Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERREIRA DE BARROS | ||
Descritores: | APOIO JUDICIÁRIO PRAZOS | ||
Data do Acordão: | 07/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 24º, N.ºS 4 E 5 DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO | ||
Sumário: | A interrupção do prazo por via do disposto no n.º4 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) tem como efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do mesmo artigo. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I)- RELATÓRIO
A.....requereu, no Tribunal Judicial de Viseu, procedimento de injunção contra B..... a fim de obter o pagamento da quantia de € 8.429,12, correspondendo € 4.413,12 a capital e € 3.900 a juros de mora vencidos. Fundamentou a sua pretensão no fornecimento de produtos de uso veterinário, conforme facturas emitidas em 18.10.2002 e 14.03.2003. Como se vê de fls. 5, foi a Requerida notificada, em 14.11.2007, para, em 15 dias, pagar à Requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça paga, ou para deduzir oposição à pretensão. Em 30.11.2007, a Requerida comunicou ao Tribunal ter, nessa data, requerido apoio judiciário, incluindo a nomeação de patrono, ao Centro Distrital de Segurança Social de Viseu, juntando documento comprovativo, como resulta de fls. 6 a 9. Por despacho, exarado a fls. 22, foi declarado interrompido o prazo em curso, com efeitos desde 30.11.2007, até que seja notificado o patrono nomeado da sua designação. Tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, em 26.02.2008, a Delegação de Viseu da Ordem dos Advogados comunicou ao Tribunal ter sido, nessa data, nomeada à Requerida uma Ilustre Patrona, que nessa data foi notificada da nomeação. No dia 11.03.2008, a Requerida deduziu oposição, concluindo pela absolvição do pedido.
Seguidamente foi declarada cessada a interrupção do prazo para deduzir oposição, com efeitos a partir de 26.02.2008. Mais foi julgada intempestiva a oposição, argumentando-se, para o efeito, que o prazo para deduzir oposição era de 15 dias, a partir de 14.11.2007, e na data em que se interrompeu tal prazo, ou seja, em 30.11.2007, apenas restava à Requerida o prazo previsto no art. 145º, n.º5 do CPC para a prática do acto, prazo esse que se esgotou no dia 29.02.2008. Em consequência, foi de imediato proferido despacho a conferir força executiva à petição inicial.
Inconformada, a Requerida agravou de tal despacho, pugnando pela sua revogação, e extraindo da sua minuta de recurso as seguintes conclusões: 1ª-O douto despacho não faz a correcta aplicação do direito aos factos. 2ª-A Lei n.º 34/2004 tem como finalidade assegurar o acesso ao direito e aos tribunais a todos os que por razões da sua condição social e cultural, ou por insuficiência económica poderiam de alguma forma serem impedidos de tomarem conhecimento ou de exercerem os seus direitos. 3ª-Com a nomeação da Patrona, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (art. 24º, n.º1 e 4). 4ª-Nos termos do art. 24º, n.º5, alínea a), o o prazo assim interrompido inicia-se (ou reinicia-se) a partir da notificação ao Patrono nomeado da sua designação. 5ª-A Recorrente, foi notificada a 14.11.2007 para pagar ou deduzir oposição à injunção no prazo de 15 dias. 6ª-Prazo esse que terminou a 30.11.2007. 7ª-A Recorrente a 30.11.2007 requereu ao Centro Distrital da Segurança Social de Viseu apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e nomeação e pagamento de honorários a Patrono. 8ª-Nessa mesma data, 30.11.2007, veio a Recorrente juntar aos autos documento comprovativo de ter sido requerida a concessão de apoio judiciário e nomeação de patrono oficioso, aguardando despacho nesse sentido, interrompendo-se nessa data o prazo que estava em curso, inutilizando assim o prazo entretanto decorrido. 9ª-Foi nomeado patrono por carta remetida pela Ordem dos Advogados, com data de 26.02.2008. 10ª-Notificaçãoe essa que se presume efectuada no dia 29.02.2008, nos termos do art. 254º, n.º3 do CPC. 11ª-Assim, no dia 29.02.2008 inicia-se (ou reinicia-se) o prazo para deduzir oposição nos termos do art. 24º, n.º5, alínea a) da Lei n.º 32/2004, de 29 de Julho. 12ª-Pelo que a oposição deduzida em 11.03.2006 não é extemporânea. 13ª-O douto despacho recorrido considerou a oposição extemporânea. 14ª-Assim, o douto despacho violou os arts. 1º, n.º1 e 34º da Lei 34/2004, bem como o art. 12º do DL n.º 28/98, de 01.09, devendo ser proferido acórdão a revogar o despacho em crise e substituí-lo por outro onde se considere tempestiva a dedução da oposição.
A Requerente não contra-alegou.
Foi mantido o despacho impugnado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II)- OS FACTOS e MÉRITO DO RECURSO
Delimitado que é, em princípio, o objecto do recurso pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC), a única questão submetida a julgamento deste Tribunal consiste em saber como deve ser contado o prazo interrompido na pendência de acção judicial por junção aos autos do documento comprovativo de apresentação de requerimento de nomeação de patrono junto da segurança social.
Os factos com interesse à decisão do recurso foram já acima relatados, e decorrem dos autos. Para conhecimento do mérito do recurso, importa interpretar e aplicar o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, diploma que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais. Assim, segundo o mencionado n.º4, “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo de apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”. E, nos termos o n.º 5, “o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Como explicitamente se exara no despacho impugnado, o prazo interrompido por aplicação do n.º4 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, de 29.07, não inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente à notificação ao patrono nomeado da sua designação ou notificação ao requerente da decisão do indeferimento do pedido de nomeação de patrono. Ou seja, na contagem do prazo será levado em conta o tempo anteriormente decorrido até à data da interrupção. Discorda, porém, a Agravante, porquanto defende que uma vez interrompido o prazo, volta a correr, por inteiro, a partir da notificação a que aludem as alíneas a) e b) do n.º5 do mencionado art. 24º, e, consequentemente, é tempestiva a oposição deduzida em 11.03.2008.
Que dizer? A Lei n.º 34/2004, através do seu art. 50º, revogou a Lei n.º 30-E/2000, de 20.12, prevendo esta também a interrupção do prazo em curso uma vez junto aos autos documento comprovativo da apresentação do requerimento em que é promovido o procedimento administrativo (n.º4 do art. 25º). Já o n.º5 estabelecia que o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior reinicia-se, conforme o caso: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
O art. 56º da Lei n.º 30-E/2000 revogou o DL n.º 387-B/87, de 29.12, prescrevendo este diploma no n.º 2 do art. 24º, na redacção conferida pela Lei n.º 46/96, de 03.09, que “o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido (de apoio judiciário) interrompe-se por efeito da sua apresentação e reinicia-se a partir ir da notificação do despacho que dele conhecer”. Na anterior redacção constava no n.º 2 que “o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido (de apoio judiciário) suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer”. Esse n.º2 tem algum paralelismo com o regime previsto no art. 4º do Decreto n.º 562/70, ao prescrever: “1- O pedido de nomeação de patrono, nos termos do artigo anterior, formulado na pendência da causa, determina a suspensão da instância, salvo se for manifesto que tem natureza dilatória. 2. O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido conta-se de novo, por inteiro, a partir do momento do despacho que dele conhecer”.
Na vigência do DL n.º 387-B/87, mereceu controvérsia na jurisprudência a interpretação do n.º 2 do art. 24º, na sua primitiva redacção, mas, quase unanimemente, entendeu-se que o prazo suspenso por via da formulação do pedido de apoio judiciário voltava a correr, por inteiro, a partir da notificação do despacho que conheça daquele pedido (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, no BMJ 449, p. 304; desta Relação, sumariados no BMJ n.º 407, p. 639 e no BMJ n.º 456, p. 507; da Relação do Porto, na CJ 1991, tomo 3º, p. 257 e na CJ 2003, 1º, p. 193; da Relação de Lisboa, na CJ 1994, 2º, p. 112, na CJ 2002, 2º, p. 118 e sumariado no BMJ n.º 410, p. 863). Essa também a tese perfilhada por Salvador da Costa, no Apoio Judiciário, 1996, p. 172, de Salvador da Costa). Com a redacção introduzida ao art. 24º pela Lei n.º 46/96, ficou, pois, claro que o prazo em curso ficava “interrompido”, e não “suspenso” como anteriormente, cessando a divergência interpretativa. Na verdade, a norma, na primitiva redacção, prestava-se a dúvidas, ao apelar simultaneamente a prazo “suspenso” e prazo que “voltava a correr de novo”, sendo certo na contagem do prazo processual suspenso é considerado o tempo anteriormente decorrido, atenta a regra da continuidade dos prazos (n.º1 do art. 144º do CPC). Julga-se, pois, que, ao conferir nova redacção ao n.º2 do art. 24º, foi propósito do legislador da Lei n.º 46/96 interpretar o n.º 2 do art. 24º do DL n.º 387-B/87. E sobre esta matéria, apenas se vislumbra diferença mínima vocabular entre a Lei n.º 34/2004 e o DL. n.º 387-B/87, na redacção da Lei n.º 46/96 e a Lei n.º 30-E/2000. No primeiro diploma consta “o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se”, e nos outros consta “o prazo interrompido por aplicação no número anterior reinicia-se”. Mas tal mudança vocabular não implica, a nosso ver, efeito jurídico diverso, sendo indiferente o uso de um ou outro verbo. Ao remeter o legislador para a interrupção do prazo em curso, e não suspensão do prazo, não poderia olvidar a figura da interrupção da prescrição dos direitos, cujos prazos são passíveis de interrupção, inutilizando esta todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte (n.º1 do art. 326º do Código Civil). Se estivesse na mente do legislador a simples suspensão do prazo em curso, seria completamente despropositado o uso das palavras “interrompe-se” e “ interrompido”, e sempre seria fácil exprimir a ideia de suspensão do prazo e ainda que a suspensão cessava a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono. E como prevê o n.º 1 do art. 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei , mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Prescrevendo o n.º2 que “ não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. E de acordo com o n.º 3 “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. A interpretação que, no despacho impugnada, é feita aos n.ºs 4 e 5 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, colhe um pensamento legislativo sem correspondência na letra da lei ou deixa implícito não ter o legislador expressado o seu pensamento em termos adequados.
A interpretação que julga interrompido o prazo em curso, com inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º5 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, vem, pois, na sequência do regime anterior, sem apresentação de qualquer motivo pelo legislador para a sua alteração. E é a interpretação que a melhor se coaduna com todo o espírito subjacente à dita Lei, como também a finalidade dos diplomas anteriores, visando o acesso ao direito e aos tribunais. Dispondo o n.º1 do art. 1º que “o acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado oi impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”. E é a interpretação que se compagina também com os princípios constitucionais da igualdade e de acesso ao direito e aos tribunais plasmados nos arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa. Como escreve o acórdão do STJ acima referido, “contactar um advogado é muito fácil para quem pode pagar os honorários, mas a mesma facilidade não ocorre quanto ao pedido de nomeação de patrono pelo réu que não pode pagar [1]. Veja-se que, no caso presente, a seguir a tese do despacho recorrido, e tal como aí expressamente se observa, a partir da notificação à Ilustre Patrona nomeada da sua designação, apenas restava o prazo previsto no art. 145º, n.º5 do CPC para a Agravante deduzir oposição pretensão da ora Agravada. E tal se impunha porque a Agravante foi notificada para deduzir oposição em 14.11.2007 e o prazo interrompeu-se em 30.11.2007.
Em suma, a interrupção do prazo por via do disposto no n.º4 do art. 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, tem como efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º5 do mesmo artigo. Por conseguinte, assiste razão à Agravante, não podendo ser mantido a decisão impugnada que julgou extemporânea a oposição e conferiu força executiva à petição inicial no pressuposto da falta de contestação.
IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão que julgou intempestiva a oposição e conferiu força executiva à petição inicial, devendo os autos de injunção prosseguir a sua normal tramitação. Sem custas (art. 2º, n.º1, alínea g) do Código das Custas Judiciais). COIMBRA,
(Relator- Ferreira de Barros)
(1º Adj.- Helder Roque)
(2º Adj.- Des. Távora Victor)
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