Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4689/20.6.2T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
ACÇÃO PROPOSTA PARA ALÉM DO PRAZO DE DEZ ANOS SEGUINTES À MAIORIDADE DO INVESTIGANTE
CONHECIMENTO DE FACTOS OU CIRCUNSTÂNCIAS POR PARTE DA INVESTIGANTE
QUE CRIEM A SUSPEITA DA PATERNIDADE
NO PERÍODO DE 3 ANOS QUE ANTECEDEM A PROPOSITURA DA ACÇÃO.
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1817.º, B), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I. O legislador ao permitir, no art.º 1817º, n.º 3 do C. Civil, a investigação da paternidade depois de decorridos os 10 anos seguintes à maioridade consagrou uma cláusula geral de salvaguarda, que permite a propositura da ação para além do prazo fixado no n.º 1, competindo aos demandados, quando nos encontramos nessa extensão do prazo, demonstrar que o Autor já tinha conhecimento de factos ou circunstâncias que justificavam a propositura da ação de investigação há mais de três anos.
II. O conhecimento superveniente que dá o tiro de partida à contagem deste segundo prazo de caducidade não se verifica com a perceção de qualquer facto ou circunstância que crie a suspeita que alguém pode ser o pai do investigante, mas apenas aquele que se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a interposição de uma ação de investigação de paternidade, num juízo de perceção e ponderação de um cidadão médio (sendo, mais uma vez, necessário o recurso à figura do bonus pater familiae).
III. Esse juízo, alicerçado no conhecimento de factos consistentes, se não tem de ser um juízo de certeza, deve ser de forte probabilidade, não sendo suficiente uma mera possibilidade.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Cristina Neves


Autora: AA

Rés:  BB
         CC
        DD
       EE – todas como herdeiras de FF


                                       *

 Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora, pedindo o reconhecimento de que FF é seu pai   intentou contra as Rés, como herdeiras daquele, a presente ação de investigação da paternidade, alegando, em síntese, ter nascido em resultado das relações sexuais ocorridas entre a sua mãe e o mesmo.

Contestaram as rés alegando que o direito da autora à propositura da ação já caducou porquanto, pelo menos desde 2008, sabe que o investigando é o seu pai.

Respondeu a autora alegando não ter caducado o seu direito à ação, uma vez que apenas e só a .../.../2020 teve suspeitas e o conhecimento que o falecido era o seu progenitor, ou seja, quando recebeu o resultado do teste de paternidade.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente por procedência da exceção da caducidade do exercício do direito da Autora.

                                               *
A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. No entender da A. foram incorretamente julgados os pontos 7 e 8 dos factos provados, atendendo que da prova produzida e junta aos autos tal matéria não podia ser dada por provada, devendo sim a matéria de facto constante das al. a) b) c) e) e d) dos factos não provados.
2. Porquanto,
“É objeto do litígio a pretensão da autora de ver declarado que FF é seu pai.”
“É ainda objeto do litígio a caducidade do direito da autora à propositura da ação de investigação da paternidade.”
3. A fundamentação da decisão é apenas alicerçada no depoimento das RR., estando incorretamente julgados os pontos 7 e 8 dos factos provados, foram concatenadas com meios de prova ilegais.
4. E por sua vez, quanto às declarações da A., ora recorrente, considerou o Tribunal a quo que inexistiam quaisquer provas que as corroborasse, e quando corroboradas considera que “desafia as regras da experiência e da lógica”, ou por falta de credibilidade.
5. Não pode o Tribunal a quo dar como provados os pontos 7 e 8 alicerçando a sua convicção em métodos proibidos de prova – escritos do pai A. e carta em violação do sigilo profissional.
6. Salvo o devido respeito, o que desafia as regras da experiência e da lógica, ou peca falta de credibilidade é aquilo que as RR. pretendem fazer crer de que, o Dr. FF, pai da A., pessoa que se encontrava representado por advogado, e que perante as alegadas mensagens que recebia não tivesse ligado ao seu advogado, ou não tivesse tirado fotos às mesmas, ou solicitado as confirmações das respetivas operadoras, ou até tivesse certificado o recebimento das mensagens por notário.
7. O que consta dos autos são meros escritos ora transcrições ora como relatos de resumos, da autoria do pai da A. que como se viu, tudo fez para que essa paternidade não fosse reconhecida, pelo que não poderia ser credível que os escritos fossem fidedignos de alguma mensagem da A. que negou e nega perentoriamente alguma vez ter ligado ou enviado qualquer mensagem àquele. Veja-se depoimento da A. transcrito pag. 4 a 6 das alegações respondeu o seguinte:
18:48
A. Alguma vez, ou em algum momento trocou alguma mensagem, ou mandou, ou telefonou ao Dr. FF?
H. não Dra. Eu nem tinha o número de telefone dele A. tem a certeza disso?
H. tenho a certeza
19:05
8. Ora, e apesar de estar demonstrada que os escritos são da autoria do pai da A., não foi feita qualquer prova de que aqueles escritos correspondiam a mensagens da A. ou telefonemas. Como pode o Tribunal concluir e dar certezas de que aqueles escritos correspondem a mensagens da A. sem que tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido? Sem que alguém tenha confirmado que aquela tratou em 2008 como pai, pois que ninguém o afirmou.
9. Pois que, o disposto no artigo 374º do CC, refere-se a letra e assinatura.
Sendo substancialmente diferente referir-se à veracidade do teor do que se deixa escrito. Isto é, confundiu, quanto a nós o Tribunal, a veracidade da letra pertencer ao Sr. FF, com a veracidade dos seus escritos. Ou assim não fosse, e qualquer um de nós escreveria o que queria e simplesmente por se reconhecer a letra de determinada pessoa, a fabulação que ali escrevera passa a ser realidade.
10. Salvo o devido respeito mal andou o Tribunal ao quo quando refere que:
“peritada a letra das transcrições das mensagens pelo falecido, conclui o laboratório de polícia científica da polícia judiciária ser muitíssimo provável que as tais transcrições fossem da autoria de FF.”
11. O que resulta da peritagem é que “admite-se como muitíssimo provável que as escritas suspeitas dos dizeres (docs 1 a 3), sejam da autoria de FF”.
12. Assim, mal andou o Tribunal ao considerar o termo “transcrições”, porquanto conforme resulta in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008- 2021, https://dicionario.priberam.org/transcri%C3%A7%C3%B5es:
1. Acto ou efeito de transcrever.
2. Trecho transcrito.
3. Redução de um sistema de escrita a outro (ex.: transcrição fonética).
4. [Direito] Registo de um acto feito num suporte oficial apropriado (ex.: transcrição de um casamento, transcrição de um imóvel).
5. [Genética] Cópia de uma sequência de ADN para uma sequência que corresponde a um filamento de ARN.
6. [Música] Arranjo de uma obra para um instrumento para que não foi originalmente escrita.
E não podia o Tribunal a quo dar como provado que tais escritos correspondiam ao acto ou efeito de transcrever, pois que, se trataria de um facto não alicerçado na prova testemunhal ou qualquer outra produzida em sede de discussão e julgamento.
13. Assim, tal ponto não deve constar da motivação e consequentemente inexiste qualquer possibilidade de “concatenação das declarações de parte com o resultado da perícia à letra do falecido (…)”.
14. A que acresce ainda mais o facto de ser dado como provado em 8:
“Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF”.
15. A A. confirmou que contactou uma advogada, contudo, em momento algum resulta do depoimento da mesma que o seu propósito fosse o de “vir a ser declarada filha”. Tal conclusão extravasa aquilo que a A. referiu nas suas declarações que, conforme transcrição pg. 9 das alegações:
[00:25:04]
“H. não, a Dra. GG trocou cartas com, eu não sei se for com o Sr. Dr. FF se foi com algum advogado, eu penso que foi com o Dr. FF, que eu que queria fazer os testes uma vez que a minha mãe me tinha dito em 2006/2007 que poderia ser ele o meu pai e ai eu fui ter com a dra. GG, e ela escreveu penso que foi para o Dr. FF a pedir os exames”
[00:25:36]
16. Ora como bem resulta deste depoimento a A. queria fazer o exame pois não tinha certezas, pois que se as tivesse naturalmente que qualquer advogado avançaria com ação e não com meras cartas.
17. Acresce que, no ano de 2006 e 2007 não existia qualquer prazo para instauração da ação de reconhecimento da paternidade conforme Ac. do Tribunal Constitucional 486/2004 em plenário 11/2005 DECLAROU COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL nº.1 do artigo 1817 do Código Civil aplicável por força do 1873. Assim, de 2005 até Abril de 2009 data de entrada da nova redação não existiu qualquer prazo para propositura da ação de reconhecimento da paternidade.
18. Sendo que, é precisamente no ano de 2008 que mãe e pai da A. lhe dão conhecimento de que este não podia ser o seu pai, assim, perante tal relato não podia a A. ter qualquer conhecimento de factos e circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
19. Tendo o Tribunal a quo chegado a tal conclusão pelo teor da carta que a advogada alegadamente endereçou ao Dr. FF. Quanto à valoração do depoimento da Dra. GG, é alicerçar-se em meios de prova proibidos – nos termos 135 do CPP e 92 nº.5 e 81 nº.5 EOA – Estatuto que é lei e que proíbe a valoração de prova em violação do sigilo – atendendo que se encontra junto aos autos despacho da OA em que proíbe a prestação de declarações em violação do sigilo.
20. Assim, se a Sra. Advogada estava sujeita ao sigilo não podia ter confirmado qualquer carta, pois estava impedida de o revelar. Escusando-se, depois, no segredo profissional quando instada sobre o período temporal em que patrocinou a ora recorrente.
21. Não é minimamente credível que uma advogada envie carta em representação de uma constituinte sua, e não mais queira saber de diligências que tenham ocorrido em consequência do envio dessa mesma missiva, como admitiu – conforme transcrição de pg. 10 a 14 das alegações que aqui se dão por reproduzidas e cujos excertos aqui resumimos.
22. Constituindo prova proibida a valoração do depoimento testemunhal da advogada porque violador do respetivo dever de sigilo profissional.
GG
(MINUTO 00:00:00 A MINUTO 00:12:36)
[00:01:40)
T. Juro que digo a verdade. Quero só salientar que se for assunto que tenha a ver com a minha actividade profissional, ou com qualquer tipo de intervenção que eu tenha tido de apoio jurídico à D. AA, eu não posso, sobre isso não posso prestar declarações porque sou obrigada a sigilo profissional e eu pedi à ordem dos advogados e eles negaram a quebra do sigilo profissional.
J. A Sra. Dra. Pediu antes de ser testemunha, tem consigo o documento?
T. Tenho.
J. E foi negado, é o que está a dizer?
T. Eu não sabia, eu não sabia, assim como não sei agora, qual é…
J. Muito bem…
T. O motivo da minha chamada ao Tribunal. Mas podendo adivinha que teve alguma coisa a ver com alguma intervenção, algum apoio que eu tenha tido com a D. AA, se for relacionado com isso, não posso prestar declarações, estou obrigada ao sigilo profissional.
J. Muito bem. Vamos então aguardar pelas perguntas. A Sra. Dra. em função das perguntas logo tomará a posição que entender.
[00:02:38]
[00:03:00]
A. Dra. Eu tenho aqui uma carta, vou-me … impercetível porque isto já está no processo, não é?
Está aqui no processo, uma carta que a Sra. Dra. Escreveu, terá sido a Sra. Dra. Que escreveu, tudo indica que sim, ao Dr. FF, precisamente na qualidade da D. AA.
Eu perguntava-lhe se se recorda desta carta?
T. A única coisa que eu posso dizer é que enviei efectivamente essa carta e o teor dela é a única coisa que é verdadeiro… não posso dizer mais nada em relação a isso.
A. Portanto, mas sabe de que carta estamos a falar?
T. Sei sim.
A. Confirma que enviou aquela carta e que o respectivo teor é verdadeiro?
T. Certo.
A. Aquilo que disse na carta. Sim sra. quanto ao resto se eu lhe perguntar mais qualquer coisa, sobre o que é que a D. AA lhe tenha dito, já percebi que está sujeita ao sigilo, não é, portanto, não lhe vou perguntar mais nada.
T. Claro.
A. Pronto Dra. Muito obrigada.
[00:03:57]
23. Veja-se e pasme-se mesmo a ser ouvida por vídeo conferência e sem que lhe fosse lido o teor da carta confirma logo o teor como verdadeiro, mesmo sabendo que estava sujeita ao sigilo, mas mais à frente refere que presume ser essa a carta, ou seja, presume, mas não confirma e vale perguntar que prova foi efetuada de que aquele teor era verdadeiro quando ninguém o referiu.
[00:04:03]
J. Não tem uma cópia. A carta que está aqui no processo, é endereçada com o nome da Sra. Dra. GG, Advogada, endereçada ao Exmo. Sr. Dr. FF, Rua ..., .... Depois, tem a localidade ..., 05 de julho de 2006. Até aqui, portanto, coincide com a carta que a Sra. Dra.
Está a falar?
T. Sim.
J. Sim.
T. Eu só enviei uma carta ao Dr. FF, presumo ser essa.
J. Eu vou então terminar de ler para que essa presunção se concretize. Exmo. Sr., fui contactada pela Sra. D. AA no sentido de resolver com V/ Exa. diferendo no que respeita à filiação da mesma. A referida AA afirma que é sua filha, e que pretende ver declarada a sua filiação, ainda que tenha de recorrer às vias judiciais para o fazer. Antes de propor qualquer ação judicial, é meu apanágio tentar uma composição amigável do litígio. Assim, aguardo pelo prazo de quinze dias com vista a que V/ Exa. tome as providências necessárias no registo civil.
Caso contrário, ver-me-ei obrigada a recorrer à via judicial. Para qualquer esclarecimento queira por favor contactar-me para a morada ou para o telefone abaixo indicados. Com os meus melhores cumprimentos, a advogada GG, e, portanto, a carta termina com a morada que eu admito que seja da Sra. Dra., o telefone e o email.
É esta a carta a que está a referir-se?
T. Sim.
J. Sim. Sra. Dra., no âmbito, naturalmente se puder, se a resposta à minha pergunta ainda for admissível face às limitações que referiu, o que lhe perguntava é se continuou ou não a acompanhar a D. AA depois do envio da carta?
T. Não posso…
J. Não pode responder a isso. Muito bem. Seria, ao fim e ao cabo, em que período é que foi advogada da Sra. AA.
T. Pois, não posso, nem sequer me lembro.
J. Mas isso são respostas diferentes. A minha questão é se pode ou não responder, e qual foi o período em que, qual é o período em que foi advogada dessa Sra. e que pelo sigilo profissional não pode responder a questões.
T. Não posso responder por causa do sigilo profissional.
J. O sigilo profissional não lhe permite sequer dizer em que período é que foi advogada desta Sra.?
T. Eu acho que não posso dar qualquer tipo de informação. ... impercetível…medo…
J. Muito bem.
T. Porque eu posso ser alvo de processo disciplinar…
J. Muito bem. Sra. Dra. Alguma questão que queira colocar mais?
A. Se pode confirmar, pelo menos a data, se foi ali em dois mil e …, uma vez que confirmou a carta, se pode confirmar a data?
J. A data de?
A. Da carta. Se tem ideia se foi por esse ano, dois mil e seis?
J. A carta está datada de 5 de julho de 2006. A Sra. Dra. Sabe dizer se enviou a carta na data que pôs na carta? Se enviou a carta depois da data? Antes da data?
T. Tem que ter sido na data.
J. Ter sido na data.
T. Não vou enviar uma carta com uma data diferente.
A. … mesmo… tendo…ou seja, saber se pode responder a isto. Se falaram sobre, depois do teste de paternidade? Se teve contacto? Pelo menos ter esta noção, se depois disto teve contacto mais com a …. sobreposições
J. Dra. Se a Dra. Quiser colocar a questão, e a testemunha depois logo dirá se pode responder ou se não. Só virar a camara para a Sra. Dra. Sra. Dra. Faz favor.
[00:08:20]
[00:08:21]
A. Com a devida vénia. Olá, bom dia Sra. Dra. A minha questão é muito simples, portanto, discute-se aqui, e a verdade que nós temos aqui única, que foi feito um teste de paternidade. E pergunto se depois dessa realização desse teste, se sobre este assunto que está aqui em causa, e nomeadamente a carta que admitiu que enviou, se mais alguma vez falou com a D. AA. Sra. Dra., a Sra. Dra. É advogada durante um período, é aí que está ao abrigo do sigilo, estamos a pedir que temporalmente diga-nos qual é esse período em que está sujeita ao sigilo.
T. Mas qualquer tipo de conversa que eu tenha tido com a D. AA….
A. Não é uma conversa Sra. Dra.. Não é uma conversa. É o período, é o período de tempo. Sra. Dra.. É o período de tempo em que foi advogada de alguém. Isso não é sigiloso.
J. Isso é interpretação da Sra. Dra..
A. Pois.
J. Quanto ao que é sigilo e não é sigilo. É certo que está aqui a maior interessada no sigilo da Sra…
A. Pois…
J. Mas isso já são…
A. Também já estive a ler que não pode…
J. Já não são propriamente as minhas questões.
A. A Sra. Dra. Não quer responder? Não desejo mais nada.
T. Não posso.
[00:09:44]
24. Assim, os depoimentos de parte das RR. porque desacompanhados de outros meios de prova, são parciais e comprometidos com o desfecho da ação, porque com o único objectivo preservar o património.
25. Ademais, como pode o Tribunal depois de dar como provado que o teste de paternidade havia sido feito em 2007 e nunca foi pago e, por isso o resultado ser desconhecido da A., e mãe não percebeu que só com um verdadeiro convencimento da A. que não era filha daquele é que a mesma não levantou o teste – veja-se depoimento da Bióloga do GML transcrito a pag. 19 a 24 das alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
26. Pois que, não é credível nem aceitável que qualquer filho que havia efetuado o teste de paternidade estivesse desde 2007 até 2020 sem pagar o teste se não estivesse mais do que convencido de que não era mesmo filho do examinado.
Qualquer homem médio só não pagaria o teste com uma forte certeza de que não era filho, pois só assim se justifica que a A. não sabia e estava convencida de que não era mesmo filha daquele.
27. Ora se é a própria mãe que diz à A. que aquele não era o seu pai, como podia a A. mesmo depois de ter feito o exame poder ter estado à espera ou pretender avançar com qualquer ação.
28. Toda a conclusão do Tribunal para alicerçar os pontos provados 7 e 8 é com fundamento em provas vagas e incertas, em contraposição com a prova irrefutável – teste ADN a confirmar a paternidade, sendo todas as demais provas das RR. vagas e inconclusivas – sendo por isso a decisão em total contradição com a verdade e mesmo até com as regras da experiência.
Tanto mais que, e como bem afirmou a bióloga do GML que o teste só ficou concluído em 2011 e nunca o mesmo foi levantado até 2020, pelo que até essa data não houve qualquer conhecimento do seu resultado.
29. Inclusivamente, a referida bióloga, repete inúmeras vezes no seu depoimento, ter-se tratado de “(…) pronto, olhe, este processo não foi o normal” e  “E é como lhe disse há bocadinho, isto foi caso único e nós no laboratório, olhe não sei, não lhe sei explicar, foi também um lapso que aqui aconteceu por ser uma situação tão pontual, não lhe sei explicar, não tenho uma regra nem lhe posso dizer se foi bem ou mal feito, acho um bocado estranho algumas coisas que aconteceram aqui.” – transcrição constante da pag. 15, 19 a 24 das alegações.
30. As RR. que, veja-se, e pasme-se demonstraram tudo fazer para que a A. não fosse reconhecida a paternidade, desde logo, quando em sede de julgamento se constata que as testemunhas arroladas pelas mesmas prestaram falsas declarações, mentindo com uma versão de que a A. sempre soube que o pai era FF, quando tal matéria nem havia sido alegada em sede de contestação.
31. Versão das RR. que mudou depois do GML ter vindo aos autos informar o relatório da perícia. Só a partir daqui é que as RR. vieram juntar testemunhas três primos e Dra. GG e Dr. HH advogado do pai da A.
Veja-se que tais testemunhas só foram juntas na audiência prévia.
32. Os primos vêm relatar factos que nunca foram sequer alegados pelas RR, porquanto, nunca e em momento alguns as RR. vieram dizer o que estas testemunhas vieram agora dizer: que a A. sabia quem era o pai!!
B) testemunha II quando referiu que quando o mesmo e a A. andavam no liceu aquela e as amigas lhe disseram que era primo. Assim, nunca a A. e tal testemunha andaram na mesma escola, sendo por isso notório que a referida testemunha prestou falsas declarações devendo ser extraída certidão e comunicado ao Ministério Público – contudo nada foi feito.
33. Tal como o pai da A. que, veja-se, mostrou à A. o exame com resultado negativo, como a A. sempre alegou, pois apenas esta conclusão permite que tenha sido dado por provado os pontos 6 e 9 e por isso estar anos sem saber o resultado verdadeiro – visto que sempre esteve convicta da veracidade do que lhe havia sido transmitido por FF.
34. de uma atenta audição da prova produzida em sede de julgamento impunha-se decisão diversa, dando-se como provados as al. a) a c) e) e f) vejamos:
35. Entre o ano de 2006 / 2007 a mãe da autora revelou-lhe que o seu pai biológico poderia ser FF, tal ponto foi revelado pela A., pela testemunhas JJ, KK, LL, conforme transcrições que aqui damos por reproduzidas de pag. 24 a pag. 29 das alegações – que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
36. Conforme consta de todas aqueles depoimentos, todos foram peremptórios em demonstrar sem qualquer contraditório que abalasse a credibilidade dos seus depoimentos de que a A. nunca soube quem era o pai, e só no ano de 2006 / 2007 é que a mãe da A. lhe disse que o pai poderia ser FF.
37. O termo poderia ser foi referido por todos aqueles, e por todos aqueles foi demonstrado que a mãe da A. vivia tal assunto como seu, sem que revelasse qualquer certeza à A.
38. Ademais quanto aos pontos b) e c) dos factos não provados, errou a Meritíssima Juiz ao não dar como provado que o pai lhe havia mostrado um teste de paternidade negativo, esquecendo-se do meio social em que A. vive, grau diminuto de escolaridade sua e de sua mãe, o estatuto social do pai que era médico e ainda a confirmação no depoimento da mulher daquele que o mesmo ia ao hospital, mesmo depois de reformado.
39. Descorou ainda o Tribunal o facto do pai da A. ter realizado o exame em 2007 e o mesmo também nunca ter pago o valor – tendo naturalmente acesso ao mesmo por ser médico e por isso ignorou o Tribunal se não dava como credível a versão da A. todas as provas que levassem qualquer cidadão médio a não pagar o exame.
40. Acresce que, quanto à al. c) consta da fundamentação que apenas a A. e marido confirmaram a conversa em que a mãe disse aquela para esquecer o assunto pois não era o pai, pois que todas aquelas testemunhas revelaram as circunstancias de tempo e lugar em que perceberam a desilusão da A. ao perceber que a mãe a tinha sujeitado a efetuar um teste para depois lhe dizer que ele não era o pai, ora perante tal comportamento qualquer homem médio, filho iria concluir que a mãe não tinha a certeza da identidade do pai, levando a não avançar com qualquer ação, como aconteceu a ponto de nem sequer pagar o teste como foi dado por provado ponto 6 e 9 dos factos provados.
41. Assim, quanto aos pontos b) e c) impunha-se decisão diversa com fundamento nos depoimentos da A. e ainda de JJ, KK, LL, MM – transcritos de pag. 29 a pag. 36 das alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
42. Quanto aos pontos e) e f) impunha-se decisão diversa com fundamento nos depoimentos da A. e ainda de JJ, KK, LL, MM – transcritos de pag. 36 a pag. 40 das alegações que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
43. Pois que, todas aquelas testemunhas confirmaram que A. recebeu na sua caixa de correio um documento anónimo – 6.03.2020 do qual depreendeu ser filha biológica de FF e ter este sido cremado para impedir a realização de teste de paternidade, sendo prova disso mesmo o episódio de urgência no hospital, prova de que o pai foi mesmo cremado e ainda o pagamento do exame apenas e só após aquela carta.
44. Aliás, ainda quanto à prova produzida pela A., sempre se dirá que, a fundamentação da matéria de facto é omissa na apreciação daqueles depoimentos, pelo que teria de abranger toda a prova produzida e com relevância para a decisão da causa, o que manifestamente não sucedeu, sendo nula a sentença que não o faça (art.º 615.º/1/b CPC), porquanto, não se pode concluir que aqueles depoimentos foram inócuos no sentido de nada aportar ao exame crítico das provas.
45. O preenchimento do conhecimento superveniente a que alude o n.º 3, alínea c) não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes exigindo que o tal conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
46. Assim, foi com o recebimento da carta que conforma infra se deixou exposto, facto este que deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada - “em 6 de março de 2020 a autora recebeu na sua caixa de correio um documento anónimo do qual depreendeu ser filha biológica de FF e ter este sido cremado para impedir a realização do teste de paternidade” - e apenas nesse momento que a A. exerceu o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação, que apesar da VERADE MATERIAL lhe é recusado.
47. E veja-se consta dos autos episódio de urgência precisamente o dia que consta daquela carta – 6.03.2020, episódio de urgência atestando o estado de saúde da A. compatível com a ansiedade que a mesma revelou ao ser confrontada com aquela carta.
48. Acresce que, e desde a entrada em vigor da redação dada pela lei nº 14/2009, de 1 de abril, a ora recorrente APENAS E TÃO SÓ no ano de 2020 teve conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação – carta anónima e conhecimento do resultado do exame - ADN.
Entendendo-se por superveniente, “que sobrevém, que vem depois de outra
 coisa” - "superveniente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2021, https://dicionario.priberam.org/superveniente.
49. Ora, dúvidas não podem subsistir que o recebimento da carta foi de facto um facto superveniente e mais demonstrativo desse facto superveniente é precisamente o facto irrefutável e verdadeiro de que apenas em 28 Abril de 2020 pagou o teste e teve conhecimento quem era o pai quando recebeu o resultado em casa a 04.05.2020 como consta da carta junta e atestada pelo GML, pois que até então não podia a mesma ter acesso ao teste mas apenas o médico, o seu pai que fez crer aquela que não era seu pai.
50. E assim, agindo em conformidade dentro do prazo de três anos que a lei lhe concede propôs a ação de investigação da paternidade, mal tendo andado o Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção e absolveu as RR. do pedido, porquanto, demonstrado o facto impeditivo da caducidade.
51. Competia às RR., o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que a A. intentou a presente acção, o que manifestamente não logrou conseguir.
Neste sentido, veja-se, acórdão uniformizador de jurisprudência:
“Nas acções de investigação de paternidade, intentadas nos termos da al. b) do nº 3 do art.º 1817º, ex vi do art.º 1873º do CC, compete ao Réu/investigado, o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a acção.”
52. Assim, impendendo o ónus da prova sobre o réu (art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC) e não tendo feito a dita prova deve ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de acção e serem condenadas as RR. a ver reconhecida a paternidade da A., pois só assim é possível obter decisão que vá de encontro à verdade irrefutável de que a A. é filha de FF ao contrário das demais provas juntas pelas RR que são subjetivas e falsas.
53. Pois que, a postura das RR, comportamentos e procedimentos mais que moralmente criticável, pois que lesa de forma muito grave o interesse dos cidadãos que sem qualquer culpa vêm ao mundo sem pai que com todas as condições podia e devia ter assumido a paternidade.
A sentença recorrida violou os artigos 615 nº. 1 b do CPC, 374 do Cód Civil, 135 do CPP, 92 nº.5 e 81 nº.5 do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei 145/2015 de 9 Setembro e ainda Ac. do Tribunal Constitucional 486/2004 em plenário 11/2005 DECLAROU COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL nº.1 do artigo 1817 do Código Civil aplicável por força do 1873.
Conclui pela procedência do recurso.

Os Réus apresentaram resposta, pugnando pela confirmação da decisão.

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1. Do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são:
- nulidade da sentença
- impugnação da matéria de facto
- caducidade do direito da Autora.

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2. Da nulidade da sentença

A Autora imputa à sentença o vício da nulidade, alegando que o julgamento da matéria de facto não abrangeu toda a prova produzida e com relevância para a decisão da causa. Enquadra a nulidade no art.º 615º, n.º 1, b) do C. P. Civil, preceito que dispõe:
É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A discordância do julgamento efetuado quanto à fundamentação da matéria de facto, bem como quanto à respetiva decisão não integram a nulidade em causa, conferindo antes à parte a possibilidade de impugnar a mesma.
Assim, não se verifica a nulidade apontada.

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2. Os factos
A Autora impugna o julgamento dos factos provados sob os n.º 7 e 8 e dos não provados sob as alíneas a) a d), pretendendo que após reapreciação dos meios de prova que identifica os mesmos sejam alterados no sentido que propõe.
Os factos em causa são:
7. Pelo menos em 2008 a autora dirigiu-se a FF tratando-o por pai.
8. Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF.
a) Entre o ano de 2006 / 2007 a mãe da autora revelou-lhe que o seu pai biológico era FF.
b) FF informou a autora que, de acordo com a perícia referida em 4., não era o seu pai biológico.
c) A autora confrontou a mãe e a mãe fê-la quer que o resultado do teste à paternidade realizado por si e por FF teria sido negativo.
d) Em 2008 a autora dirigiu-se a um advogado para propor ação de investigação da paternidade contra FF.
A fundamentação dos factos provados e impugnados foi efetuada nos seguintes termos:
No que respeita ao facto 7, referente à forma como a autora se dirigiu a FF, tratando-o por pai, pelo menos no ano de 2008, a convicção do Tribunal formou-se com base nas declarações de parte prestadas por autora e rés, concatenadas com os documentos que constam do processo do INMLCF, IP apenso por linha e com o relatório da perícia à letra realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, junto a 10 de maio de 2022. Vejamos.
A autora reconheceu ter estado com FF no momento em que foi feita a recolha de material biológico para a realização do teste de paternidade – 4 de dezembro de 2007, nos termos do processo do INMLCF, IP apenso por linha.
Naturalmente que, estando a ser investigada a paternidade, havia fortes suspeitas dos intervenientes de que FF era o pai da autora. 
A Ré BB, viúva de FF, descreveu o momento em que o seu então marido lhe disse que podia ser o pai da autora, referindo que o marido lho revelou por estar a ser alvo de chantagem por parte da autora, que lhe pediria dinheiro através de mensagens de telemóvel para que não revelasse ser sua filha. Situou a revelação no início do ano de 2006.
Mais referiu a ré que o então marido transcrevia para papel as mensagens que a autora lhe enviava, sendo a temática a questão da paternidade e chegando a autora a dirigir-se-lhe tratando-o por Pai.
Peritada a letra das transcrições das mensagens pelo falecido, concluiu o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária ser muitíssimo provável que as tais transcrições fossem da autoria de FF.
A ré DD, em declarações de parte, confirmou a revelação feita pelo pai, na Páscoa de 2006, de poder ter um filho de uma relação extraconjugal, e esclareceu que o propósito do pai ao revelar tal facto foi terminar com a chantagem de que vinha sendo alvo, primeiro pela mãe da autora e depois pela autora.
Da concatenação das declarações de parte com o resultado da perícia à letra dos escritos atribuídos ao falecido FF e com a data da realização dos exames de ADN, concluiu o Tribunal que a autora, pelo menos no ano de 2008 (mas também em momento anterior) se dirigiu ao falecido FF tratando-o por pai.
O facto 8 foi dado como provado com base nas declarações de parte da autora, que o confirmou e com base no documento junto a 8 de novembro de 2021, no qual se pode ler que se trata de uma carta, endereçada pela Sr.ª Advogada Dr.ª GG, dirigida a FF, dando conta que a autora pretende ver declarada a sua  filiação e concedendo a FF 15 dias para tomar as providências necessárias no Registo Civil, sob pena de a autora recorrer à via judicial.
Do depoimento da Autora, tendo presente o seu interesse no desfecho da ação, resulta que por volta de 1994, no início do seu casamento e perante muitas dificuldades financeiras pediu ajuda à mãe que não a podendo ajudar lhe disse que sabia quem o poderia fazer, tendo ido com a mãe a casa de um senhor de nome NN pedir-lhe dinheiro o que este recusou, dispondo-se, no entanto, para seu fiador e do seu marido, num empréstimo no BES em Campo ..., o que aconteceu. Nessa altura a Autor suspeitou que essa pessoa fosse o seu pai.
Em 2006/2007, após muitas insistências a mãe disse-lhe que o pai poderia ser o Dr. FF. A Autora procurou-o e este disse-lhe que só em tribunal é que faria os exames, pelo, nessa época, contratou uma advogada – Dr. GG – e após troca de correspondência com o Dr. FF, realizaram os exames em .... No fim dos exames o Dr. FF disse-lhe que não se preocupasse com o pagamento que ela trataria de tudo e pediu-lhe o seu contacto. Passados 2 anos recebeu um telefonema de Dr. FF a marcar um encontro no hospital, tendo-lhe mostrado um teste que lhe era negativo e aconselhou-a a perguntar à mãe quem era o pai. A mãe não lhe confirmou quem fosse o seu pai.
Disse ainda que na pandemia, nos inícios de março recebeu uma carta anónima a dizer que o Dr. FF era o seu pai e que tinha sido cremado para não haver vestígios. Em abril pagou os testes e levantou-os, constatando que aquele era o seu pai.
A Autora justificou a sua inércia em saber o resultado dos exames porque a mãe nunca lhe disse que aquele era de certeza o seu pai, tendo-o só admitido como possível e o Dr. FF lhe disse que lhe telefonaria a informá-la.
Disse que a mãe faleceu em .../.../2013.
Ela tem o 6º ano de escolaridade e a mãe tinha a 4ª classe.
O depoimento da Autora revelou-se coerente na conjugação com outros elementos de prova, bem como com a declaração da perita do INML que referiu a demora inexplicável na realização do exame, a carta enviada pela Dr. GG ao pretenso pai a dar-lhe conhecimento da intenção da Autora e junta pelos Réus aos autos e ainda a data em que foi pago pela Autora ao INML os testes realizados.
JJ, amiga da Autora desde a infância, revelou conhecer bem a vida desta disse que na freguesia nunca se soube quem era o pai da mesma. A testemunha sabe que a Autora em data que não sabe precisar, mas entre 2006 e 2008 lhe disse que a mãe lhe tinha dito quem podia ser o pai, mostrando ainda conhecimento através da Autora dos factos que se foram desenrolando, até que em 2020 lhe contou da carta que teria recebido e posteriormente lhe contou que tinha sabido do real resultado do teste de ADN.
 Depois do Dr. FF lhe ter dito que o teste era negativo a Autora disse-lhe que a mãe lhe disse para esquecer o assunto, acabando por colocar em causa a sua seriedade.
A testemunha disse que a Autora, após o contacto com o Dr. FF acreditou que ele não fosse o seu pai.
KK, marido da Autora, confirmou o facto de NN ter sido fiador do casal em 1994 num empréstimo bancário. Disse ainda que a mulher sempre quis saber quem era o pai, perguntando constantemente à mãe o que motivava discussões, vindo a sogra a admitir em 2006/2007 poder ser o Dr. FF. Fizeram o teste em ... após a Dr.ª GG ter contactado o pretenso pai. Só passados cerca de 2 anos é que o Dr. FF contactou a Autora para ir encontrar-se com ele no hospital em .... Após esse encontro, que a mulher lhe relatou, ficou convencida que ele não era o pai. Chegados a casa a mulher e a sogra discutiram, dizendo-lhe esta que se ele dizia que não era o pai era porque não era. Depois disto a mulher continuou a querer saber quem era o pai, admitindo várias hipóteses, o que só veio a saber em 2020 quando recebeu o resultado do teste, depois de ter procedido ao seu pagamento na sequência do recebimento do papel anónimo a dizer que era o Dr. FF.
A testemunha depôs de uma forma calma e precisa, sem revelar quaisquer incoerências, não sendo de esquecer na avaliação da sua relevância a sua qualidade de cônjuge da Autora e o seu interesse, ainda que reflexo, no desfecho favorável da ação.
MM, filha da Autora, nascida em 1994, disse que se apercebeu de discussões entre a mãe e avó materna quando o assunto era saber quem era o pai da mãe. Nunca ouviu a avó dizer quem era o pai da sua mãe, escusando-se sempre, alegando que isso era um assunto só dela. Soube que mãe fez um teste depois de uma conversa que a mãe lhe disse ter tido com a sua avó. Mais tarde a mãe continuava a questionar a sua avó quanto à sua paternidade, até a avó lhe dizer para esquecer o assunto. Relatou o recebimento do papel anónimo a dizer quem era o pai da mãe no início do confinamento e o conhecimento pela mãe dos resultados do teste de ADN.
LL, irmã do marido da Autora, disse perentoriamente que a Autora após a realização do exame e depois da conversa com o pretenso pai ficou convencida que não era filha dele, até receber a carta anónima.
FF, Ré, viúva do investigando, nascida em 1938, disse que em 2006 o marido contou-lhe que havia uma pessoa que dizia ser filha dele e havia uma possibilidade de isso ser verdade e que estava a ser chantageado por esse motivo. Nessa data foram a um advogado várias vezes que os ajudou naquilo que pode. Disse que a Autora enviou muitas mensagens para o telemóvel do marido que lhas mostrava e lhas ditava para ele escrever num papel que guardava no cofre. Nesse mesmo ano contou às filhas e ao genro aquilo que se passava. As mensagens, em que a Autora tratava o seu marido por pai, continuaram até 2007 tendo ainda uma última aquando da morte da mãe da Autora em que esta pedia dinheiro para o funeral da mãe. Não sabe a razão pela qual o marido transcrevia essas mensagens.
Soube que tinham feito o exame do ADN e que a revelação do resultado estava dependente do pagamento que o marido não fez.
DD, Ré, filha do investigando, disse s que o pai lhe contou na Páscoa de 2006 sobre a possibilidade de ter uma filha fora do casamento e estar a ser chantageado há algum tempo, com pedidos de dinheiro sob pena de divulgação.
Ao longo do tempo também foi falando com a sua mãe sobre esse assunto, que lhe contava dos telefonemas e mensagens que a Autora lhe enviava e que a mãe lhe lia para ele transcrever. Soube que o pai fez o teste de ADN, mas nunca souberam o resultado porque o pai dizia que a Autora e a mãe nunca pagaram a sua parte e ele fazia questão em não pagar.
A declarante, a mãe e as irmãs só tiveram conhecimento do resultado de ADN em maio de 2020, através de uma carta enviada pelo INML.
NN, nascido em 1954, primo das Rés com quem tem uma boa relação, disse também conhecer a Autora.
A testemunha disse que desde miúdo que conhecia a mãe da Autora por que trabalhava em casa da sua avó – mãe do seu tio FF. Três anos depois de ter morrido a sua avó – há 54 anos – já se dizia na aldeia que a OO – mãe da Autora – tinha uma filha do Dr. FF. Mais tarde, há cerca de 45 anos, a mãe da Autora foi a sua casa apresentar-lhe a filha como sua prima. Desde essa data a Autora passou a tratá-lo por primo e referia-se ao Dr. FF como pai. A testemunha disse não se lembrar que alguma vez tivesse sido fiador da Autora ou que tal lhe tenha sido solicitado.
Os trabalhadores da quinta falavam que o investigando dava, mensalmente, dinheiro à mãe da Autora que ira a ..., receber.
A mãe da Autora deixou de trabalhar para a sua família quando a sua avó morreu e ainda a Autora não tinha nascido.
PP, nascido em 1958, sobrinho e primo das Rés, disse também conhecer a Autora.
A testemunha conheceu a mãe da Autora, quando já era casado, porque viviam perto. Em Campo ... a Autora, num café que explorava com o marido, a Autora, há cerca de 20 anos, abordou-o a contar que era filha do seu tio FF, dizendo que em privado o tratava por pai. A partir daí passaram a tratar-se por primos. Disse ainda que já tinha ouvido rumores de que a Autora dizia que era filha do Dr. FF. A testemunha não sabe qual a ocupação da Autora nem quantos filhos tem.
QQ, nascido em 1963, sobrinho e primo das Rés, disse também conhecer a Autora a quem cumprimenta, tendo também conhecido de vista a mãe dela.
Na adolescência soube que a Autora era sua prima por se falar isso no liceu que frequentavam em ... e ela também lhe ter dito. Questionou a mãe sobre isso e ela confirmou, contando-lhe que ela filha do seu tio FF, o que também o seu tio RR fez. Na terra sempre se falou que a Autora era filha do seu tio. Nunca falou do assunto com o seu tio FF.
GG, advogada, não conhece as Rés e disse conhecer a Autora no âmbito das suas funções e como vizinha. A testemunha invocou-se no sigilo profissional quanto às questões situadas no âmbito da relação profissional que manteve com a Autora.
Confirmou o envio ao investigado da carta junta aos autos bem como o teor da mesma na data que dela consta.
SS, bióloga no INML, disse que os exames de ADN foram realizados em 4.11.2007. Precisou que o processo não foi normal porque o pagamento não foi efetuado no ato da colheita – que foi efetuada por si – como usual, pois só o pretenso pai é que pagou nessa data a determinação do seu perfil, ficando por pagar o da mãe e da filha. O relatório do exame foi enviado ao pretenso pai não antes da data em que foi assinado em 20.7.2011, mas não à mãe nem à filha. Em 2020 foi solicitado, pela Autora o relatório e paga a parte em falta, tendo-lhe sido enviado em 30.4.2020, o relatório.
Disse que, consultado o processo, resulta que a perícia ficou concluída no início de janeiro de 2008, ficando a faltar a elaboração do relatório que só foi assinado em 20.7.2011.
Os documentos juntos aos autos não relevam para a demonstração do facto n.º 7, pois a prova de que os escritos junto aos autos em 10.11.022 são da autoria do investigando não abrange a prova da verdade dos factos neles contida, os quais são negados pela Autora e pelas suas testemunhas, todas elas com uma relação familiar ou de muita proximidade com aquela. A consistência destes depoimentos é fragilizada pela proximidade das testemunhas com a Autora, proximidade essa com grande probabilidade de os revestir de parcialidade. o  As testemunhas apresentadas pelas Rés - sobrinhos e primos – confirmaram nos seus depoimentos a veracidade desde facto, mas tal como aconteceu com a testemunha da Autora, os mesmos do modo como foram prestados, querendo demonstrar desinteresse pelo desfecho da ação, não se revelam com a credibilidade necessária para de poder julgar o facto como provado, não se revelando com o mínimo de credibilidade que toda a gente soubesse da paternidade da Autora e a mulher e filhas do investigando o desconhecessem. Assim, impõe-se o seu julgamento como não provado
O facto n.º 8 encerra em si uma conclusão que a prova produzida não permite, pois só se sabe que a Autora, nessa data, contactou uma advogada, para esta contatar o investigando para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.
Assim, deve tal facto ser alterado, passando a ter a seguinte redação:
Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em 5.6.2006, uma carta a FF, solicitando a disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.
No que respeita aos factos não provados, os mesmos, atendendo à fragilidade das provas produzidas, manter-se-ão como tal.

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Os factos provados são:


1. AA foi registada como sendo filha de OO e como tendo nascido a .../.../1968, estando omissa a paternidade.
2. FF faleceu no dia .../.../2017, no estado de casado com BB.
3. Foram habilitadas como herdeiras de FF, a cônjuge BB e as filhas CC, EE e DD.
4. Foi realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense uma perícia de investigação da paternidade da autora AA, requerida a 31 de outubro de 2007, tendo sido recolhido, em 4 de dezembro de 2007, sangue e saliva de AA, de FF e de OO.
5. FF é o pai biológico de AA.
6. A autora e a mãe não procederam a qualquer pagamento para a realização da perícia referida em 4. antes de 28 de abril de 2020.
7.  – passou a não provado  
8. Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em 5.6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.
9. A 28 de abril de 2020, a autora pagou € 1.056 ao INML para ter acesso ao resultado da perícia referida em 4. e decidiu propor a presente ação

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3. O direito aplicável

A sentença recorrida, após verificar que à data da propositura da presente ação já tinham decorrido 10 anos após a Autora ter atingido a maioridade, e mais de 3 anos desde que, no seu entendimento, teve conhecimento de factos que justificavam a investigação da paternidade direcionada a FF, considerou que o direito ao reconhecimento da paternidade tinha caducado, nos termos do artigo 1817º, n.º 1, do C. Civil, pelo que absolveu as Rés do pedido.
A conclusão da data do conhecimento pela Autora daqueles factos foi extraída do facto julgado provado sob o n.º 7 – aquela desde 2008 tratava FF como pai – e do provado sob no n.º 8 - em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF.
Em consequência da reapreciação da matéria de facto o facto n.º 7 foi julgado não provado e modificada a redação do n.º 8 que passou a ser:
 Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em 5.6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.
Após a alteração da matéria fáctica provada resulta agora indubitável que a Autora só com o relatório dos exames efetuados no INML é que soube que o investigando era o seu pai. No entanto o art.º 1817º, n.º 1, b) do C. Civil quando atribui relevância ao conhecimento para estender o prazo do exercício direito à investigação refere-se ao conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, não exigindo o conhecimento da paternidade.
A matéria de facto só nos fornece, neste particular, um elemento – o pedido ao investigando para fazer testes de ADN em 2006 (facto n.º 8) e a realização desse exame em 2007 (facto n.º 4) – cujos resultados a Autora só veio a conhecer em 2020 quando procedeu ao pagamento do exame.
O debate sobre o ónus da prova dos factos relativos à caducidade do di­reito à investigação da paternidade é uma discussão datada, tendo-se reacendido com a alteração do sistema de prazos de propositura deste tipo de ações promo­vida pela Lei 14/2009, de 1 de abril.
O S.T.J colocou termo a esse debate, com o Acórdão 4/ 2021 de 17.9.2020, uniformizando a jurisprudência nos seguintes termos:
Nas ações de investigação de paternidade, intentadas nos termos da al. b) do nº 3 do art.º 1817º, ex vi do art.º 1873º do CC, compete ao Réu/investigado, o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a ação.
O legislador ao permitir, no art.º 1817º, n.º 3 do C. Civil, a investigação da paternidade depois de decorridos os 10 anos seguintes à maioridade consagrou uma cláusula geral de salvaguarda, que permite a propositura da ação para além do prazo fixado no n.º 1, competindo aos demandados, quando nos encontramos nessa extensão do prazo, demonstrar que o Autor já tinha conhecimento de factos ou circunstâncias que justificavam a propositura da ação de investigação há mais de três anos.
Estes prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permi­tindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo uma função compulsória.
 O conhecimento superveniente que dá o tiro de partida à contagem daquele segundo prazo de caducidade não se verifica com a perceção de qualquer facto ou circunstância que crie a suspeita que alguém pode ser o pai do investigante, mas apenas aquele que se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a interposição de uma ação de investigação de paternidade, num juízo de perceção e ponderação de um cidadão médio (sendo, mais uma vez, necessário o recurso à figura do bonus pater familiae).
Esse juízo, alicerçado no conhecimento de factos consistentes, se não tem de ser um juízo de certeza, deve ser de forte probabilidade, não sendo suficiente uma mera possibilidade.
Ora, dos factos que resultaram provados após a alteração ocorrida no conteúdo da matéria de facto apurada, apenas se pode concluir que em 2006 já existia uma suspeita que FF poderia seria o pai da Autora, pois, só assim, se justifica que esta, através de uma advogada, tenha solicitado àquele a sua colaboração para realização de exames de paternidade. Mas, a opção pela não propositura imediata de uma ação, suscita a dúvida sobre se o grau de suspeita estaria suficientemente alicerçado para que fosse exigível à Autora, naquele momento, seguir a via judicial.
O segundo ponto de interrogação coloca-se quando, após a realização do exame em 2007, a Autora só procede ao seu pagamento e levantamento dos resultados em 2020. O que determinou que a Autora tivesse deixado decorrer 13 anos sem querer saber os resultados do exame?
Estes dois espaços em branco na factualidade no domínio da ideação, ou estas duas perguntas sem resposta sobre um estado subjetivo relevante, no percurso do processo psicológico da Autora quanto à perceção da sua paternidade, não nos permitem concluir que esta, num período anterior aos três anos que antecederam a propositura desta ação já tinha um conhecimento suficiente de factos ou circunstâncias que justificavam a sua propositura.
Competindo aos demandados a prova de que esse conhecimento existia, a sua não demonstração funciona contra as suas pretensões, pelo que não é possível considerar caducado o direito da Autora a obter o reconhecimento da sua paternidade.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a ação e reconhecendo-se que FF é pai da Autora.

                                       *
Custas da ação e do recurso pelas Rés.

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Transitada em julgada esta decisão, comunique-a à Conservatória do Re­gisto Civil.

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                                                                                 12.4.2023