de contrato de cessão de créditos, estando de igual modo provada a legitimidade do transmitente, e bem assim verificados os requisitos tendentes à habilitação da requerente, donde a conclusão de que a cessão era válida, atento o seu objecto e a qualidade das pessoas que nela intervieram, devendo ser julgada procedente a habilitação, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«Dispositivo

Em face do exposto, julga-se totalmente procedente, por provado, o incidente de habilitação de cessionário e, em consequência, decide-se declarar habilitada a requerente O (…), S.A. para com ela prosseguirem os termos do processo de execução comum na qualidade de exequente.

*

Custas do incidente pelo requerido/executado J (…) (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

*

Registe e notifique (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).»

                                                                  *

            Inconformado com essa sentença, apresentou o Executado/Requerido recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«V.1-Da questão da cessão de créditos:

1- Conforme decorre do artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, a cessão de créditos só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite, o que não é op caso.

II- Da violação do art. 609º do CPC, dos limites da sentença e da actividade do Juiz:

2- A O Juiz ao não seguir o procedimento processual, como pedido na p.i., violou o art. 609º do CPC, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir

IV.2– Das nulidades da sentença, art. 615, d) e e) do CPC:

3- Na decisão verificam-se nulidades da sentença.

4- Foi violado a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, nomeadamente por o Meritíssimo Juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar e conheceu de questões que não deveria apreciar

5- Foi violado o previsto e estatuído na al. e) nº 1 do art. 615 do CPC, no sentido de que o Meritíssimo Juiz condenou em objecto diferente do pedido.

V.3- Da violação do princípio do dispositivo, art. 5º do CPC:

6- Na elaboração da sentença o Juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes. - Vide in Antunes de Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 413.In concreto o Juiz valorou provas e factos que não foram alegados pelas partes.

7- Pelo que foi violado o previsto e estatuído no art. 5º do CPC.

IV - Das disposições legais violadas:

8- Foram violados os artigos 484, nº 1, 609º, 615º al. d) e e), 671º, nº do CPC, 5º, do CPC; artigos 116º, nº 1 e 117-B, nº 1 e 2 do CRP, 2078º do C. C, ; art. 583 nº do CC

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente nos termos legais.

Assim se fará a devida justiça!»

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

            A Exma. Juíza a quo sustentou a fls. 86 a não verificação das arguidas nulidades da sentença.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

            - nulidade da sentença [als. d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil[2]]?;

            - violação do princípio do dispositivo [art. 5º do n.C.P.Civil]?;

            - erro de decisão sobre a matéria de direito [«por se encontrar a Exequente destituída de legitimidade substantiva e processual para assumir essa qualidade no presente Processo Executivo»]?.

                                                                      *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo (factos que se consideraram provados na 1ª instância), sendo certo que a correspondente decisão não foi de per si impugnada.

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

«5.1.1.1. Por contrato de compra e venda de créditos celebrado a 21 de Dezembro de 2012, o Banco (…)S.A. (anteriormente designado por Banco (…) S.A.) cedeu à G (…), S.A. o crédito exequendo.

5.1.1.2. Por sua vez, por Contrato de Compra e Venda de Créditos celebrado a 30 de Setembro de 2016, a requerente adquiriu uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos.

5.1.1.3. Entre os créditos cedidos, encontra-se o crédito exequendo.»                                                                              *

3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegada nulidade da sentença.

Que dizer relativamente ao concreto fundamento da nulidade da decisão por omissão de pronúncia [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil] e bem assim o do al.e) do mesmo art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, isto é, que foi proferida condenação em objeto diverso do pedido.

De referir que vamos proceder à sua apreciação conjunta, porque também assim, foram as mesmas deduzidas.

Vejamos.

Nos termos da dita al. d), verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil.

Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil…

Ora se assim é, importa concluir que, em tese, se não tiverem sido conhecidos algumas das questões suscitadas na contestação, estaria efetivamente verificada a referenciada nulidade, a saber, da omissão de pronúncia.

Sucede que, salvo o devido respeito, manifestamente não deixou o Tribunal na sentença sob recurso de se pronunciar sobre todas as questões válidas e relevantes suscitadas neste apenso de habilitação em sede de contestação do Executado ora recorrente.

É que, neste apenso de habilitação, a questão que se controvertia estava obviamente circunscrita à verificação dos requisitos tendentes à habilitação da requerente.

O que tem a decorrente implicação – como bem sublinhado foi na sentença recorrida – de que «os demais fundamentos invocados pelo executado/requerido não podem ser apreciados na medida em que extravasam os fundamentos a que alude o artigo 356.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil», isto por referência ao que foi alegado pelo Executado ora recorrente na contestação, a saber, «que ocorreu preenchimento abusivo da livrança, que ocorre prescrição do direito de acção do exequente e que nada deve»!

Assim improcedendo, sem necessidade de maiores considerações, esta vertente da arguida nulidade.

Dito isto, será que essa mesma decisão “qua tale” enferma da outra arguida nulidade – a da condenação em objeto diverso do pedido?

Na medida em que o Executado/recorrente apenas genericamente sustenta que a sentença enferma da nulidade prevista na alínea e), do nº1, do citado art. 615º, temos uma liminar dificuldade em alcançar onde é que concretamente foi proferida uma condenação excessiva.

Senão vejamos.

Segundo a referida alínea e) do citado art. 615º, nº1, a sentença será nula quando o juiz extravase os pedidos das partes, isto é, seja a sentença condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, isto como decorrência do comando de que o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.[3]

Consabidamente estão neste particular em causa os limites da sentença, segundo a regra de que não pode ter lugar pronúncia ultra petitum.

Ora obviamente que o que está qui em causa serão os pedidos formulados pelo Autor ou Requerente de um qualquer procedimento – isto com o sentido de que o Réu ou Requerido no mesmo [salvas as situações excecionais, nomeadamente de pedido reconvencional], em regra não formulam pedidos

Neste conspecto, vejamos a argumentação do Executado/recorrente, a saber: «O recorrente fez um pedido e Meritíssimo Juiz decide outro, no âmbito processual»

Nestes termos sintéticos e lineares, face ao já exposto, esta arguição é, s.m.j., perfeitamente ininteligível…

Por outro lado, sendo o pedido formulado o de «deverá o presente incidente ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a Requerente habilitada no lugar do Exequente, BANCO (…) S.A., para em seu lugar prosseguir nos presentes autos e nos seus demais termos», e tendo sido proferida decisão no sentido de «julga-se totalmente procedente, por provado, o incidente de habilitação de cessionário e, em consequência, decide-se declarar habilitada a requerente O (…), S.A. para com ela prosseguirem os termos do processo de execução comum na qualidade de exequente», em que dimensão ou medida é que foi proferida condenação em objeto diverso do pedido?

Não o conseguimos minimamente vislumbrar!   

Assim sendo, a resposta a esta questão é claramente negativa, por falecer qualquer razão ao Executado /recorrente, sobretudo quando, consabidamente, a norma do art. 609º, nº1 do n.C.P.Civil, também aqui em causa, se compadecer com o poder de o Juiz dar ao pedido não só uma qualificação jurídica diversa da que lhe havia sido dada pela parte que o deduziu, como de igual modo, obviamente, operar uma redução quantitativa ou qualitativa relativamente àquilo que era pedido.

Donde, sob qualquer ponto de vista, cremos que não existe fundamento para se considerar que a sentença condenou em objeto diverso do pedido.

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Executado/recorrente, em qualquer enquadramento que se faça, como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

3.3 – violação do princípio do dispositivo [art. 5º do n.C.P.Civil]?

Esta é a segunda questão a que importa dar solução.

Acontece que neste particular, o Executado/recorrente se limita a sustentar tal incorrecção/desacerto através de uma alegação generalista e vaga, a saber, «28- In concreto o Juiz valorou provas e factos que não foram alegados pelas partes. 29- O meritíssimo juiz teve em consideração factos e considerações que não foram tidas pelo recorrente.»

Que dizer?

Salvo o devido respeito, para além de ininteligível por falta de concretização, esta arguição é completamente infundamentada, pois que, s.m.j., compulsada a sentença, o que se constata é que a matéria de facto nela alinhada como provada/assente corresponde ao que havia sido alegado no requerimento de habilitação, tendo servido de “motivação” a uma tal decisão os elementos de prova documentais juntos aos autos, sendo certo que foi face àqueles “factos provados” que se perfilhou um determinado enquadramento jurídico, sendo em coerência com essa fundamentação de facto e de direito que veio a ser proferida a “decisão”.

Dito de outra forma: só fazendo uma interpretação enviesada ou redutora da linha de fundamentação seguida na sentença se poderia sustentar que foi cometido este vício...

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Executado/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido erro de decisão sobre a matéria de direito [«por se encontrar a Exequente destituída de legitimidade substantiva e processual para assumir essa qualidade no presente Processo Executivo»]:

Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.

É que, tanto quanto é dado perceber, a argumentação do Executado/recorrente assenta em que não se mostrariam cumpridos os requisitos para considerar verificada a cessão de créditos, tal como determinados pelo art. 583º, nº 1, do Código Civil [a cessão de créditos só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite], isto na medida em que não sendo o segundo termo da alternativa o caso [ele Executado/recorrente não aceitou a cessão], não se mostrava efetuada a notificação legalmente prevista.

Que dizer?

Que salvo o devido respeito, não se pode dar acolhimento a uma tal linha de argumentação.

Na verdade, foi expressamente sublinhado na sentença recorrida que, operando a notificação ao devedor como requisito de eficácia da cessão (artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil), «A notificação a que alude o artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil pode operar através da notificação no âmbito deste incidente (cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.06.2012, no processo n.º 748-A/2002.C1, disponível em www.dgsi.pt).»

E, segundo cremos, essa é a posição dominante a nível do nosso mais alto Tribunal, como flui do seguinte que já foi doutamente sustentado em aresto a tal propósito:

«(…)

Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor , a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 do C. Civil.

Como se refere no Ac. deste Supremo de 25.05.1999 acessível via www.dgsi.pt, ”o crédito transferido fica inalterado : apenas se verifica a substituição do credor originário para um novo credor . Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa - o devedor -passiva, isto, porque não se exige o seu consentimento

A cessão opera entre as partes (cedente e cessionário), independentemente da sua notificação ao devedor.

No entanto, em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, nos termos preceituados do nº1 do art. 583 do C. Civil

A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão reside como bem nota o Ac. deste Supremo de 6.11.2012, acessível via www.dgsi.pt, “na necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente” .

Como aí se diz também “o desiderato da lei fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não seja confrontado como uma situação alterada no sentido do agravamento , por via da transferência do direito de crédito

Também no Ac deste Supremo de de 3.06.2004 acessível via www.dgsi.pt : A lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido.

O que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto de este a conhecer podendo esse conhecimento revelar-se de várias formas, entre quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão.

Mas tal não significa que o conhecimento não possa chegar ao devedor por outra via , nomeadamente a citação para acção / execução .

Se a eficácia da cessão está ligada ao conhecimento, não se pode dizer que com a citação para a acção / execução o devedor não passe a conhecer que o crédito foi cedido .

Como bem nota o Acórdão de 6.11. 2012 citando Assunção Cristas em anotação ao Acórdão de 3 de Junho de 2004 in Cadernos de Direito Privado nº 14 pag. 63 “ mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que a notificação , ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor

Também como bem nota o Acórdão que estamos a seguir de perto, se o conhecimento do devedor da cessão é o elemento constitutivo da eficácia da cessão relativamente a ele (devedor), é indiferente do ponto do vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento” sendo certo como aí se diz que não se vislumbra “como a citação não possa ser considerado um meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “ conhecimento”.

“Com o “conhecimento” da transmissão, que se concretiza através da citação para a execução – ficando o cedido ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento ( art. 583 nº2 ) o direito do cessionário , que até então era inoponível ao devedor cedido, protegido pela ineficácia, passa a gozar da exigibilidade que antes daquela acto a ineficácia relativa condicionava”

No que concerne ao argumento do Acórdão fundamento no sentido de que a notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor como um dos elementos essenciais e integrantes da causa de pedir, deve fazer parte do elenco dos factos articulados antes da citação, não colhe porque como bem observa o citado Acórdão : “ Admitir que o cessionário não poderá propor a acção contra a devedor sem o ter notificado previamente gera uma situação algo curiosa, pois também o antigo credor (cedente) , no rigor técnico, o não poderá fazer , porquanto já não é credor, a este careceria legitimidade e àquele faltaria um elemento essencial da causa de pedir .

Portanto, tal como o Acórdão recorrido por via da citação para a execução os opoentes/executados tiveram conhecimento da cessão de crédito, circunstância que fez com que a mesma se tornasse eficaz relativamente a eles e consequentemente com a possibilidade da cessionária poder exigir dos opoentes o pagamento da dívida.»[4]

Alinhamos por inteiro com uma tal linha de entendimento, na medida em que a mesma é, s.m.j., a que melhor se conjuga com a conexa questão do momento em que a cessão de crédito se torna eficaz e com o regime de transferência do direito cedido para esfera jurídica do cessionário.

Senão vejamos:

«(…)

Relativamente ao momento em que se produz a eficácia translativa do contrato de cessão de créditos, a doutrina tem divergido entre duas orientações: uma, denominada teoria da eficácia translativa diferida, segundo a qual a cessão só se torna eficaz, quer em relação às partes, quer em relação ao devedor ou a terceiros, após a sua notificação ao devedor; outra, designada por teoria da eficácia translativa imediata, no sentido de que a cessão teria efeito translativo imediato, tanto entre as partes como em relação a terceiros.

Na doutrina nacional, Antunes Varela, convocando a orientação pre-conizada por Vaz Serra, na linha da solução consagrada no direito alemão, sustenta que, diversamente do anteriormente estabelecido no artigo 789.º do Código Civil de 1867, em virtude do princípio da consensualidade dos contratos estabelecida no artigo 408.º do CC atual se deve considerar o contrato de cessão de créditos submetido à eficácia imediata do negócio, quer em relação às partes quer no respeitante a terceiros, independentemente da notificação do devedor prescrita no artigo 583.º, n.º 1, do mesmo Código (CC de 1966), ficando a eficácia diferida apenas ressalvada quanto ao devedor e ao sucessivos adquirentes do crédito, respetivamente nos ter-mos específicos daquele artigo 583.º e do artigo 584.º[4].

Por seu lado, Menezes Leitão, começando por afirmar que “em relação a terceiros, a cessão produz efeitos independentemente de qualquer notificação”, ainda assim afasta-se da solução tida por mais rígida de Antunes Varela, no caso de dupla alienação do crédito, procurando conciliar o artigo 583.º, n.º 2, com o artigo 584.º, no sentido de considerar que da redação deste último normativo decorre “a prevalência de créditos, não com base na prioridade do negócio abstracto, mas na notificação que venha a ser realizada ao devedor ou na aceitação da cessão por ele emitida.” [5]

[4] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, acima citada, 1997, pp. 312-315

[5] In Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 12.ª Edição, 2018, pp. 28-31.

(…)»[5]

Em todo o caso, importa não olvidar que a finalidade da notificação é apenas a de que o devedor ficar a saber que a partir da notificação da cessão o credor é outro e deve pagar a este, pelo que, antes disso, a cessão em nada pode agravar a sua situação de devedor.

Dito de outra forma: não se vislumbra qualquer razão válida que imponha a notificação prévia à dedução do incidente, ou a sua inocuidade se for levada a cabo no âmbito do próprio incidente.

Não vislumbramos minimamente, então, como acolher a argumentação da falta de legitimidade substantiva e processual neste incidente de habilitação da aqui Requerente/recorrida…

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso no que à questão substantiva da condenação de mérito concerne.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

Ocorrendo cessão de créditos na pendência da execução, a notificação ao devedor (executado), para efeitos do art. 583º do C.Civil, pode ser feita no próprio incidente de habilitação, aquando da notificação do mesmo ao executado para contestar o incidente.           

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pelo Executado/Recorrente.

Coimbra, 24 de Setembro de 2019

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

Ana Márcia Vieira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira
[2] De referir que, embora conste nas alegações igualmente a invocação da “violação do art. 609º do CPC, dos limites da sentença e da actividade do Juiz, será desconsiderada a apreciação autónoma de tal, na medida em que se reconduz afinal à arguição da nulidade da sentença ex vi do art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil, como melhor se verá infra no texto.  
[3] Cf., mais desenvolvidamente sobre a questão, LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª ed., 2017, pré-citado, Livª Almedina, ora a págs. 714-715.
[4] Trata-se do acórdão do STJ de 10.03.2016, proferido no proc. nº 703/11.4TBVRS-A.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Citámos agora o acórdão do mesmo STJ de 12.04.2018, proferido no proc. nº 529/15.6T8BGC.G1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.