Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE MANUEL LOUREIRO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO VALOR DA ACÇÃO INÍCIO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR JUNÇÃO PARCIAL DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR ACTO INÚTIL | ||
Data do Acordão: | 11/17/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL DA COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 296.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL ARTIGOS 98.º-I, N.º 4, ALÍNEA A), 98.º-J, Nº 3, ALÍNEAS A) E B), 98.º-P, N.º 2 DO CÓDIGO DO PROCESSO DE TRABALHO | ||
Sumário: | I) Na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o valor da acção não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos. II) Caso o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final (v.g. € 5.000 euros) seja inferior ao da utilidade económica dos pedidos deduzidos inicialmente pelo trabalhador (v.g. 7.500 euros), o valor da acção deve corresponder ao da mencionada utilidade. III) No caso de o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos na decisão final exceder o da utilidade económica dos pedidos inicialmente deduzidos, o valor da acção deve ser determinado tendo em conta, para lá da referida utilidade económica, o valor global da indemnização, créditos e salários que tenham sido efectivamente reconhecidos na decisão final, designadamente a diferença entre o valor assim reconhecido e o reclamado inicialmente pelo trabalhador. IV) O acto que marca o início do procedimento disciplinar é a decisão do empregador de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador. V) Por regra, na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do estabelecimento, o empregador deve juntar todo o procedimento disciplinar, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar. VI) Apesar do empregador não ter junto algumas peças que integram o procedimento disciplinar, como por exemplo a decisão de suspensão preventiva do trabalhador, não deve aplicar-se o regime sancionatório do art. 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do Código do Processo de Trabalho quando a junção das peças em falta redundar num acto perfeitamente inútil e se a junção parcial do procedimento disciplinar satisfizer a motivação que subjaz à exigência legal de junção à acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório
O autor propôs contra a ré a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do correspondente formulário legal, no qual conclui requerendo que se declare a ilicitude ou a irregularidade do despedimento de que foi alvo por parte da ré, com as legais consequências. A ré apresentou articulado motivador do despedimento, sustentando que o despedimento do autor foi lícito, porque decidido com fundamento em factos integradores de justa causa subjectiva de despedimento, no termo de um procedimento disciplinar regularmente tramitado para o efeito. O autor contestou e deduziu reconvenção no qual concluiu pela forma seguidamente transcrita: “Conclusão Um. Deve o douto Tribunal: a) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento; c) Ordenar a notificação do AUTOR para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho. SEM PRESCINDIR: Conclusão Dois. Deve o douto Tribunal: a) Decretar a nulidade do procedimento disciplinar e da decisão de despedimento; b) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento; d) Ordenar a notificação do AUTOR para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho. SEM PRESCINDIR: Conclusão Três. Deve o douto Tribunal: a) Decretar que os factos dados como provados não são suficientemente graves nem têm consequências suficientes para colocarem em causa a relação laboral; b) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento; RECONVENÇÃO: Conclusão Quatro. Deve o douto Tribunal: a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.000,00€, pelos danos não patrimoniais já verificados; b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 500,00€ por cada mês pelo qual perdure a medida disciplinar de despedimento, quanto aos danos não patrimoniais futuros – a liquidar; AINDA, RECONVENÇÃO: Conclusão Cinco. Deve o douto Tribunal: a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.625,55€, pelos danos patrimoniais já verificados; b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização equivalente às retribuições a partir de 03/03/2021, aos correspondentes dias de Subsídio de Natal de Natal, aos correspondentes dias de Subsídio de Férias e às férias proporcionais a tais dias, quanto aos danos patrimoniais futuros – a liquidar.”. Sustentou, em resumo, que se verifica a falta de junção do procedimento disciplinar por parte da ré, que o procedimento disciplinar é nulo e que não ocorre justa causa subjectiva que suporte o despedimento de que foi alvo por parte da ré. A acção prosseguiu os seus regulares termos, tendo sido proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Por todo o exposto, julgo improcedente a presente acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo trabalhador, ora autor, José Carlos Ribeiro Silva, contra a entidade empregadora, ora ré, A… e absolvo esta última dos pedidos efetuados pelo primeiro. Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: * II - Principais questões a decidirSendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção; 2ª) saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 3ª) se a ré não cumpriu a obrigação de juntar aos autos o procedimento disciplinar pela circunstância de aquele que juntou não conter a decisão de suspensão preventiva do autor; 4ª) se o procedimento disciplinar é nulo pela circunstância de não existir notícia da infracção reduzida a escrito; 5ª) se o autor incorreu em comportamento integrador de justa causa subjectiva de despedimento. * III – FundamentaçãoA) De facto Factos provados O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos: “1. O trabalhador desempenhava funções no sector administrativo da ré A…, sendo o seu local de trabalho um gabinete no rés-do-chão da sede. * 16. A ré não juntou aos autos a missiva pela qual suspendeu preventivamente o autor. 17. No caso dos autos, a notícia da infracção não foi reduzida a escrito 18. A ré tem a incumbência legal de promover o uso da máscara e não proibiu o acesso do autor às suas instalações pelo não uso da máscara. 19. O autor entrou na reunião com a máscara colocada, a qual começou a escorregar, durante a exposição que estava fazendo e acabou por retirá-la. 20. O autor utilizou um impropério e dirigiu-se à Mesa com expressões inadequada. 21. O autor havia visto o seu desempenho profissional colocado em causa, sem motivo, quanto à sua pontualidade e ao seu desempenho. 22. O autor, no dia seguinte, na sede da ré, no momento em que lhe foi entregue a comunicação da suspensão preventiva, recebeu um pedido para abandonar as instalações, tendo recusado fazê-lo de imediato. 23. “Caindo em si”, ainda antes da recepção da comunicação da suspensão preventiva, dirigiu ao Exmo. Sr. Vice-Provedor e aos membros da Mesa Administrativa da ré, um pedido de desculpas, que não foi tomado em consideração como circunstância atenuante. 24. A ré declarou o autor como um funcionário meritório, aumentando-lhe a sua retribuição regular em 9,52% (de 1.050,00€ para 1.150,00€). 25. À data do despedimento trabalhava na ré há quase 23 anos. 26. É, reconhecidamente, pela ré, um trabalhador competente, tendo esta lhe cometido funções elevadas e somente confiáveis a quem seja de confiança, como as relativas à Protecção de Dados. 27. É, reconhecidamente, pela ré e pelos colegas, um trabalhador competente e empenhado. 28. Sempre actuou de uma maneira profissional, dando prioridade ao trabalho relativamente ao lazer, chegando a trabalhar nas férias para que o trabalho não se atrasasse e de forma a que fossem evitados erros nas conciliações bancárias, sendo que quando o fez a própria Mesa Administrativa lhe concedeu um prémio de 2 dias de férias, reconhecendo desta forma o seu profissionalismo. 29. Sempre realizou trabalho extraordinário (parcialmente não remunerado, porque o autor, por vezes, prescindiu da remuneração a que tinha direito) em situações de encerramento de contas, havendo situações em que chegava a trabalhar todos os fins-de-semana dos meses de Janeiro e de Fevereiro. 30. Sempre colocou à vontade os seus colegas e os seus superiores para o poderem contactar, com vista à resolução de quaisquer problemas que surgissem, mesmo quando estivesse de férias, contactos que aconteceram. 31. A reunião em que ocorreram os acontecimentos que motivaram o processo disciplinar tinha sido solicitada pelo autor, com vista a que os seus superiores hierárquicos tomassem medidas: - Quanto à emissão de recibos (o autor é o Técnico de Contabilidade Principal da ré), que, frequentemente, estavam sendo passados com erros, o que denegria a imagem da ré. - Quanto à protecção de dados, de que o autor era o responsável, estavam sendo tiradas cópias de Cartões de Cidadãos de Utentes da ré, sem que estes o autorizassem. - Quanto aos registos de saída dos stocks, eles estavam a ser inseridos com diferenças temporais muito grandes em relação aos factos, o que provocava problemas contabilísticos. - Quanto à organização dos documentos de compras por ordem e dentro das respectivas datas, a mesma não era feita, o que provocava problemas contabilísticos. - Quanto ao registo dos cheques emitidos pela ré, os mesmos eram, na óptica contabilística, indevidamente datados no programa “tesouraria”, o que provocava problemas contabilísticos. - Quanto às facturas lançadas, muitas enfermavam de erros, quanto a datas, valores, números de identificação fiscal. - Quanto à criação de contas de “clientes/utentes” novos no programa de contabilidade, e quanto às contas-correntes dos funcionários novos, havia vários erros e faltas de lançamentos, o que provocava problemas contabilísticos. - Quanto aos Fundos de Compensação estavam sendo pagos valores indevidos, por falta de “baixa” no sistema dos ex-trabalhadores, o que provocava prejuízos imediatos à Ré. - Encontravam-se valores registados em duplicado na tesouraria, detectados na conciliação bancária, o que provocava problemas contabilísticos. 32. O autor visava apresentar aos seus superiores hierárquicos várias sugestões de melhoria de funcionamento da ré. 33. O autor está a sofrer com a medida de despedimento adoptada pela ré. 34. A medida de despedimento privou o autor das suas retribuições de 17 dias em Dezembro de 2020 (651,67€), das suas retribuições de Janeiro, de Fevereiro e de 3 dias de Março de 2021, correspondentes a 62 dias (2 376,67€), dos correspondentes 79 dias de Subsídio de Natal de 2020 e de 2021 (252,36€), dos correspondentes 79 dias de Subsídio de Férias de 2020 e de 2021 (286,77€) e das férias proporcionais a tais 79 dias (286,77€), num total actual de 3.625,55€; 35. A medida de despedimento privará o autor das suas retribuições a partir de 03/03/2021, dos correspondentes dias de Subsídio de Natal de Natal, dos correspondentes dias de Subsídio de Férias e das férias proporcionais a tais dias, a liquidar.”. * B) De Direito
Sobre esta temática escreveu-se o seguinte na sentença recorrida: “De acordo com o artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho: Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais. E o valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente, o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos. Importa sublinhar que o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos ao trabalhador constitui apenas um dos fatores a considerar para efeitos de determinação do valor da causa, não excluindo outros fatores. Desde logo porque poderá suceder que não sejam reconhecidos quaisquer créditos ao trabalhador. * Segunda questão: saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.(…) * Terceira questão: se a ré não cumpriu a obrigação de juntar aos autos o procedimento disciplinar pela circunstância de aquele que juntou não conter a decisão de suspensão preventiva do autor.
A respeito desta questão revelam os autos que: i) o autor foi suspenso preventivamente no dia 22/9/2020, anteriormente à dedução de nota de culpa, nos termos e para os efeitos do art. 354º/2 do CT/09; ii) em momento posterior ao da suspensão preventiva, já em Outubro de 2020, a ré deduziu contra o autor a nota de culpa em que imputou a este os factos com base nos quais, posteriormente e em sede de decisão final do procedimento disciplinar, decidiu despedi-lo com invocação de justa causa subjectiva; iii) o procedimento disciplinar junto pela ré aos autos não continha a decisão de suspensão preventiva referida em i). Neste específico enquadramento, não acompanhamos a ré no entendimento que sustenta de que o procedimento disciplinar se inicia com o inquérito prévio ou com a nota de culpa, razão pela qual a decisão de suspensão preventiva do trabalhador não integra formalmente o procedimento disciplinar. Na verdade, como escreve Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, págs. 200-201), “Em rigor, o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem. É certo quer se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do empregador se mantenha, depois de ter conhecimento que certo trabalhador praticou determinada infracção grave, suscetível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho –, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento. Note-se que a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do artigo 354.º, 2.”. A significar, por reporte ao caso dos autos, que o procedimento disciplinar instaurado pela ré ao autor iniciou-se, pelo menos, com a comunicação ao autor da decisão da sua suspensão preventiva. Pois bem, essa decisão não consta do procedimento disciplinar junto pela ré com o articulado motivador do despedimento com vista à satisfação da exigência formal decorrente das disposições conjugadas dos arts. 98º-I/4/a e 98º-J/3 do CPT. Por outro lado, também não acompanhamos a ré no seu entendimento de que existe “liberdade de decisão por parte da empregadora quanto às peças que … devem integrar ...” o procedimento disciplinar. Na verdade, ao invés do assim sustentado pela ré, ao reportarem-se ao procedimento disciplinar, os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3 fazem-nos por reporte a todo ele, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar – acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3/6/2019, proferido no processo 1558/18.3T8VLG-A.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 16/1/2014, proferido no processo 187/13.2TTPTM-A.E1, deste Tribunal da Relação de Coimbra de 25/9/2020, proferido no processo 6841/19.8T8CBR.C1, subscrito como adjuntos pelos aqui relator e primeira-adjunta. Como assim, não tendo a ré junto aos autos a decisão de suspender preventivamente o autor, dir-se-ia que não cumpriu a mesma a obrigação que sobre si impendia de junção integral do procedimento disciplinar a que acabou de aludir-se, com as consequências legalmente associadas a tal omissão. Porém, importa não olvidar que a exigência legal de junção do procedimento disciplinar tem a sua justificação nos seguintes motivos: 1) Determinar a exclusão ab initio do prosseguimento da acção naqueles casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar, pois que o despedimento seria sempre ilícito (art. 381º/c do CT/2009); 2) Existindo o procedimento disciplinar e tratando-se de um documento já previamente elaborado, deve o mesmo ser entregue a fim de: a) Permitir ao trabalhador a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa; b) Permitir ao juiz, nos limites que à sua actividade cognitiva e decisória são impostos pelos princípios do dispositivo e do pedido, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa. Ora, no caso específico dos autos, no dia imediato ao da prática dos factos que justificaram a actuação disciplinar da ré sob escrutínio, foi comunicada ao autor, pela ré, a decisão de suspensão preventiva (ponto 22º dos factos provados), razão pela qual o autor logo naquele dia ficou a conhecer aquela decisão de suspensão e que a ré tinha decidido actuar disciplinarmente contra si. A significar que logo no início do procedimento disciplinar e mesmo antes da instauração da presente acção o autor ficou na posse da decisão de suspensão preventiva e dos seus fundamentos, estando por isso na posse de todos os elementos necessários para, com base na mesma e nos seus fundamentos, exercer o direito de defesa nos termos que entendesse como os mais adequados. Por outro lado, foi a ré quem alegou nos autos, pela primeira vez, que o autor tinha sido sujeito à medida cautelar de suspensão preventiva (art. 8º do articulado motivador), sendo que, como visto, o autor já estava e mesmo antes de ter sido notificado da nota de culpa, na posse dessa decisão de suspensão e dos seus fundamentos. De tudo flui, assim, que o autor estava na posse, mesmo antes da instauração desta acção, de toda a informação relativa ao único acto praticado no procedimento disciplinar cujo suporte físico não consta do procedimento disciplinar que a ré remeteu a estes autos, estando integralmente garantido o direito de defesa que o autor pretendesse exercer a partir desse acto e dos seus fundamentos. Aliás, foi o autor quem tomou a iniciativa de juntar aos autos essa decisão de suspensão preventiva, sendo que não foi por ele deduzida qualquer pretensão de apreciação da (i)licitude da decisão de suspensão preventiva sobre a qual o tribunal tivesse que se pronunciar, estando excluída qualquer possibilidade de apreciação oficiosa dessa (i)licitude. Finalmente, não foi arguida qualquer situação de caducidade ou de prescrição de entre as cominadas no art. 329º do CT/09, matéria que também não é de conhecimento oficioso. Assim, com a junção do procedimento disciplinar feita pela ré ficou preenchida integralmente a motivação que subjaz à exigência legal de junção à presente acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador. A significar que para efeitos do cabal exercício do direito de defesa por parte do autor e da apreciação jurisdicional, processualmente possível, da legalidade dos actos praticados no procedimento, a junção aos autos, com o procedimento disciplinar apresentado pela ré, do suporte físico da decisão de suspensão preventiva representava um acto excrescente, inútil e, por isso, proibido por lei (art. 130º do NCPC). Termos em que se conclui no sentido de que na particular situação concreta em apreço foi satisfeita a exigência legal de junção aos autos pela empregadora do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador, não obstante a ré não ter junto a decisão de suspensão preventiva do trabalhador a que o sujeitou. É negativa, assim, a resposta a esta questão. * Quarta questão: se o procedimento disciplinar é nulo pela circunstância de não existir notícia da infracção reduzida a escrito.
Independentemente de se saber se o procedimento disciplinar devia ou não iniciar-se, obrigatoriamente, através de uma notícia da infracção reduzida a escrito, importa ter em consideração que estando em causa um procedimento disciplinar visando o despedimento do trabalhador, as causas de invalidade de tal procedimento estão taxativamente enunciadas no art. 382º/2 do CT/09 – no sentido da afirmada taxatividade podem consultar-se, por exemplo, os acórdãos do STJ de 14/4/2008, de 7/7/2010 e de 4/4/2014, proferidos nos processos 08S643, 123/07.5TTBGC.P1 e 553/07.2TTLSB.L1.S1 (à luz do CT/03), da Relação do Porto de 14/3/2016, proferido no processo 1097/15.4T8VLG-A.P1, de 10/9/2012, proferido no processo 448/11.5TTVFR-A.P1, da Relação de Coimbra de 7/2/2013, proferido no processo 1004/11.3T4AVR.C1 e relatado pelo aqui segundo adjunto, da Relação de Évora de 14/1/2016, proferido no processo 642/15.0T8EVR.E1, e de 23/6/2016, proferido no processo 642/15.0T8EVR.E1. Como assim, face ao estatuído naquele artigo 382º/2 do CT/09, a invalidade do procedimento disciplinar só pode ser declarada se: faltar a nota de culpa ou se esta não estiver escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (alínea a); faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa (alínea b); se não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou o prazo para resposta à nota de culpa (alínea c); a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, se a decisão invocar factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade, ou se a mesma se não mostrar elaborada com ponderação das circunstâncias relevantes para o caso, entre as quais se contam, exemplificativamente, as previstas no nº 3 do art. 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, caso tenham sido emitidos (alínea d). Flui de quanto acaba de referir-se que não figura entre as causas taxativas de invalidade do procedimento disciplinar a omissão de uma notícia da infracção reduzida a escrito que dê origem ao procedimento disciplinar. Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, responde-se negativamente à questão em apreciação. * Conformando-se com a garantia constitucional da estabilidade no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa decorrente do art. 53º da Constituição da República Portuguesa (CRP), prescreve o art. 338º CT/2009 que “É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”, estatuindo o nº 1 do art. 351º do mesmo diploma que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Por sua vez, no nº 2 da mesma disposição legal, a título exemplificativo, o legislador concretizou alguns dos comportamentos do trabalhador que poderão constituir, eventualmente, justa causa de despedimento. Os nºs 1 e 2 do art. 351º do CT/2009 correspondem, no essencial, aos nºs 1 e 3 do art. 396º do CT/2003, bem como aos nºs 1 e 2 do art. 9º da anterior Lei dos Despedimentos (DL 64-A/89, de 27/02), pelo que mantiveram actualidade a doutrina e jurisprudência anteriores, relativas à justa causa de despedimento. Ora, segundo tem sido doutrina e jurisprudência pacíficas, a existência de justa causa de despedimento nos termos do citado preceito, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: 1) um, de natureza subjectiva, traduzido num comportamento ilícito[2] e culposo do trabalhador, que não tem de ser praticado no local de trabalho[3], mas que tem de traduzir-se num incumprimento[4] grave dos deveres contratuais[5] do trabalhador; 2) outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; 3) e, ainda, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral. Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento torna‑se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível, do ponto de vista prático e imediato, a subsistência da relação de trabalho. A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa[6], e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa actividade se insere, ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato. Não basta, porém, aquele comportamento culposo do trabalhador. É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências[7], de modo a tornar prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral[8]. E a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir‑se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender‑se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – nº 3 do art. 351º do Código do Trabalho/2009. Tanto a gravidade como a culpa hão‑de ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objectividade e razoabilidade (cfr. art. 487º/2 CC), sendo certo que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral. Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato, só se podendo concluir pela existência de justa causa, quando, em concreto e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral. Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8.ª edição, vol. I, págs. 461 e segs; Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, págs. 822; Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, págs. 249). E porque o despedimento é sempre um facto socialmente grave por lançar o trabalhador no desemprego e atendendo a que tal sanção é a mais grave do elenco das sanções disciplinares previstas no CT/2009, a justa causa só deve operar quando o comportamento do trabalhador é de tal modo grave em si mesmo e nas suas consequências, que não permite, em termos de razoabilidade, a aplicação de sanção viabilizadora da manutenção da relação de trabalho, não esquecendo que a sanção disciplinar deve ser sempre proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (princípio da proporcionalidade – art. 330º/1 do CT/2009). Este princípio da proporcionalidade[9], que é comum a todo e qualquer direito punitivo, implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções. A primeira resultará da apreciação do facto delituoso em si, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, das suas consequências, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares do arguido. A segunda justifica-se na medida em que apenas se deverá aplicar uma sanção mais grave quando sanção de gravidade menor não for suficiente para defender a disciplina dentro da empresa - Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, págs. 55/ 56. Cabe, agora, apreciar a situação em apreço. Fazendo-o, diremos, desde já, que ao tal como decidido pelo tribunal recorrido, consideramos que assistia à ré o direito de despedir o autor com justa causa. * IV- DECISÃOAcordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação parcialmente procedente, fixando-se o valor da acção em 36.625,56€; no mais, improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. ..................................... Sumário:(Jorge Manuel Loureiro) ........................................ (Paula Maria Roberto) ................................. (Ramalho Pinto)
Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento Valor da acção Início do procedimento disciplinar Junção parcial do procedimento disciplinar Acto inútil
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