Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
518/09.0GAMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: GRAVAÇÃO DE PROVA DEFICIENTE
Data do Acordão: 10/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 412º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Sendo um funcionário judicial que procede à gravação da prova e sendo os meios técnicos utilizados do próprio tribunal, quando um sujeito processual solicita cópia da gravação, tendo em vista o recurso, confia que a gravação da prova está em perfeitas condições técnicas e que o registo magnético é totalmente perceptível.
Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, não lhe é exigível que proceda à audição dos respectivos suportes magnéticos, com vista à verificação da qualidade da gravação, no prazo de 10 dias, a contar da data em que lhe foi entregue a cópia dos CDs, pelo Tribunal, podendo fazê-lo dentro do prazo da apresentação da motivação do recurso.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da sentença que decidiu:

a) condená-lo pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, al. h), todos do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;

b) substituir a pena de prisão aplicada, pela pena de 100 dias de multa, à taxa diária de       € 6,00;

c) condenar o demandado a pagar ao demandante Hospital a quantia de € 147,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora,

d) condenar o demandado a pagar ao demandante B… a quantia de     € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.


*

A sua discordância encontra‑se expressa na respectiva motivação de recurso de onde retirou as seguintes conclusões:

I- Da prova produzida em audiência de Julgamento, conforme decorre da audição da gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, onde está gravada a prova produzida e da acta do dia 11-10-2010, (embora erradamente conste dia 12-10-2010) pelas 14-15h, constata-se que as declarações do arguido (Conf. gravação em suporte digital com 13m,58s, e acta do dia 11-10-2010), estão imperceptíveis, não se conseguindo decifrar qualquer palavra do que declarou em julgamento.

II- Assim como está irremediavelmente imperceptível o que depôs a testemunha "C...", acerca da matéria dos autos, sendo esta a única testemunha que presenciou os factos pelos quais o arguido vinha acusado. - conf. gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, com 15m-09s, e acta do dia 11-10-2010, (embora erradamente da acta conste o dia 12-10-2010).

III- Pelo que, fica assim irremediavelmente coarctado o direito de defesa do arguido, que pretendendo impugnar a matéria de facto dada como provada, não poderá a mesma ser reapreciada, pelo menos no que toca a estes dois depoimentos, sendo o da testemunha "C..." fulcral para a defesa do arguido, uma vez que foi a única que esteve presente aquando da prática dos factos (ofensas à integridade física) em que o arguido foi condenado.

IV- Encontrando-se coarctado o direito de defesa do arguido bem como o de recurso, uma vez que a prova gravada é inaudível no que toca aqueles depoimentos supra referidos e nos quais assentam a defesa do arguido.

V- Sendo certo, que os depoimentos supra referidos, importantíssimos para a descoberta da verdade, para além de nada se apreender, diga-se, nem sequer é possível compreender o que deles decorre com razoável segurança, sendo todo o teor do depoimento, quer do Arguido quer da testemunha C..., do início ao fim, imperceptível e inaudível, o que consubstancia nulidade processual. - vide entre muitos outros - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1159/04.3TBACB.C1, de 02-02-2010, acessível em - www.dgsi.pt e Ac. da Relação de Guimarães, processo n.º 327/07.0GAPTL.G1 de 03-05-2010, acessível em www.dgsi.pt.

VI- Razão pela qual deverá ser considerada nula a produção de prova e a prova gravada dos autos em epígrafe, e produzida em audiência de julgamento, devendo em consequência ser ordenada a repetição do julgamento.

VII- Ou se assim não se entender, tem de se extrair da deficiência da gravação o efeito próprio de uma nulidade processual: o de anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam,           

sem prescindir,

VIII- Conforme consta da douta sentença foram julgados provados os factos constantes de - II -, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e que se impugnam por via do presente recurso, prova essa que impunha decisão diversa da que se impugnou constante de - III - e que consta da douta sentença.

IX- Como decorre da audição da gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, onde está gravada a prova produzida em audiência de julgamento e da acta do dia 11-10-2010, (embora erradamente da acta conste dia 12-10-2010, certamente por lapso) constata-se que:

       a)  Em relação à matéria constante do pontos "1., 2., 3., 5., 7., 14."

- O arguido negou ter agredido o ofendido e demandante, B..., com uma foice, antes sim com um pau que sempre o acompanha para se apoiar, isto porque o ofendido o tentou atingir com um "barrote", tendo o arguido apenas para se defender (face à sua idade 80 anos) lhe dado uma pancada com o pau na cabeça. - isto com base no depoimento que prestou em audiência, não sendo no entanto, perceptível pela gravação do mesmo. - Cont. gravação em suporte digital com início ao minuto 13m.58s e acta do dia 11-10-2010.

- Sendo o próprio ofendido e demandante aquando de suas declarações quem confirma a existência de um barrote tendo referido, conforme depoimento que se transcreve parcialmente ... " fui almoçar com umas pessoas amigas mais adiante no terreno, e quando vinha a vir para cá pousei o resto do almoço encostado ao meu carro, que tinha lá para levar lenha para casa, e quando venho atrás do carro pego num "barrote" que lá estava para meter na mala do carro para trazer lenha para a lareira, quando este senhor apareceu, mais uma senhora que está ali..." sublinhado nosso.

- Para além de que, o ofendido e demandante aquando do seu depoimento, refere a instâncias do Advogado do Arguido:

- Pergunta do advogado do Arguido: O senhor quando se dirigiu a ele já tinha o Barrote na mão?

Resposta do Ofendido B...:

Eu tinha o barrote na mão !!! - Conf. depoimento do ofendido B… gravado em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, ao minuto 24m, e 06segundos e da acta do dia 11-10-2010, (embora erradamente da acta conste dia 12-10-2010, certamente por lapso)

- O que só por si arrasa por completo o vertido pelo senhor juiz a quo, na sua douta sentença, quando refere que "mais ninguém referiu a existência desse objecto nem o próprio arguido, que denotou a preocupação em exibir um pau aos elementos da GNR que ali comparecerem…",

- Assim, para além do próprio ofendido e do arguido que mencionaram a existência do referido "barrote", também a testemunha "C...", falou acerca do tal "barrote", sendo que esta foi a única que esteve presente no local, e que confirmou a versão do arguido, ou seja o ofendido se dirigiu ao arguido, referindo sai do meu terreno, sai daqui que isto é meu, sendo que entretanto o tentou atingir com o "Barrote", tendo o arguido apenas para se defender dado uma pancada na cabeça do ofendido com o pau que tinha na mão, tendo ambos, arguido e ofendido caído para o chão - isto também com base no depoimento que efectuou em audiência de julgamento, não sendo no entanto perceptível pela gravação inaudível em suporte digital. - Conf. gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, com início ao minuto 15m-09s e acta do dia 11-10-2010,

- A testemunha, "C...", confirmou ainda em audiência de julgamento que não estava no local qualquer "foice", nem de resto qualquer outra testemunha falou em tal objecto, - isto também com base no depoimento que efectuou em audiência de julgamento, não sendo no entanto perceptível da gravação em suporte digital. - Conf. gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, com 15m-09s e acta do dia 11-10-2010,

- As demais testemunhas designadamente, a testemunha Abel da Silva Neves, Teresa Marques Gaspar e Paula Adelina, que prestaram depoimento em audiência de Julgamento do dia 11-10-2010, que não estiveram presentes aquando da alegada agressão, mas que se deslocaram ao local, que confirmaram que não existia qualquer foice no local, antes sim existia um pau, que o arguido utilizava para se apoiar, pois este dada a sua idade 80 anos, tem dificuldades em se apoiar e andar.

- Pelo que, nenhuma testemunha falou ou viu qualquer "foice", para além do arguido, nem tão pouco nenhuma das testemunhas, ouviu, ou viu, ou disse ter visto o arguido a dizer algumas palavras ao ofendido B... conforme consta do Ponto 1. dos factos provados.

- E muito menos os agentes da GNR, D... e F..., que foram chamados ao local, após as alegadas agressões viram qualquer "Foice com um cabo de dois metros de comprimento com uma lâmina curva de 30 cm". – Conf. depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento no dia 18-10-2010, com início às 14h, 10m gravados em suporte digital, sistema de gravação Habilus Media Studio, com início ao minuto 15m-09s, e acta do dia 18-10-2010,

XI- Pelo que, não deveria ter sido considerada provada a matéria factual constante de "1., 2., 3., 5., 7., 14." da douta sentença recorrida que acima se impugnou, pelo menos no que toca a existência de uma "foice" com a qual terá sido perpetrada a agressão.

XII- Não foi, pois, produzida qualquer prova em audiência de julgamento que o arguido tenha praticado do crime de ofensa à integridade física, ainda para mais, qualificada. Existiu, isso sim, por parte do meritíssimo juiz um notório erro na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

XIII- Escudando-se o meritíssimo juiz a quo, para dar como provado o crime de ofensa à integridade física qualificada, nas declarações do arguido, conjugadas com o relatório pericial, que vão diga-se, muito para além do princípio da livre apreciação da prova.

XIV- E que as declarações do ofendido não merecem qualquer credibilidade, uma vez que há anos que está desavindo com o arguido, - facto esse que deveria ter sido levado em linha de conta para ambas as partes, - e não relevá-lo apenas quanto ao arguido e às testemunhas que arrolou conforme fez constar o Senhor Dr. Juiz a quo da sua sentença.

XV- Andou mal, o Ex.mº Senhor Juiz a quo, quando relevou as declarações do ofendido, em detrimento das do arguido, pessoa idosa de 80 anos, com dificuldades de locomoção, conforme foi dito por todas as testemunhas arroladas.

XVI- E por outro lado, se as declarações do arguido não merecem qualquer credibilidade, em virtude daquilo que se deixou dito, muito menos merece o relatório pericial, designadamente quanto ao teor das "Conclusões" nele vertidas, que se transcrevem parcialmente: As sequelas de lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza cortante, o que é compatível com a informação ...

XVII- Ora, extrapola o Senhor Juiz a quo o traumatismo de natureza cortante, se deverá à alegada agressão com a "foice", - que nenhuma das testemunhas viu ou sequer mencionou tal objecto - para além do ofendido ou com a parte metálica do cabo, o que só por si consubstancia uma violação notória do princípio in dubio pro réu, ainda para mais, conforme se infere do referido relatório pericial, ... "compatível com a informação", sendo que nada de diferente certamente nos diria tal relatório se o ofendido tivesse dito aquando da entrada na urgência que tinha sido agredido com um pau, sendo certo que dependendo da natureza, intensidade e local, qualquer objecto pode assumir natureza cortante.

XVIII- Relevando ainda erradamente o excelentíssimo juiz a quo na sua motivação, em violação frontal ao princípio in dubio pro reu, as considerações do elemento da GNR, que nem sequer pegaram no pau, que não lhe parecia adequado a produzir tais ferimentos.

XIX- Extrapolando ainda o Ex.mº Juiz a quo na sua motivação, o facto de o arguido aquando das suas declarações (até aqui não merecedoras da sua confiança) juntamente com a testemunha C..., ter declarado "que se deslocaram para um terreno de natureza agrícola, para apanhar pasto, dirigindo-se para uma eira com o intuito de trazerem um atrelado/carroço torna perfeitamente verosímil a existência de uma foice", sendo que igual raciocínio deveria ter feito o meritíssimo juiz a quo dando como provado o facto de o arguido diariamente se apoiar num pau, ou muleta, como sendo o objecto com que se defendeu, conforme aliás resultou do depoimento de todas as testemunhas arroladas pelo arguido.

XX- Atendendo a todos os considerandos supra mencionados, e ao facto de nenhuma das testemunhas ter sequer falado ou visto uma "foice", antes sim um pau que o arguido (com 80 anos, e de saúde frágil) utilizou para se defender, (em legítima defesa) de um homem mais novo como o ofendido, e ainda atendendo ao facto de a única testemunha presente ter referido que o arguido apenas se defendeu do ofendido, ninguém mais tendo presenciado tais alegas agressões, não poderia o Tribunal a quo ultrapassar na sua livre apreciação da prova, a dúvida para lá do razoável, violando frontalmente o princípio in dúbio pro reo, não podendo a dúvida razoável subsistente prejudicar o arguido, que tem a seu favor a presunção de inocência.

XXI- Ora dos depoimentos acima indicados em "III" para "Prova que impõe decisão diversa da  que se impugnou e que consta da douta sentença" - que por mera economia processual e para evitar novas, maçadoras e inúteis repetições aqui são integralmente reproduzidasforçosamente ter-se-á de concluir que:

- O arguido, não dirigiu ao ofendido quaisquer palavras, antes pelo contrário quem dirigiu a palavra ao arguido foi o ofendido, conforme resulta das declarações da única testemunha presente no local no dia e hora da alegada ofensa.

- É indesmentível que o arguido não desferiu com força uma pancada com uma foice com um cabo de cerca de 2 metros de comprimento e com imã lâmina curva com cerca de 30 cm que tinha nas mãos atingindo-o com a parte metálica do cabo, antes pelo contrário, não existe qualquer prova desse facto, nem a única testemunha que esteve presente no local nem as demais testemunhas quer de defesa quer de acusação que se dirigiram ao local a posteriori, avistaram qualquer foice, ainda para mais com aquele tamanho, e portanto de difícil ocultação.

- E muito menos, de forma alguma ficou demonstrado que ofendido apenas não foi atingido com a foice porque baixou a cabeça e colocou as mãos na frente, tendo, mesmo assim, sido atingido com a parte metálica do cabo, - muito pelo contrário resulta do depoimento (embora o saibamos porque apenas resultou "in loco" da audiência de julgamento, face ao depoimento inaudível) da única testemunha que esteve presente no local onde alegadamente foram praticados os factos.

- Da prova produzida tal matéria não pode ser dada como assente quanto mais não seja porque o arguido e a única testemunha presente referiram que apenas se defendeu da agressão do ofendido B....

XXII- E pelos mesmos fundamentos supra expostos e em consequência da absolvição do arguido que se pretende deve igualmente improceder o pedido de indemnização formulado pelo ofendido, e pelo hospital, uma vez que esta condenação civil tem por base os mesmos fundamentos (ou falta deles) dos quais se recorre.

XXIII- Em face de tão pouco abundante prova (testemunhal e documental) nunca o meritíssimo juiz a quo poderia ter considerada provada a factualidade impugnada e que supra se descreveu em "I" destas alegações.

XXIV- Efectivamente, os citados preceitos legais, artigo 143º n.º1 e 145º n.º 1, e 2, por referência ao artigo 132º alínea h) do Código Penal, sendo que as circunstâncias relativamente a este último, não sendo de funcionamento automático nem taxativas, só podem ser compreendidas enquanto elementos da culpa, exigindo-se por isso, que elas exprimam no caso concreto, insofismavelmente uma especial perversidade ou censurabilidade do agente. - Conf. anotação ao artigo 132º, pág. 481º do Código Penal anotado de Manuel Lopes Maia Gonçalves, 16ª edição.

XXV- Ora para além de o arguido nos presentes autos, apenas ter exercido a acção em legítima defesa, e até retorsão sobre o arguido, e a dar-se como provada a matéria impugnada supra, resulta inequivocamente, que o meio utilizado "pau" que utilizava para se apoiar, não é um meio insidioso para efeitos do disposto no artigo 132.° alínea h) do C.P.

XXVI- Ainda que não competisse ao arguido provar a sua inocência, na nossa modesta opinião, analisados os elementos probatórios que temos vindo a descrever não poderia ter sido julgada provada a matéria factual que aqui foi objecto de impugnação.

XXVII- E se ainda assim essa prova não fosse plenamente ilustrativa do não cometimento do crime de ofensa à integridade física qualificada - e é de forma evidente - sempre a mesma serviria para revelar de forma clara que a actuação do arguido não preenche o tipo específico do crime de que este vem acusado, ou pelo menos o contrabalanço de tais elementos probatórios que são contraditório sempre teria em razão do principio constitucional in dubio pro reo de pender em benefício do arguido e nunca em prole da acusação

XXVIII- Razão peia qual, se entende que a douta sentença, pelo menos violou o princípio constitucional in dubio pro reo.

XXIX- Além de que houve um erro notório na apreciação da prova e uma contradição insanável na fundamentação no acórdão recorrido, sendo que também não deveria ter sido julgada provada a matéria de facto que é objecto de impugnação neste recurso, e afinal deveria ter sido o arguido absolvido.

XXX- Ao não se decidir assim, e face à ausência de prova produzida, foi violada de forma grave os direitos de acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva e garantias de defesa do arguido vertidos nas normas dos artigos 1º, 2º, 13º, 16°, 200 e 202° e seguintes da Constituição da República Portuguesa, e ainda os artigos 7°, 10° e 11° n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso e, como consequência:
A) Serem declarados nulos, por inaudíveis, os depoimentos quer do Arguido quer da testemunha C..., do início ao fim, o que consubstancia nulidade processual, devendo ser ordenada a repetição do julgamento.

Ou se assim não se entender,

B) Deve ser ordenada a repetição da parte viciada

E para o caso de assim não se entender, e sem prescindir,
C) Deve ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido A... na prática de um crime ofensa à integridade física qualificada, e o condenou no pagamento da quantia de 1.000,00 euros a título de danos não patrimoniais a favor do demandante B…, e o montante de 147,00 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais ao Demandante Hospital, substituindo­-se a mesma por outra que o absolva in totum.


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Respondeu a Magistrada do MºPº junto do Tribunal a quo defendendo a improcedência do recurso. Quanto à suscitada imperceptibilidade da gravação das declarações do arguido e do depoimento da testemunha C..., entende que a qualidade da gravação não é perfeita, mas que embora com ruído, é perceptível; ainda assim, para a hipótese de o tribunal de recurso considerar inaudíveis os apontados declarações e depoimento, atendendo a que a deficiência da gravação magnetofónica consubstancia uma nulidade processual, trata-se de vício que afecta apenas o acto viciado, e não toda a prova produzida.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso porquanto, as declarações do arguido e o depoimento da testemunha C... são imperceptíveis e, como tal, interferem na apreciação da matéria de facto. Refere que a «A omissão parcial da documentação da audiência, por deficiência na gravação, que ora se verifica, constitui nulidade sanável», (…) «tendo sido arguida em tempo» e, «o referido vício acarreta a nulidade parcial da audiência de julgamento, havendo apenas lugar à produção da prova na parte omitida ou deficiente, aproveitando-se os demais actos processuais, bem como a nulidade dos actos processuais subsequentes à diligência, designadamente da sentença – art. 122º do CPP». Conclui, assim, que o julgamento deve ser parcialmente repetido, para audição do arguido e da testemunha C....

Os autos tiveram os vistos legais.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, respondeu o arguido concordando com o parecer da Exmª PGA.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição):

2.1. Matéria de facto provada.-----

--- Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:-----

--- - Da acusação - ----

---1. No dia 07 de Novembro de 2009, cerca das 16h00 horas, quando B… se encontrava no seu terreno sito na Rua …, nesta comarca, local onde também se encontrava o arguido A... que se encontrava a cultivar aquela terra, este dirigiu a B... algumas palavras. ---

---2. Quando B... se aproximou do arguido para lhe perguntar o porquê das palavras proferidas, o arguido, acto contínuo, desferiu com força uma pancada com uma foice com um cabo de cerca de 2 metros de comprimento e com uma lâmina curva com cerca de 30 cm que tinha nas mãos atingindo-o com a parte metálica do cabo. ---

---3. O arguido apenas não atingiu B... com a lâmina porque este, ao ver o arguido a brandir a foice na sua direcção, baixou a cabeça e colocou as mãos na frente, tendo, mesmo assim, sido atingido com a parte metálica do cabo. ---

---4. Solicitou intervenção médica de urgência através do número 112, uma vez que sangrava muito, sentindo-se a desfalecer, tendo sido transportado de ambulância para os Hospitais da Universidade de Coimbra onde foi suturado na cabeça

---5. Em virtude deste comportamento do arguido, B... sofreu no crânio, na região inter-parietal, cicatriz longitudinal medindo quatro centímetros de comprimento por sete milímetros de largura e na região parietal esquerda cicatriz linear, longitudinal, medindo um centímetro de comprimento.

---6. Estas lesões determinaram para o ofendido um período de 10 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem consequências permanentes.---

---7. O arguido A... actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de ofender B... no seu corpo e saúde.----

---8. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Apurou-se ainda que:

---9. O arguido encontra-se reformado, aufere uma pensão de cerca de €300,00, e cultiva uma horta; ---

---10. Habita na casa de uma filha; ---

---11. Tem como habilitações literárias o 3º ano de escolaridade;

---12. Não tem antecedentes criminais registados


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--- - Do pedido civil formulado pelo Hospital - ----

--- Para além dos factos acima descritos, provou-se ainda que: --

---13. Na sequência da descrita conduta do Demandado, no dia 07/11/2009, B… foi assistido no Serviço de Urgência dos Hospitais de Coimbra, onde lhe foram prestados cuidados de saúde descritos na factura n.º 2010/3778, no montante de € 147,00. -----


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--- Do pedido civil formulado pelo B… -----

--- Para além dos factos acima descritos, provou-se ainda que:

---14. Em consequência das lesões sofridas o demandante sofreu fortes dores no crânio e ficou prostrado e abalado psicologicamente. ---

---15. Actualmente apresenta uma cicatriz no crânio, sendo que nesse local o cabelo não voltou a crescer. ---


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--- 2.2. Factos não provados.-----

--- - Da acusação ----

--- Não se provou que: ---

---a) Entretanto, B... conseguiu agarrar a foice e retirou-a das mãos do arguido, atirando-a para longe de si, após o que o arguido agarrou-o pelo casaco com a intenção de o continuar a agredir. ---

---b) Não obstante, B... despiu o casaco que trazia vestido, conseguindo desse modo sair do local.


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---- Do pedido civil formulado pelo B... -----

--- Não se provou que: ---

---c) O demandante deslocou-se durante dez dias ao Centro de Saúde da área da sua residência para fazer o curativo.---

---d) Em consequência das lesões sofridas o demandante sofreu fortes dores na face. ----

---e) Que o facto descrito em 15 o desfeia. ---

---f) Vive angustiado por recear que o demandado continue a persegui-lo e que possa voltar a ofendê-lo na sua integridade física, tanto mais que este ameaçou-o que lhe havia de cortar o pescoço.-


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--- 2.3. Motivação da decisão de facto.-----

--- A convicção do tribunal quanto à prova da matéria de facto resultou das declarações do demandante que relatou de forma segura e peremptória ter sido atingido na cabeça com uma pancada desferida pelo arguido munido de uma foice. Descreveu tal objecto.

--- Tais declarações foram conjugadas com o teor do relatório pericial constante de fls. 21 a 25, onde são descritas as lesões sofridas, e é mencionado expressamente que as mesmas terão resultado de um traumatismo de natureza cortante. Também o relatório do episódio de urgência refere que o demandante apresentava duas feridas incisas na região occipital. ---

--- Ao invés, não convenceram as declarações prestadas pelo arguido. Este afirmou que o demandante o insultou e “jogou-lhe com um barrote”, levando-o a desviar-se e a dar-lhe com um pau que trazia consigo, atingindo-o na zona da cabeça, unicamente para se defender. Descreveu que o pau com que atingiu B... tinha cerca de 1 metro de comprimento e a grossura equivalente à de um pulso (pese embora se tenha falado em punho, o gesto efectuado pelo arguido foi a colocação dos dedos em volta do pulso), e de textura lisa, objecto esse que exibiu à autoridade que se deslocou ao local. ---

--- Apesar de fazer questão de mencionar que o demandante o procurou atingir em primeiro lugar com um barrote, a verdade é que de mais ninguém referiu a existência desse objecto. Nem o próprio arguido, que denotou a preocupação em exibir um pau aos elementos da GNR que ali compareceram, no intuito de fazer crer ter sido o utilizado por si, se preocupou sequer em mostrar o suposto barrote, que afinal teria sido o motivo para se defender do demandante. ---

--- Ora, para além dos meios de prova já assinalados, que contrariam a versão apresentada pelo arguido, também a testemunha F…, militar da GNR que se deslocou ao local, apesar de referir que o arguido lhe exibiu um pau como sendo o que supostamente havia utilizado, acabou por deixar expresso que as características que apresentava não eram adequadas a provocar os ferimentos que a vítima apresentada. Tratava-se de um pau com aspecto “meio-podre”, e sem quaisquer vestígios de sangue. --

--- Para além do referido, a circunstância de o arguido e a testemunha C... se terem deslocado para um terreno de natureza agrícola, para apanhar pasto, dirigindo-se para uma eira com o intuito de trazerem um atrelado/carroço torna perfeitamente verosímil a existência de uma foice. ----

--- A bom ver, seria de esperar que o depoimento da testemunha C... pudesse ser decisivo na medida em que foi apontada como a única pessoa que presenciou a factualidade descrita na acusação. Porém, o relato que efectuou dos acontecimentos não foi minimamente convincente. Amiga de há muitos anos do arguido, para quem declarou efectuar trabalhos agrícolas, prestou um depoimento inseguro, com repetições dos pormenores que mais interessavam à defesa do arguido (ex. que o arguido utilizou o pau para se defender), e uma inquietante incerteza em relação a factos que teriam necessariamente de ser do seu conhecimento, mas que perante um eventual cenário de desfavorecimento do arguido, a faziam claudicar demasiadas vezes, como por exemplo as diversas hesitações quanto a eventuais objectos que o demandante traria na mão: primeiro uma saca, depois um serrote, depois uma sarisca, depois já não se lembrava. Quanto ao objecto da agressão negou que o arguido tivesse consigo uma foice assegurando que se tratava de um pau que, à semelhança do relato efectuado pelo arguido, media 1 metro de comprimento, tinha a largura de um pulso e era liso. Ora, perante a demais prova produzida, este depoimento não convenceu.

--- As testemunhas …, genro do arguido, …, filha do arguido, …, neta do arguido, todas de relações cortadas com o demandante, não presenciaram os factos, apenas se deslocaram posteriormente ao local, procuraram salientar e dar relevância ao facto de terem encontrado o demandante exaltado, de ter ofendido verbalmente os elementos da GNR (pelo facto de terem demorado a chegar). Referiram também que o arguido tinha uma embalagem de vinho junto à sua viatura para daí, conjuntamente com o referido estado de exaltação, concluírem com demasiada facilidade que o mesmo estava bêbado. Ora, nada mais corroborou tal conclusão, tendo as mesmas apenas revelado a influência que os conflitos familiares evidenciados tiveram nos depoimentos prestados. E mesmo o eventual estado de exaltação ou nervosismo que o demandante poderia apresentar é perfeitamente aceitável tendo em conta a concreta agressão sofrida e a preocupação em receber assistência o mais rapidamente possível.


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--- No que concerne à matéria factual integradora dos pedido civis formulado tomaram-se em atenção o depoimento da testemunha G…, que relatou ter recebido um telefonema do arguido a pedir ajuda pelo facto de ter sido agredido na cabeça e constatou as dores e sofrimento de que padeceu, conjugado com o relatório pericial já acima mencionado, que definiu as características das lesões perpetradas, e ainda a factura de fls. 79. --

--- A testemunha acima referida depôs de forma segura, coerente, sem hesitações ou contradições de relevo, merecendo credibilidade.----

--- Os factos relativos à situação pessoal do arguido resultaram das suas próprias. ----

--- A ausência de antecedentes criminais resulta do crc junto aos autos.-----


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--- A factualidade não provada resultou da insuficiência dos meios de prova apresentados e que não permitiram uma conclusão diversa.

*

--- Em termos de análise crítica e conjunta da prova produzida cumpre consignar que no decurso do julgamento resultou clara a existência de conflitos familiares acesos entre dois conjuntos de pessoas. Por um lado, o arguido e as testemunhas …,  … e …, sendo que estas efectuaram depoimentos conclusivos e com demasiadas considerações subjectivas sobre aspectos da personalidade do demandante, que nenhuma relevância tiveram no contexto dos factos praticados. Por outro lado, o demandante B... que prestou um depoimento sereno e coerente, sem hesitações, cujo teor foi perfeitamente compatível com a descrição das lesões efectuada no relatório pericial, e também com o demais circunstancialismo já apontado, merecendo credibilidade.

--- A testemunha C..., ao contrário do que seria de esperar, em nada contribuiu para a descoberta da verdade, quando tinha obrigação de o fazer, pois foi a única pessoa a presenciar o sucedido. Deixou-se arrastar pelo propósito que assumiu de beneficiar a posição do arguido e, com isso, prejudicou a sua credibilidade. --

--- Ponderando todos os factores ficou o tribunal convencido que o arguido desferiu efectivamente uma pancada na cabeça de B... fazendo uso de uma foice, não sendo a idade do arguido, ao contrário do que foi defendido em audiência, óbice à concretização da agressão pois, apesar dos seus 80 anos, realiza ainda tarefas agrícolas, mantém uma horta, evidenciando autonomia, não aparentado qualquer aspecto de fragilidade.


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APRECIANDO

Perante as conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à apreciação deste tribunal são:

- a nulidade da produção de prova e da prova gravada, produzida em audiência (face à imperceptibilidade das declarações do arguido e do depoimento da testemunha C...), com a consequente repetição do julgamento;

- a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando o recorrente ter sido efectuada errada apreciação da prova produzida em julgamento e, pugnando pela sua absolvição invoca a violação do princípio in dubio pro reo;

- a verificação dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação.


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Da deficiente gravação da prova (imperceptibilidade das declarações do arguido e do depoimento da testemunha C...)

Na motivação do recurso que apresentou, o recorrente começa por invocar que O presente recurso restringe-se à imperceptibilidade da gravação da prova produzida em Audiência de Julgamento, que coarcta o direito de defesa do arguido, sendo nula a prova produzida em julgamento, e à parte em que foi decidido condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada (…).

Da prova produzida em audiência de julgamento, conforme decorre da audição da prova em suporte digital (…) constata-se que as declarações do arguido estão imperceptíveis, não se conseguindo decifrar qualquer palavra do que declarou em julgamento.

Assim como está irremediavelmente imperceptível o que depôs a testemunha C..., acerca da matéria dos autos, sendo esta a única testemunha que presenciou os factos pelos quais o arguido vinha acusado (…).

Pelo que, fica assim irremediavelmente coarctado o direito de defesa do arguido, que pretendendo impugnar a matéria de facto dada como provada, não poderá a mesma ser reapreciada, pelo menos no que toca a estes dois depoimentos (…).

Encontrando-se coarctado o direito de defesa do arguido bem como o de recurso, uma vez que a prova gravada é inaudível no que toca àqueles depoimentos e nos quais assenta a defesa do arguido.

Conclui pela nulidade da prova, devendo, em consequência, ser ordenada a repetição do julgamento, ou se assim não se entender, a anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam.


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Conforme o estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º do CPP «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devam ser renovadas e, Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».

E, nos termos do disposto no artigo 363º do CPP (com a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-8) «As declarações prestadas oralmente em audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade», estando a forma da documentação descrita no artigo 364º.

Assim, quer a omissão total ou parcial da gravação, quer a sua imperceptibilidade (quando esse segmento da prova for essencial ao apuramento da verdade) constitui nulidade, a qual tem influência na decisão da causa, na medida em que o recorrente fica impossibilitado de cumprir o ónus de especificação previsto no citado artigo 412º ([1]).

Não constando esta nulidade do elenco das nulidades insanáveis (art. 119º do CPP), está a mesma dependente de arguição. Contudo, também esta nulidade não está especialmente prevista e sujeita ao prazo de arguição a que alude o n.º 3 do artigo 120º do CPP, afigurando-se-nos que não tem de ser aplicado o prazo geral de arguição de 10 dias (a contar da entrega dos suportes técnicos pois, só a partir da entrega tomou conhecimento da deficiência da gravação) do artigo 105º, n.º 1 do CPP.

Como se observa na sentença recorrida, concretamente da Motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal formou a sua convicção essencialmente com base no depoimento do ofendido, conjugado com o relatório pericial de fls. 21/25; não tendo considerado convincentes as declarações do arguido e o depoimento da testemunha C... que foi apontada como a única pessoa que presenciou a factualidade descrita na acusação.

Assim sendo, com o presente recurso, visando o recorrente a reapreciação da matéria de facto, a gravação perceptível de tais declarações e depoimento é essencial para o apuramento da verdade, tal como foi alegado.

Efectivamente, com o novo regime da documentação das declarações prestadas em audiência, a prova deixou de ser transcrita e, sendo impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal procede à audição ou à visualização da gravação magnetofónica ou audiovisual (art. 412º, n.º 6 do CPP).

Como sabemos, a gravação dos depoimentos orais prestados em audiência destina-se, para além do mais, a habilitar o tribunal de recurso a apreciar se a matéria de facto foi julgada em conformidade com a prova produzida.

Ora, sendo um funcionário judicial que procede à gravação da prova e, sendo os meios técnicos utilizados do próprio tribunal, quando um sujeito processual solicita cópia da gravação tendo em vista o recurso, confia que a gravação da prova está em perfeitas condições técnicas e que o registo magnético é totalmente perceptível.

Ainda que se entenda que uma actuação prudente implicará a verificação imediata da qualidade da gravação, afigura-se-nos que pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, não lhe é exigível que proceda à audição dos respectivos suportes magnéticos no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a cópia dos CDs pelo Tribunal, podendo fazê-lo dentro do prazo da apresentação da motivação do recurso. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos da RC de 1-7-2008, de 15-4-2008 e da RP de 5-5-2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e, ainda o acórdão da RC de 2-6-2009, por nós relatado no proc. 2489/06. 5TALRA.C1.

Perante a arguição do ora recorrente, procedemos à audição das declarações e depoimento em causa, onde verificámos que o ruído é constante, impossibilitando a audição, ou a perceptibilidade da audição dos mesmos.

Nos termos expostos, na situação dos autos, não sendo perceptível a gravação da prova, ficou inviabilizado o recurso do recorrente e a apreciação da prova pelo Tribunal ad quem, e consequentemente foram lesados os direitos de defesa do arguido/recorrente garantidos pelo artigo 32º, n.º 1 da CRP, como alega o recorrente.

Deste modo, procede a arguida nulidade e, independentemente de alguns depoimentos serem perceptíveis, conforme Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 11/2008 ([2]), de 29-10-2008, tendo o STJ decidido que “a perda da eficácia da prova ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do CPP”, mostrando-se excedido o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 328º do CPP, deverá proceder-se a novo julgamento.

Em consequência, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Julgar procedente o recurso e, em consequência, declarar a invalidade do julgamento, bem como da sentença dele dependente, determinando-se a realização de novo julgamento.

Sem tributação.


*****                                                                            

                                                       Coimbra,


[1] - Anteriormente, o STJ havia fixado jurisprudência no acórdão n.º 5/2002, de 27-6, publicado no DR, I-A Série, de 17-7-2002, de que «A não documentação das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123º do mesmo diploma legal, pelo que uma vez sanada o tribunal já dela não pode conhecer».
[2] - Publicado no DR 239, Série I, de 11-12-2008.