Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3537/06.4TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
CULPA
DEVER DE COABITAÇÃO DOS CÔNJUGES
VIOLAÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1779º E 1787º, Nº 1, DO C. CIV..
Sumário: I – É entendimento dominante o de que a declaração do cônjuge culpado deve exprimir o resultado de um juízo global sobre a crise matrimonial e o contributo dos cônjuges para ela, apoiado nas regras do bom senso, da lógica e da experiência da vida e tendo sempre por base os factos provados.

II - Continua actualizada a doutrina do Assento nº 5/94 do STJ, de 26/01/94 (hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência), no sentido de que “no âmbito e para efeitos do nº 1 do artº 1779º do C.Civ., o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação”.

III – Para configurar a violação de tal dever conjugal de coabitação não basta que objectivamente se constate que um dos cônjuges abandonou o lar conjugal, sendo ainda necessário que resulte provado que tal abandono foi culposo, em termos de permitir formular um juízo de censura por tal comportamento, sobre esse cônjuge.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. A autora, A... , instaurou (em 2/6/2006) contra o réu, B... , ambos com os demais sinais dos autos, a presente acção especial de divórcio litigioso, pedindo que, com o fundamento na violação culposa dos deveres conjugais de respeito, cooperação e coabitação por parte do último, fosse decretado o divórcio entre ambos e, consequentemente, dissolvido o casamento que celebraram entre si, declarando-se o réu o único culpado.

2. Frustada que se mostrou a tentativa de conciliação dos cônjuges desavindos, na sua contestação o réu, no essencial, negou os factos em que a autora consubstanciou o seu pedido de divórcio e, por sua vez, contra-atacou, pedindo, em reconvenção, que fosse decretado o divórcio entre ambos, tendo por fundamento a culposa violação, por parte da última, do dever conjugal de respeito, declarando-se a autora a única culpada.

Pelo que, em tais termos, pediu a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.

3. A autora replicou, concluindo pela improcedência da reconvenção.

4. Admitida que foi a reconvenção, no despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, a que se seguiu a elaboração da selecção da matéria de facto.


5. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – com a gravação da audiência.

6. Seguiu-se a prolação da sentença, na qual, a final, julgando procedente a acção e a reconvenção, decretou, e com base na recíproca violação do dever conjugal de respeito, o divórcio entre a autora e o réu com a, consequente, dissolução do casamento celebrado entre si, declarando ainda culpa de ambos na eclosão desse divórcio.

7. Não se tendo conformando inteiramente com tal sentença, a autora dela interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação.

8. Nas suas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a autora/apelante concluiu as mesmas nos seguintes termos:

“1 – A lei exige que o Tribunal declare a culpa de um ou de ambos os cônjuges na eclosão do divórcio, sendo que se a culpa de um dos cônjuges for consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar qual deles é o principal culpado, nº 1 do artigo 1787º do Código Civil;

2 - No caso de agressões e injúrias recíprocas, para o aquilatar da culpa, há que ter em conta a gravidade, reiteração e consequências dos actos que cada um dos cônjuges praticou, sendo que, se um dos cônjuges sofreu agressões brutais, que, inclusivamente, foram causa de assistência hospitalar e o outro cônjuge, em virtude de agressões e injúrias nenhum dano físico ou psicológico sofreu, aquele que infligiu maior sofrimento e maiores danos terá de ser declarado como principal culpado;

3 – Tendo a Autora/recorrente sido agredida por seu marido, em diferentes datas, logo por várias vezes, através de murros e pontapés e de aperto do pescoço, tendo ficado com hematomas, tendo sido assistida na urgência de hospital, apesar de ela própria Autora ter agredido também o seu marido, ora recorrido, mas sem quaisquer consequências, teremos de considerar que a culpa do Réu/recorrido é substancialmente superior à culpa da Autora/recorrente para efeitos da declaração do cônjuge principal culpado;

4 – Para a valoração da culpa, e em consequência para que tal seja declarado na Sentença que decretou a dissolução do casamento por divórcio, o Meritíssimo Juíz “a quo”, deveria ter considerado o facto de o Réu/recorrido ter saído de casa, que constitui violação do dever de coabitação e ainda o facto de o Réu/recorrido ter deixado, na data em que saiu de casa, de contribuir para as despesas de alimentação e vestuário do agregado familiar;

5 – Ao não o ter feito, o Meritíssimo Juíz “a quo”, violou o disposto no número 2 do artigo 1779º e número 1 do artigo 1787º, ambos do Código Civil;

6 – Por conseguinte, deverá o Réu/recorrido ser declarado como principal culpado na eclosão do divórcio, com as consequências legais.

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***
II- Fundamentação
A) De facto.

Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. Autora e réu contraíram casamento em 3 de Dezembro de 1988, convencionando antenupcialmente o regime de comunhão geral de bens (documentos de fls. 6 e 7 a 9) – alínea A) da especificação.

2. C... nasceu em 17 de Setembro de 1989 e está registado como filho da autora e do réu (documento de fls. 10) – alínea B) da especificação.

3. D... nasceu em 26 de Junho de 2001 e está registado como filho da autora e do réu (documento de fls. 11) – alínea C) da especificação.

4. Em diferentes datas, nomeadamente nos primeiros meses do ano de 2006, o réu desferiu murros e pontapés à autora e apertou-lhe o pescoço, no decurso de discussões com esta – resposta ao quesito 1.º.

5. Em virtude de tais murros e pontapés, a autora ficou com hematomas – resposta ao quesito 2º.

6. Em 12 de Março de 2006, a autora, em virtude de murros desferidos pelo réu no decurso de mais uma discussão, ficou com hematoma no membro superior esquerdo – resposta ao quesito 3.º.

7. Nessa ocasião, foi assistida na urgência do Hospital de ..., em ... – resposta ao quesito 4.º.

8. No decurso das discussões com a autora, em casa, o réu chamou-lhe “vaca” e “puta” e disse-lhe que estava doida – resposta ao quesito 6.º.

9. O réu acordou algumas vezes o filho D... com uma palmada – resposta ao quesito 7.º.

10. A autora contribui para custear a alimentação e vestuário do agregado familiar – resposta ao quesito 10.º.

11. O réu saiu de casa em Maio de 2006, levando os seus pertences – respostas aos quesitos 11.º e 20.º.

12. A autora ficou magoada com os murros e pontapés do réu e expressões que lhe dirigiu nas discussões antes referidas – respostas aos quesitos 13.º e 14.º.

13. Até à data em que saiu de casa, o réu contribuiu para custear a alimentação e vestuário do agregado familiar – respostas aos quesitos 16.º e 17.º.

14. Em diferentes datas, nomeadamente nos primeiros meses do ano de 2006, a autora bateu ao réu, no decurso de discussões com este – resposta ao quesito 18.º.

15. No decurso das discussões com o réu, a autora chamou-lhe “filho da puta”, “ordinário” e “cabrão” – resposta ao quesito 19.º.


***

B) De direito.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, na versão anterior à dada pelo DL 303/07 de 24/8, e aqui aplicável nos termos e por força do disposto nos artºs 11, nº 1, e 12, nº 1, desse DL).
Ora, calcorreando as conclusões do recurso – que, aliás, estão sintonia com as alegações que as precedem -, verifica-se que a única questão que aqui importa apreciar e decidir tem a ver com a atribuição do grau da culpa pela eclosão do divórcio.
Na sentença recorrida decidiu-se culpabilizar ou responsabilizar, na mesma medida, ambos os cônjuges pela eclosão do divórcio.
A autora, por sua vez, discorda dessa parte da sentença, defendendo que o réu deveria ser considerado o principal culpado do referido divórcio.
Apreciemos então.
Começaremos por sublinhar que, dada a data da instauração da presente acção, a questão será apreciada e analisada à luz do regime do Código Civil vigente à data da entrada em vigor da Lei nº 61/08 de 31/10 (cfr. artº 9 dessa Lei).
Dispunha o artº 1787 do CC (que entretanto foi revogado por aquela Lei, mas sem que essa revogação se aplique aos processos pendentes, nos termos daquele seu artº 9) que:
“Nº 1. Se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim, o declarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado.
Nº 2. O disposto no número anterior é aplicável mesmo que o réu não tenha deduzido reconvenção ou já tenha decorrido, relativamente aos factos alegados, o prazo referido no artigo 1786.” (sublinhado nosso)
Resultava, desde logo, de tal normativo que, por um lado, a declaração de culpa dos cônjuges devia ser feita oficiosamente na sentença, mesmo que esse pedido não tivesse sido formulado por qualquer dos cônjuges, por outro, que essa fixação de culpa só deveria ser feita se os autos fornecessem os indispensáveis elementos que permitissem ao julgador formular tal juízo de culpabilidade e ainda, por fim, que esse juízo se poderia apoiar em factos caducos para a o exercício da acção, isto é, mesmo que já tivessem ocorrido há mais de dois anos sobre a data em que o cônjuge deles teve conhecimento (factos que, assim, muito embora, não pudessem ser valorados para decidir a sorte da acção, já, contudo, o poderiam ser para efeitos da fixação da aludida culpa).
A fixação da referida culpa supõe, pois, um juízo de censura à conduta de um ou ambos os cônjuges, responsabilizando-os exclusivamente pela eclosão do divórcio ou pelo contributo que, com as sua condutas, tenham dado para a ruptura do casamento.
Não fornecendo então a lei qualquer regra específica para a definição das culpas dos cônjuges, vinha constituindo então entendimento dominante que a declaração do cônjuge culpado devia exprimir o resultado de um juízo global sobre a crise matrimonial e o contributo dos cônjuges para ela, apoiado nas regras do bom senso, da lógica e da experiência da vida e tendo sempre por base os factos provados. Culpa essa que deve, pois, aferir-se, não por um juízo de censura social, mas antes por um juízo de censura jurídica, suportado na relevância dos factos apurados para a crise do casal e que conduziu à ruptura do seu casamento. (Vidé, a propósito, os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 710”; o prof. A. Varela, in “O Direito da Família, Livraria Petrony 1982, pág. 425”; Ac. do STJ de 23/4/1998, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T2, pág. 57”; Ac. do STJ de 6/12/1990, in “BMJ 403 – 596”; Ac. do STJ de 8/1/1991, in “BMJ 403 - 423”; Ac. do STJ de 13/5/1980, in “BMJ 290 – 399”; Ac. do STJ de 13/5/1980, in “BMJ 297 – 348”; Ac. da RC de 9/11/1982, in “CJ, Ano VII, T4 – 39” e Ac. da RP de 27/1/1983, in “CJ, Ano VIII, T1 – 220”).
A lei deixou, todavia, subentendido que as culpas, em princípio, se presumiam iguais ou equivalentes (cfr. Ac. da RLx de 18/12/1981, in “BMJ 318 – 467”).
Daí que, e dados os importantes efeitos patrimoniais que decorriam da declaração do cônjuge culpado (cfr. artºs 1790, 1791, 1792, e 2016, nº 1 al. a), na redacção então vigente do CC), e tal como escrevem os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in “Ob. cit., pág. 708”), «o juiz só deve declarar um dos cônjuges “principal culpado” quando os pratos da balança em que pesa as culpas dos cônjuges ficarem manifestamente desequilibrados. É a ideia que o advérbio “consideravelmente” pretende exprimir. Se a culpa de um dos cônjuges apenas for um pouco superior à do outro, deve declarar que as culpas dos dois são iguais».

Tendo por base tais considerações, avancemos então, mais firmemente, para a resolução da questão em apreço objecto do presente recurso.

Dado que os mesmos não foram objecto de qualquer impugnação, é com base nos factos dados como provados pela 1ª instância que tal questão, relacionada como o juízo de culpabilidade dos cônjuges, terá que ser equacionada.

Muito embora tal não tenha (como vimos) necessariamente que ter influência no tal juízo de culpabilidade de que aqui tratamos (pois tais juízos de culpabilidade não têm que necessariamente ser coincidentes), como acima deixámos expresso a sentença recorrida decretou o divórcio entre a autora e o réu com base na violação recíproca do dever conjugal de respeito por ambos deles (considerando inverificados os pressupostos da violação dos deveres conjugais de cooperação e de coabitação por parte do último, também invocada pela primeira), assim julgando procedente a acção e a reconvenção.

Conclusão essa que assentou nos seguintes factos, aqui a considerar:

- Em diferentes datas, nomeadamente nos primeiros meses do ano de 2006, o réu desferiu murros e pontapés à autora e apertou-lhe o pescoço, no decurso de discussões com esta.

- Em virtude de tais murros e pontapés, a autora ficou com hematomas.

- Em 12 de Março de 2006, a autora, em virtude de murros desferidos pelo réu no decurso de mais uma discussão, ficou com hematoma no membro superior esquerdo.

- Nessa ocasião, foi assistida na urgência do Hospital de ..., em ....

- No decurso das discussões com a autora, em casa, o réu chamou-lhe “vaca” e “puta” e disse-lhe que estava doida.

- A autora ficou magoada com os murros e pontapés do réu e expressões que lhe dirigiu nas discussões antes referidas.

- Em diferentes datas, nomeadamente nos primeiros meses do ano de 2006, a autora bateu ao réu, no decurso de discussões com este.

- No decurso das discussões com o réu, a autora chamou-lhe “filho da puta”, “ordinário” e “cabrão.

Ora, resulta de tais factos que na sequência de discussões travadas entre ambos, a autora e o réu, por várias vezes, se agrediram mutuamente, quer através da ofensa física, quer através da ofensa moral (injuriando-se).

Muito embora não resulte muito claro da matéria factual apurada, tudo aponta que essas agressões possam ter ocorrido em simultâneo, na sequência das várias discussões em que se envolveram.

Sobre a razão dessas discussões, o porquê de tais agressões e o modo em que se processaram, a matéria factual dada como assente nada nos diz ou esclarece, sendo certo que nem sequer nos permite dela extrair qualquer conclusão indutiva.

No que concerne às consequências das agressões físicas apenas se sabe que nalgumas dessas vezes a autora ficou com hematomas - sendo que numa delas, em que ficou com um hematoma no membro superior esquerdo, recebeu assistência numa urgência hospitalar –, desconhecendo-se das restantes vezes a extensão e o grau de tais lesões (especialmente no concerne à sofridas pelo R.), embora (apenas) se saiba que tais agressões físicas e morais magoaram a autora. É, porém, sabido que aquele tipo de lesão física (o hematoma) é, na escala médico-legal, das menos graves.

Todavia, pode-se dizer que, em termos da sua natureza, tais agressões (físicas e morais) equivalem-se, sendo do mesmo tipo.

Sabemos também que o réu saiu de casa em Maio de 2006, levando os seus pertences. Mas já não sabe a razão pela qual o fez, pois os factos nada nos esclarecem a esse respeito, e tal era importante nomeadamente para podermos concluir pela violação do dever conjugal de coabitação, e retirarmos depois daí as necessárias consequências ou ilações para a fixação do grau de culpa dos cônjuges na rotura da vida em comum.

É que muito embora o abandono do domicilio conjugal por parte do réu pudesse configurar a objectivação da violação do dever conjugal de coabitação por parte daquele, todavia, isso só por si não chega, pois é preciso a demonstração que nesse abandono houve culpa do mesmo.

Na verdade, vinha sendo dominantemente entendido continuar actualizada a doutrina do assento nº 5/94 do STJ de 26/1/94 (hoje com valor de acordão uniformizador de jurisprudência – cfr. artº 17, nº 2, do DL nº 329-A/95 de 12/12), fixada no sentido de queno âmbito e para efeitos do nº 1 do artº 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação”.

Ou seja, vinha sendo prevalecentemente entendido que para configurar a violação de tal dever conjugal de coabitação não bastava que objectivamente se constatasse que um dos cônjuges abandonou o lar conjugal, sendo ainda necessário que resultasse provado que tal abandono foi culposo, em termos de permitir formular um juízo de censura, por tal comportamento, sobre esse mesmo cônjuge. E nessa medida era sobre o requerente do divórcio, invocante da violação de tal dever, que incumbia, à semelhança do que acontecia com os demais requisitos previstos no 1779, nº 1, o ónus de alegar e provar a culpa do cônjuge que abandonou o lar conjugal, pois que, repete-se, o abandono por um dos cônjuges do lar conjugal não era, por si só, suficiente para formular qualquer juízo conclusivo sobre a sua culpa na ruptura da relação conjugal. (Vidé ainda, a propósito, entre muitos outros, os profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Ob. cit. págs. 671 e 677”- onde inclusive afastam a existência de qualquer presunção legal a favor do cônjuge que ficou na residência do casal -; Acs. desta Relação e secção, com os mesmo relator, de 2004/07/07, in “Rec. Apelação nº 1849/04, publicado in www.dgsi.pt/jtrc e de 2004/05/18, in “Rec. Apelação nº 1065/04”; e Acs. do STJ de 09/11/2004, in “Rec. Revista nº 3098/04, 1ª sec.”.

Por fim, apenas sabemos que até à data em que saiu de casa, o réu contribuiu para custear a alimentação e o vestuário do agregado familiar.

É sabido que o dever (conjugal) de assistência se mantém durante a separação de facto dos cônjuges, se esta não for imputável a qualquer deles (artº 1675, nº s 1 e 2, do CC).

Acabamos de ver, que não se sabe porque é que o réu abandonou o lar conjugal (e, consequentemente, não se lhe poder imputar essa separação de facto, já que não ficou demonstrada a sua culpa nessa separação).

Por outro lado, importa reter que, como já vimos, não foi na base da violação daquele dever conjugal de assistência por parte do réu que foi decretado o divórcio.

Por outro lado, importa também ter em atenção que, com vista a demonstrar a violação desse dever, a autora havia alegado que o réu se recusava a entregar dinheiro para os gastos familiares, sendo que tal facto (integrado no quesito 8º) veio a ser dado como não provado.

Por fim ainda, importa ter também em atenção que a aquele facto acima referido resultou da resposta dada ao quesito 16º, onde se perguntava (em facto alegado pelo mesmo) se “foi sempre o réu quem custeou as despesas do agregado familiar?”. Ao que o tribunal respondeu “provado apenas que até à data em que saiu de casa o réu contribuiu para custear a alimentação e o vestuário do agregado família”. (sublinhado).

Ora, da conjugação da resposta a tais quesitos, não se pode concluir que o réu violou o referido dever de assistência. Mas mesmo que assim se não entendesse, então era preciso ter atenção, por um lado, que essa eventual violação ocorreu em plena separação de facto do casal e, por outro, que desde a data em que tal terá ocorrido (e que coincidiu com o abandono do lar conjugal pelo réu) e até à data em que a autora instaurou a presente acção divórcio ocorreu apenas cerca de um mês (e considerando que o mesmo saiu de casa em dia indeterminado do mês de Maio de 2006 e que a acção foi instaurada em 2 de Junho do mesmo ano), sendo certo que não foi estabelecido (em termos de prova) qualquer nexo causal ou a relação entre um facto e o outro.

Ora, sopesando tudo o que se deixou exarado, parece-nos claro que não se pode concluir, sem qualquer juízo de temeridade, que o réu foi mais culpado do que a autora pela rotura do casamento de ambos, e ainda que, por hipótese, se admitisse que a sua culpa foi maior do que a da autora, os factos jamais permitiriam chegar à conclusão que essa culpa fosse considerável ou manifestamente superior à culpa da autora, pressuposto legal esse, como vimos, indispensável para que se pudesse declarar, como pretende a última, o mesmo como o principal culpado pela dissolução do casamento.

E nessa medida – e à luz dos factos apurados - não nos merece qualquer censura a decisão do tribunal a quo ao ter considerado, em igual medida, ambos os cônjuges culpados pela rotura do casamento.

Termos, pois, em que, por tudo o exposto, se decide julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.

Custas pela A./apelante (muito embora seja de tomar em consideração de que a mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário em tal modalidade – cfr. fls. 14/16).