Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3290/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA
CAUSADO POR UM ANIMAL
CULPA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 342º ; 483º E 487º, DO C. CIV.
Sumário: I- Os direitos e deveres da Brisa e dos utentes das auto-estradas que se relacionam com o tráfego constam particularmente das bases anexas ao DL nº 294/97, de 24/10, que na sequência de outros diplomas veio rever o contrato de concessão, republicando em anexo as ditas bases.
II – Do cotejo dessas bases resulta que a Brisa está obrigada, legal e contratualmente, a manter as auto-estradas em bom estado de conservação, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e de comodidade, a circulação e a manter serviços de vigilância, mas são obrigações que ela assume perante o Estado, enquanto titular do domínio público das vias públicas sob sua jurisdição, não definindo as ditas disposições qualquer regime específico ou excepcional de responsabilidade da concessionária perante terceiros .

III – É no âmbito da responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, que está a chave da solução ou saída para a problemática dos acidentes em auto-estrada .

IV – O aparecimento de um animal na auto-estrada não constitui uma anomalia que justifique a presunção de que na manutenção não foi observado o cuidado devido, não sendo razoável que a concessionária deva, a todo o tempo, detectar e capturar ou expulsar um qualquer animal que se tenha introduzido num qualquer ponto da via e que constitua perigo para a segurança da circulação rodoviária .

V – Os condutores numa auto-estrada estão sujeitos à mesma disciplina de trânsito das demais estradas que compõem a rede nacional e expostos, igualmente, aos riscos inerentes ao aparecimento súbito de obstáculos na via, por acção de terceiros, apenas beneficiando de um padrão mais elevado de qualidade rodoviária .

VI –Uma solução justa para este tipo de acidentes passa pela responsabilização da Brisa no âmbito da responsabilidade extracontratual subjectiva, por não estar legalmente previsto um nexo de imputação a título de risco e, como tal, impenderá sobre o lesado a obrigação da alegação e da prova de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar .

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível na Relação de Coimbra:


I – A..., residente em S. João de Ver, Santa Maria da Feira propôs em 2002/04/16 e inicialmente no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, acção sumária contra a B... com sede no Lg do Corpo Santo, em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 3.797,22 acrescida de juros de mora desde a citação, para ressarcimento dos danos causados devido a acidente na A1 derivado do embate e atropelamento de um canídeo que aparecera repentinamente à sua frente, respondendo a R enquanto seguradora da respectiva concessionária C... e quem cumpria manter aquela via em perfeitas condições de segurança e comodidade para os automobilistas seus utentes.
Citada, a R. contestou, começando por deduzir o incidente de incompetência territorial do tribunal visto o acidente ter ocorrido no troço da A1 em Pombal e dizendo não ser responsável pelos danos causados apenas imputáveis à concessionária a titulo de responsabilidade extra contratual com base na culpa que de resto nem sequer fora alegada
E pediu, ainda. a intervenção acessória da segurada, o que veio a ser indeferido por despacho transitado, tendo contudo obtido ganho de causa no incidente com a remessa dos autos para o Tribunal de Pombal
No seguimento após a fase do saneador e da instrução e julgamento, proferiu a Mma Juiza que a ele presidiu e em 2004/05/19, a douta sentença de fls 142 e ss, na qual a R foi condenada na base de culpa presumida e nos termos do artº 493ºnº 1 e 350º,nº2 do C.Civil, a pagar ao A a quantia apenas de €2.579,22 ,valor da reparação da viatura, indo quanto ao demais pedido, absolvida.
Inconformada , a R recorreu de apelação, fechando a sua peça alegatória e na 1ª instância, com as seguintes conclusões
1 – A decisão recorrida preconiza uma solução com recurso ao disposto no artº 493º do C.C.
2 – A primeira objecção que surge no caminho subsuntivo é a qualificação da auto –estrada como coisa imóvel em verdadeiro sentido técnico-jurídico.
3 – Na verdade e na perspectiva da recorrente, uma auto-estrada não é enquadrável no artº 204º do CC, não sendo qualificável nem como imovel rústico, muito menos urbano.
4 – Face à objecção supra, não é desde logo manuseável , por raiz, o artº 493º do CCivil.
5 – Sem prescindir, os danos acautelados pelo artº 493ª do CCivil que consagra uma presunção de culpa sem sair da responsabilidade aquiliana , por serem ressarcíveis, têm de ser causados pela coisa, por força do segmento da norma “ Responde pelos danos que a coisa ou os animais causaram” (sic)
6 – Concedendo que a auto estrada seja uma coisa, serão danos causados por esta, por ex, o desabamento do seu piso, queda de uma ponte, tudo ocorrências inerentes à coisa e por isso endógenas.
7 – Milhentas outras situações, como é o caso dos autos (canídeo que aparece na via ) não podem ser tidas como causadoras de danos endógenas à coisa, pois ocorreu uma relação de estranheza relativamente a esta, provêm do exterior ( para além de canídeos, podemos pensar noutros animais quadrúpedes, até selvagens e em gelo, peças deixadas por outros veículos etc)
8 – A solução justa para estas situações tem de assentar no manejo das regras e princípios básicos da responsabilidade extra contratual do artº 483º,nº1 do C. Civil
9 – Existirá responsabilidade nos casos de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios e no caso, tal disposição é nem mais, nem menos do que o protocolo de concessão da exploração da C... aprovado pelo D 294/97 de 24/10.
10 . Tem de incumbir sempre ao lesado provar a culpa, ou seja, o incumprimento dos deveres emergentes do protocolo, destinado também a proteger interesses alheios.
11 – Inverter o ónus de prova nesta matéria com fixação de o presunção de culpa perante as ditas causas estranhas e anómalas à própria estrutura da auto –estrada equivale a um juízo prévio e inapelável de culpa.
12 – A C... pode ser escrupulosíssima no cumprimento dos seus deveres de vedação e patrulhamentos constantes que nunca consegue evitar totalmente o surgimento de animais na via, tão fértil é a natureza na criação de situações imprevistas ( os canídeos podem ser largados pela própria mão humana e podem, bem como os outros animais escavar túneis debaixo das vedações, entrar pelos acessos ou as saídas que estão franqueadas etc...)
13 – Pelas regras comuns da experiência humana e de acordo com o senso comum, com a equidade e os normais critérios de prudência, á Bnsa é totalmente impossível demonstrar que não teve culpa no surgimento imprevisto de um canídeo ou de outro animal nas faixas de rodagem da Auto –Estrada.
14 – Este juízo percorre quase todos os acórdãos proferidos sobre acidentes em auto estradas em situação idêntica ou similar à descrita nos autos.
15 – A sentença fez pois, incorrecta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artºs 799º, 483º, 486º,e 493º nº1 e 342º,nº1 do CCivil, impondo-se a absolvição da recorrente, por o ónus de prova competir ao A, não existindo nem inversão desse ónus, nem presunção s de culpa da concessionária.
Não houve contra alegação.

II – Nesta instância, foram os autos devidamente examinados pelo Relator e mandados prosseguir, com obtenção dos vistos legais:
Cumpre, pois apreciar e decidir, definindo os factos, primeiro e solucionando, a seguir, as questões jurídicas que, por alegadamente menos bem tratadas na sentença, são trazidas à cognição deste tribunal.

III - Os factos dados como assentes e provados na 1ª instância não mereceram qualquer reparo da recorrente e são os seguintes :
1 – No dia 13 /01/2001, cerca das 16h15m, o A circulava na Auto estrada A1, no sentido Sul Norte , conduzindo o veículo BMW 525 TDS, com a matrícula. 26-42-IR, a velocidade exacta não apurada , mas que rondaria os 120 Kms Hora.
2 – Aquando de um ultrapassagem a outro veículo, pela via da esquerda, um animal da raça canina atravessou-se na frente do referido veículo, da esquerda para a direita .
3 – O A embateu no referido animal.
4 – Nesse mesmo dia, o A apresentou reclamação junto da C... e na qual dava conta do sucedido.
5 – Tal embate foi ainda participado pelo A à Brigada de Trânsito da GNR.
6 – Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidos , um animal de raça canina foi retirado da faixa de rodagem por um funcionário das C....
7 – Com o embate no animal, o veículo conduzido pelo A ficou danificado .
8 – A reparação de tal viatura foi, de facto, efectuada w orçamentada em € 2506,76.
9 –A peritagem à mesma g foi efectuada pela SGS que se fez cobrar do montante de €90.46.
10 – A viatura em causa esteve parada no período de tempo que não foi possível apurar em ordem à respectiva reparação.
11 – O A tem a profissão de comerciante de palhas, materiais de construção e carvão.
12 – O veiculo acidentado era o único ligeiro de que à data do acidente , o A utilizavas para deslocações no país, em trabalho, embora tivesse viaturas pesadas.
13 – A BT da GNR faz patrulhamentos regulares na A1 com vista ao controle do trânsito que nela se desenvolve, dando conhecimento à C... de quaisquer anomalias que detecte nas fiscalizações .
14 – Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº 87/38.299, em vigor à data do acidente, a R assumiu a responsabilidade civil que lhe foi transferida pela C... , pelo pagamento das indemnizações devidas a terceiros, na sua qualidade de concessionária de exploração da A1, até ao limite de 150.000.000$00 por sinistro.
15 – Tal contrato previa uma franquia de 150.000$00 por sinistro

IV – São as conclusões da alegação que delimitam, em princípio, o objecto do recurso e as questões a conhecer por esta Relação ( artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPC ) e no caso, o que se trata é de saber se a R pode ser responsabilizada, enquanto seguradora da C... pelos danos decorrentes do acidente descrito, num troço da A1, a esta concessionada, a título de culpa presumida, como foi entendido e por aplicação do disposto no artº 493ºnº1 do CCivil.

Como é bem sabido, tem sido largamente discutido e não apenas no meio judiciário estrito se a responsabilidade da C... para com os utentes das auto-estradas que explora em regime de concessão por acidentes de viação nela ocorridos tem natureza contratual ou extra contratual.
Para o estudo de toda esta complexa temática importa, antes de mais, ter presente a legislação em vigor no que concerne ao regime do contrato de concessão entre o Estado e a C..., relativamente às auto estradas.
Os direitos e deveres da C... e dos utentes das auto-estradas que se relacionam com o tráfego constam particularmente das bases anexas ao DL nº294/97 de 24 /10 que na sequência de outros diplomas veio rever o contrato de concessão, republicando em anexo as ditas bases.
Assim, nos termos das Base XXXIII, cabe à C... o dever de conservação “ 1. A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação(...)realizando, nas devidas oportunidades, os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente, o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos dos utentes. “
Igualmente e no que respeita às obrigações e direitos do público e dos proprietários confinantes reza a Base XXXV/1 que “os direitos e obrigações do público e dos proprietários confinantes com as auto-estradas em relação ao seu policiamento serão os que constam do Estatuto das Estradas Nacionais e outras disposições legais ou regulamentares aplicáveis” e a base XXXV/4 que “ A concessionária tem o dever de informar previamente o utente sobre a realização de obras programadas que afectem as normais condições de circulação na auto-estrada, designadamente as que reduzam o número de vias em serviço ou obriguem a desvios da faixa de rodagem”
As regras de tráfego são objecto da Base XXXVI determinando-se no nº1 a aplicação do Código da Estrada e demais legislação conexa e no nº2 que “ A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto - estradas, quer tenham por si sido construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não, ao regime de portagens”
A Base XXXVII ocupa-se, por sua vez, das obrigações da concessionária na vigilância das condições de circulação e da prestação de auxílio sanitário e mecânico aos utentes, e por último dispõe a Base XLIX , sob a epígrafe Indemnizações a terceirosno respectivo nº1 que “ serão da responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão “
Do cotejo destas normas resulta que a C... está obrigada, legal e contratualmente, a manter as auto-estradas em bom estado de conservação, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação e a manter serviços de vigilância, mas são obrigações que ela assume perante o Estado, enquanto titular do domínio público das vias públicas sob sua jurisdição, não definindo as ditas disposições qualquer regime específico ou excepcional de responsabilidade da concessionária perante terceiros.
Assim, a responsabilidade da C... e, logo, da sua seguradora, aqui recorrente depende da inobservância das obrigações prescritas nas citadas bases, inobservância essa que se exige culposa, na medida em que a expressão genérica “nos termos da leiconstante do nº1 da Base XLXIX constitui uma explícita remissão para a lei geral.
Neste sentido tem decidido a larga maioria da jurisprudência, conforme se pode ver, entre outros : nos Acs do STJ de 12/10/1996, BMJ 461º, 411 e de 20/05/2003. Revista nº 1296/03, inédito da RE de 7/02/2002, CJXXVII, Tº I, 267, da RLxa de 17/12/1996, CJXXIII, Tº V, 127 e de 4/12/2003, Ap. Nº7666/03 , inédito, da RP de 27/05/2003, Ap. 1963/03, inédito e de 27/04/2004, Ap. Nº858/04, inédito, desta Relação de 12/10/1999, CJXXIV, Tº IV, 25, de 26 /09 /2000, CJ XXV, TºIV, 14 e de 15 /01/2002 11/03/2003, Ap. Nº4221/02, inédito
Dito de outra forma, será pois no âmbito da responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana que está a chave da solução ou saída para a problemática dos acidentes em auto-estrada por a corrente que sustenta estarmos em presença de um caso de mera responsabildade contratual, esbarrar com bastantes dificuldades, aliás esmiuçadas, no seguimento de tal jurisprudência maioritária por Menezes Cordeiro in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação, Ed. Almedina,2004 a pp 45 e ss.

No caso em apreço, contudo, ainda que se reconhecendo a eventual responsabilidade contratual da C..., por se entender revestir o contrato de concessão como dotado de eficácia de protecção de terceiros, decidiu a Mma Juiza aplicar o regime da responsabilidade aquiliana ou delitual, com invocação da norma do artº486ºdo CCivil e admitindo que o A não alegara os pressupostos da acima aventada responsabilidade contratual, sempre a R deveria ser responsabilizada enquanto detendo a sua segurada por via da concessão, de um poder de facto sobre a coisa imóvel que a auto-estrada constitui e, como tal, onerada com a presunção de culpa pelos danos causados pelo acidente nos termos do artº 393º,nº1 do CCivil, aderindo à construção de Sinde Monteiro expressa na RLJ, Anos 131º, 132º e 133ºe defendida por alguns acórdãos.
De facto e de acordo com o citado preceito legal, quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Considerando que a auto - estrada é um coisa imóvel, constituída pelas pistas ou faixas de rodagem em asfalto, separadores e placas de de sinalização e vedações, além de cubículos para a cobrança das portagens e máquinas para a obtenção dos “thickets” quando existam e sujeita ao dever de vigilância por parte dos agentes da respectiva concessionária, no caso concreto, da C..., provada a existência de um defeito, terá de presumir-se , segundo esta orientação, a violação culposa de um dever de segurança do tráfego, i. e., a omissão dos cuidados necessários para evitar que a coisa cause danos a terceiros.
E para este efeito, defende aquele autor que os defeitos da estrada podem ser classificados em defeitos de construção, de conservação e de manutenção.
Embora não repugne aceitar o funcionamento desta presunção quando estão em causa defeitos da auto–estrada, torna-se mais difícil que se deva interpretar como defeito de construção, conservação ou manutenção, quaisquer focos de perigo, designadamente exógenos à mesma ( animais na faixa de rodagem, água, gelo, peças à solta, gasóleo etc)
É que desta forma, corria-se o risco de haver uma responsabilidade por culpa presumida da C... relativamente a todos ou a quase todos os acidentes ocorridos na auto-estrada.
E isto é que não pode ser, desde logo por esta interpretação colidir com a letra do preceito, ou seja, o dano tem de ser provocado pela própria coisa, pela estrutura física da estrada, como será o caso do desabamento do pavimento ou da queda de um viaduto ou ponte, o que não é o caso dos autos, em que o dano foi causado perlo aparecimento súbito de um canídeo à solta no momento em que o A procedia a uma ultrapassagem.
E sem quebra do devido respeito, o aparecimento de um animal não constitui uma anomalia que justifique a presunção de que na manutenção não foi observado o cuidado devido, não é razoável que a concessionária deva a todo o tempo, a menos que dispusesse de avançadíssima tecnologia e meios de patrulhamento em permanente deslocação num sentido ou noutro, quiçá usando helicópteros de vigilância, detectar e capturar ou expulsar, com o inerente condicionamento do tráfego, um qualquer animal doméstico ou bravio que se tenha introduzido num qualquer ponto da via e que constitua perigo para a segurança da constante circulação que nela se desnvolve
Talvez o legislador devesse com vista á melhor protecção dos automobilistas circulando em tais vias de trânsito, caminhar no sentido de uma responsabilidade objectiva ou, do estabelecimento nesssa situação de uma presunção de culpa.
Mas o certo é que não o fez, antes se quedando por uma remissão para os princípios gerais da responsabilidade civil.

Parece-nos, portanto, forçado, interpretar as obrigações da concessionária de garantir as condições de segurança da circulação, como envolvendo uma presunção de culpa pela apontada anomalia, mesmo que de causa ignorada, no fundo estaríamos, de algum modo, a trazer à colação a presunção de culpa por incumprimento de um contrato o que já vimos ser rejeitada pela jurisprudência dominante, sendo , além do mais ofensivo do princípio da igualdade rodoviária.
Na verdade os condutores numa auto estrada, fora a circunstância de poderem circular a uma velocidade máxima superior à que o Código da Estrada fixa para as estradas comuns, estão sujeitos à mesma disciplina de trânsito das demais estradas que compõe a rede nacional, e expostos, igualmente, aos riscos inerentes do aparecimento súbito de obstáculos na via por acção de terceiros, só que beneficiando de um padrão mais elevado de qualidade rodoviária
Como melhor explana Menezes Cordeiro (op. cit., 38) fora as específicas vantagens que uma auto – estrada proporciona, devido a dispôr de faixas de rodagem separadas, sem cruzamentos e da assistência dos serviços da concessionária para a manutenção de boas condições de segurança, a circulação obedece ao Código da Estrada e os direitos e obrigações do público são as que constam do Estatuto das Estradas Nacionais e outras disposições legais, sendo as obrigações da concessionária idênticos , quer se trate de troços por si construidos, quer entregues para conservação e exploração e isso independentemente de existirem ou não portagens.
A solução justa passa, assim e necessariamente, pelo responsabilização da C... no âmbito da responsabilidade extracontratual subjectiva, por não estar legalmente prevista um nexo de imputação a título de risco e, como tal, impenderá sobre o lesado a alegação e prova de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, consignados no artº483º,nº1 do CCivil, a saber, o facto voluntário (acção ou omissão) do agente, a ilicitude, o dano, a imputação do facto ao agente em termos de censurabilidade (culpa) e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.
Incumbia, consequentemente, ao A alegar e provar factos demonstrativos de todos estes requisitos, designadamente uma conduta ilícita e culposa da C... e o nexo de causalidade entre essa conduta e o dano verificado.
Porém, os factos que acima referenciámos sobre a etiologia do acidente resultantes da discussão da causa, não permitem falar em culpa ou conduta negligente e estabelecer um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Provou-se apenas que surgiu um cão à frente do veículo da A , quando este ultrapassava outro, animado de grande velocidade, facto a nosso ver insuficiente para imputar qualquer omissão culposa à C... dos seus deveres de manutenção.
Não se apurou a causa do aparecimento do canídeo na auto-estrada, por onde entrou, como entrou, se lá foi deixado por alguém e quanto tempo por ali vagueou.
Os factos assentes não permitem, em suma, concluir que o aparecimento do animal se tenha ficado a dever a qualquer conduta da C... contrária às obrigações a que está vinculada enquanto concessionária da auto-estrada, o que tão pouco o A alegou factualidade que se pudesse subsumir numa violação pela mesma dessas obrigações ou deveres.

Destarte, não tendo o A alegado a culpa da C... e logo não podendo provar factos que integrassem um juízo de censura, ónus que lhe incumbia por força tanto do preceituado no artº 487º, nº1 , como do artº 342º,nº1 do CCivil, a acção mostra-se votada ao insucesso, procedendo logicamente o recurso.

V – Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença e absolve-se a R seguradora do pedido.
Custas pelo apelado.