Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2353/05.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 566º, Nº 3, 564º, Nº 2 E 562º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A incapacidade permanente parcial determina danos patrimoniais futuros, em virtude das consequências inabilitantes que provoca no desempenho da vida profissional do lesado, com a diminuição da capacidade de trabalho, ou, pelo menos, com um dispêndio e desgaste, físico e psíquico, suplementares, em relação ao que acontecia no antecedente, para atingir metas idênticas, constituindo, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da retribuição salarial ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos, para além de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial.

II - É de atribuir à autora, médica cirurgiã dermatologista, com 37 anos de idade, à data do acidente, o vencimento mensal de 1901,32€, uma expectativa de vida profissional activa de 33 anos, uma esperança de vida de 34,6 anos e uma IPP de 20%, a título de danos patrimoniais futuros resultantes dos esforços, significativamente, acrescidos que realiza, no exercício da sua actividade profissional, com recurso à equidade e em sede de prudente arbítrio, mas dentro dos padrões delimitados pelas fórmulas de cálculo adoptadas, o quantitativo de 300000,00€.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... , casada, médica dermatologista, residente na Rua ......, em Coimbra, propôs a presente acção, com processo ordinário, contra “B...., Companhia de Seguros, SA”, com sede na Rua ...... Porto, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar à autora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de 567124,80€, em consequência do acidente de viação, em que interveio, quando conduzia o veículo automóvel, de matrícula X... , que foi embatido, na respectiva parte traseira, pelo veículo automóvel dirigido por C... , de matrícula Y... , segurado na ré, quando aquela se encontrava parada, em fila de trânsito, com os quatro sinais de “pisca-pisca” accionados.
Na contestação, a ré aceita a imputação da culpa na verificação do acidente, por parte do condutor da viatura segura, mas impugna as quantias pedidas, a título de indemnização.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora o quantitativo de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros), a título de danos patrimoniais, apurados e futuros, e a importância de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), a título de danos de natureza não patrimonial, incluindo os juros de mora, vencidos desde a data da citação, à taxa legal vigente, no mais absolvendo a ré do pedido.
Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua anulação ou, se assim se não entender, da alteração da matéria de facto considerada provada, revogando-se a decisão quanto ao montante fixado, a titulo de danos patrimoniais, que deve ser inferior a 75.000,00 €, formulando as seguintes conclusões:

            1ª – O Tribunal «a quo» ao responder da forma como fez aos pontos 32 a 43 reproduziu as considerações constantes do relatório médico junto aos autos com a petição inicial.

2ª - Desconsiderou em absoluto o conteúdo plasmado no relatório médico elaborado na sequência da perícia requerida no âmbito da presente acção.

3ª - Não fundamentou esta sua decisão de modo a que os sujeitos processuais possam compreender a opção transposta para a decisão em recurso.

4ª - A consequência dessa falta de fundamentação, de acordo com o disposto no artigo 668° do CPC, é a nulidade da decisão recorrida.

5ª - Mesmo que assim não se entenda, às perguntas constantes dos quesitos 32 a 43 devia o Tribunal a quo ter respondido de modo diferente, pois da análise crítica do relatório da perícia médico-Iegal, bem como dos esclarecimentos prestados pela sua subscritora Sr.a Dr.a D... e das regras da experiência comum resultam factos distintos daqueles.

6ª - Nas respostas dadas aos quesitos 32 e 33 deve ser eliminada a expressão "Actualmente" e, em sua substituição, referida a data em que a recorrida se submeteu ao exame, ou seja, 12 de Dezembro de 2003.

7ª - Às perguntas constantes dos quesitos 50, 51 e 52 devia o Tribunal a quo ter respondido "não provado", pois da análise dos documentos de natureza fiscal juntos aos autos resultam factos e montantes que não se coadunam com as conclusões aqui plasmadas.

8ª - O direito à indemnização por danos de natureza patrimonial tem a medida estabelecida nos artigos 562° e seguintes, devendo o quantum dessa indemnização repor a situação que existia no momento da lesão.

9ª - Sempre que não se revele possível ou adequado à situação concreta a reconstituição natural, proceder-se-á à fixação de uma indemnização em dinheiro que, nos termos do artigo 566° CC terá como medida "a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos".

10ª – À recorrida foi reconhecida uma incapacidade permanente que apesar de parcial (fixada em 20%, no nosso entender) poderia, eventualmente, significar uma diminuição da capacidade laboral e, portanto, traduzir-se numa perda de rendimentos futuros.

11ª - Das declarações fiscais juntas aos autos resulta que o rendimento anual da recorrida era, em 2003, de € 41.609,58.

12ª - A recorrida tinha à data do acidente 37 anos de idade e, como tal, 28 anos de vida activa.

13ª - Apelando às várias fórmulas de que a nossa jurisprudência se tem socorrido para alcançar um valor que possa balizar o montante adequado à situação concreta, encontramos quantias situadas entre os €155.000,00 e os €185.000,00, pelo que não entendemos como a Meritíssima Juiz a quo apurou o montante de € 600.000,00.

14ª - Como refere a decisão recorrida "não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional, em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos, na medida exacta proporcional à da incapacidade funcional em causa".

15ª - Das declarações fiscais apresentadas pela recorrida resulta que não houve qualquer repercussão negativa sobre o rendimento da recorrida face à incapacidade de que alegadamente ficou portadora, ou seja, esta não ficou afectada na sua capacidade de ganho.

16ª - Deste modo, as lesões corporais sofridas pela autora e suas consequentes sequelas são indemnizáveis em termos de dano biológico.

17ª - Todos estes elementos têm de ser conjugados para, à luz dos juízos de equidade, moldar o valor acima encontrado para um montante justo e adequado ao caso concreto.

18ª - E de tal conjugação resulta que o montante indemnizatório a fixar à autora, a este título, deve sê-lo em quantia não superior a € 50.000,00.

19ª - O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou as disposições conjugadas dos art°s 389°, 483º e seguintes, 562° e seguintes do Código Civil, 264°, 514°, 515°, 591°, 653°, 655° e 668° do Código de Processo Civil.

Nas suas contra-alegações, a autora defende que o presente recurso deve ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se, integralmente, a sentença proferida.

                                                     *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da nulidade da sentença.
III – A questão da fixação do montante da perda da capacidade de ganho.

           I. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Defende a ré que o Tribunal «a quo» deveria ter respondido, de modo diferente, aos pontos 32 a 43, pois que da análise crítica do relatório da perícia médico-Iegal, dos esclarecimentos prestados pela sua subscritora, Sra Dra D..., bem como das regras da experiência comum resultam factos distintos daqueles.

Porém, a ré não indicou o concreto sentido de orientação a conferir às aludidas respostas à base instrutória, com excepção dos pontos nºs 32 e 33, todas elas de natureza afirmativa, nomeadamente, se deveriam ficar a constar como respostas explicativas, restritivas ou negativas, não esclarecendo o sentido exacto das respostas que entende corresponderem, correctamente, à prova produzida nos autos.

Efectivamente, segundo o texto preambular do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, o recorrente tem sempre o duplo ónus de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada, por erro de julgamento, e de fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios, constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicam decisão diversa da tomada pelo Tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente[1], tal como vem reproduzido pelo artigo 690º-A, nºs 1, b) e 2, do CPC.

Pelo exposto, a ré, ao recorrer da decisão sobre a matéria de facto, não observou o estipulado pelo artigo 690º-A, nºs 1, b) e 2, do CPC, que impõe a observância de determinados ónus, que não satisfez, na sua totalidade, o que implica o não conhecimento do objecto da apelação, neste particular.

Recuperando, porém, o teor das respostas proferidas aos pontos nºs 32 e 33 da base instrutória, donde consta “actualmente a A. apresenta: contractura paravertebral esquerda permanente; dor na elevação dos braços acima dos 90.º; impossibilidade de pegar em pesos; parestesias do bordo interno do braço esquerdo, até á extremidade dos três últimos dedos (médio ao mínimo); diminuição da força muscular da mão esquerda e arrefecimento dela; impossibilidade de permanência, na mesma posição, por períodos prolongados (actos cirúrgicos ou tratamentos médicos com aparelhos); impossibilidade de cuidar das filhas, concretamente de lhes dar banho e de condução automóvel em viagens longas; dificuldade em trabalhar no computador; proibição médica da prática do ski, à qual, de longa data, se dedicava com regularidade em pistas estrangeiras; impossibilidade de caminhar com sapatos de saltos altos; dificuldade em usar carteira no ombro esquerdo, por isso lhe despertar dor cervical, com irradiação para os ombros; dificuldade em lavar a cabeça no cabeleireiro” [32] e “apresenta actualmente as seguintes lesões relacionadas com o evento: limitação da mobilidade activa e passiva da coluna cervical em todos os movimentos, mais acentuada para a direita; limitação por dor na elevação dos membros superiores acima dos 90°; dificuldade em levar as mãos à nuca e atrás das costas, por despertar dor, mão esquerda mais fria” [33], entende a ré que das mesmas deve ser eliminada a expressão "actualmente" e, em sua substituição, referida a data em que a recorrida se submeteu ao exame, ou seja, 12 de Dezembro de 2003.

Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os dois pontos da matéria de facto cuja alteração a ré suscitou, que a perita, Drª D..., médica do Instituto Nacional de Medicina Legal, que subscreveu o relatório de folhas 191 a 201, disse que as sequelas constantes destes dois pontos controvertidos da base instrutória “são as queixas que a autora apresentou quando veio fazer o exame, em 6 de Outubro de 2006”.

Por seu turno, a testemunha Dr. E... , médico neuro-cirurgião e perito médico da ré, disse que “estes doentes, como é o caso da autora, vão andar com períodos em que andam com sintomas e outros não. Estas lesões não progridem com o tempo, mas a pessoa que fica bem não é dada como curada sem apresentar sequelas, e estas sequelas vão-lhe dar sintomas ocasionais e dão-lhe uma limitação reduzida para a transgressão. Não é costume uma agravação da situação, mas uma ondulação, com períodos maus e períodos bons”.

Assim sendo, é este depoimento, cientificamente, escorreito e, intelectualmente, honesto da própria testemunha arrolada pela ré que permite considerar que as aludidas sequelas se manterão, com altos e baixos, alternando os dias em que a autora se esquece das mesmas com aqueles em que pensa que jamais será a mesma pessoa, e que justifica a manutenção do advérbio de modo, “actualmente”, na redacção daqueles pontos nºs 32 e 33, embora neles se introduza a referência, “em intervalos cíclicos irregulares”.

Finalmente, a ré defende a alteração das respostas dadas aos pontos 50, 51 e 52, a que o Tribunal «a quo» deveria ter respondido "não provado", com base na análise dos documentos de natureza fiscal, juntos aos autos.

O Tribunal «a quo» respondeu, afirmativamente, aos pontos [50] “é ainda sócia de F..., sociedade por quotas de responsabilidade limitada que tem por escopo a prestação de serviços de dermatologia, pneumologia e alergologia e realização de exames complementares de diagnóstico onde é remunerada na qualidade de prestadora de serviços”, [51] “no que toca à sua actividade profissional, no ano de 2003, para efeitos de IRC, apresentou a quantia de 86 780,78 € relativa a recibos verdes, emitidos por tal sociedade, por força dos recebimentos a que a mesma teve direito, em virtude da actuação médico-profissional da autora” e [52] “no tocante ao ano de 2003, o rendimento produzido pelo trabalho da autora e do qual a mesma foi colectada em sede de IRS, atingiu o montante de 81221,86 €”.

Neste particular, a testemunha G... , assistente de consultório, disse que “a autora é sócia de F...”, a testemunha H... , técnico oficial de contas e gerente da empresa que faz a contabilidade de “F...”, disse que a autora é sócia desta, a quem presta serviços de dermatologia, quer a doentes desta empresa, quer de outras para quem a mesma sociedade presta serviços”, e ainda que “no ano 2003, a sociedade F..., atribuiu à autora, de serviços prestados por esta, a quantia de 81221.60€, sendo 14991,09€, a título de trabalho independente (prestação de serviços), tendo a autora recebido, ainda de trabalho dependente, por exemplo, dos HUC, 26618,49€”.

Por outro lado, resulta, igualmente, do teor dos documentos de folhas 53 a 61 e 282 a 294, que o rendimento bruto do trabalho dependente da autora, declarado para efeitos de IRS do ano de 2003, foi de 26618,49€, enquanto que o valor respeitante a prestações de serviços e outros rendimentos do mesmo ano fiscal foi de 14991,09€.

A isto acresce que, em conformidade com o teor dos documentos de folhas 256, 258, 271 a 274, o montante da prestação de serviços efectuados pela sociedade “F...” foi de 86780,78€.

Assim sendo, importa alterar a redacção dos pontos nºs 51 e 52, mas mantendo-se a do ponto nº 50, todos da base instrutória, nos seguintes termos:

Do ponto nº 51 ficará a constar que “no ano de 2003, para efeitos de IRC, a sociedade F..., apresentou um montante de prestação de serviços efectuados de 86780,78€” e, do ponto nº 52, que “no tocante ao ano de 2003, o rendimento produzido pelo trabalho da autora e do qual a mesma foi colectada, em sede de IRS, atingiu o montante de 41 609,58€”.

Em conformidade com o exposto, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:

No dia 27 de Setembro de 2003, pelas 15,20 horas, a autora conduzia o veículo automóvel ligeiro, matrícula X..., marca Mercedes, modelo CDI 220, no IC 2, área da Comarca de Coimbra – A).

Na referida via, próximo de um entroncamento nela existente, que dá acesso ao lugar da Pedrulha, do concelho de Coimbra, sentido "norte-sul", encontrava­-se parada, em fila de trânsito, com os quatro sinais de "pisca-pisca" accionados – B).

O veículo por ela conduzido, propriedade de F..., foi embatido, na parte traseira, por outro automóvel ligeiro, no caso o Fiat Uno, matrícula Y..., propriedade deC... que, no momento, o conduzia – C).

Este proprietário fez transferir para a ré a responsabilidade civil por danos a terceiros, no exercício da condução do dito automóvel, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº 45/00061408/80 – D).

O veículo conduzido pela autora foi projectado, após o embate, sobre um outro que o precedia, na referida fila de trânsito – E).

Este, então, conduzido pelo Senhor I... , funcionário da J......, de quem este último veículo era propriedade - um Citroen, modelo Picasso, matrícula Z..., propriedade da referida entidade patronal do condutor I... – F).

Interveio a PSP de Coimbra, a qual procedeu a "participação de acidente de viação", a que foi atribuído o designativo "Acidente n°1930, em 28-09­03", conforme documento 1 junto à petição iniciaI – G).

O condutor do veículo que veio a embater naquele conduzido pela autora fez accionar o sistema de travagem, como o próprio reconheceu perante a PSP, mas isso não se mostrou suficiente para evitar a colisão, acima referida – H).

A qual ficou a dever-se não só à circunstância de o condutor do Y... imprimir a este uma velocidade desadequada – seguramente, superior a 60 Kms/hora - às condições do local, maxime, atento o já falado grande fluxo de veículos, e ao facto de o conduzir, de forma desatenta e descuidada – I).

Os Bombeiros Voluntários de Brasfemes foram quem transportou, em ambulância, a autora, para o Serviço de Urgências dos HUC – J).

A autora, à data do evento em questão, tinha 37 anos, pois nasceu, em 30 de Março de 1966, conforme certidão de nascimento (Doc. nº 2) – L).

A autora não perdeu a consciência, mas sentiu, de imediato, dores fortes, ao nível da região occipito-cervical-dorsal – 1º.

Que foram motivadas, no que concerne às cervicais, à lesão, tipo "chicotada", que sofreu em consequência do acidente – 2º.

Ficou com falta de ar, que se deveu à situação de ansiedade que dela se apossou – 3º.

Apresentava queixas de dores, na região cervical, omoplata esquerda e dorsal média – 4º.

Foi aqui socorrida, radiografada e observada, por médico neurocirurgião, revelando os exames radiográficos inversão da curvatura cervical – 5º.

Sendo-lhe prescrito o uso de colar cervical, que logo passou a usar, por cerca de mês e meio, posto o que iniciou o desmame – 6º.

Foi medicada com anti-inflamatórios e miorelaxantes – 7º.

Em 3 de Outubro de 2003, foi reobservada no Serviço de Urgência dos mesmos Hospitais, por aumento das dores na região dorsal, com irradiação em barra – 8º.

Fez ainda, nesta ocasião, TAC dorsal, que não mostrou lesões traumáticas – 9º.

E RX da coluna cervical, com estudo dinâmico, que revelou, a despeito de não existir instabilidade, manter-se a inversão da curvatura fisiológica – 10º.

Ainda, em 13 de Outubro de 2003, continuavam as queixas dolorosas, cervicais e dorsais, tendo sido pedida "rm dorsal", com indicação de estimulação percutânea e observação fisiátrica, e mantida a medicação que, anteriormente, lhe havia sido prescrita – 11º.

No dia 27 de Outubro de 2003, referia cervicobraquialgia esquerda, tipo "choque", com irradiação ao quinto dedo – 12º.

E parestesias, nas pontas dos dedos, que reportava a dez dias antes – 13º.

E ligeira diminuição da força muscular, na extensão do membro superior esquerdo – 14º.

Hipoalgesia no território da "C6 esquerdo" – 15º.

Manteve o colar cervical e a medicação, tendo-lhe sido dada, à autora, contra­indicação para a condução automóvel – 16º.

E aconselhada a que, a retomar o trabalho, deveria apenas fazê-lo, no regime de “serviços melhorados” – 17º.

A "rm cervical" revelou a existência de prolapso do disco "C5-C6", compatível com as queixas que apresentava – 18º.

Em 10 de Novembro de 2003, a autora denotava ligeira melhoria de sintomas neurológicos e, neurologicamente, persistia o défice motor e sensitivo, com reflexos normais – 19º.

Recebendo nova indicação para manter fisioterapia, se resumir aos "serviços melhorados" e para não conduzir – 20º.

Em 17 de Novembro de 2003, o estudo dinâmico mostrava ligeira melhoria da curvatura cervical, porém revelando curvatura anómala e grande limitação da mobilidade, sem sinais de instabilidade, enquanto mantinha as queixas dolorosas – 21º.

Foi, então, iniciado o desmame do colar cervical e condução automóvel, todavia, com manutenção da fisioterapia, "serviços melhorados" e medicação – 22º.

Face ao estudo e interpretação dos exames radiológicos, em 27 de Setembro de 2003 - data do acidente - a autora não denotava lesões pleurais ou parenquimatosas, nem alterações do mediastino ou, sequer, evidentes alterações das grelhas costais – 23º.

Era patente, na coluna cervical, inversão da lordose, esboço osteofitário em "CS e C6", para além de estreitamento do disco intervertebral correspondente – 24º.

Em 3 de Outubro desse mesmo ano, foi obtido estudo radiográfico da coluna cervical, com incidência de perfil em posição neutra, flexão e extensão que revelava inversão da lordose fisiológica entre "C3 e C6" e estreitamento do disco "C5/C6", com ósteofitose discreta, anterior e posterior – 25º.

O estudo funcional não mostrava sinais de instabilidade, denotando, contudo, redução da mobilidade entre "C3 e C6", onde apenas se conseguiu rectificação da lordose na extensão – 26º.

Em 13 de Outubro, a autora sujeitou-se a novo exame radiológico à coluna cervical, o qual, obtido de perfil, continuava a evidenciar inversão da lordose fisiológica, bem como discreto estreitamento do disco "C5 e C6" e ósteofitose, sobretudo, posterior – 27º.

Em 28 de Outubro de 2003, foi feito "rm" da coluna cervical, o qual revelava ósteofitose posterior em "C5 e C6", com procidência discaI posterior e efeito de moldagem que se estendia até ao bordo anterior da medula – 28º.

Em 12 de Novembro, o estudo feito à coluna cervical, em posição neutra e com exame funcional em flexão, extensão e inclinações laterais, revelava rectificação da lordose e desaparecimento da inversão da curvatura na posição neutra, mas mantendo-se o estreitamento do disco “C5 e C6” – 29º.

O estudo funcional continuava a revelar marcada redução da mobilidade, entre “C3 e C6", sendo que a mobilização se fazia, sobretudo, à custa das três primeiras vértebras – 30º.

Na incidência de frente, notava-se uma discreta atitude escoliótica cervical de convexidade esquerda, pelo que a inclinação para o lado esquerdo era menos eficaz que a inclinação direita – 31º.

Actualmente, em intervalos cíclicos irregulares, a autora apresenta: contractura paravertebral esquerda permanente; dor na elevação dos braços acima dos 90º; impossibilidade de pegar em pesos; parestesias do bordo interno do braço esquerdo, até á extremidade dos três últimos dedos (médio ao mínimo); diminuição da força muscular da mão esquerda e arrefecimento dela; impossibilidade de permanência, na mesma posição, por períodos prolongados (actos cirúrgicos ou tratamentos médicos com aparelhos); impossibilidade de cuidar das filhas, concretamente, de lhes dar banho e de condução automóvel, em viagens longas; dificuldade em trabalhar no computador; proibição médica da prática do ski, à qual, de longa data, se dedicava, com regularidade, em pistas estrangeiras; impossibilidade de caminhar com sapatos de saltos altos; dificuldade em usar carteira no ombro esquerdo, por isso lhe despertar dor cervical, com irradiação para os ombros; e dificuldade em lavar a cabeça no cabeleireiro – 32º.

Apresenta, actualmente, em intervalos cíclicos irregulares, as seguintes lesões relacionadas com o evento: limitação da mobilidade activa e passiva da coluna cervical, em todos os movimentos, mais acentuada para a direita; limitação por dor na elevação dos membros superiores, acima dos 90°; dificuldade em levar as mãos à nuca e atrás das costas, por despertar dor, mão esquerda mais fria – 33º.

A autora esteve impedida de realizar, com suficiente autonomia, as actividades da vida diária, profissional, familiar e social, que se prolongou, por 30 dias – 34º.

Ainda que com limitações, retomou, com já alguma auto-suficiência, a realização das actividades da vida diária, durante 60 dias – 35º.

Esteve impossibilitada do exercício total da actividade profissional, por 30 dias – 36º.

Com limitações, exerceu a actividade profissional, de forma parcial, por 60 dias – 37º.

O sofrimento, físico e psíquico, vivido pela autora, durante o período de incapacidade temporária, é de grau 6, numa escala ascendente de 1 a 7, tomando, para tanto, em conta, as lesões iniciais, os tratamentos a que teve de submeter-se (imobilização da coluna cervical e fisioterapia) e, principalmente, a angústia potenciada pela incerteza quanto à recuperação – 38º.

Ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral parcial de 20%, a partir da data da consolidação – 39º.

As lesões sofridas pela autora irão ter um agravamento das sequelas que já se verificam e, também, já se traduzem num aumento da incapacidade permanente geral, do que resulta uma incapacidade permanente geral global de 25% - 40º.

Que se traduz por esforços acrescidos no desempenho da actividade profissional já que, quer no Bloco Operatório, quer trabalhando com aparelhos eléctricos, tem necessidade de manter os membros superiores e a coluna cervical na mesma posição, por prolongados períodos de tempo – 41º.

E, também, num prejuízo de dano estético, de grau 2, adentro da já acima assinalada escala de 1 a 7, tendo em conta, sobretudo, a dificuldade de mobilização da coluna cervical – 42º.

E, no chamado prejuízo de afirmação pessoal, com a impossibilidade estrita e específica, para a autora, de se dedicar a certas actividades culturais, desportivas e de lazer, a que se dedicava, previamente, ao evento em questão e que lhe conferiam um "amplo espaço de realização pessoal”, que se fixa em 3, numa escala de 5 graus de gravidade crescente – 43º.

A autora exerce actividade profissional, na M... e na N... – 44º.

No passado mês de Abril de 2005, viu-se acometida, numa quarta-feira, de uma crise aguda vertiginosa, que a impossibilitou, em absoluto, de trabalhar durante dois dias – 45º.

E a impediu de conduzir durante cinco dias – 46º.

Iniciou fisioterapia não activa, três semanas após o acidente, no caso, no dia 17 de Outubro de 2003, tendo mantido fisioterapia diária, nos HUC, por dificuldade na mobilização da coluna cervical – 47º.

A autora é médica dermatologista, exercendo, neste âmbito, actividade médica e cirúrgica, nos HUC, onde tem o título de assistente hospitalar – 48º.

Auferiu, no ano de 2003, nessa qualidade, como vencimento sujeito a IRS, a importância ilíquida de 26 618,49€ - 49º.

É ainda sócia de F..., sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que tem por escopo a "prestação de serviços de dermatologia, pneumologia e alergologia e realização de exames complementares de diagnóstico", onde é remunerada na qualidade de prestadora de serviços – 50º.

No ano de 2003, para efeitos de IRC, a sociedade F...” apresentou um montante de prestação de serviços efectuados de 86 780, 78€ - 51º.

No tocante ao ano de 2003, o rendimento produzido pelo trabalho da autora e do qual a mesma foi colectada, em sede de IRS, atingiu o montante de 41 609,58€ - 52º.

A autora é mãe de duas filhas, ao tempo, de, respectivamente, 11 anos e 8 anos – 54º.

Teve de socorrer-se de terceiras pessoas, concretamente do marido, dos pais e sogra, que se lhe substituíram nos afazeres domésticos do dia-a-dia, de entre eles, avultando o cuidar das filhas, transportá-las de e para as escolas que frequentam, e a orientação da casa – 55º.

                           II. DA NULIDADE DA SENTENÇA      

Sustenta, também, a ré que o Tribunal «a quo» não fundamentou a decisão sobre a matéria de facto, de modo a que os sujeitos processuais possam compreender a opção transposta para a sentença em recurso, com a consequente nulidade da mesma, por violação do disposto no artigo 668º, do CPC.

Dispõe o artigo 668º, nº 1, b), do CPC, que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Defende a ré que a sentença é nula porque não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão proferida.

            Porém, a falta de motivação, a que alude o artigo 668º, nº 1, b), do CPC, consiste na total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não, apenas, numa incompleta ou deficiente especificação dessa matéria[2].

Assim, através do exame do despacho que contém as respostas proferidas, em relação à matéria integrante da base instrutória, constante de folhas 323 a 324, resulta bem evidente o complexo fáctico que ficou demonstrado, e bem assim como a análise crítica circunstanciada da motivação em que se fundou a convicção do Tribunal «a quo».

Ora, não faltando, em absoluto, a fundamentação, poderá haver fundamentação errada, que contende, apenas, com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação, em sede de recurso, mas sem que produza a respectiva nulidade[3], que se não verifica.

                                               III. DO DANO FUTURO


Defende a ré que a perda da capacidade de ganho da autora, em função da incapacidade parcial permanente que sofreu, deveria ter sido fixada, em quantia não superior a 50000,00€.

Ao nível dos danos patrimoniais resultantes da perda da capacidade aquisitiva da autora, ficou demonstrado que esta, médica e cirurgiã dermatologista, na qualidade de trabalhadora, por conta de outrem, nos quadros dos HUC, e trabalhadora independente, para com a sociedade “F...”, para quem presta serviços, auferia a remuneração mensal global calculada em 3150,57€, ou seja, 1901,32€, relativa a trabalho dependente (26618,49€:14=1901,32€), e 1249,25, no que se refere a trabalho independente, isto é, 14991,09:12=1249,25, ascendendo a remuneração anual do trabalho produzido pela autora, com referência ao ano de 2003, em que ocorreu o acidente, ao quantitativo de 41 609,58€, consoante resulta da sua declaração fiscal, em sede de IRS.

Porém, a sentença recorrida considerou, tão-só, a remuneração referente ao seu trabalho dependente, com a concordância da autora, razão pela qual se não pode agora recuperar o quantitativo recebido, a título de trabalho independente, por tal se poder revelar desfavorável para ré apelante, atento o princípio da proibição da «reformatio in pejus», consagrado pelo artigo 684º, nº 4, do CPC, que não permite que a posição do recorrente, neste caso, único, seja agravada, por virtude do recurso, por ele próprio instaurado[4].

Assim sendo, tomar-se-á, apenas, em consideração que a autora auferia a remuneração mensal, relativa a trabalho dependente, de 1901,32€ (26618.49€:14=1901,32€), ascendendo a remuneração anual correspondente, no ano de 2003, ao quantitativo de 26618,49€.

A indemnização, por danos patrimoniais futuros, reclamada pela autora, contende com a situação de incapacidade permanente geral parcial, por si sofrida e de que padece, a qual se verifica quando, apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, subsiste no lesado um estado deficitário, de natureza anatómico-funcional ou psico-sensorial, a título de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral [100%], podendo, eventualmente, significar uma incapacidade total, permanente ou transitória, isto é, um compromisso, integral ou restrito, da capacidade[5].

            Na hipótese vertente, a incapacidade permanente ou definitiva suportada pela autora não apresenta um nível absoluto ou total, tendo antes natureza parcial [IPP], porquanto aquela sofre, a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, já determinada, irreversivelmente, em 25 de Janeiro de 2004, logo a seguir ao fim do período da incapacidade temporária geral e profissional, fixável em 120 dias, que compreende o período da incapacidade temporária geral e profissional parcial, fixável em 90 dias, de uma incapacidade permanente geral parcial de 20%.

            Estabelecida a data da consolidação, com o consequente dano temporário inerente, importa demarcá-lo do dano definitivo ou permanente sofrido pela autora, situado, imediatamente, a seguir aquela data, o qual, por definição, deve permanecer por toda a restante vida da vítima.

No que concerne com a perda da capacidade aquisitiva da autora, em relação ao período posterior ao fim da sua incapacidade temporária profissional específica total, ou seja, da data da consolidação, a partir de 26 de Janeiro de 2004, há que observar, para efeitos do cômputo da indemnização, neste particular dos danos patrimoniais, a ideia de reconstituição da situação anterior ao evento danoso, atendendo-se aos prejuízos emergentes e aos lucros cessantes, e não só aos presentes, como, também, aos futuros previsíveis, o que se deve fazer, com recurso à equidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 566º, nº 3, 564º, nº 2 e 562º, todos do Código Civil (CC)[6].

E a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor de rendimento que a vítima irá perder, mas que se extinga, no final do período provável da sua vida activa, sendo certo que é, na determinação dos dados dessa operação de cálculo, que o julgamento de equidade, necessariamente, intervém, sem prescindir do que é normal acontecer, para o que importa introduzir factores de correcção, nomeadamente, o tempo provável de vida profissional activa da autora, a sua esperança média de vida, a diferença que, em cada época futura, existirá entre o rendimento recebido e o que auferiria, se não fosse a lesão, a flutuação do valor da unidade monetária em que a indemnização se irá traduzir, o desenvolvimento tecnológico, os índices de produtividade, a alteração das taxas de juro do mercado, a inflação, os montantes ilíquidos dos valores, sem referência aos impostos, a antecipação imediata da totalidade do capital, o seu grau de incapacidade, o grau de culpa na produção do acidente e, finalmente, a dedução de um quarto na capitalização do rendimento, a fim de se conseguir a extinção do capital, no final do período para que foi calculado[7], para evitar que a acumulação de juros acabe por penalizar a ré e permitir um enriquecimento injusto, à custa alheia, por parte da autora.

Neste enquadramento, considerando que a autora nasceu, a 30 de Março de 1966, e que, consequentemente, tinha 37 anos de idade, à data da ocorrência do acidente, exercendo a profissão de médica e cirurgiã dermatologista, a indemnização poderá ser calculada, utilizando-se como método de trabalho o proposto pelas tabelas financeiras, usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda do ganho, de tal modo que, no fim da vida do lesado, aquele capital, igualmente, se esgote, ao juro anual de 4%, considerando a actual evolução das taxas de juro e da inflação, e tendo como referência o tempo provável de vida activa da vítima, de acordo com as suas perspectivas, que se fixa em setenta anos, por forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até ao final desse período[8].

            Assim sendo, considerando que as tabelas financeiras decorrentes dos critérios acabados de expor apontam para um valor de 18,147646, considerando, finalmente, que a autora teria ainda, previsivelmente, uma vida profissional activa de 33 anos, obter-se-ia a correspondente indemnização, por danos patrimoniais futuros, resultantes da perda da sua capacidade de trabalho, por força da incapacidade permanente parcial ocorrida, em 483062.93€ (26618.49€x18,147646=483062.93€), utilizando-se a fórmula [C= P x (1-1 + i) + P x (1 + i ) – n, ( 1 + i ) n x i], correspondendo C ao capital a depositar, no primeiro ano, P à prestação a pagar, anualmente, i à taxa de juro que, no caso em apreço, se fixou em 4%, e n ao número de anos [33] durante os quais a prestação se manterá, que funciona como potência e não como multiplicador[9].

            Em seguida, operando o segundo ajustamento, proceder-se-á ao desconto de ¼ na capitalização do rendimento, achando-se a quantia de 362297,2€ (483062.93€:4=120765,73; 483062.93€ –120765,73€ = 362297,2€).

De todo o modo, lançar-se-á ainda mão de outros instrumentos de cálculo do capital necessário para que a autora obtenha aquele rendimento, como a ré defende nas suas alegações, recorrendo à corrente jurisprudencial que se orienta pela média aritmética de dois parâmetros, consistindo o primeiro, no cômputo do usufruto, aplicável, analogicamente, e o segundo, na determinação do capital que seria necessário para, à taxa de juro anual de 4%, já referida, se encontrar o rendimento anual conhecido.

Para cálculo do usufruto, obtém-se o valor vitalício do mesmo, multiplicando por dez o rendimento anual dos bens, ou seja, 26618,49€X10 =266184,9€, podendo o produto ser corrigido, para mais ou para menos, conforme a duração provável do respectivo direito.

Por seu turno, o valor da propriedade, separada do usufruto vitalício, calcular-se-á, deduzindo ao valor da propriedade plena uma percentagem que, de harmonia com a idade da pessoa de cuja vida depende a duração daqueles direitos, ou seja, no caso concreto, a vítima, com 37 anos, corresponde a um valor de 60%[10].

Assim sendo, operando com a percentagem de 60%, se aquele valor de 26618,49€ fosse o de uma propriedade plena, o valor do usufruto, tendo em atenção a idade do usufrutuário, seria de 15971,09€, e o valor da propriedade, separada do usufruto vitalício, seria constituído, obviamente, pelo restante, isto é, 10647,39€.

 Está, pois, encontrado o valor do primeiro parâmetro, ou seja, o quantitativo de 10647,39€.

Através da segunda via, com base na importância de 26618,49€, que constituía a remuneração anual da autora, há que determinar qual o capital necessário para, à taxa de juro anual de 4%, se obter aquele rendimento.

Para o efeito, lançando mão de uma regra de três simples, se 100€ rendem 4€, x renderá 26618.49€, obtém-se o capital de 665462,25€.

Esta quantia encontrada conhecerá ainda dois ajustamentos, reportando-se o primeiro à idade da vítima que, com 37 anos, teria, em princípio, mais 33 anos de vida profissional activa, o que, de acordo com um juízo de equidade, face ao lugar do intervalo em que se situa, entre os 30 e os 40 anos, permite alcançar o valor de 670000,00€.

Em seguida, operando o segundo ajustamento, proceder-se-á ao desconto de ¼ na capitalização do rendimento, achando-se a quantia de 502 500,00€.

Está, assim, encontrado o valor do segundo parâmetro, isto é, o quantitativo de 502 500,00€.

Efectuando, seguidamente, a média aritmética entre os valores resultantes destes dois parâmetros, isto é, 10647,39€, para o primeiro, 502 500,00€, para o segundo, obter-se-ia a importância de 256573,69€.

Importa, por fim, conjugar o valor obtido, através do mecanismo das tabelas financeiras, que se traduziu em 362297,2€, com o acabado de alcançar, que resulta da combinação da média aritmética dos dois aludidos parâmetros, que se traduziu em 256573,69€.

Por outro lado, as sequelas sofridas pela autora, em termos de rebate profissional, não são impeditivas do exercício profissional, enquanto médica e cirurgiã dermatologista, embora sejam responsáveis por esforços, significativamente, acrescidos, para alcançar idêntico desempenho.

A utilização referencial dos instrumentos auxiliares de quantificação do montante indemnizatório a arbitrar à autora, a que se recorreu, não pode, porém, dispensar a intervenção correctiva da equidade, como já se salientou, nem, igualmente, subestimar que da ocorrência das lesões resultou uma particular incapacidade permanente parcial, determinante de danos patrimoniais futuros, em virtude das consequências inabilitantes que provoca no desempenho da sua vida profissional.

Por outro lado, na determinação do quantitativo indemnizatório, por danos futuros, não é possível ficcionar que, finda a vida profissional activa do lesado, desapareça, instantaneamente, a sua vida física, e com ela todas as suas necessidades, sendo certo, outrossim, que a esperança de vida para as mulheres, cuja idade se situa na faixa etária da autora, na altura com 37 anos, é de 79 anos[11], tendencialmente elevável, até à viragem da primeira metade deste século XXI.

Tudo visto e ponderado, tendo presente, como se disse, que só o uso da equidade permite alcançar o montante que, mais, justa e equilibradamente, compense a perda ou a diminuição patrimonial sofrida pela autora, entende-se como mais correcto e ajustado, com base no disposto pelo artigo 566º, nº 3, do CC, atribuir-lhe, a título de danos patrimoniais futuros, resultantes da perda da sua capacidade aquisitiva, o quantitativo que, em sede de prudente arbítrio, se fixa em 300000,00€.

Com efeito, o propósito de assegurar ao lesado uma indemnização justa, que reclama a atribuição de um capital que produza o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando, para tanto, um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período da sua vida profissional activa, traçado como critério fundamental da restituição por equivalente, pelo artigo 566º, nº 2, do CC, encontra-se, pois, plenamente, atingido.

Sustenta, porém, a ré que a autora não ficou afectada na sua capacidade de ganho, em consequência das sequelas sobrevindas ao acidente.

Relativamente a estes danos de natureza patrimonial futuros, quanto ao período temporal posterior ao fim da sua incapacidade temporária profissional específica total, importa considerar que não se provou que a autora tenha passado a receber um vencimento mensal inferior, pois, com toda a certeza, continuou a auferir os aumentos anuais da função pública, inerentes à sua categoria profissional de médica-cirurgiã do serviço público.

Porém, se é verdade que a autora não teve qualquer perda concreta no seu vencimento mensal, não se pode esquecer, por outro lado, que realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia, antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado médico-cirúrgico do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.

E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que a autora é portadora de uma incapacidade permanente geral parcial de 20%.

Assim sendo, é razoável concluir que a autora, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 20%, para atingir o mesmo resultado dos actos médicos e cirúrgicos que pratica e poder auferir, pelo menos, o ordenado mensal correspondente à sua categoria profissional, independentemente da viabilidade da obtenção de outros subsídios e suplementos, não incluídos no vencimento e que lhe acresçam, em relação a um colega de especialidade, também médico hospitalar de serviço público, que não seja portador de idêntica sequela.

Efectivamente, se a autora desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 20% do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, médicas ou não.

Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, por si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da retribuição salarial[12].

Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.

E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros.

Há, pois, lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que a autora, por força de uma IPP de 20%, que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho.

Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 – integridade psicossomática plena -, e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos[13].

Procedem, assim, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações da ré.

CONCLUSÕES:

I - A incapacidade permanente parcial determina danos patrimoniais futuros, em virtude das consequências inabilitantes que provoca no desempenho da vida profissional do lesado, com a diminuição da capacidade de trabalho, ou, pelo menos, com um dispêndio e desgaste, físico e psíquico, suplementares, em relação ao que acontecia no antecedente, para atingir metas idênticas, constituindo, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da retribuição salarial ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos, para além de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial.

II - É de atribuir à autora, médica cirurgiã dermatologista, com 37 anos de idade, à data do acidente, o vencimento mensal de 1901,32€, uma expectativa de vida profissional activa de 33 anos, uma esperança de vida de 34,6 anos e uma IPP de 20%, a título de danos patrimoniais futuros resultantes dos esforços, significativamente, acrescidos que realiza, no exercício da sua actividade profissional, com recurso à equidade e em sede de prudente arbítrio, mas dentro dos padrões delimitados pelas fórmulas de cálculo adoptadas, o quantitativo de 300000,00€.

                                                     *

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, condenam a ré a pagar à autora, a título de danos patrimoniais futuros, o quantitativo 300000,00€, confirmando, quanto a tudo o mais, a douta sentença recorrida.

                                                      *

Custas da apelação, a cargo da autora e da ré, na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente.

                                                      *

Notifique.


[1] Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, 465.
[2] STJ, de 1-3-90, BMJ nº 395, 479.
[3] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 232 e 233.
[4] STJ, de 24-2-99, BMJ nº 484, 359; STJ, de 16-3-89, BMJ nº 385, 552.
[5] Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, 1992, 90.
[6] STJ, de 18-3-1997, CJ, Ano V, T2, 24; e de 11-10-1994, CJ, Ano II, T3, 92; Dario Martins de Almeida, Manual dos Acidentes de Viação, 3ª edição, 105 e ss.
[7] Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, 394; STJ, de 16-3-1999, CJ, Ano VII (STJ), T1, 167; RP, de 20-5-1982, CJ, Ano VII, T3, 212.
[8] STJ, de 31-3-1993, BMJ nº 425, 544; de 18-1-1979, BMJ nº 283, 275; de 19-5-1981, BMJ nº 307, 242; e de 8-5-1986, BMJ nº 357, 396; Oliveira Matos, Código da Estrada, 1988, 404 e ss.; Miguel Cadilhe, Lições de Matemática Financeira e Noções Fundamentais; Manuel Ferreira de Sá Ribeiro, Tabelas Financeiras, Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, 1981.
[9] STJ, de 5 de Maio de 1994, CJ, Ano II, T2, 86.
[10] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, 4ª edição, reimpressão, 2001, 39 a 41.
[11] STJ, de16-3-1999, Proc. nº 30/99, 1ª secção, CJ, Ano VII, STJ, T1, 167; e de 25-6-2002, CJ, Ano X, STJ, T2, 128. 
[12] STJ de 7-6-2001, Proc. nº 398/01, 1ª secção, relator Lopes Pinto, de 24-2-1999, Proc. nº 5/99, 2ª secção, relator Miranda Gusmão; e de 9-7-1998, Proc. nº 52/98, 2ª secção, relator Noronha Nascimento.
[13] STJ de 7-2-2002, Proc. nº 3985/01, 2ª secção, relator Ferreira de Almeida; RP, de 19-9-1994, BMJ nº 439, 644.