Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
833/04.9GAVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INJÚRIAS
INJÚRIAS A AUTORIDADE PÚBLICA
DIFAMAÇÃO
Data do Acordão: 10/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 181º E 184º DO C. PENAL
Sumário: 1. A gravidade da ofensa ou do perigo de ofensa não é elemento constitutivo dos crimes de difamação e de injúrias.

2. Os termos, palavras ou expressões tornam-se injuriosas, ou ofensivas do bom nome e consideração alheias, não pelo significado constante de qualquer dicionário, mas pela conotação que lhes é dada pelo povo.

3. Chamar “cromos” soldados da GNR no exercício das suas funções, embora não possa ser considerada uma injúria muito gravosa, não deixa de ser injúria.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida contra o arguido:
A..., casado, filho de B... e de C..., natural da Sé Nova, Coimbra, nascido em 2-06-1971, residente na Rua Principal de Fátima, s/n, Fátima Velha.
E, condenou-o:
- como autor material de um crime de injúria na pessoa de D..., previsto e punido pelo artigo 180, n.º 1, agravado pelo artigo 184, ambos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 3,50 € (três euros e cinquenta cêntimos);
- como autor material de um crime de injúria na pessoa de Sónia Alexandra Gomes Teixeira Santos, previsto e punido pelo artigo 180, n.º 1, agravado pelo 184, ambos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 3,50 € (três euros e cinquenta cêntimos);
- em cúmulo jurídico, na pena única de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 3,50 € (três euros e cinquenta cêntimos), totalizando a quantia de 262,50 € (duzentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a que corresponde, nos termos do artigo 49, n.º 1, do Código Penal uma pena de prisão subsidiária de 50 (cinquenta) dias;
- no pagamento à demandante civil a quantia de 300,00 € (trezentos euros), absolvendo-o do restante;
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Desta sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões, na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1 - A expressão vocês são uns cromos não é injuriosa.
2 - A palavra cromo que antes referia um metal, o crómio passou a ser também utilizada como gravura, pequeno desenho ou fotografia que era colocado nas cadernetas em locais próprios geralmente eram fotografias de jogadores de futebol (os melhores) e estrelas de cinema, etc...
3 - Gerações recentes apossaram-se da palavra para designar aquela pessoa que por qualquer razão se destacava das outras, que adquiria NOTORIEDADE.
4 - Notoriedade que não é negativa e muito menos pejorativa.
5 - O cromo é por exemplo, no programa MORANGOS COM ACÚCAR, manancial de neologismos, o bom estudante, aplicado, inteligente, esperto, o que tinha boas notas.
6 - Este crómio é, pelos vistos, o contrário de comportamento do padrão usual- o mau aluno, o preguiçoso, malcriado, o que "chumba" anos consecutivos.
7 - A expressão não é pois OBJECTIVAMENTE ofensiva de honra e consideração de ninguém.
8 -No contexto em que ocorreu conforme nos relata pode ser substituída por "vocês são uns ases" ou talvez melhor "vocês estão armados em bons".
9 - A expressão reflecte o desagrado do recorrente perante uma diligência policial ilegal e intempestiva mas não ultrapassa o admissível, pois, na realidade, a actuação dos militares queixosos não é normal.
10- Convenhamos que atravessar um pátio, entre as 22h00 e as 23h00, e bater à porta de um cidadão para o identificar em virtude de um acidente no qual um espelho retrovisor lateral tinha sido partido, não é usual, nos militares da GNR - graças a Deus.
11- Tanto mais que a militar queixosa Sónia já conhecia pessoalmente o recorrente em virtude de o ter notificado anteriormente e por isso lhe conhecia a identidade - nem tal notificação era urgente.
Violaram-se as disposições:
A douta sentença, na parte decisória pune pelo art. 180° nº 1 C. Penal mas deve tratar-se de um mero lapso pois a existir algum ilícito seria o do art° 181 (injuria) e não do art° 180 (difamação).
Qualquer dos artigos foi violado pois que o facto não pode ser subsumido na previsão do artigo.
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, anulando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o recorrente do crime que lhe é imputado .
Responde o Mº Pº, formulando as seguintes conclusões:
1 ° O crime de injúrias pode ser cometido, além do mais, através do uso de um termo verbal, o qual, quer pelo seu sentido imediato quer pelo significado das circunstâncias e natureza dos sujeitos envolvidos pode atingir na auto-estima, no brio pessoal ou profissional e ainda a reputação do sujeito visado.
2° As palavras têm também hoje diferentes significados, para além do contexto em que são proferidas, consoante os sujeitos que as usam e a quem são dirigidas.
3° O significado actual da palavra "cromo" não é único e, sem dúvida, não se reduz à sua versão "doce" da série "Morangos com Açúcar", significando o "bom estudante", "aplicado", "inteligente", "esperto", "o que tira boas notas".
4° Considerando que o termo "cromo" também pode corresponder a uma "censura", tendo, pois conotação negativa e ainda ao significado de "palhaço", "idiota", tendo, para além daquele desvalor, significância depreciativa conclui-se que o sentido do uso do termo em apreço é variável e depende das circunstâncias.
5° A expressão "cromo" usada em sentido pejorativo ou depreciativo é objectivamente injuriosa.
6° Merece, pois total concordância a interpretação do termo "cromo" ponderada na douta sentença recorrida na vertente em que se pretende significar "pessoa ridícula, alvo de troça, de chacota e de zombaria(...)".
6° (repetição da numeração) No caso concreto, o arguido ao referir aos agentes de autoridade, uniformizados e no exercício das suas funções, que os mesmos eram uns "cromos" e que participava dos mesmos e que saíam da Guarda num instantinho, não estava a elogiá-los, antes numa demonstração do seu desagrado, quis ainda chamar-Ihes por outras palavras e por modo sub-reptício "parvos", "palhaços", "idiotas", "ridículos".
7° Assim, não pode concluir-se que o arguido quando disse aos agentes da GNR que eram uns "cromos" que Ihes quisesse dizer que eram "uns ases" ou que "estavam armados em bons".
8° O arguido ao dirigir aos agentes de autoridade a expressão "cromos" quis, sim, atingi-Ios no seu brio profissional, na sua reputação atenta aquela qualidade, na sua auto-estima e consideração pessoal.
9° Os factos imputados ao arguido foram, pois correctamente subsumidos do ponto de vista da responsabilidade jurídico-penal na douta sentença recorrida como integrando o crime de injúrias agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 181 ° e 184°, ambos do CP.
10º Não violando qualquer norma legal a douta sentença recorrida deve, por conseguinte, ser mantida.
Nesta Relação, O Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido de que, com dúvidas, deve ser julgado procedente o recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados, bem como a fundamentação jurídica:
A) Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 24 de Novembro de 2004, entre as 22:30 e as 23:00 horas, os militares da GNR D... e Sónia Alexandra dirigiram-se à residência do arguido, a fim de averiguar se o mesmo tinha sido interveniente num acidente de viação ocorrido pouco tempo antes nesse mesmo dia e para lhe pedir pela sua identificação, o que este recusou;
2) O arguido, a dada altura, dirigiu-se-lhes, dizendo: «Vocês são uns cromos»;
3) Tais palavras ofenderam os identificados militares da GNR, na respectiva honra e consideração;
4) O arguido disse-lhes ainda «Eu participo de vocês e saem da Guarda num instantinho»;
5) Os ofendidos encontravam-se fardados;
6) O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente, com intenção de ofender a honra e consideração daqueles, estando igualmente consciente de que se tratavam de agentes da autoridade, no exercício das suas funções;
7) Bem sabia o arguido que a sua conduta não era permitida por lei;
8) Não tem quaisquer antecedentes criminais;
9) O arguido vive em casa de seus pais;
10) Actualmente, não lhe é conhecida qualquer profissão;
11) Conduz habitualmente dois veículos automóveis, um dos quais de marca Wolkswagen, modelo Golf;
12) Tem um filho com 3 anos de idade, que vive com a mãe, contribuindo para o seu sustento com 100,00 € mensais.
B) Não se provou a seguinte factualidade:
1. Que os militares da GNR abordaram o arguido na Estrada de Ourém, após este ter sido interveniente num acidente de viação;
2. Que o arguido tenha dirigido aos militares da GNR, dizendo: «Eu meto-vos na linha, isto não fica assim» e que os mesmos eram «filhos da puta».
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III. FUNDAMENTACÃO DE DIREITQ
A) Enquadramento jurídico-penal:
Atenta a matéria de facto provada, importa, agora, subsumi-la no nosso ordenamento jurídico-penal.
Dispõe o n.º 1 do artigo 181 do Código Penal que «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».
Por seu lado, o artigo 184 do mesmo diploma preceitua que a pena prevista no artigo 181 é elevada de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal, no exercício das suas funções ou por causa delas.
Com esta incriminação, a nossa lei procura tutelar o bem jurídico honra, entendido como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior (Neste sentido, José Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Tomo I, pág. 607). Protege-se não só a própria dignidade pessoal mas também o sentimento daquilo que "os outros pensam e veêm em si, independentemente de corresponder à verdade, dando, assim, cumprimento ao estipulado na nossa Lei Fundamental que tutela autonomamente a inviolabilidade da integridade moral das pessoas e a sua consideração social, mediante o reconhecimento a todos do direito ao bom nome e reputação (ANTÓNIO J. F. DE OLIVEIRA MENDES, in O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, pág. 20 e ss.).
Como refere Augusto Dias Silva (Cfr. Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e injúrias, AAFDL, 1989, pág. 17), o conteúdo deste direito «é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros», sendo certo que «sem a observância social desta condição não é possível a pessoa realizar os seus planos de Vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações socais em que intervém».
Tal crime pode ser concretizado por ofensas a duas ordens de interesses humanos, que se traduzem pelas expressões honra e consideração.
Como referem SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, a honra pode ser entendida como «a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter:..» (Ministério Público - Coimbra - MANUEL LEAL HENRIQUES e MANUEL SIMAS-SANTOS, Código Penal Anotado, 3.. Edição, p. 469), enquanto que a consideração é o «património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros» (Ministério Público - Coimbra - MANUEL LEAL HENRIQUES e MANUEL SIMAS-SANTOS, Código Penal Anotado, 3.. Edição, p. 469).
Por seu lado, como dizia BELEZA DOS SANTOS, «a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público» - RLJ, ano 92°, págs. 161 e 168.
Ao contrário da difamação, o preenchimento deste tipo legal implica que sejam feitas imputações directas de factos (dados reais da experiência) ou juízos (apreciações valorativas) desonrosos a uma pessoa, isto é, é necessário que a imputação dos factos ou dos juízos lesivos da honra e consideração seja endereçada a uma determinada pessoa e na sua presença (diferenciando-se assim do crime de difamação, na medida em que, neste, a imputação é indirecta).
Quanto ao elemento subjectivo, teremos de concluir que se trata de um crime essencialmente doloso, podendo o dolo consubstanciar-se em qualquer das suas modalidades (artigo 14 do Código Penal). A verificação do crime de difamação basta-se com a consciência de que o que se disse ofende a pessoa visada na sua honra e consideração.
Analisado o tipo legal de crime em causa, perscrutemos agora os factos dados por provados.
Da factualidade apurada resulta que, no dia 24 de Novembro de 2004, entre as 22:30 e as 23:00 horas, os militares da GNR D... e Sónia Alexandra dirigiram-se à residência do arguido, a fim de averiguar se o mesmo tinha sido interveniente num acidente de viação ocorrido pouco tempo antes nesse mesmo dia e para lhe pedir pela sua identificação, o que este recusou, tendo a dada altura, este dirigido àqueles a seguinte expressão: «Vocês são uns cromos» e «Eu participo de vocês e saem da Guarda num instantinho».
Ora, destas duas expressões, entendemos que apenas a primeira configura uma verdadeira ofensa à pessoa dos ofendidos, já que a segunda nada de depreciativo lhes imputa. Com efeito, muito embora a palavra «cromo» tenha o significado de imagem ou gravura que, por vezes, se colecciona, é popularmente utilizada também com o significado de pessoa que não segue os padrões usuais de comportamento - neste sentido, Vidde o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (Verbo, I Vol, fls. 1031 ). Ou seja, com tal expressão, pretende-se, pois, dizer que determinada pessoa é ridícula, alvo de troça, de chacota e de zombaria, o que exprime, sem dúvida, um inegável desvalor da honra e consideração daquela.
Mais resultou dos autos que ambos os ofendidos se encontravam no exercício das suas funções de militares da Guarda Nacional Republicana e que tal expressão foi proferida com intenção de ofender a honra e consideração dos ofendidos, estando o arguido consciente de que se tratavam de agentes da autoridade, no exercício das suas funções. Deste modo, temos necessariamente de concluir que o arguido cometeu dois crimes de injúria agravado, um na pessoa de D... e outro na pessoa de Sónia Alexandra Santos, previstos e punidos pelos artigos 181, nº 1, e 184 do Código Penal.
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Conhecendo:
A questão única suscitada é a de saber se se verifica o elemento objectivo do crime de injúria.
Como resulta da transcrição supra, a sentença revela estudo da matéria, concluindo, “muito embora a palavra «cromo» tenha o significado de imagem ou gravura que, por vezes, se colecciona, é popularmente utilizada também com o significado de pessoa que não segue os padrões usuais de comportamento - neste sentido, Vidde o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (Verbo, I Vol, fls. 1031 ). Ou seja, com tal expressão, pretende-se, pois, dizer que determinada pessoa é ridícula, alvo de troça, de chacota e de zombaria, o que exprime, sem dúvida, um inegável desvalor da honra e consideração daquela”.
Desde já diremos que nos dicionários consultados, Lello Universal, Grande Dicionário Encuclopédico Ediclube, vol. VI, e Dicionário da Língua Portuguesa, 2003, da Porto Editora, nenhum outro significado encontramos para a palavra cromo, ou crómio, que não fosse a de referência a minério, variedade de colorações, ou elemento de composição de palavras que expressa a ideia de “cor”.
No entanto, todos sabemos que os termos, palavras ou expressões se tornam injuriosas, ou ofensivas do bom nome e consideração alheias, não pelo significado constante de qualquer dicionário, mas pela conotação que lhes é dada pelo povo.
Assim, que há expressões que em determinada localidade podem ter uma carga negativa, pejorativa, e noutras não.
No entanto, também sabemos que é usada socialmente e com significados diversos, o termo “cromo”, mas tendencialmente para o sentido negativo, pejorativo.
O Prof. Beleza dos Santos, citado na sentença referia, “…nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou a uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria púnivel…”, a palavra para ser ofensiva, tem de o ser para a generalidade das pessoas.
Como se salienta no Ac. desta Relação, de 9-05-1984, in Col. Jurisp. tomo III, pág. 81, citando o prof. Beleza dos Santos, “aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos, não considera difamação ou injuria, não deve dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena”.
Conforme refere o Cons. O. Mendes, in O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, pág. 37 e seguintes, difamar ou injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa facto ou factos ofensivos da sua honra e consideração, dependendo a tutela penal da intensidade da ofensa ou perigo de ofensa, porque “nem todo o facto que perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180 e 181”, devendo excluir-se dessa tutela os comportamentos que fiquem aquém da antijuricidade. Mas também conclui que a “gravidade” da ofensa ou do perigo de ofensa não é elemento constitutivo dos crimes de difamação e de injurias.
Devendo haver normas de conduta com regras que estabelecem a obrigação e o dever de cada um se comportar perante os demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social, “esse mínimo de respeito não se confunde com educação e cortesia. Assim, os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito”. Concluindo que, o direito penal, “neste particular, não deve, nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências”.
Tendo em conta que ao termo “cromo” anda associado um significado geral depreciativo, esse significado mais se acentua tendo em conta as circunstâncias em que foi proferido e a quem foi dirigido.
Os agentes da GNR encontravam-se devidamente uniformizados, em cumprimento das suas obrigações, e apenas se limitaram a pedir a identificação do arguido, pelo que a expressão considerada “vocês são uns cromos”, associada também àquela outra “eu participo de vocês e saem da Guarda num instantinho”, ao serem proferidas pelo arguido, como o foram, apenas tinha o arguido em vista achincalhar, amesquinhar, apoucar aqueles agentes da autoridade, no fundo, fazer deles uns idiotas, marionetas, “cromos”, que ele manobrava e que se quisesse punha fora da GNR num instantinho, tudo ofensa à honra e consideração devidas.
Não era um termo elogioso como pretende o recorrente ao alegar nas conclusões que a expressão podia ser substituída por “vocês são uns ases”, ou “estão armados em bons”, sendo que até estas, principalmente a segunda, podem ter conteúdo ofensivo, tudo dependendo das circunstâncias e a quem são dirigidas.
Assim, que apenas se poderia concluir, como se concluiu na sentença, que com o termo “cromo” se pretendeu, “dizer que determinada pessoa é ridícula, alvo de troça, de chacota e de zombaria, o que exprime, sem dúvida, um inegável desvalor da honra e consideração daquela”.
Podendo não ser considerada uma injuria muito gravosa (certamente todos sabemos que se pode atingir a honra e consideração de outrem utilizando expressões muito mais ofensivas), não deixa de ser injuria.
Pelo modo e circunstâncias em que a expressão foi proferida, não se trata apenas de linguagem desbragada, não é mera impertinência, não é só linguagem grosseira.
Pelo modo como a expressão foi proferida e o conteúdo da mesma, as regras da experiência dizem-nos que a mesma tem conteúdo ofensivo da honra e consideração.
Proferida por aquele modo e circunstâncias é de considerar ofensivo da honra ou bom nome alheio, e assim seria considerada pela generalidade dos portugueses, tendo em conta o ambiente em que se passaram os factos. Pelo que temos como preenchido o elemento objectivo do tipo de crime.
Quanto ao elemento subjectivo, teremos de concluir que se trata de um crime essencialmente doloso, podendo o dolo consubstanciar-se em qualquer das suas modalidades (artigo 14 do Código Penal).
Ficando provado que a expressão foi proferida, com actuação livre, deliberada e consciente do arguido, e sabendo que atingia a honra e consideração daqueles agentes da autoridade (no exercício das suas funções), como atingiu, temos como preenchido o elemento subjectivo do tipo de crime.
Pelo que bem se andou na sentença ao integrar os factos na previsão legal penal do crime de injúria.
Pelo que se julga o recurso improcedente.
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Correcção:
É manifesto o lapso da numeração do preceito legal que prevê e pune o crime de injúria, é o art. 181 e não o art. 180.
Como se verifica de todo o conteúdo da sentença e nomeadamente da parte decisória, os crimes pelos quais o arguido foi condenado, são crimes de injúria.
Também na fundamentação de direito e enquadramento jurídico-penal se tem em conta o art. 181, sendo reproduzido, inclusivamente, o seu nº 1, e aí se concluindo que se trata de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos arts. 181 nº 1 e 184 do Código Penal.
Porque se trata de lapso manifesto (que o recorrente entendeu perfeitamente), corrige-se o mesmo ao abrigo do disposto no art. 380 nº 1 al. b) e nº 2 do CPP.
Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal, em julgar o recurso improcedente e em consequência mantém-se, na íntegra, a decisão recorrida, com a correcção do lapso acima referido.
- Na parte decisória, e relativamente a cada um dos ofendidos, onde se lê “artigo 180”, deve ler-se “artigo 181”. Oportunamente corrija-se.
Custas pelo recorrente, com 7 Ucs de taxa de justiça.