Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
674/06.9TBAND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO MAGALHÃES
Descritores: INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL DOS TRIBUNAIS
FORO DAS ACÇÕES DESTINADAS A EXIGIR O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 74º, Nº1, 108º, 109º, Nº 1, E 110º DO CPC. LEI Nº 14/2006, DE 26/04.
Sumário: I – As causas a que se refere o artº 74º, nº1, do CPC, na redacção anterior à Lei nº 14/2006, de 26/04, não estão incluídas no elenco daquelas em que o artº 110º do CPC, na referida redacção, determina que o tribunal conheça oficiosamente da incompetência em razão do território.

II – Ao introduzir, com a Lei nº 14/2006, a regra da competência territorial da comarca do demandado nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor, porquanto se aproxima a justiça do cidadão.

III – Porém, não havendo argumentos decisivos no sentido de que a remissão que na al. a) do nº 1, do artº 110º, do CPC, é feita para a “… primeira parte do nº 1 … do artº 74º ” se restrinja às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, será de entender que essa referência abarca os casos em que se estipula como obrigatória a demanda ser efectuada no tribunal do domicílio do réu (todos os casos que, nesse sentido, viram modificado pela Lei nº 14/2006, o critério de fixação da competência territorial).

IV - Na nova redacção dada ao artº 110º do CPC pela Lei nº 14/2006, estão já incluídas no rol das causas em que o tribunal deve conhecer “ex officio” a incompetência territorial, as abrangidas pela 1ª parte do nº 1 do artº 74º do CPC.

V – Estando a acção abarcada na 1ª parte do nº 1 do artº 74º do CPC, na redacção da Lei 14/2006, pois destina-se a resolver um contrato-promessa e exigir dos R.R. o pagamento de indemnização, deverá ser intentada no tribunal do domicílio dos RR, cujo conhecimento sobre a competência territorial é oficioso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - Em 13/11/2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, «A...», com sede em Tondela, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B... e mulher, C..., pedindo - com fundamento no incumprimento definitivo por parte destes, de contrato-promessa de compra e venda que, na qualidade de promitente compradora com os mesmos outorgou enquanto promitentes vendedores:

- que fosse declarado o incumprimento definitivo do referido contrato-promessa de compra e venda, imputando-se tal incumprimento exclusivamente aos RR. e declarando-se a resolução do contrato;

- que os RR. fossem condenados a pagarem-lhe a quantia de € 20.000,00, (correspondente ao dobro da importância que a estes entregou a título de sinal e princípio de pagamento) acrescida dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2) Os RR., que foram citados por carta registadas com aviso de recepção endereçadas para a morada constante da petição inicial como sendo a da sua residência, deduziram contestação e, posteriormente, na tentativa de conciliação das partes que se veio a realizar em 26/03/2007, vieram - constatado que foi o inêxito dessa tentativa -, através de requerimento ditado para a acta pela sua Ilustre Mandatária, suscitar a incompetência territorial do Tribunal.

Alegaram, para tanto, em síntese, que, tendo eles domiciliados em Loures aquando da propositura da acção e não tendo as partes afastado, por convenção expressa, a aplicação da regra estabelecida no art.º 74.º, n.º 1, do CPC, cumprindo ao Tribunal, “ex vi” do art.º 110.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do CPC, conhecer da incompetência territorial até ao despacho saneador, seria o Tribunal da Comarca de Loures - para onde deveria ser remetido o processo -, o competente para julgar a acção.

3) Após prazo que para o efeito lhe foi concedido veio a autora responder à arguida excepção, defendendo, em síntese que na procuração junta com a contestação apresentada em 10/01/2007, procuração essa datada de 24/11/2006, consta como morada dos RR. a Rua das Galés, em Lisboa, sendo que, em todo caso, não existem nos autos elementos necessários que habilitem o Tribunal a conhecer e a decidir oficiosamente a excepção em causa, devendo a invocação desta pelos RR. ser considerada intempestiva.

4) No despacho saneador proferido em 07/05/2007, após a afirmação da competência do Tribunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, a arguida incompetência territorial foi decidida no trecho que se passa a transcrever em itálico:

»A arguida incompetência em razão do território é extemporânea, nos termos dos artºs 74º nº 1 e 109º nº 1, ambos do Código de Processo Civil, pelo que a julgo improcedente.«.

5) - Inconformados com tal decisão, dela vieram recorrer os RR., recurso esse que foi admitido como agravo.

B) - É esse agravo que ora cumpre decidir e que os recorrentes, na respectiva alegação, rematam com as seguintes conclusões:

» 1.ª O domicílio dos réus, ora recorrentes, desde a celebração do contrato promessa de compra e venda com a recorrida, em 23.10.2004, até à data da citação da presente acção, em 21 e 22.11.2006, situa-se na comarca de Loures;

2.ª Na presente acção a A., ora recorrida peticionou que fosse declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda outorgado entre A. e RR., e declarando-se a sua resolução, bem como serem os RR. condenados a indemniza-la;

3.ª Os Réus, ora recorrentes, na tentativa de conciliação suscitaram a incompetência relativa em razão do território do tribunal a quo, considerando que por imperativo do n° 1, primeira parte do art. 74° do C.P.C., o tribunal competente para julgar a presente acção é o do domicílio do réu - comarca de Loures -, para o qual devia o processo ser remetido;

4.ª Nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 110° do C.P.C., na redacção da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, a incompetência em razão do território é conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nas causas a que se referem a primeira parte do n° 1 do art. 74°;

5.ª Os autos forneciam ab initio os elementos necessários para que o tribunal a quo devesse conhecer oficiosamente da sua incompetência em razão do território e decidir a remessa do processo para o tribunal competente - tribunal da comarca de Loures;

6.ª A incompetência relativa pode ser arguida pelo réu (v. n° 1, Ia parte do art. 109° do C.P.C, e deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, no caso, designadamente, da causa a que se refere a primeira parte do n° 1 do art. 74° do C.P.C.;

7.ª Sendo a incompetência territorial do tribunal uma excepção dilatória (v. art. 494°, ai. a) do C.P.C.), obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à remessa do processo para o tribunal competente (v. n° 2 do art. 493° e n° 3 do art. 111" do C.P.C.);

8.ª O tribunal a quo que deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias, salvo da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 110° (v. art. 495° do C.P.C.) e tendo proferido o douto despacho saneador, conhecendo a excepção dilatória da incompetência territorial suscitada na tentativa de conciliação pelos réus, ora recorrentes, considerando-a improcedente por extemporânea (cfr. n° 1, ai. a), primeira parte do art. 510° do C.P.C.) esqueceu-se, porém, da segunda parte da mesma ai. a), que determina o dever de apreciar oficiosamente as excepções dilatórias face aos elementos constantes dos autos;

9.ª O douto despacho do tribunal a quo violou o art. 110°, n° l, alínea a) do C.P.C, ao não ter conhecido oficiosamente a incompetência em razão do território.«.

Terminaram pugnado pelo provimento do recurso e pela revogação do Despacho agravado, declarando-se territorialmente competente o Tribunal de Loures.

Não houve contra-alegações.

Na 1.ª Instância foi proferido despacho a sustentar a decisão agravada.

Dispensados que foram os vistos e nada a isso obstando, cumpre decidir.

II - Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 4, 690, nº 1 e 749 do CPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Por outro lado, não que haverá que apreciar questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja decidido.

As questões a resolver resumem-se à da tempestividade da arguição da incompetência territorial e à da possibilidade do conhecimento oficioso dessa excepção pelo Tribunal “a quo”.

Sendo estas as questões que cumpre a este Tribunal decidir, com elas não se confundem os argumentos, aliás, doutos, constantes das alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este caiba solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586)[1].

III - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra.

B) Abordemos, então as questões que constituem o objecto deste recurso.

Vejamos.

Dispõe o artº 108º do C.P.C que “A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99.º e 100.º determina a incompetência relativa do tribunal.”.

Por seu turno, o n.º 1 do art.º 109.º do CPC, para a hipótese em que se enquadra o caso em análise, estipula como prazo para a arguição, por parte do réu, da incompetência relativa, o prazo fixado para a contestação.

Ora, estando esse prazo há muito esgotado aquando da arguição da incompetência territorial pelos ora RR., é manifesta a extemporaneidade dessa arguição.

Resta verificar da possibilidade da excepção em causa ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal.

A autora pretende, através da presente acção, obter dos RR a devolução em dobro do montante que, a título de sinal e principio de pagamento, entregou a estes no âmbito do contrato-promessa de compra e venda que outorgaram.

Em caso de incumprimento definitivo, dúvidas não há que o promitente não faltoso que tenha entregue sinal pode pedir a resolução do contrato-promessa e exigir o sinal em dobro (art.º 801, n.º 2 e 442, n.º 2, ambos do CC).

Como se diz no Acórdão do STJ de 10/01/2002 (Revista n.º 3864/01 - 7.ª Secção)[2] “No contrato-promessa de compra e venda o sinal entregue tem o valor de verdadeira indemnização pré-fixada convencionalmente pelo não cumprimento da obrigação de celebrar o contrato prometido.”.

Pretende a autora, pois, em face do invocado incumprimento contratual por parte dos RR. resolver o contrato e exigir destes o pagamento da indemnização em que se traduz o montante do dobro do sinal.

Assim, o preceito aplicável – o que ninguém pôs em causa - é justamente o art.º 74, n.º 1, do CPC, disposição legal esta que, antes da vigência da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, (publicada no DR n.º 81, 1.ª Série – A, de 26/04/2006) dispunha: A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.”.

Ora, as causas a que se refere o art.º 74.º, n.º 1, do CPC, não estão incluídas no elenco daquelas em que o art.º 110.º do CPC, na redacção anterior àquela que foi introduzida pela citada Lei n.º 14/2006, determina que o Tribunal conheça oficiosamente da incompetência em razão do território.

Acontece, contudo, que, instaurada a acção a que este Agravo respeita em 13/11/2006, é-lhe aplicável, “ex vi” do respectivo art.º 6.º [3], a mencionada Lei n.º 14/2006 (entrada em vigor em 02/05/2006), pelo que será à luz das redacções que esta introduziu nos referidos art.ºs 74, n.º 1 e 110.º que deve ser decidida a questão em causa.

Na nova redacção, a alínea a) do n.º 1 do art.º 110 consagra: »Nas causas a que se referem o artigo 73.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 74.º, os artigos 83.º, 88.º e 89.º, o n.º 1 do artigo 90.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 94.º;«.

 Assim, na redacção dada ao art.º 110º pela Lei n.º 14/2006, estão já incluídas no rol das causas em que o Tribunal deve conhecer “ex officio” a incompetência territorial, as abrangidas pela 1.ª parte do n.º 1 do art.º 74, do CPC. Sucede que este preceito, na redacção que lhe deu a mencionada Lei, é do seguinte teor: “1 - A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”.

Que alcance deve ser dado, então à expressão ”...primeira parte do n.º 1 ... do artigo 74”, constante da nova redacção do n.º 1, do art.º 110.º ?

Se atendermos a alguns aspectos evidenciados no “Preâmbulo” da Lei 14/2006 e na "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei que esteve na sua origem[4], parece que essa “...primeira parte do n.º 1 ...” se deveria entender como abarcando apenas “a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações”.

Efectivamente, no dito “Preâmbulo” - que não consubstancia uma exposição de motivos da Lei, antes se apresentado, em jeito de epígrafe, como uma síntese exemplificativa das matérias tratadas na Lei e cuja alteração o Legislador entendeu mais relevante para o efeito – refere-se que a Lei a que respeita, altera o Código de Processo Civil, “...designadamente procedendo à introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações e à modificação da competência territorial dos solicitadores de execução no âmbito do processo executivo, bem como o Estatuto da Câmara dos Solicitadores...”.

Como é bom de ver o argumento, atento o carácter meramente exemplificativo do mencionado “Preâmbulo”, a finalidade deste, não se revela persuasivo.

Na “Exposição de Motivos" da aludida Proposta de Lei, diz-se a dado passo: »O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial.

A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça, para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial, devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros nº 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades de litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada.

Ao introduzir a regra da competência territorial da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor, porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo, e obtém-se um maior equilíbrio de distribuição territorial da litigância cível.«.

Também daqui não se retira, a nosso ver, argumento decisivo a favor da apontada interpretação restritiva do art.º 110, n.º 1, a), o que até é natural, pois a Proposta não previa alterações ao que o art.º 110 estabelecia para o conhecimento oficioso da incompetência relativa.

O texto respeita apenas e tão só, no plano em que ora nos interessa analisar, às alterações dos critérios de fixação de competência territorial. E o facto de se evidenciarem as “acções relativas ao cumprimento de obrigações” e as “situações de incumprimento contratual”, não significou que a futura Lei não viesse a introduzir também alterações, aliás, já constantes da Proposta, à regra que vigorava quanto ao critério de competência territorial nos casos das acções destinadas a exigir a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento.

Não havendo, assim, argumentos decisivos no sentido de que a remissão que na al. a) do n.º 1, do art.º 110.º, do CPC, é feita para a ”...primeira parte do n.º 1 ... do artigo 74” se restrinja às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, será de entender que essa referência abarca os casos em que se estipula como obrigatória a demanda ser efectuada no tribunal do domicílio do réu. Ou seja, todos os casos que, nesse sentido viram modificado pela Lei n.º 14/2006, o critério de fixação da competência territorial.

Com efeito, verifica-se quanto ao n.º 1, do art.º 74, o seguinte: Numa parte do preceito definem-se as acções em que se estipula a obrigatoriedade de o credor demandar o réu no tribunal do domicílio deste; noutra, consagra-se as excepções a essa obrigatoriedade, facultando ao credor a opção por demandar o réu no Tribunal do domicílio deste ou no tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida.

Ora, é para essa 1.ª parte do n.º 1, do art.º 74, onde se estipula ser obrigatória a demanda no Tribunal do domicílio do réu, que, pensamos, remete a al. a) do n.º 1, do art.º 110.º [5].

Parece-nos lógico que se o Legislador altera o critério de fixação de competência territorial previsto anteriormente para todas as situações abarcadas pelo n.º 1 do art.º 74, na redacção anterior – tribunal do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida ou Tribunal do domicílio do réu, à escolha do credor – tornando obrigatória, nesses casos (não se tratam agora, as excepções, por desinteressarem à economia do recurso), a demanda no tribunal do domicílio do réu, pretendeu, por certo, que o tribunal pudesse conhecer oficiosamente da incompetência territorial em todos esses casos em que se lhe deparasse a violação dessa obrigatoriedade.

Este entendimento não está, aliás, em contradição com as razões que usualmente se apontam como motivadoras das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2006: a defesa do consumidor e um maior equilíbrio de distribuição territorial da litigância cível.

Fazendo a correspondência entre o art.º 74, n.º 1, e o conhecimento oficioso da incompetência territorial, pode ler-se no Acórdão n.º 691/2006 do TC, de 19/12/2006[6]: »A alínea a) do n.º 1 do artigo 110º, na referida redacção, estatui: “1. A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes: a) Nas causas a que se referem [...], a primeira parte do n.º 1 [...] do artigo 74.º [...].” Por seu turno, a primeira parte do n.º 1 do artigo 74º passou a ter, também por força da alteração introduzida pela Lei n.º 14/2006, a seguinte redacção: “1. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu [...]”,...«[7].

Embora não tratando especificamente da matéria, não deixou o STJ de dizer, no Acórdão onde foi tirada a Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2007, de 2007-10-18 (D.R. n.º 235 SÉRIE I-A, de 06 de Dezembro de 2007) que “A partir da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, não podem as partes contraentes acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso bem como a resolução do contrato por falta de cumprimento.

As referidas causas passaram, em regra, a dever ser propostas no tribunal do domicílio do réu, embora o autor possa optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, se o primeiro for uma pessoa colectiva ou, situando-se o domicílio do autor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”[8].

E idêntica afirmação se fez no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/02/2007, proc n.º 1182/2007-7, onde se pode ler: » A lei (art.º 74º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, na redacção do art.º 1 da Lei n.º 14/2006) afastou a possibilidade de se convencionar o foro das acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, nos casos em que o réu não é pessoa colectiva ou não tenha domicílio ou não tenha domicílio na área metropolitana (de Lisboa ou do Porto) do domicílio do credor.«[9].

Deparando-se-lhe uma situação semelhante àquela que se nos coloca aqui, embora respeitando à previsão da primeira parte do n.º 1, do art.º 94º do CPC, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 11/12/2007, proc n.º 0724495:»... Defendemos, porém, que a mencionada primeira parte do n.º 1 do artigo 94.º tem que se estender à expressão “é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado”, e só a partir daí é que começará a segunda parte do preceito, reportada às opções que o legislador concedeu ao exequente por outros tribunais que não o do domicílio do executado. E em relação a essas opções que foram concedidas ao exequente é que não pode haver conhecimento oficioso da incompetência territorial (pois que se o legislador entendeu deixar a questão à liberdade do exequente, não poderá o Tribunal meter-se nisso sem que primeiro o executado suscite o problema e, só depois, apreciar se tais opções foram, caso a caso, bem ou mal escolhidas pelo exequente).«[10].

A autora na petição inicial indicou os RR. como residindo em Portela, Loures e foi por cartas endereçadas para essa residência indicada pela Autora que aqueles foram citados. Não pode, em boa fé, negar-se como assente que os RR. tal como alegaram, tinham domicílio em Portela, Loures.

Assim e em resultado do exposto, estando a acção em causa abarcada na 1.ª parte, do n.º 1, do art.º 74.º, na redacção da Lei 14/2006 – pois destinava-se a resolver o contrato-promessa e exigir dos RR. o pagamento da indemnização em que se traduzia o montante do dobro do sinal – deveria ter sido intentada no Tribunal do domicilio dos RR. – Loures – sendo territorialmente incompetente, pois, o Tribunal Judicial de Tondela.

Uma vez que o Tribunal tinha o dever de, oficiosamente (já que existiam elementos para tal, o que, aliás, a decisão recorrida não negou), pronunciar-se sobre a sua incompetência em razão do território, face ao disposto no referido art.º 110, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e no art.º 74.º, n.º 1, 1ª parte, ambos do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26/04, não relevava a circunstância de a arguição efectuada pelos RR. ser extemporânea. E conhecendo tal questão, deveria ter-se julgado territorialmente incompetente, atribuindo essa competência ao Tribunal Judicial da Comarca de Loures.

Violou, assim, a Decisão recorrida, o preceituado no art.º 110, n.º 1, alínea a) e n.º 3, e no art.º 74.º, n.º 1, 1ª parte, ambos do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26/04.

A decisão recorrida terá, pois, de ser revogada, declarando-se o Tribunal Judicial da Comarca de Tondela territorialmente incompetente para apreciar a acção em causa, sendo competente para o efeito o Tribunal Judicial da Comarca de Loures, para onde deverá ser remetido o processo.

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

Concedendo provimento ao Agravo interposto pelos recorrentes B... e C..., revogar a decisão recorrida, com as consequências acima indicadas.

Sem custas.

Coimbra[11], 29/01/2008


(Falcão de Magalhães)

(Sílvia Pires)

(Henrique Antunes)



[1] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ .
[2] Consultável no endereço http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Civieis/Civeis2002.pdf .
[3] É o seguinte, o teor do artigo 6.º: “A presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor.”.
[4] Proposta de Lei n.º 47/X, in, Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 69, de 15/12/2005, págs. 11-15.
[5] Defendendo, embora, não peremptoriamente, uma interpretação mais restrita, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-03-2007, processo n.º 0731000 (consultável no endereço http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase): “...Portanto, constituindo objectivo do legislador, com a introdução da regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações [parecendo ser este o único sentido da expressão “primeira parte do nº 1 do artº 74º”, constante do artº 110º, nº 1, al. a), já que a própria Proposta de Lei se refere especificamente às acções relativas ao cumprimento de obrigações], essencialmente, obstar à concentração da litigância cível em Lisboa e Porto (embora com reforço do valor constitucional da defesa do consumidor e um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível, ele sairia defraudado se, por outra via (v.g., através de pactos de aforamento que atribuíssem competência territorial àquelas comarcas, quando nenhuma conexão – sede ou domicílio de qualquer das partes - tivessem com elas), fosse permitida essa concentração e se não se atribuíssem ao juiz poderes de conhecimento oficioso da violação dessa regra da competência territorial.».
[6] Acórdão consultável em http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos/acordaos06/601-700/69106.htm.
[7] Os sublinhados são nossos.
[8] Os sublinhados são nossos.
[9] Acórdão a que se pode aceder através do endereço http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.
[10] Acórdão a que se pode aceder através do endereço http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.
[11] Processado e revisto pelo Relator.