Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/07.3TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 2º, Nº 1; 5º, Nº 1, AL. B); 23º E 24º DO REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001, DE 22/12/2000
Legislação Comunitária: ARTºS 2º, Nº 1; 5º, Nº 1, AL. B); 23º E 24º DO REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001, DE 22/12/2000
Sumário: 1. - Celebrado um contrato de compra e venda (internacional), com assistência técnica, em que os bens vendidos e a prestação de serviços foram entregues e prestados pela Autora (vendedora) na Alemanha (Hamburgo), onde o Réu (comprador) tem o seu domicílio, reclamando a Autora o pagamento do preço, tanto pelo critério geral do art.2º, como pelo critério especial do art.5º nº1 b) do Regulamento (CE) nº 44/2001 de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1/3/2002, e veio substituir entre os Estados Membros (com excepção da Dinamarca) a Convenção de Bruxelas de 1968, o tribunal alemão é o internacionalmente competente para conhecer da acção.

2. - O Regulamento44/2001 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição (art.23º), quer pela prorrogação tácita da competência (art.24º).

3. - Por ser autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados Membros, a validade do pacto de jurisdição terá que ser aferida nos termos do Regulamento44/2001, e não segundo o direito interno.

4. - Impondo o Regulamento que “o pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito”, tanto a proposta, como a aceitação, deve revestir a forma escrita.

5. - Uma cláusula de pacto atributivo de jurisdição, conferindo competência ao tribunal português, aposta na factura, enviada pela autora (vendedora) ao réu (comprador), só é válida se houver aceitação escrita (e não meramente tácita). Não havendo aceitação escrita, traduz apenas uma proposta e não um verdadeiro pacto de jurisdição.

6. - Para efeitos do art.24º do Regulamento44/2001, sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção da incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, é suficiente para afastar a prorrogação tácita da competência.

7. - Não prevendo o Regulamento44/2001 as consequências da incompetência do tribunal, deve aplicar-se o direito interno do Estado do foro, pelo que a violação das regras de competência directa nele positivadas, configura uma situação de incompetência absoluta (art.101º do CPC), que, quando apreciada no saneador, implica a absolvição da instância ( arts. 288º nº1 a), 493º nº2, 494º a) do CPC ).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - A requerente A..., apresentou, em 22/2/2006, na Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Frades, procedimento de injunção, contra B..., pedindo a notificação para pagar a quantia de € 16.204,49.
Para tanto, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu ao requerido e aplicou numa pastelaria deste, sita em Hamburgo, os equipamentos descritos na factura de fls.3, no valor global de € 50.000,00.
Como o requerido apenas lhe pagou € 35.000,00, ficou em dívida com o remanescente e juros de mora.

1.2. - Notificado o requerido, deduziu oposição e, para além de excepcionar o não cumprimento do contrato, invocou a incompetência internacional do tribunal português, dizendo que o trabalho foi efectuado em Hamburgo, logo o tribunal competente é o do local da residência do devedor.
1.3. - Remetido à distribuição, como processo comum, sob a forma ordinária, replicou a requerente, contraditando a excepção da incompetência do tribunal, alegando ser uma sociedade constituída à luz do direito português, o réu é cidadão nacional e o contrato foi celebrado em Portugal.
Por outro lado, foi estipulado expressamente entre as partes a competência do Tribunal de Oliveira de Frades para dirimir qualquer litígio entre elas.

1.4. - Findos os articulados, foi proferido despacho ( fls.64 a 69 ) que declarou a incompetência internacional dos tribunais portugueses e absolveu o Réu do pedido.

1.5. - Inconformada, a Autora recorreu de agravo, com as seguintes conclusões:
1º) - A competência do tribunal fixa-se no momento da propositura da acção, sendo determinada em face do pedido, nos termos do art.63 nº1 do CPC.
2º) – A acção instaurada contra o Réu destina-se ao cumprimento de obrigação pecuniária, devendo a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento da obrigação ( art.774 do CC ).
3º) – Nos termos do art.61 do CPC, os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique algumas das circunstâncias a que alude o art.65 do CPC, pelo que a acção deve ser proposta em tribunal segundo as regras da competência territorial estabelecida pela lei portuguesa.
4º) – A Autora é uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, e já aqui tinha a sua sede na data em que o pagamento do seu crédito devia ser pago e a declaração de incompetência internacional constitui uma dificuldade apreciável para a cobrança do crédito.
5º) – Sem conceder, entre a Autora e Réu foi convencionado um pacto de jurisdição privativo de competência, ao acordarem expressamente para a hipótese de eventual litígio decorrente do contrato, como foro competente o da Comarca de Oliveira de Frades.
6º) – Esta convenção está vertida na factura, perfeitamente visível e entendível, que a Autora enviou ao Réu, que a recebeu, sendo que nenhuma observação fez, havendo pago parte do preço aí referido.
7º) – Por outro lado, o Réu não impugnou a factura junta aos autos, o que significa que foi aceite nos seus precisos termos, resultando o mesmo de acordo prévio entre as partes.
8º) – O documento é válido, não enferma de vícios, traduzindo a vontade das partes no pacto de jurisdição.
9º) – A incompetência absoluta implica a absolvição da instância ( art.288 nº1 a) do CPC ) e não do pedido, como se decidiu erradamente.
10º) – O despacho recorrido violou as normas dos arts.63 do CC, e arts.61, 65, 101, 288 e 774 do CPC.

Contra-alegou o Réu/agravado preconizando a improcedência do recurso e o M.mo Juiz manteve o despacho impugnado.




II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Problematiza-se no recurso a competência internacional do tribunal para dirimir o litígio que opõe a Autora ao Réu, quanto a saber se é competente o tribunal alemão ( tese do despacho recorrido ) ou o tribunal português ( tese da recorrente ).
A resolução do problema terá que ser encontrada, não pelas regras de conexão do direito interno português, mas antes pelo Regulamento (CE) nº44/2001, de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1/3/2002, e veio substituir entre os Estados Membros ( com excepção da Dinamarca ) a Convenção de Bruxelas de 1968.
O Regulamento comunitário é directamente aplicável a todos os Estados Membros ( excepto à Dinamarca ), por força do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia ( arts.1º, 68º e 76º ), prevalecendo sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional, previstas nos arts.65, 65-A, 1094 e 1102 do CPC ( cf. arts.24 TCE e art.8º nº3 da CRP ), sendo que o nº1 do art.65 do CPC ressalva expressamente o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários.
Importa acentuar que os actos normativos comunitários, entre os quais figuram os Regulamentos, integram a ordem jurídica interna, com os efeitos decorrentes dos princípios da aplicabilidade directa, efeito directo e primado.
O primado traduz a primazia hierárquica do direito comunitário, originário ou derivado, sobre o direito nacional, o que significa que em caso de conflito é aplicada a disposição comunitária e desaplicada a disposição nacional. E o princípio da primazia hierárquica do direito comunitário é hoje incontroverso e tem sido reafirmado pelo TJCE desde o caso Costa v.ENEL ( acórdão de 15/7/64, no proc. nº6/64 ).

2.2. - O âmbito de aplicação do Regulamento nº44/2001 é delimitado em função da matéria ( civil e comercial ) ( art.1º ) e dos sujeitos, por ser aplicável, em princípio, quando o réu tenha domicílio ou sede num dos Estados Membros, sendo irrelevante a nacionalidade da parte ( arts.2º nº1, 3º nº1, 4º nº1 ).
Sobre a competência directa para a acção declarativa, o Regulamento estabelece como critério geral o do domicílio do demandado, sendo, por isso, competente o tribunal do domicílio do réu ( art.2º nº1 ).
Com a regra geral do domicílio do réu, concorrem os critérios especiais de competência legal, previstos na secção II do Capítulo II, podendo o autor escolher qualquer dos tribunais determinados pela aplicação de ambos os critérios ( gerais e especiais ). Ou seja, se o réu estiver domiciliado num Estado Membro, pode ser demandado nos tribunais de um outro Estado, caso se verifiquem os factores de conexão dos arts.5º a 24 do Regulamento.
A requerente ( na qualidade de vendedora ) e o Réu ( na qualidade de comprador ), celebraram entre si um contrato de compra e venda ( internacional ), tendo por objecto um conjunto de equipamentos ( discriminados na factura de fls.3 ).
Na medida em que as partes alegam terem convencionado também a instalação deles, por parte da vendedora, no estabelecimento comercial do requerido ( em Hamburgo ), estamos em face de um contrato de compra e venda, com assistência técnica na sua aplicação ( cf., por ex., Ac STJ de 15/1/92, BMJ 413, pág.503 ), ou contrato misto de compra e venda e de prestação de serviços, de natureza comercial ( arts.2º, 3º, 11 nº2, 463 nº1 do C Comercial e arts.874, 1154 do CC ).
Discutindo-se o incumprimento do contrato, quanto ao pagamento do preço das mercadorias, para a determinação da competência judiciária impõe-se convocar a regra do art.5º nº1 do Regulamento, nos termos do qual é ( facultativamente ) competente o tribunal do "lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão" ( alínea a/), concretizando-se na alínea b/ que no caso da venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, e na prestação de serviços, o lugar num Estado Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
Uma vez assente que os bens vendidos e a prestação de serviços foram entregues e prestados pela Autora na Alemanha ( Hamburgo ) e reclamando o pagamento do preço, o “ lugar de cumprimento da obrigação “ é determinado pela alínea b) do nº1 do art.5º do Regulamento, ao postular um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro
O “lugar do cumprimento da obrigação” é o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço ( cf., neste sentido, Ac do STJ de 3/3/2005, de 11/5/2006, de 23/10/2007, disponíveis em www dgsi.pt ).
Por conseguinte, a primeira conclusão a extrair é a de que, tanto pelo critério geral do art.2º, como pelo critério especial do art.5º nº1 b) do Regulamento, o tribunal alemão é o internacionalmente competente.

2.3. - Tal como já constava na Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 ( publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, série C, nº189, de 28 de Julho de 1990), o Regulamento nº44/2001 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição ( art.23º ), quer pela prorrogação tácita da competência ( art.24º ).

2.3.1. - O pacto de jurisdição:
A Autora, na resposta, invocou o pacto atributivo de jurisdição constante da parte final da factura de fls.3, na qual se menciona “ Em caso de litígio o foro competente é a Comarca de Oliveira de Frades “.
No despacho recorrido considerou-se inválido este pacto, por não reunir os requisitos do art.99 do CPC, com o argumento de que não foi negociado, não podendo concluir-se pela aceitação tácita.
Em contrapartida, objecta a agravante com a validade desse pacto, na medida em que o Réu recebeu a factura e não se opôs.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que a validade do pacto de jurisdição terá que ser analisada à luz do Regulamento nº44/2001, e não segundo o direito interno, pois conforme jurisprudência do TJCE, a noção de pacto atributivo de jurisdição do art.17 da Convenção de Bruxelas, extensível ao art.23 do Regulamento, é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados contratantes, prevalecendo sobre estes, designadamente quando fixem requisitos mais exigentes de forma ( cf. SOFIA HENRIQUES, Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE ) nº44 de 2001, pág.31 e 63 ).
São pressupostos ou condições de admissibilidade dos pactos de jurisdição, a verificação cumulativa: que, pelo menos, uma das partes se encontra domiciliada no território de um Estado Membro, que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado Membro e a internacionalização da situação jurídica controvertida.
O art.23 do Regulamento estabelece os requisitos de validade do pacto atributivo de jurisdição:
a) - Deve indicar os litígios que serão objecto do processo ou qual a relação jurídica que está na origem e designar o tribunal ou tribunais competentes para a sua apreciação;
b) - Quanto à forma, o pacto deve ser celebrado por escrito ou verbalmente, mas confirmada por escrito ( art.23 nº1, 3ª parte, alínea a) ) sendo equivalente à forma escrita qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto ( art.23 nº2 ); em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ( art.23 nº1 b) ); no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes, no ramo comercial considerado, em contratos do mesmo tipo ( art.23 nº1 c) ).
O art.23 do Regulamento, no que tange à validade formal dos pactos de jurisdição, manteve a redacção do art.17º da Convenção de Bruxelas de 1968, aditando o nº2 relativo a comunicações por via electrónica, cuja equiparação com a forma escrita era reclamada pelo art.9º nº1 da Directiva sobre comércio electrónico.
Um pacto de jurisdição pressupõe, por definição, um acordo de vontades entre as partes, ou na linguagem, tanto da Convenção de Bruxelas, como do Regulamento, uma “ convenção “, que deve ser escrita, ou sendo verbal, a sua confirmação escrita, exigindo-se, assim, para a sua validade uma “ formalidade ad substanciam “.
Para o TJCE, ao subordinar a validade de uma cláusula atributiva de jurisdição à existência de uma “ convenção” entre as partes, o art.17 da Convenção de Bruxelas impõe ao juiz chamado a decidir a obrigação de examinar, em primeiro lugar, se a cláusula foi efectivamente objecto de consenso entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, e as exigências de forma visam assegurar que o consentimento seja efectivamente provado ( cf. Ac do TJCE 14/12/1976, Estasis Salotti, 24/6, Colect., pág.717, de 20/2/1997, MSG C-106/95, Colect., p.I-911 ).
Coloca-se a questão de saber se, para efeitos do art.23 nº1 do Regulamento nº44/2001, no que toca à validade formal do pacto de jurisdição, basta a aceitação tácita ou antes pressupõe a aceitação escrita.
Tanto o argumento literal, como sistemático e teleológico, apontam para a exigência de aceitação escrita.
Desde logo, tal decorre do argumento literal, na medida em que “o pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito”, ainda que não seja necessária a unicidade do documento, significando que tanto a proposta, como a aceitação, deve revestir a forma escrita.
No caso de acordo verbal, a validade depende da confirmação escrita, como acto unilateral, e a sua eficácia não depende de aceitação expressa, pelo que se a confirmação é enviada ao outro contraente que a recebe, sem objecções, produz os seus efeitos ( aceitação tácita ).
A jurisprudência do TJCE começou por exigir quanto à confirmação escrita também a sua aceitação escrita ( Ac de 14/12/1976 Segoura c. Bonakdarian, Colect. 1976, 1851 ), vindo a abandonar esta posição em decisões posteriores, ao entender que era suficiente que a convenção verbal fosse confirmada por escrito por um das partes, desde que a outra haja sido notificada e não se tenha oposto ( cf. Ac de 11/6/1985 Berghoefer c. Asa, Colect.1985, pág.2704).
Compreende-se que, nesta situação, seja suficiente a aceitação tácita do acto confirmativo, visto já ter existido acordo prévio.
Mas o mesmo não sucede quando não há um prévio acordo verbal, e, neste caso, a proposta de celebração de pacto de jurisdição só produz efeitos se for objecto de uma aceitação escrita, não bastando a aceitação tácita, conforme o TJCE referiu no citado Ac de 14/12/1976.
Posteriormente, no Ac. do TJCE de 20/2/1997 MSG C-106/95 ( Colect., p.I-911 ), o Tribunal veio a ser menos exigente, introduzindo, porém, a comprovação de relações habituais de negócios em “ relações comerciais correntes”.
Questionava-se se, no âmbito de um contrato concluído verbalmente, um pacto de jurisdição pode, no comércio internacional, ser considerado como concluído na forma exigida pelo art.17º da Convenção, pela simples inexistência de reacção da outra parte contratante a uma carta de confirmação do negócio que o seu co-contrante lhe enviou, ou pelo pagamento reiterado e sem contestação de facturas, quando estes documentos contêm uma declaração previamente impressa indicando o lugar do foro, ou, se, de qualquer modo, é necessário um acordo prévio de vontade dos interessados.
O Tribunal entendeu que a ausência de reacção e o silêncio de uma das partes podem equivaler ao consenso sobre a cláusula atributiva de jurisdição, se esse comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes e se conhecem esse uso ou devem conhecê-lo.
Isto significa que o Tribunal não considerou suficiente uma concordância tácita, pois esta só relevaria desde que conexionada com os usos do comércio internacional.
Também a jurisprudência nacional, a propósito da interpretação do art.17º da Convenção de Bruxelas e nos casos em que a cláusula de jurisdição é aposta em nota de encomenda, sem confirmação escrita da outra parte, diz não satisfazer os requisitos de forma, por ser insuficiente a eventual concordância tácita ( cf., por ex., Ac do STJ de 12/6/97, C.J. ano V, tomo II, pág.123, de 11/11/2003, em www dgsi.pt ).
Neste contexto, a factura enviada pela Autora ao Réu, contendo a cláusula de pacto atributivo de jurisdição, representa apenas uma proposta de contrato e como para produzir efeitos dependia de aceitação escrita ( e não meramente tácita), significa que não houve um verdadeiro pacto de jurisdição.

2.3.2. - Muito embora não tenha sido equacionado, tanto no despacho, como no recurso, vejamos, no entanto, se houve um pacto tácito de prorrogação de competência, nos termos do art.24 do Regulamento ( reproduzindo o art.18 da Convenção de Bruxelas ).
Admite-se aqui a prorrogação tácita da competência quando a parte demandada compareça em juízo, sem arguir a incompetência do tribunal, desde que não se esteja perante competência legal exclusiva ( art.22 ).
Está subjacente a presunção de que ao comparecer perante o tribunal incompetente sem arguir a incompetência, o demandado aceita tacitamente ser julgado por essa jurisdição.
Não há dúvidas de que o Réu arguiu a excepção da incompetência na contestação, mas não foi esse o “único objectivo”, pois também se defendeu relativamente ao mérito da acção.
Deve entender-se, porém, na esteira do TJCE a propósito da norma similar do art.18 da Convenção de Bruxelas, que sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção da incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, isso é suficiente para afastar a prorrogação tácita da competência ( cf., SOFIA HENRIQUES, loc.cit., pág.98 e 99, Ac RC de 12/6/2007, em www dgsi.pt ).

2.4. - Sendo os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a presente acção, por a competência estar deferida pelo Regulamento nº44/2001 aos tribunais alemães, verifica-se que o despacho recorrido declarou a excepção da incompetência e absolveu a Ré do pedido.
Muito embora o Regulamento não concretize as consequências da incompetência do tribunal, deve aplicar-se o direito interno do Estado do foro ( cf., por ex., Ac RP de 8/6/2006, em www dgsi.pt ), pelo que a incompetência por violação das regras de competência directa nele positivadas, configura uma situação de incompetência absoluta ( art.101 do CPC ), que, quando apreciada no saneador, implica a absolvição da instância ( arts. 288 nº1 a), 493 nº2, 494 a) do CPC ).

Em resumo, na parcial procedência do agravo, mantém-se o despacho recorrido, mas com a alteração de que a incompetência internacional tem como consequência a absolvição da instância.

2.5. - Síntese conclusiva:
1. - Celebrado um contrato de compra e venda ( internacional ), com assistência técnica, em que os bens vendidos e a prestação de serviços foram entregues e prestados pela Autora ( vendedora ) na Alemanha ( Hamburgo ), onde o Réu ( comprador ) tem o seu domicílio, reclamando a Autora o pagamento do preço, tanto pelo critério geral do art.2º, como pelo critério especial do art.5º nº1 b) do Regulamento ( CE ) nº44/2001 de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1/3/2002, e veio substituir entre os Estados Membros ( com excepção da Dinamarca ) a Convenção de Bruxelas de 1968, o tribunal alemão é o internacionalmente competente para conhecer da acção.
2. - O Regulamento nº44/2001 admite, como expressão da autonomia privada, a vontade das partes na determinação da competência judiciária, quer através de cláusula atributiva ou privativa de jurisdição ( art.23º ), quer pela prorrogação tácita da competência ( art.24º ).
3. - Por ser autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados Membros, a validade do pacto de jurisdição terá que ser aferida nos termos do Regulamento nº44/2001, e não segundo o direito interno.

4. - Impondo o Regulamento que “o pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito”, tanto a proposta, como a aceitação, deve revestir a forma escrita.
5. - Uma cláusula de pacto atributivo de jurisdição, conferindo competência ao tribunal português, aposta na factura, enviada pela autora ( vendedora ) ao réu (comprador ), só é válida se houver aceitação escrita ( e não meramente tácita ). Não havendo aceitação escrita, traduz apenas uma proposta e não um verdadeiro pacto de jurisdição.
6. - Para efeitos do art.24º do Regulamento nº44/2001, sempre que o demandado compareça e se defenda não apenas com a excepção da incompetência, mas apresente também a sua defesa quanto ao fundo, é suficiente para afastar a prorrogação tácita da competência.
7. - Não prevendo o Regulamento nº44/2001 as consequências da incompetência do tribunal, deve aplicar-se o direito interno do Estado do foro, pelo que a violação das regras de competência directa nele positivadas, configura uma situação de incompetência absoluta ( art.101 do CPC ), que, quando apreciada no saneador, implica a absolvição da instância ( arts. 288 nº1 a), 493 nº2, 494 a) do CPC ).
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar parcialmente provido o agravo e consequentemente:
a) - Confirmar o despacho recorrido, na parte em que declarou a incompetência internacional dos tribunais portugueses;
b) - Revogar na parte em que absolveu o Réu do pedido, absolvendo-se o Réu da instância.
2)
Condenar a agravante e o agravado nas custas do recurso, na proporção de 80% e 20%, respectivamente.
+++
Coimbra, 27 de Novembro de 2007.