Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2680/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
EMBARGOS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1696º, Nº 1, DO CC, E 825º, DO CPC, A PARTIR DA REFORMA PROCESSUAL DE 1995/96
Sumário: 1. A penhora subsidiária dos bens comuns do casal não pode ser realizada, enquanto não for solicitada a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido pedida, sendo, porém, condição suficiente que esta seja requerida, ainda que a mesma seja ordenada, em momento posterior à penhora daqueles, para que o juiz possa mandar penhorar os bens, alegadamente comuns, nomeados pelo exequente.
2. Tratando-se de bens comuns do casal, os embargos de terceiro não devem ser admitidos, na hipótese de o cônjuge do executado haver sido citado, nos termos do disposto pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, não sendo o executado titular de bens próprios suficientes, e não incidindo a penhora sobre os bens que respondem pela dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges.

3. Não obstante a cessação da comunhão conjugal, em consequência do divórcio, determinar uma situação de compropriedade, a extinção do vínculo conjugal não faz operar, automaticamente, a alteração do regime matrimonial de bens, pelo que, sendo a obrigação exequenda anterior à dissolução da sociedade conjugal, os bens comuns do casal mantêm essa qualidade, até à sua divisão e partilha.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A..., residente em Alto da Lousa, Lousa, Castelo Branco, deduziu os presentes embargos de terceiro contra “B...”, com sede em Castelo Branco, pedindo que, na sua procedência, seja decretado o levantamento da penhora que incide sobre o imóvel infradiscriminado, alegando, para tanto, e, em síntese, que foi casada com o executado C..., residente em Alto da Lousa, Lousa, Castelo Branco, até 17 de Maio de 2004, data em que transitou em julgado a sentença que decretou o divórcio entre ambos, tendo-se, a partir de então, os bens comuns do casal dissolvido constituído em compropriedade, sendo requerido inventário para separação de meações, divisão e separação final dos bens comuns do casal, em 1 de Outubro de 2004, sem que a embargante tenha sido parte, quer na acção declarativa, cuja sentença foi dada à execução, quer na própria acção executiva, prédio aquele que integra o acervo dos bens comuns do dissolvido casal e que se encontra penhorado, nos autos de execução comum com o nº 702-A/2001, aos quais os presentes embargos se encontram apensados.
Na contestação, a exequente alega que os presentes embargos não podem ser julgados procedentes, uma vez que a embargante é, também, responsável pelo pagamento aquela de tudo quanto consta na sentença declaratória aludida, porque vivia com o executado, na mesma casa, em economia comum, e a actividade de empreiteiro do marido era desenvolvida para obter rendimentos para o casal e seu agregado familiar.
A embargada alega, ainda, que embargante e executado uniram as respectivas vontades, actuando, dolosamente e em conluio, para obter um resultado que, de algum modo, quiseram ou querem, ou seja, o divórcio, propondo tal acção com a finalidade de o executado ficar sem bens para responder pelas dividas para com a ora embargada, sendo certo, continua, que a embargante nada declarou quanto à comunicabilidade ou incomunicabilidade dos bens penhorados e não requereu, no prazo previsto por lei, ou, em qualquer outro momento, a separação de meações, para que havia sido citada, devendo a execução prosseguir sobre os bens penhorados, nos termos do disposto pelo artigo 825º, nº 4, do Código de Processo Civil (CPC).
Na resposta à contestação, a embargante reafirma que nunca foi parte na acção declarativa, cuja sentença se deu à execução, e que nunca foi notificada para se pronunciar quanto à comunicabilidade ou incomunicabilidade dos bens penhorados, sendo que esse ónus recaía sobre a exequente, porquanto, apenas, foi citada, em 16 de Setembro de 2004, nos termos e para os efeitos do estipulado pelo artigo 825º, do CPC, na qualidade de cônjuge do executado, num momento em que já se encontrava divorciada deste, pelo que, assim sendo, como terceiro, e não como cônjuge do executado, é legitimo o recurso aos embargos de terceiro, que é o meio idóneo para defender a propriedade dos seus bens.
No saneador-sentença, o Tribunal julgou os embargos improcedentes e, em consequência, absolveu a embargada-exequente do pedido contra si formulado.
Desta decisão, a embargante interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Desde a data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, os bens comuns do casal dissolvido constituem-se em compropriedade.
2ª – O artigo 826º, do CPC, é aplicável tanto às penhoras em caso de comunhão, como em caso de compropriedade.
3ª – Finda a comunhão conjugal já não será aplicável à penhora de bens comuns o disposto no artigo 825º, mas sim o artigo 826º, ambos do CPC.
4ª – O douto despacho recorrido fez errónea interpretação dos artigos 825º e 826º, ambos do CPC.
5ª - O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 9º, nº 2, do Código Civil, e 826º, do CPC.
Nas suas contra-alegações, a exequente defende que deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, manter-se, para todos os efeitos, o despacho saneador-sentença.
Na decisão apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do CPC, mas reproduz:
1 - Em 5 de Maio de 2004, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre A... e C..., embargante e executado, nos presentes autos, respectivamente, tendo a sentença transitado em julgado, em 17 de Maio de 2004.
2 - Para separação de meações, divisão e partilha final dos bens comuns do casal, foi requerido inventário, em 1 de Outubro de 2004.
3 - Do acervo comum do casal dissolvido, faz parte o prédio descrito sob o nº 00477/181183 – Lousa, na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco.
4 - O bem, referido em 3, foi penhorado, em 16 de Setembro de 2004, nos autos de execução com o nº 702-A-2001, aos quais os presentes embargos se encontram apensados.
5 - A embargante, nem como cônjuge, nem em seu próprio nome, alguma vez foi parte ou demandada, quer na acção declarativa, cuja sentença condenatória se deu à execução, quer na própria acção executiva.
6 - Em 19 de Abril de 2004, deu entrada em Tribunal a execução de sentença, proferida no processo nº 702/2001, do 3º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em que é exequente “B...” e executado C....
7 - No dia 16 de Setembro de 2004, a embargante foi notificada, nos termos e para os efeitos do estipulado pelos artigos 825º e 864º, nº 3, do CPC.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
E a única questão a decidir, na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, consiste em saber qual o estatuto processual do cônjuge do executado, face à penhora de bens comuns do casal, entretanto, dissolvido por divórcio.

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Porém, a apelante suscitou a questão prévia da obscuridade da sentença, por não ter sido declarada a suspensão da instância executiva, que é consequência directa da instauração do processo de inventário para separação de meações.
A Exª Juiz determinou a subida dos autos a esta Relação, sem se haver pronunciado, expressamente, sobre a questão, nos termos e para os efeitos do preceituado pelos artigos 669º, nºs 1, a) e 3, 668º, nº 4 e 744º, todos do CPC.
Porém, na parte final da decisão recorrida, declarou-se que a junção da certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida determina a suspensão da execução, até à partilha, em conformidade com o estipulado pelo artigo 825º, nº 7, do CPC.
Assim sendo, nada importa aclarar, neste particular, sendo certo que uma declaração formal de suspensão da execução, até à partilha, deverá ser procurada pela apelante, no processo de execução a que os presentes embargos de terceiro se encontravam apensos.

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DO ESTATUTO DO CÔNJUGE DO EXECUTADO

Os embargos de terceiro, expressão processual do meio substantivo de defesa da posse, quando ofendida por diligência judicial, a que alude o artigo 1285º, do Código Civil (CC), perderam a natureza de processo especial, contemplado, então, no artigo 1037º, do CPC, por força da revogação deste normativo, operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, para se enquadrarem, no âmbito dos incidentes da instância, passando a constituir uma subespécie da oposição espontânea Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1996, 158., enquanto incidente processual de intervenção de terceiros, a título principal, nos termos do estipulado pelo artigo 351º, do CPC.
A inovação consiste, face à redacção do artigo 351º, do CPC, em que o terceiro pode agora, através da oposição, mediante embargos, defender, não apenas a posse, mas, também, qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, judicialmente ordenada, de apreensão ou entrega de bens.
No antecedente artigo 1037º, do CPC, a função dos embargos de terceiro estava limitada à defesa da posse, ofendida por qualquer diligência, ordenada judicialmente, como, por exemplo, a penhora, o arresto, o arrolamento, a posse judicial avulsa e o despejo.
Actualmente, os embargos de terceiro passaram a poder basear-se, igualmente, na titularidade do direito de fundo, em especial, o direito de propriedade ou outro direito real de gozo menor, para além da posse, desde que os mesmos sejam incompatíveis com a futura transmissão para terceiros do bem penhorado, através de adjudicação ou venda.
Por seu turno, ao cônjuge do executado é permitida, sem autorização deste, desde que tenha a posição de terceiro, a dedução de embargos para defesa dos seus direitos, relativos aos bens próprios ou aos bens comuns que hajam sido, indevidamente, atingidos, pela diligência, nos termos do disposto pelo artigo 352º, do CPC.
Com efeito, verificam-se situações de indevida apreensão de bens comuns, quando não tenha sido requerida a citação do cônjuge embargante, em conformidade com o estipulado pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, excepto se a penhora tiver incidido sobre os bens aludidos no nº 2, do artigo 1696º, do CC, quando, não tendo sido citado o cônjuge do executado, no património próprio deste ainda existam bens penhoráveis que não foram objecto de apreensão, e, finalmente, quando o cônjuge, único executado, nomear, voluntariamente, à penhora, sem o consentimento do outro, bens comuns cuja oneração careça do consentimento de ambos.
No caso «sub judice», a embargante, cônjuge do executado, não foi condenada na sentença que se executa, nem contra si o exequente promoveu a execução.
A nova redacção que foi dada ao nº 1, do artigo 825º, do CPC, por força do DL nº 38/03, de 8 de Março, segundo a qual, “quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida”, aplicável, «ex vi» do disposto nos artigos 21º, nº 1 e 23º, daquele DL nº 38/03, de 8 de Março, conjugadamente com o texto actual do nº 1, do artigo 1696º, do CC, em conformidade com o qual, “pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”, consubstanciou, como já acontecia com a redacção que aqueles normativos foi introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a eliminação da moratória, tornando válida a penhora de bens comuns do casal, realizada em execução instaurada contra um só dos cônjuges, para cobrança de dívidas por que só ele é responsável, desde que o exequente, ao nomear tais bens à penhora, tenha solicitado a citação desse cônjuge para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida.
Antes da revisão, operada pelo artigo 4º, nº 1, do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, constava do artigo 1696º, nº 1, do CC, que, “pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, neste caso, porém, o cumprimento só é exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens”, enquanto que o suporte processual pretérito daquele artigo 825º, nº 1, do CPC, estava redigido em termos de, “na execução movida contra um só dos cônjuges, a execução dos bens comuns fica suspensa, depois de penhorado o direito à meação do devedor, até ser exigível o cumprimento, nos termos da lei substantiva”.
Independentemente da consideração sobre a questão do momento exacto da realização da citação do cônjuge do executado, que não foi suscitada pela apelante e que, por tal facto, não será objecto de especial alongamento, sempre importará salientar que a mesma não pode ser simultânea com as demais citações, a que se reporta o artigo 864º, do CPC, pois que, necessariamente, haverá que antecedê-las, porquanto só por ela se ultima a penhora, de cuja conclusão aquelas outras citações dependem Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª edição, 196; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 366, nota 1026; RC, de 9-10-90, CJ, Ano XV, T4, 68..
Com efeito, face ao estipulado pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, resulta, tão-só, que a penhora subsidiária dos bens comuns não pode ser realizada, enquanto não for requerida a citação do cônjuge do executado, sendo, porém, condição suficiente que esta seja solicitada, ainda que a mesma seja ordenada, em momento posterior à respectiva penhora, para que o juiz possa mandar penhorar os bens, alegadamente comuns, nomeados pelo exequente.
Mas, se o exequente, ao nomear à penhora bens comuns do casal, pedir a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, o cônjuge do executado, uma vez concretizada a penhora, pode deduzir embargos de terceiro, como hoje resulta do preceituado pelos artigos 351º, 352º e 825º, nº 1, do CPC.
No regime actual, não há lugar à aludida moratória forçada à execução do credor, uma vez que os bens comuns podem ser, imediatamente penhorados, mesmo que a execução seja instaurada só contra um dos cônjuges, para cobrança de dívida por que apenas ele seja responsável, restando ao cônjuge do executado a possibilidade de requerer a separação das meações ou de juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, no prazo de que dispõe para a oposição, devendo o exequente, para esse efeito, no momento em que nomeia bens comuns do casal à penhora, pedir que a citação do cônjuge do executado se faça com essa cominação TC, de 12-11-98, DR, IIª série, 16111..
Depois desta penhora ter sido realizada e inscrita e, tratando-se de bens sujeitos a registo, após a junção da certidão dos direitos ónus ou encargos inscritos, a que alude o artigo 838º, nº 2, do CPC, é que a citação do cônjuge do executado tem lugar.
Por esta razão, não fica o cônjuge do executado impedido de deduzir embargos de terceiro, com função repressiva, embora, dificilmente, possa requerer embargos de terceiro, com função preventiva, ou seja, antes de a penhora ter sido efectivada, mas já depois de ter sido ordenada Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 366, nota 1026; Augusta Ferreira Palma, Embargos de Terceiro, 2001, 112, nota 240..
A isto acresce que, tratando-se de bens comuns do casal, os embargos de terceiro não devem sequer ser admitidos, na hipótese de o cônjuge do executado haver sido citado, nos termos do disposto pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, como aconteceu, no caso em apreço, não sendo o executado titular de bens próprios suficientes, e incidindo a penhora sobre os bens que respondem pela dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, atento o estipulado pelo artigo 1696º, nº 2, do CC.
Por outro lado, o cônjuge do executado deve ser, obrigatoriamente, citado, a solicitação do exequente, de modo a que possam ser penhorados os bens comuns do casal, ou os bens próprios do executado, mas que este não possa alienar, livremente, sob pena de se produzirem os efeitos próprios da falta de citação, em conformidade com o estatuído pelos artigos 825º, nº 1, 864º, nºs 3, a) e 10, a) e 864º-A, todos do CPC.
Finalmente, a este propósito, acentue-se que, definindo o artigo 864º-A, do CPC, o estatuto processual do cônjuge do executado, ao dispor que este “…, citado nos termos do alínea a) do nº 3 do artigo anterior, é admitido a deduzir, dentro do prazo concedido ao executado, oposição à execução ou à penhora e a exercer, na fase do pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, sem prejuízo de poder também requerer a separação dos bens do casal, nos termos do nº 5 do artigo 825º, quando a penhora recaia sobre bens comuns”, tal significa que, a partir da citação, nos termos do estipulado pelo já aludido artigo 864º, nº 1, c), o cônjuge do executado passa a ocupar, funcionalmente, a posição de executado e a figurar como parte no processo, ainda que não como parte principal, não assumindo a sua intervenção a natureza de litisconsórcio sucessivo, mas apenas a de promotor dos termos do processo de separação judicial de bens comuns Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 365 e 366..
Assim sendo, torna-se demasiado estreita a via dos embargos de terceiro, na perspectiva da sustentação da posição prosseguida pelo cônjuge do executado, ora apelante, depois de requerida a sua citação pelo exequente, que promoveu a penhora de bens comuns do casal.
Efectivamente, uma vez alegada a ofensa da posse, a procedência dos embargos de terceiro só se alcança, em princípio, através do estatuto de possuidor causal, isto é, do possuidor que o seja em virtude da titularidade do direito de fundo, quer do direito de propriedade, quer de outro direito real de gozo menor, de possuidor formal em nome próprio, isto é, daquele que, não sendo titular de qualquer direito sobre a coisa, age, materialmente, como se o fosse, exercendo sobre ela os poderes do conteúdo respectivo Meneses Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, 1979, 859., e de possuidor formal em nome alheio, que é aquele que exerce o poder de facto, sem intenção de agir como beneficiário do direito Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, 105., os detentores por acto facultativo e os detentores por título jurídico conferido pelo proprietário, atento o preceituado pelo artigo 1253º, a), b) e c), do CC, salvo se o embargado-exequente alegar e provar os requisitos da impugnação pauliana relativos aos actos onerosos, e se não for julgada procedente a eventual «exceptio dominii» Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 315 e 316. .
Porém, as dificuldades da tese defendida pela apelante não ficam por aqui.
Atento o preceituado pelos artigos 864º, nº 3, a) e 825º, nº 2, ambos do CPC, é ao cônjuge do executado e não ao exequente que compete o ónus da declaração de aceitação ou não aceitação da alegada comunicabilidade da dívida, sob a cominação de a mesma ser considerada comum, como deve ser entendido, na ausência da observância do referido ónus, por parte da apelante.
Por outro lado, defende a apelante que os bens comuns do casal dissolvido se constituíram em compropriedade, desde a data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, por ter findado a comunhão conjugal, sendo, consequentemente, aplicável o disposto no artigo 826º, e não o estipulado pelo artigo 825º, ambos do CPC.
Dispõe o artigo 826º, nº 1, do CPC, que “…, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”, mas apenas o direito que a eles tiver o executado.
Com efeito, o regime consagrado pelo normativo acabado de considerar aplica-se, actualmente, à penhora do direito a uma herança impartilhada, ou seja, à penhora de um quinhão hereditário, ao direito a uma quota parte numa sociedade e à penhora de direito a um património autónomo, cuja titularidade pertença a várias pessoas, mas não, v. g., à penhora do direito à meação do executado nos bens comuns do casal, face à alteração legislativa verificada nos artigos 1696º, nº 1, do CC, e 825º, do CPC, a partir da reforma processual de 1995/96 Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 215, nota 592. .
É que, podendo o exequente penhorar, imediata, mas, subsidiariamente, bens comuns do casal, concretos e determinados, por ter sido abolida a moratória, nas execuções movidas contra um dos cônjuges, nenhum interesse tem para o exequente a penhora do direito à meação, a não ser pela preferência concedida ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, por força da dissolução do casamento, venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge executado.
Porém, não obstante pela cessação da comunhão conjugal, em consequência do divórcio, se transitar de uma situação de comunhão de mão comum ou de património colectivo Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 258. para uma situação de compropriedade STJ, de 19-1-95, www.dgsi.pt, JSTJ00029845; RC, de 12-11-2002, www.dgsi.pt, JTRC01830; RL, de 30-11-90, www.dgsi.pt, JTRL00002566., considerando que a obrigação exequenda é anterior à dissolução da sociedade conjugal, é-lhe aplicável, consequentemente, a regulamentação legal das dívidas dos cônjuges, contida, designadamente, nos artigos 1688º, 1689º e 1789º, todos do CC, mantendo os bens comuns essa qualidade, até à sua divisão e partilha, porquanto a extinção do vínculo conjugal não faz operar, automaticamente, a alteração do regime matrimonial de bens.

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CONCLUSÕES:

I – A penhora subsidiária dos bens comuns do casal não pode ser realizada, enquanto não for solicitada a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido pedida, sendo, porém, condição suficiente que esta seja requerida, ainda que a mesma seja ordenada, em momento posterior à penhora daqueles, para que o juiz possa mandar penhorar os bens, alegadamente comuns, nomeados pelo exequente.
II - Tratando-se de bens comuns do casal, os embargos de terceiro não devem ser admitidos, na hipótese de o cônjuge do executado haver sido citado, nos termos do disposto pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, não sendo o executado titular de bens próprios suficientes, e não incidindo a penhora sobre os bens que respondem pela dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges.
III - Não obstante a cessação da comunhão conjugal, em consequência do divórcio, determinar uma situação de compropriedade, a extinção do vínculo conjugal não faz operar, automaticamente, a alteração do regime matrimonial de bens, pelo que, sendo a obrigação exequenda anterior à dissolução da sociedade conjugal, os bens comuns do casal mantêm essa qualidade, até à sua divisão e partilha.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.
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Custas a cargo da Embargante.