Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2738/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: REQUISITOS DA SENTENÇA
QUESTÃO NÃO FORMAL QUE IMPEDE CONHECIMENTO DE MÉRITO
Data do Acordão: 12/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 374º E 379.º DO CPP
Sumário:

I – Toda a sentença deve obedecer ao formalismo previsto no art. 374.º do CPP com a epígrafe “requisitos da sentença”
II – Se o facto que impediu o conhecimento de mérito foi apurado na audiência, é facto novo contrário ao que constava da acusação.
III – Só após a fixação da matéria de facto e motivação da mesma se poderia partir para a analise de pressupostos que impedissem do conhecimento de mérito.
IV – Quando haja pedido cível formulado, tem de haver conhecimento e decisão sobre o mesmo, sob pena de ser cometida a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

Decisão Texto Integral:

Recurso nº 2738/03
Processo nº 48/02.0GCPBL, do 3º Juízo, da Comarca de A
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado, no qual é arguido:
B, casado, reformado, nascido a 29.11.35, natural de Mata Mourisca, A, filho de C e de D, residente na Rua …, Vale das Moitas, Mata Mourisca, A.
Foi proferida sentença, que julgou prescrito o direito de a assistente deduzir queixa pelos factos que imputa ao arguido.
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o Magistrado do Mº Pº.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso e que delimitam o âmbito do mesmo:
1- A sentença considerou que os factos dos autos ocorreram em Julho de 2001.
2- Dos autos (da queixa e da acusação) constava que tinham ocorrido em Novembro de 2001.
3- Considerou, então, a Mma Juiz que estava extinto o direito de queixa na data em que a assistente a apresentou, por já terem decorrido mais de 6 meses sobre os factos: art° 115 CP .
4- Em consequência de tal entendimento absteve-se de conhecer do mérito da causa.
5- Para chegar a tal conclusão teve a Mma Juiz de efectuar o julgamento e proceder à correspondente produção de prova, pois, tal não resultava dos autos.
6- Não fundamentou, porém, como chegou a tal conclusão.
7- Com efeito, a sentença não obedeceu ao requisito previsto no art° 374° n° 2 CPP .
8- Não enumerou os FACTOS PROVADOS e os NÃO PROVADOS, e designadamente porque considerou provado que os factos ocorreram em Julho de 2001.
9- Efectivamente, não o fazendo, veda a possibilidade aos sujeitos processuais de poder questionar se os factos ocorreram ou não nessa data.
10- A fundamentação tem de esclarecer os caminhos que conduziram à formação de tal convicção: exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
11- A sentença em causa não preenche tal requisito.
12- E tinha de o preencher.
13- Na verdade, sempre que seja necessário efectuar o julgamento para alcançar o convencimento de um facto - ainda que esse facto leve à decisão de um questão prévia - tem de se fundamentar como chegou até essa decisão (não se trata de uma questão prévia tal como prevista no ano 338° CPP).
14- A sentença recorrida não o fez.
15- Assim sendo, violou a norma do ano 374° n° 2 CPP.
16° E, violando-a, é nula, conforme art. 379° n° 1 al. a) CPP
17- Deve, assim, e porque da sentença não constam os factos provados e os não provados, ser repetido o julgamento, porque a prova já perdeu validade, conforme art. 328° n° 6 CPP.
18- Ou se assim se não entender, ser decretada a nulidade da sentença recorrida e ordenada a prolação de nova sentença que, obedecendo aos requisitos do art. 374°, supra os vícios de que padece a presente e ora apontados neste recurso.
JUSTIÇA
Responde o arguido, concluindo:
I. O que está em causa no aresto recorrido não é uma questão prévia a que alude o art.338 do C.P.P. (conclusão 13., do recurso, infine).
II. A questão suscitada é uma questão de direito, de natureza incidental substantiva - a Prescrição de um direito ao exercício da acção Penal- que se insere no âmbito do art368 nº l, do C.P.P.,
III. Pois que resultou de factos derivados da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
IV. E como tal, o tribunal só aí tomou conhecimento.
V. E a questão incidental assim suscitada foi decidida, e bem, em sentença.
VI. Decisão esta, que de acordo com alegações de recurso, o tribunal a quo, em desobediência ao art. 374, nº 2, do C.P.P., não discriminou os factos provados e não provados, nem fundamentou como alcançou a sua convicção.
VII. Contudo, a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são apontados, e que levariam à nulidade prevista no art.379°, nº1, a. a), do CPP.
VIII. Até porque da mesma decorre -embora não expresso e dividido formalmente por items- que "(...) resultou redundante (daí a prova-aditamento e sublinhado nosso) que os factos ocorridos entre arguido e assistente, e que deram origem aos presentes autos, tiveram lugar, não em Novembro de 2001, mas no Verão desse mesmo ano, mais concretamente em Julho (...) ".
IX. Mais ainda, e daí a convicção do tribunal, que " (...)No caso dos autos, resulta de toda a clareza, que a assistente tem que ter tido conhecimento dos factos relatados e dos quais se queixou, logo no dia em que os mesmos ocorreram, posto que denunciou factos susceptíveis de integrar a prática de uma crime de injúrias. (...)".
X. De seguida subsume os factos à lei, por aplicação do art. 115° do C.P.
XI. E conclui pela parte dispositiva, abstendo-se, por verificada a prescrição do procedimento criminal, de conhecer o mérito da causa.
XII. A que acresce ainda, e sem prescindir, que de acordo com decisão jurisprudencial existente tal nem sequer é necessário, pois " os factos provados e não provados que devem constar da sentença são os que se configuram como essenciais, para as questões enunciadas, no nº 2, do art368, do C.P.P. (Ac. do S.TJ., de 14 de Fevereiro de 2001).
XIII. A indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não se categoriza como elemento integrante do requisito "fundamentação da decisão".
XIV. Além de que existe jurisprudência fixada no sentido de que "Não é insanável a nulidade da al.a), do art.379 do C.P.P., consistente na falta de indicação na sentença penal das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo art.374 nº 2, parte final, do mesmo Código, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do art.119° daquele diploma legal (Ac. do Plenário das secções criminais, do S.T.J., de 6 de Maio de 1992 --D.R., I série-A, de 6 de Agosto do mesmo ano).
XV. O juízo valorativo das provas feitas pelo tribunal a quo, depende de elementos só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de primeira instância, que apenas poderá ser afastado pelo tribunal superior em casos excepcionais.
XVI. "O dever de fundamentação - de facto e de direito- a que alude o nº 2 do art.374 do C.P.P., não impõe a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contra provas mas apenas é exigido um raciocínio lógico, uma operação de avaliação da aptidão dos factos para a integração na norma ou normas em ordem a decidir se os mesmos preenchem ou não as definições nelas contidas"- transcrição de parte de sumário de decisão proferida pelo tribunal ad quem, datado de 6/12/2000.
XV11. A sentença a quo obedece aos requisitos estabelecidos no art.374°, nº2, do C.P.P., e por isso, não infere de qualquer nulidade, nomeadamente a invocada da al. a), nº 1, do art.379°, do mesmo diploma legal.
XVIII. Na decisão recorrida fez-se uma correcta interpretação e aplicação das normas contidas no art.115°, do C.P., e arts.368°, nº 1 e 374°, nº2, do C.P.P., pelo que
Devem julgar-se improcedentes as conclusões de recurso, mantendo-se integralmente a sentença proferida pelo tribunal a quo.
Assim se decidindo, se fará JUSTIÇA.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da integral procedência do recurso, entendendo que a sentença está ferida de nulidade nos termos do art. 379, nº 1 al. a), do CPP.
Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
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Conhecendo:
Se há recursos que devem ser rejeitados por manifestamente improcedentes, no caso vertente é manifesta a procedência.
As sentenças são peças processuais que devem observar o formalismo legal, previsto no art. 374 do CPP, com a epígrafe “requisitos da sentença”.
Transcreve-se a sentença sob recurso:
“Mediante requerimento acusatório deduzido pela assistente e acompanhado pelo MP, vem o arguido
B, casado, reformado, nascido a 29.11.35, natural de Mata Mourisca, A, filho de C e de D, residente na Rua da Fonte, ne 8, Vale das Moitas, Mata Mourisca, A
acusado, com base nos factos descritos a fls. 46 e 47, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, da prática de um crime de injúrias, p. e p. nos termos do disposto no art. 18, nº 1 do Código Penal.
O assistente, oportunamente deduziu pedido de indemnização civil pedindo a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 1000€, a título de indemnização pelos não patrimoniais que, com a sua conduta, lhe causou, acrescida de juros à taxa legal, a contar da notificação e até integral pagamento.
Elaborou-se despacho de recebimento da acusação, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância.
O arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas.
Procedeu-se a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do formalismo legal, sendo que a apreciação dos pressupostos de validade e regularidade da instância na sua maioria se mantêm inalterados, à excepção do que se passará a referir.
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Efectivamente, muito embora isso não resultasse dos autos e, por isso, não tenha sido antes objecto de apreciação, da discussão da causa resultou redundante (isso é líquido desde logo das declarações da própria assistente, do arguido, como de mais algumas das pessoas que prestaram o seu depoimento) que os factos ocorridos entre O arguido e assistente e que deram origem aos presentes autos, tiveram lugar, não em Novembro de 2001, mas no Verão desse mesmo ano, mais concretamente em Julho (por indicação da própria assistente que é quem mais razões teria para se recordar da data do que se queixou).
Ora, de acordo com o mencionado art. 115 do CP, e no que ao caso dos autos interessa o lesado com a prática de um crime dispõe do prazo de 6 meses para exercer o seu direito de queixa, sempre que o procedimento criminal dela dependa, contado da data em que teve conhecimento da prática dos factos.
No caso dos autos, resulta de toda a clareza que a assistente tem que ter tido conhecimento dos factos relatados e dos quais se queixou, logo no dia em que os mesmos ocorreram, posto que denunciou factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúrias.
Verifica-se que a queixa foi por ela apresentada em 21.2.2002, pelo que, por referência à data supra enunciada (Julho de 2001), pelo menos no dia 31 de Janeiro de 2002, decorreram, na sua totalidade, os 6 meses supra mencionados.
São termos em que, e com os fundamentos expostos, se julga prescrito o direito de a assistente deduzir queixa pelos factos que imputa ao arguido e, em consequência, com base na falta de tal condição de procedibilidade, me abstenho de conhecer do mérito da causa.
Custas pela assistente, fixando-se a taxa de Justiça em 3 Ucs, acrescida de 1% a favor das vítimas e a procuradoria em 1/3.
Deposite”.
A sentença em causa não observa o formalismo do referido art. 374 do CPP, em relação à al. b) do nº 1; relativamente ao nº 2 não observa, nomeadamente, a enumeração dos factos provados e não provados, não indica os motivos de facto que fundamentam a decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
Só após a fixação da matéria de facto e motivação da mesma se poderia partir para a análise de pressupostos que impedissem o conhecimento de mérito.
É que o facto que impediu o conhecimento de mérito foi apurado na audiência, é um facto novo e contrário ao que constava da acusação.
Também dos autos consta a formulação de pedido cível, e na sentença se faz menção a esse requerimento, mas sem que posteriormente haja qualquer conhecimento e decisão, quer no sentido da procedência ou da improcedência.
A sentença que não observa o disposto no nº 2 do art. 374 é nula, conforme preceitua o art. 379 nº 1 al. a) do CPP.
Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a sentença é nula, art. 379 nº 1 al. c, do CPP.
As nulidades da sentença enumeradas no art. 379, nº 1 do CPP, são oficiosamente cognoscíveis –Ac. do STJ de 31-05-2001, proc. 260/01 -5ª, e a consequência processual da declaração da nulidade é limitada à anulação da decisão, não inquinando o próprio julgamento, pois que a mesma verifica-se em momento posterior ao encerramento da respectiva audiência.
Decisão:
Tendo em conta o exposto, acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo Mº Pº, declarar nula a sentença sob recurso, a qual deve ser substituída por outra que supra as nulidades supra referidas, e com a repetição do julgamento apenas no caso de o Tribunal recorrido vir a considerar que tal se mostra necessário, para aquele efeito.
Sem custas.
Coimbra,