Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/06.1GBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 49º, DO C. PENAL
Sumário: A notificação ao condenado do despacho que procedeu à conversão da multa não paga em prisão subsidiária deve ser pessoal, pois só esse meio assegura o efectivo conhecimento da decisão.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 17/06.1GBTNV que corre termos no Tribunal Judicial de Torres Novas, 1.º Juízo, o arguido D... foi condenado, por acórdão de 31/3/2009, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, na redacção dos artigos 28.º e 2º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, na pena de quarenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz a multa global de duzentos e quarenta euros e a que subsidiariamente correspondem vinte e seis dias de prisão.
Em 26/5/2010, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
D... foi condenado, nos presentes autos, por acórdão já transitado em julgado, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de seis euros, o que perfaz o montante global de 240 euros.
O arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa na qual foi condenado.
Conforme consta de fls. 568 e ss., não lhe são conhecidos bens penhoráveis.
Notificado para esclarecer qual o motivo do não pagamento da multa em que foi condenado, nada veio dizer.
Assim, não tendo a multa sido paga, nem substituída por trabalho (artigo 48º do C. P.), nem se mostrando viável o seu cumprimento coercivo, determino, ao abrigo do artigo 49º do C. P., a conversão da pena de multa não paga, no montante de 240 euros em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, o que corresponde a 26 dias de prisão subsidiária.
Notifique, sendo o condenado, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 2 do C. Penal, com a advertência de que pode, a todo o tempo, evitar total ou parcialmente a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, o remanescente da multa em que foi condenado, no montante global de 840 euros.
Face ao exposto, após trânsito em julgado da decisão, determino a emissão de mandado de detenção contra o arguido, o qual deverá ser cumprido pela autoridade policial competente.
Após várias diligências frustradas no sentido da notificação do arguido (paradeiro desconhecido), em 16/11/2010, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
Notifique-se o arguido para a morada do TIR, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 3, do CPP.”
****
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Ministério Público, em 29/11/2010, defendendo que a notificação em causa deve ser pessoal, não se bastando com a notificação por via postal simples, prevista na al. c), do artigo 113.º, do CPP, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Por despacho datado de 16.11.2010, a Meritíssima Juiz ordenou a notificação de decisão de conversão de pena de multa em prisão subsidiária, ao arguido D..., para a morada constante do TIR, nos termos do disposto no artigo 113º, n.º 3, do Código de Processo Penal (cfr. fls. 611), notificação essa que foi efectuada no dia 17.11.2010 (cfr. fls. 612). 2. No aludido despacho, a Meritíssima Juiz não se pronunciou quanto à prévia promoção do Ministério Público, que, em face do constante de fls. 609 dos autos, havia promovido diligências no sentido de se lograr obter a localização do arguido e, consequentemente, a sua notificação pessoal. 3. Entende o Ministério Público que a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado, deve ser também colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado, sendo sujeita à disciplina do artigo 113.º n.º9, “2.ª parte”, do Código de Processo Penal. 4. Tal notificação deve ser pessoal, não se bastando com a notificação por via postal simples, prevista na alínea c) do artigo 113º do Código de Processo Penal. 5. De facto, a notificação por “via postal simples”, maxime tratando-se de arguido, só é legalmente admissível quando a lei expressamente o consentir, designadamente, quando o arguido se encontre sujeito a termo de identidade e residência (TIR), caso em que as notificações são feitas por via postal simples para a morada indicada pelo mesmo. 6. Ora, as obrigações emergentes do termo de identidade e residência, nomeadamente a prevista na alínea c) do n.º3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal, cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214.º n.º1, alínea e) do Código de Processo Penal). 7. In casu, quando foi proferida a decisão que converteu a multa (não paga) em prisão subsidiária, já o TIR se mostrava extinto (alínea e) do n. 1 do artigo 214º CPP), logo, a morada constante do TIR dos autos já não pode servir para ulteriores notificações do arguido, designadamente para a consentida e especial notificação por via postal simples (cfr. alínea c) do n. 3 do citado artigo 196º CPP). 8. É certo que no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/10 se determina - no que toca à decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão -, que “III. A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ ou mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou de aviso» [artigo 113, n.º1, alíneas a), b), e c) e d), do CPP.” 9. Porém, a fixação de jurisprudência resultante do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça assentou num artifício, designadamente de se considerar a sentença [de condenação em pena de prisão suspensa], quanto à questão essencial que é a da aplicação da pena, em parte transitada e em parte não transitada”, o que não poderá efectuar-se, in casu. 10. Assim sendo, mostrando-se inadmissível perspectivar a condenação em multa como traduzindo-se em duas condenações, também não poderá considerar-se que o condenado fique afecto, até à conversão da multa não paga em prisão subsidiária, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência. 11. Donde decorre a inadmissibilidade de notificação por via postal simples para a morada indicada aquando da constituição do respectivo termo. 12. Logo, a notificação ordenada e já efectuada, com o simples formalismo de “via postal simples”, na sequência de despacho da Meritíssima Juiz, deverá ter-se, por conseguinte, como irregular (artigos 113º, n. 1, c), 196º, n. 3, c) e 214º, n. 1, e) todos do Código de Processo Penal). 13. Pelo que, não se poderá vir a considerar o condenado D... regularmente notificado e por isso, não poderá transitar em julgado a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária, nem poderá o arguido ser detido para cumprir os dias da prisão, enquanto não se efectuar a notificação do mesmo por via postal registada ou por contacto pessoal.
****
Não houve resposta ao recurso por parte do ilustre defensor oficioso do arguido.
****
O recurso foi, em 28/2/2011, admitido.
Nesta mesma data, o despacho recorrido foi mantido, integralmente, nos seguintes termos:
Por acórdão de fls. 528 e ss., já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz a quantia global de duzentos e quarenta euros
Da sentença foi o arguido notificado na data em que foi lido o acórdão por se encontrar presente na respectiva cessão.
Notificado para proceder ao pagamento da pena de multa o arguido nada pagou.
Em face do não pagamento, e uma vez que não se mostrava viável a cobrança coerciva da multa, por despacho de fls. 595 foi a multa convertida em pena de prisão subsidiária de 26 dias, nos termos do disposto no artigo 49º Código Penal.
Desse despacho foi o arguido notificado por remessa de carta simples com carta registada com aviso de recepção a qual veio devolvida (cfr. fls. 600/601).
Tentada a sua notificação pessoal, a mesma foi inviável (fls. 605).
Por despacho de fls. 611 foi ordenada a notificação do arguido para a morada do TIR com prova de depósito.
Entende o Ministério Público que, já tendo transitado em julgado a sentença condenatória, não pode o arguido ser notificado mediante carta simples com prova de depósito, insurgindo-se contra tal despacho mediante a interposição do presente recurso.
Não partilhamos a opinião sufragada pelo Ministério Público por diversas ordens de razão: em primeiro lugar porque somos de entender que o TIR, por não reunir as características gerais das medidas de coacção, não é uma medida de coacção na verdadeira acepção da palavra pelo que se não extingue com o trânsito em julgado da decisão; em segundo lugar porque consideramos que o despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária não é uma modificação do conteúdo decisório da sentença; depois, porque da articulação do disposto nos artigos 57º, nº 2 Código do Processo Penal e do artigo 196º do mesmo Código, resulta que se a qualidade de arguido se mantém durante todo o processo (e todo o processo é até que o mesmo seja arquivado), e todo aquele que é arguido se acha forçosamente sujeito a TIR, é porque o TIR, ou pelo menos parte do TIR, não se extingue com o trânsito em julgado da decisão.
As medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento criminal.
As medidas de coacção pautam-se por determinados princípios como o da legalidade, necessidade e subsidiariedade e ainda o da proporcionalidade.
De acordo com os princípios acima indicados só são aplicáveis, como medida de coacção, as medidas previstas na lei sendo que apenas o podem ser quando absolutamente necessárias com prioridade para as menos gravosas (artigos 191º e 102º Código Processo Penal).
Acresce que, de acordo com o previsto no artigo 193º Código Processo Penal, a medida de coacção deve ser adequada ao arguido isto é, ao caso concreto e as necessidades cautelares do caso, bem como proporcional ao crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
A sujeição do arguido às medidas de coacção previstas na lei obedece sempre aos princípios acima expostos excepto no que ao Termo de Identidade e Residência respeita.
Na verdade o Termo de Identidade e Residência, previsto no artigo 196º Código Processo Penal, é precisamente a única medida de coacção que escapa aos princípios supra identificados uma vez que, desde logo, é aplicado sempre e a todo aquele que for constituído arguido (artigo 196º, nº 1 Código Processo Penal).
De facto, a sua aplicação a todo e qualquer arguido, independentemente do crime que se mostre indiciado e das sanções que, em julgamento lhe venham a ser aplicadas, faz do TIR uma excepção aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. O único requisito para aplicação desta medida é a constituição de arguido.
Aliás, precisamente pelas suas características próprias e atípicas dos meios de coacção se discute se o TIR é ou não uma medida de coacção.
Neste sentido David Catana, citado por Simas Santos e Leal Henriques em Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 2ª edição, 2004, Rei dos Livros, pág. 973, escreve que … se atendermos ao artigo. 196º e aos arts. 57 e 59, parece que a constituição de arguido implica a aplicação do termo de identidade e residência, pois a constituição de arguido existe porque o processo vai prosseguir e, assim sendo, esta medida tem que ser obrigatoriamente aplicada, o que acontece no acto imediato à constituição de arguido. Ora face ao exposto, parece ser esta medida não uma verdadeira medida de coacção, mas antes uma obrigação, um dever, ou sujeição em virtude da própria situação de arguido. (…)”
Em abono ainda da tese de que o TIR não é, na sua integralidade, uma medida de coacção abona ainda o facto de a não sujeição do arguido ao TIR em situações em que o processo deva continuar constitui irregularidade que cumpre suprir logo que detectada (cfr. artigo 123º,nº 2 Código Processo Penal); nenhuma outra medida de coacção, se não aplicada, determina irregularidade, precisamente porque sujeitas aos princípios da necessidade, da adequação e da subsidiariedade.
Não se olvida que o TIR contém restrições à liberdade do arguido, nomeadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicação à autoridade.
Nesta parte, em que efectivamente se limita a liberdade do arguido, aí sim, concordamos que se extingue em face do trânsito em julgado da decisão, mas não no resto, mormente na parte em que o arguido é informado de que daí por diante as notificações ser-lhe-ão efectuadas para a morada por si indicada, por via postal simples.
Para sustentar este entendimento, já anteriormente a signatária convocou o disposto no artigo 476º Código do Processo Penal que remetia para os artigos 335º, 336º e 337º, todos do Código Processo Penal, já que tal artigo se reportava à declaração de contumácia do arguido que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento, o que significa que a decisão que aplicou a pena que o arguido tem de cumprir já transitou em julgado.
Tal declaração é hoje, por força do disposto no artigo 138º, nº 4 Código de execução de penas, da competência do Tribunal de execução de penas sendo que inexistindo em tal código norma específica para a declaração de cessação aplicar-se-á o disposto nos artigos 336º e ss. Código do Processo Penal.
Assim, o arguido declarado contumaz por se ter dolosamente eximido ao cumprimento de pena de prisão de acordo com sentença já transitada em julgado, para fazer cessar a contumácia deve apresentar-se em juízo ou ser detido (cfr. artigo 336º Código Processo Penal). Logo que se apresente ou for detido, deve o arguido prestar TIR (cfr. artigo 336º, nºs 1 e 2 Código Processo Penal).
Ora, se o TIR é uma medida de coacção, e as medidas de coacção, como se deixou dito, têm por fim acautelar a eficácia do procedimento criminal, e caducam, nos termos do disposto no artigo 214º, nº 1, alínea e), com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mal se compreende porque razão se submete o arguido a uma medida de coacção neste caso depois da sentença transitada.
Crê-se que esta submissão do arguido a TIR, nestes casos, só vem reforçar a tese de que não obstante a sua inserção sistemática no código, a verdade é que o mesmo só pode ter uma diferente natureza, configurando-se mais com uma medida administrativa. Enquanto medida de cariz mais administrativo, surge ligada à constituição de arguido e os seus efeitos perduram para além do trânsito em julgado da sentença condenatória associando-se, ali, ao estatuto de condenado, precisamente no sentido de assegurar o cumprimento das penas, a eficácia da decisão proferida e a prossecução da verdadeira eficácia do procedimento criminal.
Ora, não sendo uma medida de coacção, não se lhe aplica o disposto no artigo 214º, nº 1, alínea e) Código Processo Penal isto é, as obrigações do TIR não cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Com efeito, havendo sentença condenatória o arguido tem ainda obrigações processuais: cumprir a pena em que foi condenado, efectuar o pagamento das custas processuais etc. Ora, se as obrigações do TIR não valerem para os termos processuais após a sentença temos que o arguido está vinculado a determinadas obrigações até ao julgamento, durante um período em que nos termos da constituição se presume inocente, e depois de apreciada a sua conduta e se concluir pela sua culpa ele deixa de estar vinculado a essas obrigações.
Admitir que as obrigações do TIR cessam com a sentença condenatória leva a que ao longo do processo, por exemplo, e nos termos do TIR, o arguido deva comunicar as alterações de residência ao processo para que possa ser localizado e ser submetido a julgamento mas já não tenha que o fazer para ser localizado a fim de cumprir a pena em que foi condenado.
Quanto ao segundo ponto da nossa discordância.
Entende-se que a conversão da pena de multa em prisão subsidiária não constitui, in casu, uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória porque a própria sentença, em cuja leitura o arguido esteve presente e de que, portanto, tomou conhecimento, continha a indicação de que à pena de multa em que foi o arguido condenado correspondia a prisão subsidiária de 26 dias.
Destarte, não existiu propriamente uma modificação do conteúdo decisório da sentença mas antes uma consequência jurídica, já contida na parte decisória da sentença (mas mesmo que o não estivesse mantinha o entendimento explanado, por a prisão subsidiária ser uma consequência jurídica legalmente prevista), e que o arguido já conhecia pelo que o mesmo já estava ciente de que não efectuando o pagamento da pena de multa em que foi condenado teria que cumprir a correspondente prisão subsidiária.
Em face dos fundamentos expostos, mantém-se o despacho recorrido na íntegra.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 2/5/2011, limitou-se a apor visto nos autos.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
****
II. Apreciação do Recurso:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
A questão a conhecer é a seguinte:
- Saber se a notificação da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária deve ser pessoal, não se bastando com a notificação por via postal simples, prevista na al. c), do artigo 113.º, do CPP.
****
Resulta dos autos que o arguido D... foi condenado, por Acórdão datado de 31 de Março de 2009, já transitado em julgado, como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 40º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 15/93, na redacção dos artigos 28º e 2º, n.º2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, na pena de 40 dias de multa à taxa de € 6 (seis euros) por dia, o que perfaz a multa global de € 240 (duzentos e quarenta euros), a que subsidiariamente correspondem 26 dias de prisão caso esta multa não seja paga voluntária ou coercivamente (cfr. fls. 548). O arguido não pagou voluntariamente a multa em que foi condenado, nem requereu a sua substituição por dias de trabalho. O Ministério Público não executou a multa e demais quantias devidas por se não conhecerem bens ao arguido, tendo promovido a conversão da multa em pena de prisão subsidiária, o que veio a acontecer, por decisão datada de 26.05.2010, que foi objecto de notificação ao defensor do arguido, por via postal registada (cfr. fls. 597). Na sequência de várias diligências no sentido de lograr a notificação pessoal do arguido, quer por via postal registada, quer por meio de contacto pessoal, foi a decisão de conversão de pena de multa em prisão subsidiária, notificada ao arguido, via postal simples, com prova de depósito, para a morada que este indicara no TIR, conforme determinação da Meritíssima Juiz, a fls.611, decisão essa que se que se coloca em causa com a apresentação do presente Recurso. De facto, nos presentes autos, após a prolação de Acórdão, foi expedida, em 02.07.2009 (cfr. fls. 559 e 564), carta por via postal registada, para a morada indicada no TIR, a fim de notificar-se o arguido da conta de custas e respectivas guias para pagamento das mesmas, bem como da multa em que fora condenado, tendo a aludida carta sido devolvida, por não reclamada (cfr. fls. 564, frente e verso envelope). Por não lhe serem conhecidos bens, o Ministério Público decidiu não instaurar execução por custas e multa. Já no que toca à pena de multa em que o arguido fora condenado, que releva em particular para o presente, foi ordenada a notificação do mesmo para querendo, vir esclarecer o motivo do não pagamento da mesma sob pena de, não o fazendo, se operar a respectiva conversão em pena de prisão subsidiária (cfr. fls. 582). Também esta notificação, efectuada mediante expedição de carta registada com prova de recepção, em 11.01.2010 (cfr. fls. 583), para a morada constante do TIR, foi devolvida, por não reclamada (cfr. fls. 584/585). Tentada de novo a notificação pessoal, veio a Guarda Nacional Republicana informar que, “ (…) das diligências efectuadas, apurou-se que se ausentou da morada indicada em Agosto de 2009, para parte incerta nos Estados Unidos da América”(cfr. fls. 587). Posto o que, conforme promovido pelo Ministério Público, determinou-se a notificação na pessoa do defensor oficioso do arguido (cfr. fls. 588 e 589). Nessa sequência, por decisão datada de 26.05.2010, determinou-se também, ao abrigo do artigo 49º do Código Penal, a conversão da pena de multa não paga, no montante de € 240, em prisão subsidiária, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços. Mais se determinou a notificação do condenado nos termos do artigo 49º, n.º2 do Código Penal, com a advertência de que poderia, a todo o tempo, evitar total ou parcialmente a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, o remanescente da multa em que fora condenado. E, determinou-se ainda que, após trânsito em julgado, seria emitido mandado de detenção contra o mesmo. A decisão em causa foi notificada, por via postal registada, com aviso de recepção, quer ao arguido, quer ao respectivo defensor oficioso, sendo que, mais uma vez, a carta enviada ao arguido veio devolvida, por não ter sido reclamada (cfr. fls. 600/601). Tentada a notificação pessoal, foi avançada pela Guarda Nacional Republicana a suposta morada do arguido nos Estados Unidos da América (cfr. fls. 605), porém e como se veio a apurar, o endereço conhecido era insuficiente (cfr. fls. 609/610). Por despacho datado de 16.11.2010, a Meritíssima Juiz ordenou a notificação do arguido para a morada constante do TIR, nos termos do disposto no artigo 113º, n.º 3, do Código de Processo Penal (cfr. fls. 611), notificação essa que foi efectuada no dia 17.11.2010 (cfr. fls. 612). No aludido despacho, a Meritíssima Juiz não se pronunciou quanto à prévia promoção do Ministério Público, que, em face das informações constantes de fls. 609 dos autos, havia promovido se solicitasse à GNR que, na morada do arguido (Rua dos Condes, n.º9, Riachos), averiguasse se este ali se encontrava a residir, sendo que, na positiva, mais se deveria proceder à sua notificação (logo, notificação pessoal) e, na negativa, averiguar e informar os autos qual a morada completa do mesmo nos E.U.A. Em síntese, foi entendido, conforme resulta do despacho em discussão, que bastava a notificação do arguido por via postal simples, para a morada indicada por este quando da prestação de TIR, para dar-se o mesmo por notificado e nessa sequência, transitar em julgado a decisão de conversão de multa em pena de prisão subsidiária.
****
A questão colocada à apreciação desta Relação é, pois, a de saber se a notificação ao condenado do despacho que converteu a multa em prisão subsidiária deve ser pessoal ou se se basta com a via postal simples. O art. 113.º do CPP prevê a notificação via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos (n.º 1, al. c)). Um desses casos é o do arguido sujeito a TIR, cujas consequências devem ser-lhe comunicadas, sendo uma delas precisamente que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada (art. 196.º, n.º 2 e n.º 3, al. c), do CPP).
****
Sobre esta questão, podemos encontrar, sem dúvida, duas correntes jurisprudenciais em sentido oposto.
Exemplo disso é o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/5/2011, Processo n.º 241/10.2PHMTS.A.P.1, relatado pela Exma. Desembargadora Lígia Figueiredo, em www.dgsi., no qual pode ser lido o seguinte: “(…)Assim, no sentido de que a notificação daquele despacho deverá ser feita ao condenado mediante contacto pessoal, decidiram já os acórdãos desta Relação de 19/1/2011, 23/2/2011, de 9/3/2011 e acórdão de 20 /3/2011 e no sentido de a mesma deve ser notificada por via posta simples decidiram os acórdãos de 16/3/2011 e 6/4/2011.”
Sobre a citada divergência, podem ver-se, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4/6/2008, Processo n.º 4602/2008-3, relatado pelo Exmo. Desembargador Carlos Almeida, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/6/2008, Processo n.º 4129/2008-5, relatado pelo Exmo. Desembargador José Adriano, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20/1/2011, Processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador Sénio Alves, todos in www.dgsi.pt.
****
Ora, concedemos que a solução subjacente ao despacho recorrido apresenta notórias vantagens a nível prático, designadamente ao nível da celeridade processual e do pragmatismo, promovendo uma aplicação da Justiça muito mais rápida. Porém, a rapidez não é, certamente, o valor máximo a atingir, quando está em jogo a liberdade de um cidadão. Salvo o devido respeito, a referida solução apresenta um aspecto que conduz a uma interpretação contra legem que bule com os direitos ao contraditório e à defesa constitucionalmente consagrados no art. 32°, da CRP. Na verdade, a possibilidade de subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da sentença condenatória esbarra, inevitavelmente, com a redacção clara do art. 214°, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual as "medidas de coacção extinguem-se de imediato (...) com o trânsito em julgado da sentença condenatória".
Entendemos não ser este o local próprio para discutir a natureza jurídica do TIR. Tal tarefa deve ser feita ao nível da doutrina e em devido areópago.
Uma coisa é certa. Incluindo-se o TIR entre as medidas de coacção legalmente previstas (o artigo 196.º, do CPP, está incluído no Título II – Das Medidas de coacção), impossível se torna aderir à tese do despacho recorrido (desenvolvida, aliás, só no despacho de sustentação). Por outras palavras, não há dúvidas de que o TIR é uma verdadeira medida de coacção, como resulta da sua inserção sistemática no Código de Processo Penal, sendo mesmo a primeira dessas medidas elencadas, e as medidas de coacção, nos termos do art. 214.º, n.º 1, al. e), do CPP, extinguem-se, de imediato, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, inexistindo, porque extinto, o TIR, impossível se torna a notificação por via postal simples por aplicação conjugada dos arts. 113°, n.º 1, al, c) e art. 196°, n.º 3, al c), do CPP.
Dito isto, é nosso entendimento que a notificação do despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária deve ser pessoal, pois só esse meio assegura o efectivo conhecimento da decisão. As razões que impõem a notificação do próprio condenado vêm da necessidade de lhe garantir um efectivo conhecimento do conteúdo da decisão que, não pode ser esquecido, implica a privação de liberdade, de modo a facultar-lhe todos os dados indispensáveis para decidir se a impugna ou não e exigem também que a notificação se realize mediante contacto pessoal e não apenas postal, sendo certo que esta não representa mais do que uma presunção de notificação.
Acresce que, após a notificação do despacho que determinou a execução da prisão subsidiária, pode ainda o condenado evitar a privação da liberdade pagando a multa (artigo 49º, n.º 2, do Código Penal) ou requerendo a suspensão da prisão (n.º 3 desse mesmo preceito legal), sem esquecer que o condenado deve ser ouvido antes de ser decidida a aplicação da privação de liberdade (ver recente Acórdão deste TRC, de 12/4/2011, Processo n.º 548/07.6TAAND-B.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Belmiro Andrade), o que reforça o entendimento que se impõe uma notificação pessoal do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária. ****
IV. Decisão:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, declarando-se a irregularidade do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária através de meio postal simples, devendo, por isso, prosseguirem os autos com a notificação pessoal do condenado.
Sem tributação.
****
José Eduardo Martins (Relator)
Isabel Valongo