Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3027/07.8TXCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PENA RESIDUAL
AUDIÇÃO DO CONDENADO
CONSENTIMENTO
NULIDADE
MOMENTO DE APRECIAÇÃO
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61.º, N.º 1 E 4; 63.º, N.º 2 E 64.º, N.º 3 DO CÓDIGO PENAL; E ARTIGOS 484.º, N.º 2 E 485.º E ARTIGO 119.º, ALÍNEA C) DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL
Sumário: I. - A intenção político criminal que preside à liberdade condicional dita «automática», porque dependente apenas de pressupostos formais, é distinta daquela dependente ainda de pressupostos materiais, como ensina Figueiredo Dias: «não se trata, na liberdade condicional chamada «obrigatória», da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até o agravamento da perigosidade.
II. - A estatuição de dever de audição prévia de sujeito processual inscreve-se no respeito pelo princípio do contraditório, enquanto «direito/dever do juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha que proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica»
III. - O direito de audiência não se confunde com o direito de presença, o qual constitui o contraponto de dever de comparência, «assentando o seu fundamento na ideia de que ele é o instrumento adequado para, a todo o tempo, assegurar ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre o material probatório que contra ele possa ser feito valer e, do mesmo passo, facultar-lhe uma relação de imediação quanto aos meios de prova e à entidade que procede à sua recolha.
IV. – Com a exigência do consentimento procura-se garantir a cooperação do arguido e, dessa forma, atingir condições de sucesso para o desiderato político-criminal que anima o instituto – readaptação ao convívio social em liberdade. Dessa forma, a intervenção judicial na prestação do consentimento obedece fundamentalmente à necessidade de garantir a sanidade do processo de formação da vontade do condenado e a genuinidade da declaração, o que se admite possa acontecer pela forma escrita quando pouco mais há a fazer do que recolher o consentimento e enunciar as suas consequências.
Decisão Texto Integral: Relatório


Nos autos de processo gracioso para concessão de liberdade condicional relativo com o NUIPC 3027/07.8TXCBR do Tribunal de Execução das Penas (TEP) de Coimbra, por decisão de 22/07/2008 foi concedida a liberdade condicional a ….
Inconformada com essa decisão, veio a magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido interpor recurso, com extracção da seguinte síntese conclusiva:
O recluso que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
A liberdade condicional pelos 5/6 destina-se apenas a facilitar a integração controlada de reclusos sujeitos a penas longas de privação da liberdade
Uma pena residual por revogação de liberdade condicional inferior a 6 anos não leva à concessão de liberdade condicional pelos 5/6.
A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena cuja duração é igual à parte não cumprida da pena ou penas em execução aquando da concessão de liberdade condicional.
Não há lugar ao retomar do cumprimento das penas anteriores e respectivos cômputos.
A pena residual por revogação da liberdade condicional, posto que determinada pela pena inicial, desta é autónoma.
A decisão sobre a libertação condicional tem de ser precedida de audição do recluso.
O consentimento expresso não pode ser exigido, devendo antes o recluso ser ouvido e explicado devidamente o seu direito de aceitar ou não a liberdade condicional.
Além da audição do recluso deve o processo ser instruído com CRC, parecer do director do estabelecimento, relatórios dos serviços de educação e social.
O MP deve pronunciar-se, analisados tais elementos, que lhe devem ser presentes.
A audição do recluso não pode ser substituída por um simples documento em que o recluso consente na sua libertação condicional
Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
O recluso não foi ouvido pelo tribunal
Não foi junto CRC, parecer do director do EP nem relatórios dos serviços de educação e do serviço social.
Não foi o processo ao MP para emitir parecer.
O recluso limitou-se a dar o seu consentimento em documento escrito
Em tal documento foi o arguido que indicou uma morada - que se não sabe sequer se existe, de quem é, etc. - para onde diz que projecta ir.
Foram violadas, entre outras, as normas dos artigo 61°, 63 n° 2 e 64° n° 3 do Código Penal, e artigos 484° n° 2 e 485° do Código do Processo Penal e cometida a nulidade prevista no artigo 119°, alínea c) do Código do Processo Penal.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade insuprível e ordenando-se a devida instrução do processo, a tempestiva apreciação da libertação condicional do recluso com a devida audição do recluso, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!
O condenado apresentou resposta, na qual oferece o merecimento dos autos.
O recurso foi admitido.
Antes da remessa do apenso de recurso a este Tribunal, a Srª Juiz manteve a decisão.
Neste Tribunal da Relação de Coimbra, a Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual considera, em síntese, que o remanescente da pena não é uma nova pena de prisão mas sim a mesma pena inicialmente aplicada e parcialmente cumprida, devendo a liberdade condicional ser concedida logo que estiverem cumpridos cinco sextos da pena. No que respeita à nulidade suscitada, considera que a lei não exige que o consentimento do recluso tenha que ser pessoalmente prestado perante juiz e na presença de defensor. Conclui pela improcedência do recurso.
Notificados nos termos do artº 417º, nº2, do CPP, o condenado não respondeu.
Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência [[i]] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso [[ii]]. As questões colocadas no recurso prendem-se com a verificação de nulidade pela prestação de consentimento do condenado para a concessão de liberdade condicional através de documento escrito e com a verificação dos pressupostos para a prolação da decisão que concedeu a liberdade condicional.
Elementos relevantes para o recurso
De acordo com os elementos que instruíram o recurso, o condenado … iniciou o cumprimento de pena de 7 anos e 6 meses, por crimes de roubo, falsificação de documento e burla, pena essa imposta no processo nº 518/99.6PAMGR do 2º Juízo Criminal da Marinha Grande. Cumpridos dois terços dessa pena, por decisão do TEP de Coimbra de 16/12/2004, foi-lhe concedida a liberdade condicional.
Por despacho de 06/02/2007, foi revogada a liberdade condicional concedida ao condenado, tendo o condenado iniciado o cumprimento da pena remanescente de 2 anos, 5 meses e 21 dias de prisão em 29/05/2007.
Em 20/07/2008, foi proferido despacho em que, equacionando a libertação do condenado quando completados 5/6 da pena, o que seria atingido em 19/08/2008, se solicitou ao E.P. «o consentimento expresso do arguido, bem como a morada para onde vai residir». No mesmo despacho, foi ordenada a abertura de vista ao MºPº, «para se pronunciar, querendo».
Através de fax do dia seguinte, o EP fez chegar aos autos declaração assinada pelo condenado, nos termos da qual este consente na concessão de liberdade condicional.
Nesse mesmo dia 21/07/2008 foi aberta vista ao MºPº, em que se considera que «não há, a nosso ver e conforme tem sido jurisprudência pacífica neste TEP (apenas posta em causa pela actual Mª Juiz titular, na senda da doutrina do Ac. da Relação do Porto de 22/2/06) lugar ao cálculo de 5/6, face à medida da pena residual».
No dia 22/07/2008, foi elaborada e homologada no processo nº 518/99.6PAMGR liquidação da pena, onde se indica que «Em 19.08.2008, o arguido atingirá o cumprimento de cinco sextos da pena de prisão em que foi condenado».
Nesse mesmo dia, foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte teor:
Nos presentes autos de Processo Gracioso para concessão de Liberdade Condicional, é apreciada a situação do arguido, …, melhor identificado nos autos.
O arguido encontra-se em reclusão, actualmente, no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria.
O Processo mostra-se instruído com os necessários elementos.
O Ministério Público, pronunciou-se nos termos melhor constantes a folhas 23, aqui dados por reproduzidos.
O arguido prestou o seu consentimento, expresso, a folhas 25, à concessão da Liberdade Condicional.
O Tribunal é competente.
O Processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito.
Cumpre pois, decidir:
Resulta dos autos que o arguido se encontra a cumprir, uma pena residual, de 2 anos, 5 meses e 21 dias, por revogação da Liberdade Condicional, cuja ocorreu, no âmbito do processo 518/99.6PAMGR.
Cumpre assim, o remanescente da pena inicial, (que era de 7 anos e 6 meses) por efeito da revogação da liberdade condicional, que lhe foi concedida em 16/12/04, quando faltava apenas, 1 ano, 2 meses e 21 dias para os 5/6, da mesma.
Iniciou o cumprimento da pena residual em causa, em 29/05/07, pelo que cumprirá o ano, 2 meses e 21 dias, que lhe faltavam para atingir, os 5/6, em 19/08/08 e termina em 19/11/09, de acordo com a liquidação do tribunal das condenação, junta a folhas 29/30 e bem assim nos termos do disposto no artigo 64°, n°3 do CP.
A concessão da Liberdade Condicional, em todas as suas vertentes, constitui uma medida de excepção, no cumprimento da pena, visando a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.
Implica pois, (com excepção da concedida pelos 5/6 da pena, que é obrigatória), toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes.
Tal instituto, assenta num Juízo de prognose, que permita concluir, verificados que se mostrem os requisitos enunciados nos n°s 2 e 3 artigo 61° do Código Penal, que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
È ainda de considerar que, nos termos do disposto no artigo 42° do mesmo diploma legal, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, se deve orientar, no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida, de modo socialmente responsável.
Claro que, a aplicação da Liberdade Condicional, depende ainda, e sempre, do consentimento do arguido, conforme dispõe o n° 1, do já citado artigo 61° do citado diploma.
Contudo, não sendo tal concessão automática, ao meio e aos dois terços da pena, dependendo da verificação dos legais requisitos, formais e materiais, o mesmo não se pode dizer, quando atingidos os 5/6, em penas de duração superior a seis anos, como é o presente caso.
Nesta altura, a concessão da Liberdade Condicional é obrigatória, automática, ope legis, isto é resulta directamente da verificação de pressupostos formais e não exige valoração judicial autónoma da existência de pressupostos materiais, embora dependa sempre do consentimento do arguido.
Assentando tal instituto, na ideia de que, se o recluso, cumprida que seja a sua pena, tem de ser libertado, é preferível que se vá preparando para a sua vida em liberdade, no momento em que é ainda possível, vigiar o seu comportamento, sedimentando as bases de um efectiva reintegração social, não sendo de exigir, que os 5/6 da pena, se perfaçam ininterruptamente, conforme decorre do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, n° 3/2006, de 23/11/05 e ainda, entre outros, do acórdão da Relação do Porto, de 22/02/06, com o n° convencional JTRP00038864.
Mais concretamente, e no que aqui nos interessa, sendo esta apreciação, a correspondente aos 5/6 do cumprimento da pena (considerando a pena inicial e descontada todo o período em que não esteve em cumprimento da mesma, nos termos do artigo 479, n° 2 do CPP), há que atentar, no que dispõem, os n°s 1 e 4 do artigo 61° do Código Penal, donde resulta que, "obtido o consentimento do condenado, o Tribunal coloca-o, em liberdade condicional, logo que houver cumprido, cinco sextos da pena".
Verificados que se encontrem tais requisitos legais, a libertação é obrigatória.
Dos elementos carreados para o processo, resulta, nomeadamente que: - O recluso atinge os 5/6 no dia 19/08/08.
- Deu o seu consentimento à aplicação da Liberdade Condicional;
Assim, deve o arguido, ser restituído à liberdade, no próximo dia 19l08/08.
Por tudo o exposto, em conformidade com os normativos citados, decide-se conceder ao arguido, a Liberdade Condicional, desde já e até ao termo da pena, sujeita às seguintes condições:
1 - Fixar residência na Rua do ............ Marinha Grande de onde não se poderá ausentar, por mais de oito dias, sem autorização do Tribunal;
2 - Manter boa conduta e dedicar-se ao trabalho com regularidade;
3 - Aceitar a tutela da Direcção Geral de Reinserção Social, comparecendo às entrevistas de acompanhamento e aderindo às orientações que lhe forem sugeridas, devendo apresentar-se aos respectivos técnicos da Equipa da DGRS, da zona de residência, no prazo de oito dias, após a Libertação e, periodicamente, sempre que lhe for pedido, sujeitando-se às indicações que lhe forem dadas por aqueles serviços.
Passe mandado de Libertação para 19 de Agosto de 2008.
Apreciação
Da concessão da liberdade automática
Na abordagem das questões colocadas, o primeiro problema a defrontar prende-se com a ordem do respectivo conhecimento. Em tese geral, as questões que colidem com a estabilidade da decisão recorrida, como acontece com as nulidades, porque tornam inválidos os actos (artº 122º do CPP), devem anteceder a apreciação do mérito. Porém, no caso, as duas questões encontram-se profundamente imbricadas, na medida em que a apreciação dos trâmites impostos pelo artº 485º do CPP é diversa consoante a latitude da decisão seja marcada pela obrigatoriedade da concessão da liberdade condicional ou não. Daí que se passe desde já a conhecer da procedência da aplicação, no caso sub judice, do disposto no artº 61º, nº4, do CPP.
O instituto da liberdade condicional foi introduzido no nosso ordenamento jurídico por legislação de 1893, então com natureza graciosa, com o sentido de benefício ou prémio aos condenados, a título de estímulo e recompensa pela boa conduta na prisão [[iii]] e assim subsistiu até ao Código Penal de 1982. Passou então a inscrever-se na finalidade de ressocialização da intervenção penal, como emerge do seguinte passo do preâmbulo: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão coma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
Relativamente aos condenados em penas privativas da liberdade superiores a seis anos, dispõe o artº 61º, nº4, do CPP que a liberdade condicional tem sempre lugar logo que houver cumprido cinco sextos da pena. A intenção político criminal que preside a esta liberdade condicional dita «automática», porque dependente apenas de pressupostos formais, é distinta daquela dependente ainda de pressupostos materiais, como ensina Figueiredo Dias: «não se trata, na liberdade condicional chamada «obrigatória», da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até o agravamento da perigosidade. Com efeito, ainda quando as expectativas sobre a socialização após o cumprimento dos 5/6 da pena sejam péssimas, ainda aí a liberdade condicional é automaticamente atribuída» [[iv]].
No caso em apreço, … foi condenado numa pena superior a seis anos mas defende a magistrada do MºPº recorrente que não é essa pena que deve ser ponderada mas sim a «pena residual por revogação de liberdade condicional».
Salvaguardado o devido respeito, trata-se de entendimento sem qualquer apoio na letra da lei. Desde logo, o artº 61º do C.P. alude sempre ao binómio condenado/pena, enquanto o segmento inscrito no nº3 do artº 64º do CP alusivo à «pena de prisão que vier a ser cumprida» traduz apenas a ponderação dessa «parte», em virtude de interrupção do seu cumprimento, sem permitir qualquer recontagem da pena para os efeitos da concessão «automática» da liberdade condicional e muito menos a transformação dessa parte numa «nova pena», o que é desde logo contrariado pela natureza da liberdade condicional, enquanto medida de execução das penas privativas da liberdade [[v]]. Mas, mais importante, desconsidera que é do interesse da própria comunidade que ao condenado seja facilitada a sua reinserção na vida em liberdade plena através das medidas que acompanham a concessão da liberdade condicional, desiderato que não depende do cumprimento ininterrupto da pena [[vi]].
Esse entendimento é sufragado não só do aresto da Relação do Porto de 22/02/2006, citado na decisão recorrida, como decorre de jurisprudência fixada pelo STJ no Ac. nº3/2006, de 23/11/2005 [[vii]], nos seguintes termos:
«Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional»
A leitura dessa decisão deixa claro que a posição que obteve maioria [[viii]] foi a de que, para a apreciação dos cinco sextos e da liberdade condicional «automática», seria sempre atendida a pena constante da condenação, sendo indiferente a existência de qualquer interrupção e a duração da parte restante a cumprir.
Pela nossa parte, não encontramos razão para divergir dessa jurisprudência, tanto mais que a Lei 59/2007, de 4/9, deixou intocados os contornos do problema. Na verdade, na ausência de norma que estabeleça a impossibilidade de liberdade condicional «automática» consequente à revogação de liberdade condicional «facultativa», importa considerar que as consequências dessa revogação esgotam-se na retoma da privação da liberdade, sem qualquer dedução. Vale também aqui a observação constante desse acórdão:
«É certo que a concessão da liberdade condicional «obrigatória» ou «necessária» não é um «prémio» para o condenado. Mas, do mesmo modo, não se pode tolerar que a sua não concessão assuma o valor de um «castigo»!»
Assim, uma vez que … atingiu os 5/6 da pena de 7 anos e 6 meses de prisão em 19/08/2008, incumbia ao TEP colocá-lo em liberdade condicional nessa data, sem qualquer margem prudencial ou valoração material, como aconteceu.
Da ausência de cumprimento do nº1 do artº 485º do CPP
Concluindo-se pelo acerto da decisão relativamente à colocação do condenado em liberdade condicional nos termos em que aconteceu, resulta clara a ausência de fundamento do recurso relativamente ao (des)respeito do disposto no artº 485º do CPP.
Uma vez que a colocação «automática» em liberdade condicional depende apenas de pressupostos formais, as exigências de informação auxiliar mostram-se dispensáveis pois, qualquer que seja o seu sentido, a libertação terá sempre lugar.
Por outro lado, e ao contrário do referido no recurso, a circunstância de descordar do entendimento judicial não descaracteriza a abertura de vista ordenada pelo despacho de 20/07/2008, mormente enquanto forma de permitir o cumprimento do nº1 do artº 485º, do CPP. Nessa medida, a decisão foi, como devido, antecedida de oportunidade para tomada de posição do MºPº relativamente aos pressupostos da concessão da liberdade condicional.
Da nulidade por ausência do condenado na prestação do consentimento
Aqui chegados, resta apreciar da alegada «nulidade insuprível», por não ter o condenado sido ouvido presencialmente pelo Tribunal «e explicado devidamente o seu direito de aceitar ou não a liberdade condicional».
De acordo com o nº1 do artº 61º do C.P., a aplicação da liberdade condicional depende sempre do seu consentimento, o que encontra conexão com a regra constante do nº2 do artº 485º do CPP, de que antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional, o Tribunal de Execução das Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento.
Resulta dos autos que o condenado não foi ouvido pessoalmente, bastando-se a Srª Juiz com documento assinado pelo mesmo no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria e remetido por fax para os autos, no qual declara consentir na concessão de liberdade condicional. Assim, a omissão de audição pessoal e perante juiz do condenado imposta no citado preceito mostra-se clara, cumprindo apreciar as suas consequências processuais.
A estatuição de dever de audição prévia de sujeito processual inscreve-se no respeito pelo princípio do contraditório, enquanto «direito/dever do juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha que proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica» [[ix]] e também na observância do direito de audiência, consagrado genericamente no artº 61º, nº1, al. b) do CPP: o arguido goza, em qualquer fase do processo, do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que deva ser tomada qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Porém, porque teleologicamente ordenado a assegurar o respeito das garantias de defesa do arguido, que não são eliminadas com a passagem à condição de condenado, próprias do Estado de Direito Democrático, a latitude desse direito de audiência assume expressão diversa consoante a dimensão e tipologia da decisão a tomar e o respectivo potencial de afectação de direitos. É que, como refere o STJ no assento 1/2006 [[x]], na esteira de José António Barreiros [[xi]], o direito de audiência não se confunde com o direito de presença, o qual constitui o contraponto de dever de comparência, «assentando o seu fundamento na ideia de que ele é o instrumento adequado para, a todo o tempo, assegurar ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre o material probatório que contra ele possa ser feito valer e, do mesmo passo, facultar-lhe uma relação de imediação quanto aos meios de prova e à entidade que procede à sua recolha». Ou seja, o direito de audiência não significa, ou pelo menos não significa em todas as situações, o direito a audiência presencial, comportando outras formas de exercício do contraditório, como seja pela forma escrita.
Ora, como vimos, a liberdade condicional no caso dos autos não se encontrava dependente de pressupostos materiais mas apenas do pressuposto formal de se atingirem 5/6 da pena a cumprir, eliminando, porque acto inútil, qualquer produção de prova ou sequer discussão sobre o merecimento dessa medida. Nesses casos, a audição consignada no nº 2 do artº 485º do CPP já não encontra o seu fundamento no exercício do direito de defesa, centrando-se na informação e adesão às injunções fixadas, bem como na prestação do consentimento para a liberdade condicional.
A necessidade de consentimento do condenado para a liberdade condicional foi introduzida pela revisão do Código Penal levada a efeito pelo D.L. 48/95, de 15/3, dando resposta às críticas que, na sua falta, consideravam desenhar-se verdadeira medida coactiva de socialização ou até modificação substancial da pena, de duvidosa eficácia socializadora [[xii]]. Como bem refere a Srª Procuradora Geral Adjunta, citando aresto recente desta Relação [[xiii]], através da exigência do consentimento procura-se garantir a cooperação do arguido e, dessa forma, atingir condições de sucesso para o desiderato político-criminal que anima o instituto – readaptação ao convívio social em liberdade. Dessa forma, a intervenção judicial na prestação do consentimento obedece fundamentalmente à necessidade de garantir a sanidade do processo de formação da vontade do condenado e a genuinidade da declaração, o que se admite possa acontecer pela forma escrita em casos muito contados, como o presente [[xiv]], quando pouco mais há a fazer do que recolher o consentimento e enunciar as suas consequências. Aliás, a magistrada do MºPº recorrente não questiona estarem reunidas as condições de genuinidade e informação quanto ao consentimento prestado por escrito e remetido por fax, cabendo aqui recordar que o arguido já antes fora colocado em liberdade condicional e, inerentemente, tinha plena percepção do respectivo significado e alcance.
Mas, mesmo que assim não fosse, e se concluísse que a audição do condenado nas situações de liberdade condicional «obrigatória» e prestação de consentimento não dispensa, em qualquer caso, a presença do condenado perante o juiz, sempre seria de concluir que a imperfeição do acto não tem cabimento na nulidade sustentada.
O ordenamento processual penal segue o regime da taxatividade das nulidades pois, de acordo com o disposto no artº 118º, nº1 do CPP, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Quando assim não acontecer, a violação processual configura mera irregularidade.
A magistrada recorrente afirma ter-se verificado a nulidade insanável estabelecida na al. c) do artº 119º do CPP – ausência do condenado ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência – mas essa previsão manifestamente não tem aplicação ao acto em apreço, atento o interesse tutelado pelo direito de audiência presencial.
As nulidades insanáveis tipificadas no artº 119º atendem fundamental a violações que afectam de forma indelével a estrutura funcional do processo, no qual se inclui, por imperativo constitucional [[xv]], a garantia de defesa do arguido e o direito à audiência antes de decisão que pode conduzir à privação da liberdade, como acontece com a decisão de revogação da suspensa de execução da pena [[xvi]] ou a revogação de perdão de pena[xvii]. Compreende-se que assim seja, pois é fundamental que o arguido não seja colocado em situação de indefesa perante decisão que pode determinar a sua privação da liberdade.
Porém, a presente situação coloca-se nos antípodas daquelas, na medida em que a audição do condenado já não se destina a defender-se relativamente à privação da liberdade mas sim saber se pretende continuar com a sua liberdade coarctada até ao final da pena. Ou seja, dito de outra forma, já não se coloca a possibilidade de se restringirem os direitos, liberdades e garantias do condenado, pois o instituto da liberdade condicional significar inequivocamente um desagravamento da situação do recluso.
Assim, ao cremos, o alcance garantístico contido no artº 61º, nº1, al. b) e reforçado com a cominação de nulidade dita insanável estabelecida na al. c) do artº 119º, ambos do CPP, nunca abarcaria o acto omitido pelo Tribunal a quo.
E, uma vez que também não tem enquadramento nas nulidades previstas no artº 120º do mesmo código, sempre caberia qualificar a omissão verificada de mera irregularidade e concluir que, de acordo com o disposto no artº 123º, nº1, do CPP, ficou sanada uma vez não evocada nos três dias subsequentes à notificação da decisão recorrida ao condenado. Mais, essa irregularidade apenas poderia ser evocada pelo próprio, na medida em que, como vimos, a audição destina-se predominantemente a realizar o seu interesse. Dúvidas não há que o recurso não vem interposto no interesse do arguido pois pretende a anulação da decisão que concedeu a liberdade condicional e, inerentemente, o retorno à reclusão.
Em suma, mesmo que se considere que audição do arguido e a prestação de consentimento teve lugar fora do momento e do acto imposto pelo artº 485º, nº2, do CPP, o vício decorrente seria de mera irregularidade, já sanada.
 Face ao exposto, conclui-se pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

Negar provime

[i] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 74.º, n.º 4, 75.º, n.º 2, alínea a), do DL 433/82, de 27/10 e 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] António Manuel de Almeida Costa, Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português, in Boletim da Faculdade de Direito, Vol.LXV-1989
[iv] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências do crime, Aequitas, 1993, 543-544.
[v] Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 528.
[vi] Cfr. Ac. do STJ de 22/03/2005, 05P1151, relator Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[vii] Publicado no DR, 1ª série, de 9/01/2006.
[viii] Refira-se que o Conselheiro Simas Santos proferiu voto de vencido, em que propugnou pela fixação de jurisprudência no sentido agora defendido pelo recorrente, a saber: Fixaria a seguinte jurisprudência: «Não é de conceder a liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a 6 anos, nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, ao condenado que interrompeu ilegitimamente o cumprimento dessa pena, não regressando de uma saída precária prolongada, se o remanescente da pena não  excede os 6 anos de prisão.»
[ix] Ac. da Relação de Coimbra de 30/04/2003, in CJ, ano XXVIII, Tº2, pág. 50.
[x] Publicado no DR, I série, de 2/01/2006.
[xi] José António Barreiros, Inquérito e instrução, I Congresso de Processo Penal, Almedina, 2005, pág. 145.
[xii] Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 529.
[xiii] Processo 810/00.9TXCBR-A.
[xiv] Note-se que a decisão foi proferida numa altura muito próxima do início das férias judiciais de verão, o que cremos assumiu relevo na prática seguida.
[xv] Artº 32º, nºs. 1 e 5 da CRP.
[xvi] Cfr. artº 495º, nº2, do CPP. Sobre a discussão em torno dessa audição, cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 05/11/2008, Proc. 335/01.5TBTNV, relator Jorge Raposo, tendo como adjunto o aqui relator.
[xvii] Ac. to Tribunal Constitucional nº 298/2005, de 07/06/2005, www.tribunalconstitucional.pt.