Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/07.0TAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
REENVIO – TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: “REENVIO” (TOTAL)
Legislação Nacional: ART.ºS 358º, 340º E 426º-A, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A expressão "no decurso da audiência" utilizada no art.º 358°, n.° 1, do C. Proc. Penal "abrange todo o período que vai da respectiva abertura até à leitura da sentença. Só com tal leitura fica precludida a possibilidade de o tribunal proceder à alteração dos factos, nos termos dos art.ºs 358° e 359 °, do C. Proc. Penal".

O Tribunal deve investigar todos os factos relevantes ainda que não alegados e ainda que as partes não ofereçam prova sobre eles, pois o art.º 340º, do C. Proc. Penal impõe-lhe a obrigação de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Consagra-se, assim, na fase de julgamento, o primado do princípio da investigaçãopoder-dever que incumbe ao Tribunal de investigar autonomamente os factos, para além das contribuições de acusação e defesa.

O reenvio do processo, por verificação de um dos vícios elencados no n.º 2, do art.º 410º, do C. Proc. Penal, determina necessariamente a repetição do julgamento por Tribunal com composição pessoal diferente. Isto resulta da consagrada ressalva do previsto no art.º 40º, do mesmo Código. Dito por outras palavras, por força do disposto na alínea c), deste artigo, o Juiz que participou em julgamento anterior fica impedido de intervir no seguinte.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
No processo comum singular supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que CONDENOU O ARGUIDO A..., casado, residente em …, VV... pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento p. e p. nos arts. 256°, n° 1, al. b) do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

Inconformado o arguido interpôs da sentença, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
1ª O tribunal, ao condenar o arguido, fundou a sua convicção tendo por base, além da prova documental junta aos Autos, parte das declarações do Arguido e em toda a prova testemunhal prestada em audiência de discussão e julgamento.
2a O n.º 6 do art. 328 do C.P.P. estabelece que "O adiamento não pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência nesse prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada".
3ª - Este dispositivo legal consagra o princípio da continuidade da audiência, visando defender os fins pretendidos pelos princípios da imediação e da concentração (manutenção das impressões e recordações colhidas e unidade, decorrente da continuidade da audiência e decisão).
4ª Destarte, esta disposição é justificada pela oralidade e imediação da prova, que necessariamente tem de estar presente na memória dos julgadores.
5ª - Acontece que, conforme aduzimos supra, entre 15 de Outubro de 2010 (data em que foram prestados os depoimentos das testemunhas B..., C... D..., E..., F..., G... e H...) e 16 de Novembro de 2010, (data em que, na sequência de comunicação em audiência de leitura de sentença, de alteração não substancial dos factos, o arguido apresentou por escrito a sua defesa, cuja junção foi admitida aos presentes autos), não foi produzida qualquer prova, o que, tendo sido ultrapassado o período de 30 dias fixado por lei, acarreta a ineficácia da prova produzida nas sessões de julgamento ocorridas em 21 de Setembro e 15 de Outubro de 2010.
6- Não se venha dizer que neste intermédio ocorreram duas sessões de julgamento que terão interrompido o aludido prazo, uma vez que em 29 de Outubro de 2010 apenas foram produzidas alegações de facto e de direito pelo Ministério Público e pela Mandatária do Arguido, e em 11 de Novembro de 2010, em audiência de leitura de sentença, apenas foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e concedido prazo ao arguido para apresentar a sua defesa, não tendo por isso sido produzida qualquer prova.
7ª A perda de eficácia da prova está ligada a uma presunção legal implícita, segundo a qual o decurso de tal prazo apagará da memória do julgador os pormenores do julgamento, prejudicando desse modo a base da decisão factual, de tal modo que será possível o entendimento de que o único remédio para um tal esquecimento presumido passará pela repetição da audiência.
8ª Assim sendo, tendo decorrido mais de 30 dias entre audiências de julgamento onde de facto foi produzida prova, esta perdeu eficácia, impondo-se por isso a anulação e a repetição do julgamento.
9ª Com efeito, o art. 328º, nº 6 do CPP ao determinar que perde eficácia a prova produzida, em caso de adiamento superior a 30 dias, consagra o princípio da concentração processual ou da continuidade, cuja aplicação adequada não pode deixar de ter em conta os princípios da oralidade, da imediação e da verdade material.
10ª Princípios estes que não foram respeitados ao não se ter produzido qualquer prova num hiato de tempo que decorreu entre 15 de Outubro e 16 de Novembro de 2010.
11a A perda da eficácia probatória da prova só tem consequências quando esta prova é incluída na fundamentação da sentença.
12ª Ora, quer as declarações do Arguido, quer o depoimento de todas as testemunhas que foram ouvidas em julgamento e que serviram de fundamento à sentença sub iudicio foram prestados nas sessões de 21 de Setembro e 15 de Outubro de 2010 e serviram de pedra angular à sentença sub iudicio.
13a Como se refere no Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência, de 29-10-2008, «(...) a perda de eficácia tem por consequência a necessidade da sua repetição. A mesma prova produzida deixa de ter qualquer virtualidade para fundamentar a convicção do julgador, ou para produzir qualquer efeito processual.-».
14ª - Por conseguinte, tendo a prova perdido eficácia, há proibição quanto à sua valoração e consequentemente lugar à anulação da sentença ora recorrida, bem como, tendo em conta o procedimento descrito em 29 a 159 deste articulado, à anulação de todo o julgamento, nos termos do disposto no art. 1222 do CPP.
15ª em audiência de discussão e julgamento ocorrida em 29 de Outubro de 2010 foram produzidas alegações quer pelo Ministério Público, quer pela Mandatária do Réu, findas as quais foi perguntada ao arguido se tinha mais alguma coisa a alegar em sua defesa e em seguida foi declarada encerrada a discussão, tendo-se designado data para a leitura de sentença, nos termos do disposto no art. 361º do CPP.
16ª Posteriormente, em 11 de Novembro de 2010, na data designada para a leitura de sentença foi comunicado pelo tribunal ao Arguido nos termos do disposto no art. 358º do CPP a alteração não substancial dos factos elencados na acusação tendo-lhe sido concedido prazo para apresentar a sua defesa, em escrupuloso cumprimento do princípio do contraditório.
17ª Ora, o art. 361º n.º 2 in fine estipula que finda as alegações e perguntado ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, a audiência de discussão e julgamento considera-se para sempre encerrada, só sendo permitida a sua reabertura nos termos e para os efeitos previstos no art. 371º do CPP.
18ª Refira-se outrossim que o art. 361º do CPP está inserido no Título II daquele código designado por "Da Audiência".
19ª - Diga-se também que o art. 358º que estipula o instituto da alteração não substancial dos factos descritos na acusação também está inscrito no capítulo designado por "Da Audiência", o que significa que tal alteração só pode ser comunicada ao arguido no decurso da audiência de discussão e julgamento e não já depois desta encerrada, isto é, não depois de já terem sido proferidas alegações, dada oportunidade ao arguido para se pronunciar a final sobre a sua defesa e encerrada a discussão com designação de dia para a leitura da sentença.
20ª Mais se argumente que, nos termos do disposto no art. 361º n.º 2 in fine conjugado com o art. 371º n.º 1 do CPP só é permitida a reabertura da audiência de discussão depois desta encerrada, quando se torne necessária a produção de prova suplementar, nos termos do n.º 2 do art. 369º.
21ª Ora, o n.º 2 do art. 369º refere-se a prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar.
22ª Diga-se que este artigo 371º do CPP já está inserido no capítulo III designado por "Da sentença", o que significa que a sua aplicação ocorre num momento em que já está encerrada a audiência de discussão.
23º Ora, da aplicação conjugada dos artigos 361º n.º 2 in fine e do art. 371º do CPP não decorre que após encerrada a audiência de discussão, possa o tribunal vir reabri-la com fundamento e para os efeitos no disposto no art. 358º do CPP.
24a se assim fosse, o legislador teria mencionado no art. 361 n.º 2 do CPP "Em seguida o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no art. 358º e no art. 371e, e o tribunal retira-se para deliberar". E o art. 371º n.º 2 do CPP referiria expressamente, tornando-se necessária a produção de prova suplementar, nos termos do disposto no art. 358º do CPP e nos termos do disposto no n.º 2 do art. 369º, o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta.
25- Neste conspecto, só se poderá concluir que a comunicação ao Arguido da alteração não substancial de factos não previstos na acusação só poderá ser feita até ao encerramento da discussão, nos termos do disposto no art. 361º do CPP e não, como ocorreu nos presentes autos, depois desta encerrada e em audiência marcada para a leitura da sentença.
26- Considerar que a comunicação da alteração não substancial dos factos plasmada no art. 358º n.º 1 poderá ser feita depois de encerrada a discussão, ao abrigo do disposto no art. 361º n.º 2 in fine e do disposto no art. 371º é fazer uma interpretação sem que esta tenha, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
27ª Em suma, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art. 92 nº. 3 do Código Civil.
28- Pelo que o tribunal a quo ao comunicar ao arguido em audiência de leitura de sentença marcada para o dia 11 de Novembro de 2010 uma alteração não substancial dos factos, quando essa possibilidade já lhe estava legalmente vedada e ao condenar o arguido com fundamento em factos que não constavam da acusação pública, mas sim de uma alteração não substancial que processualmente lhe estava vedado realizar está a violar o disposto nos artigos 358º conjugados com os artigos 361º e 371º todos do CPP, o que deverá determinar a anulação da sentença recorrida.
29º Na sentença objecto do presente recurso consta no ponto 7. dos factos provados que a construção de seis churrasqueiras e das duas chaminés no telhado e a colocação da porta de entrada do alçado/fachada sul à face da parede exterior, alteraram a fachada do edifício.
Em ponto alguns dos factos dados como provados consta que a construção de duas chaminés no telhado altera a forma do telhado.
30- Ora, da leitura do Capítulo IV da sentença ora posta em causa, denominado "Fundamentação de Direito. Enquadramento jurídico-subsunção", podemos concluir que o tribunal a quo considerou que as alterações em obra, que deu como provadas, alteram a forma do telhado, quando tal nunca foi referido nos factos dados como provados, nem foram elencadas quaisquer razões - designadamente depoimentos, prova documental, definições técnico-jurídicas - que pudessem alicerçar a dita alteração da forma dos telhados.
32ª - Diga-se igualmente que o tribunal também não aventou qualquer explicação para a consideração de que tais obras alteravam a fachada, limitando-se a afirmar tout court que as obras alteravam a fachada e que como tal estavam sujeitas a autorização administrativa.
33- Assim sendo, por que fundamenta com base em factos que não foram dados como provados (que as obras realizadas alteram a forma dos telhados) e porque não fundamenta a razão pela qual deu como provados determinados factos que conduziram à premissa de as obras em causa carecerem de autorização estamos na presença de uma contradição insanável nos termos do disposto no art. 410º n.º 2 al. b) o que deverá conduzir à anulação da sentença proferida pelo tribunal a quo.
34a Ao preparar a elaboração da sua motivação de recurso, o Arguido apercebeu-se que partes significativas do depoimento da Testemunha K..., gravado, no dia 21 de Setembro de 2010, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, estão efectivamente imperceptíveis, devido a uma gravação deficientemente efectuada.
35ª Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 3639 e 3649 do CPP, porque estas declarações em acta foram deficientemente documentadas, estamos na presença de uma nulidade que desde já se invoca.
36ª - Andou mal o tribunal a quo ao considerar como provados estes factos constantes do ponto 7 dos factos dados como provados.
37ª - Refira-se que, em lugar algum do aresto ora posto em causa aparece uma justificação fundamentada em termos técnicos (com noções das "artes" de arquitectura e engenharia) e em termos jurídicos para tal asserção.
38ª - Com efeito, apesar de não o indicar expressamente, pelo que só podemos encetar um exercício de adivinhação, a Meritíssima Juiz terá fundamentado a afirmação constante do ponto 7. nos depoimentos das testemunhas J... e C…, fazendo tábua rasa dos depoimentos das testemunhas E...e F…, alicerçando tal descrédito na circunstância de estas duas testemunhas, a primeira arquitecta de formação e técnica superior numa câmara municipal, exercendo funções de análise de projectos de arquitectura com vista ao seu licenciamento /autorização administrativa, e a segunda engenheiro civil de profissão, serem amigos do arguido.
39ª Sem, no entanto, ter sequer ponderado que as testemunhas da acusação J... e C… deixaram claramente notar nos seus depoimentos uma atitude profundamente hostil para com o arguido, tendo uma delas - a testemunha C... - a hombridade de declarar que se encontrava de relações cortadas com este.
40ª Ora, analisando o depoimento da testemunha J...e da testemunha C..., verifica-se que ambos falharam em explicar, de forma clara e segura, em primeiro lugar, o que é a fachada de um edifício, designadamente a fachada tardoz, ou sequer, o que é um alçado e em segundo lugar, porque é que a construção das churrasqueiras, no local onde se encontram (vide fotografias juntas aos Autos, designadamente com a contestação apresentada pelo Arguido), que, inacreditavelmente, afirmam ser no exterior do edifício, quando as mesmas se encontram localizados no interior das fracções autónomas, numa parede confinante com a varanda que, obviamente, faz parte das fracções autónomas, não constituindo qualquer parte comum do edifício, altera a fachada, limitando-se a afirmar "que sim, porque sim" sem qualquer fundamentação.
41ª O mesmo se passando com a aposição da porta de vidro à face da fachada principal do edifício, bem como com a construção das chaminés que, alegadamente, alteraram a fachada e a forma dos telhados do edifício (esta última circunstância, apesar de não constar do elenco de factos dados como provados, foi utilizada pela Meritíssima juiz para fundamentar o seu raciocínio de que as ditas modificações, tendo alterado a fachada, exigiam a apresentação de um projecto de alterações com vista à obtenção da correspondente autorização administrativa).
42ª Diga-se, quanto a esta última alteração - a construção de duas chaminés altera a forma do telhado - que apenas a testemunha J..., defendeu tal asserção, já que todos os outros técnicos ouvidos em audiência o negaram peremptoriamente, inclusive a testemunha de acusação C..., uma vez que a forma telhado só seria alterada, por exemplo, se passasse de duas para quatro águas, ou se tendo o telhado uma inclinação de 15% e passasse a uma inclinação de 30%, o que alteraria obviamente a sua forma.
43ª Contrariamente, os testemunhos de E...e D...foram consistentes, densos e tecnicamente coerentes, tendo conseguido explicar as noções técnicas em causa e o porquê de considerarem que as alterações ao projecto verificadas não preconizavam qualquer alteração à fachada, não carecendo por isso de autorização/licenciamento
administrativo ou sequer de comunicação prévia, nos termos do disposto no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.
44a De acordo com o Decreto Regulamentar n.º 9/2009, 29 de Maio, a fachada é cada uma das faces aparentes do edifício, constituída por uma ou mais paredes exteriores! directamente relacionadas entre si. As fachadas identificam-se usualmente pela sua orientação geográfica (fachada norte, fachada sul, etc) ou relativamente à entrada principal do edifício, tomando neste caso as designações: fachada principal (onde se localiza a entrada principal), fachadas laterais (esquerda e direita) e fachada tardoz ou fachada posterior.
46ª - Neste conspecto, por que as seis churrasqueiras não foram construídas na face aparente do edifício, isto é, na parede exterior do edifício, mas outrossim na parede confinante das varandas viradas a norte da referida edificação, ou seja, no interior do edifício, no interior de cada uma das fracções, não consubstanciam qualquer alteração da fachada, conforme foi explicado, em audiência de discussão e julgamento, pelo Sr. fiscal municipal (testemunha da acusação B... ouvida no dia 15 de Outubro de 2010, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de UU...) e pelas testemunhas D... e E....
47ª E o que dizer da construção de duas chaminés no telhado? Para responder a esta questão temos de lançar mão, para além da noção de fachada, da definição de altura de fachada, tal como ela está consignada no aludido Decreto Regulamentar n.9 9/2009.
48ª Nos termos deste diploma legal, "Altura da fachada é a dimensão vertical da fachada, medida a partir da quota de soleira, até à linha superior da cornija, beirado, platibanda ou guarda do terraço, acrescida da elevação da soleira quando aplicável.
49ª Assim sendo, e atendendo às definições legais supra enunciadas, o telhado não faz parte da fachada pelo que, a construção de duas chaminés na referida cobertura, não constitui alteração da fachada.
50ª No que concerne à colocação da porta de entrada do alçado/fachada sul à face da parede exterior, conforme foi ampla e densamente explicado pelas testemunhas D..., engenheiro civil de profissão, e E..., arquitecta a exercer funções no Departamento de Obras da Câmara Municipal de VV..., no decurso da audiência de discussão e julgamento, a porta colocada à face da parede exterior em nada vem alterar a leitura/compreensão do alçado/fachada sul.
51ª Com efeito, a dimensão do espaço (vão), previsto no projecto aprovado e licenciado, onde foi colocada a porta, não sofreu qualquer alteração em termos de largura e altura (dimensões inalteradas), permanecendo igual com ou sem porta.
52ª Acresce que, a colocação de uma porta de vidro translúcido/ transparente em nada altera a forma como se compreende a fachada, já que este elemento é invisível e os seus acessórios (dobradiças, fixadores, puxador), pelas suas dimensões reduzidas, são irrelevantes na leitura global da fachada.
53ª Com efeito, para se considerar que um determinado elemento físico, não previsto no projecto inicialmente aprovado, constitui uma alteração é necessário que este consubstancie um impacto visual de tal forma relevante que modifique a compreensão/leitura do projecto de arquitectura e consequentemente do edifício.
55ª Destarte, por estarmos perante a aposição de pequenos elementos físicos sem qualquer expressão e pela porta ser de vidro translúcido, não alterando as dimensões do vão inicialmente previsto, não podemos, nem devemos considerar estar aqui perante uma alteração da fachada.
56ª Veja-se que, em prédios idênticos construídos na mesma urbanização do edifício objecto dos presentes autos, e que evidenciam as mesmas alterações elencadas quer na acusação, quer na alteração não substancial dos factos, foi-lhes concedida autorização de utilização, em data posterior aos factos que ora estão a ser discutidos, sem que lhes tenha sido exigido, pelo Município de UU..., qualquer projecto de alterações com vista à legalização do edificado, bastando-se com a apresentação de telas finais elaboradas pelo autor do projecto de arquitectura, - a testemunha J... - que, contrariamente ao que aqui veio afirmar em tribunal relativamente ao edifício cuja construção foi dirigida pelo arguido, não considerou nesses casos, a necessidade de apresentação de quaisquer projectos de alterações.
57ª A instâncias da Meritíssima Juiz, o Sr. Arquitecto, autor do projecto de arquitectura, afirmou que as alterações às churrasqueiras e a alteração à porta carecem de licenciamento e da apresentação de um projecto de alterações.
58ª E que esta exigência está perfeitamente objectivado face à lei.
59ª No entanto, foi afirmado por diversas testemunhas, designadamente o Sr. J…, o Sr. G... e o Sr. H..., e confirmado no seu depoimento pelo Sr. Arquitecto, que em prédios muito semelhantes àquele objecto dos presentes autos, em que se procedeu igualmente à construção de churrasqueiras e à alteração do local onde foi colocada a porta de entrada no edifício, o Sr. Arquitecto, por sua exigência, ameaçando com questões de direitos autorais, fez com que os donos de obra, apresentassem unicamente aquando do pedido de emissão de autorização de utilização, telas finais, por si elaboradas, e não qualquer projecto de alterações.
60ª Portanto, há aqui uma clara contradição entre aquilo que o Sr. Arquitecto afirmou que decorre especificamente da lei e aquilo que ele próprio fez, nos edifícios cujos donos de obra cederam à sua chantagem e lhe pagaram 1.200,00€ para apresentar telas finais.
61ª As telas finais são desenhos que identificam pormenorizadamente o estado da obra após a sua conclusão e são entregues juntamente com o pedido de autorização de utilização, não configurando quaisquer projectos de alterações.
62ª Foi, aliás, afirmado em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas, G..., F...e H... que, após recebimento das telas finais, e após análise das mesmas, das quais constavam a construção das churrasqueiras e a alteração da localização da porta de entrada dos edifícios, a Câmara Municipal não lhes exigiu qualquer projecto de alterações, pelo que é por demais evidente que não considerou, em todos os casos que lhe foram presentes, que as alterações aqui em causa e que segundo as testemunhas, G..., F...e H... ocorreram em 99% dos prédios construídos naquela urbanização, necessitavam da apresentação de um projecto de alterações.
63ª Analisando o depoimento do Arguido, gravado em 21 de Setembro de 2010, no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de UU..., bem como os depoimentos das testemunhas arroladas pela Defesa verifica-se que, contrariamente ao dado como provado pela Meritíssima Juiz, o Eng. A… estava plenamente convicto, que ao emitir a declaração referida em 5. Factos dados como provados e ao preencher o livro de obra nos termos descritos em 5. não estava a faltar com a verdade e cumpria estritamente o previsto na lei.
64ª Diga-se que o director técnico só está obrigado a registar no livro de obra factos relevantes à execução das obras licenciadas - art. 97º n.º 1 do RJUE.
65ª Com efeito, as modificações descritas no ponto 6 dos factos dados como provados, estando isentas de autorização e não tendo a sua construção de ser sequer previamente comunicada à Câmara Municipal, não configura um facto relevante, digno de ser mencionado no livro de obra, pelo que o seu não registo pelo arguido não consubstancia qualquer falsificação de documento.
66ª Da mesma forma, também a declaração de que o edificado está conforme ao projecto aprovado, atendendo à irrelevância formal da ditas alterações (estão isentas de autorização de construção ou sequer de comunicação prévia) não consubstancia qualquer falsificação com vista à obtenção de uma autorização de utilização, tanto mais que a mesma (autorização de utilização) teria de ser obrigatoriamente emitida, levando em consideração as ditas isenção de autorização de obras e desnecessidade de comunicação prévia à construção,
67ª Além de que nestes casos (nos casos previstos no art. 6º do RJUE) a autorização de utilização não se destina a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento e autorização, mas outrossim, a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido - vide artigo 62º n.º 3 e 2 a contrario do RJUE.
68ª Destarte, a conduta do Arguido, ao não mencionar as aludidas alterações, não visou a concessão de qualquer autorização de utilização, uma vez que de acordo com o regime legal aplicável tal autorização não dependia da referida menção e muito menos teve por escopo granjear qualquer benefício económico para a sociedade proprietária do edifício em causa, já que as mesmas não implicavam a apresentação de qualquer projecto de alterações e a sociedade proprietária do imóvel pagou de facto uma taxa pela emissão da sobredita autorização de utilização.
69ª Mais se diga que contrariamente ao afirmado pela meritíssima juíza no ponto 9 dos factos dados como provados, se o Autor tivesse declarado como fizeram todos os outros construtores ouvidos nos presentes autos a realização de tais alterações através da apresentação de telas finais (instrumento também utilizado pelo Sr. arquitecto J... e pelo Sr. Eng. C... conforme decorre dos seus depoimentos) a autorização de utilização ser-lhe-ia de igual forma concedida.
70ª Diga-se outrossim que o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação não exige a apresentação destas telas finais, estando a sua apresentação na livre disponibilidade dos administrados - confirme-se o depoimento das testemunhas F…, G... e H..., que afirmaram que tal nunca lhes foi exigido pela Câmara Municipal e que quando recebidas e obrigatoriamente analisadas pela câmara, nunca esta lhes exigiu qualquer projecto de alterações com vista à sua legalização, tendo emitido as ditas autorizações de utilização sem levantar quaisquer questões.
71ª Neste conspecto, o Arguido não agiu com consciência de que a sua conduta não era permitida por lei penal.
72ª Ora, conforme foi densamente explicado supra, em 68ª a 77ª deste articulado, fazendo uso da noção de fachada prevista do Decreto Regulamentar n.9 9/2009, de 29.05, a que o tribunal, não de forma surpreendente, atendendo à sua postura processual, não faz qualquer referência, não tendo as alterações supra identificadas implicado a modificação da estrutura resistente, das cérceas, das fachadas e das formas dos telhados do edifício - vide art. 69 n.9 1 al. b) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação - estão isentas de licença ou autorização.
73ª Mais se diga que, nos termos do plasmado no art. 83ª n.ª 2 do RJUE, podem ser efectuadas sem dependência de comunicação prévia à câmara municipal, as alterações em obra que não correspondam a obras que estivessem sujeitas a prévio licenciamento ou autorização administrativa.
74ª Acresce que, nos casos previstos neste art. 6º do RJUE, ou seja, quando as alterações efectuadas não carecem de prévio licenciamento ou autorização administrativa e consequentemente sem dependência de comunicação prévia, a autorização de utilização não se destina a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento e autorização, mas outrossim, a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido - vide artigo 62º n.º 3 e 2 a contrario do RJUE.
75ª Neste conspecto, as alterações sub judicio, estando isentas de autorização e não tendo a sua construção de ser sequer previamente comunicada à Câmara Municipal, não configuram um facto relevante, digno de ser mencionado no livro de obra, pelo que o seu não registo pelo arguido não consubstancia qualquer falsificação de documento.
76ª Da mesma forma, também a declaração de que o edificado está conforme ao projecto aprovado, atendendo à irrelevância formal das ditas alteração (estão isentas de autorização de construção ou sequer de comunicação prévia) não consubstanciam qualquer falsificação com vista à obtenção de uma autorização de utilização, tanto mais que a mesma (autorização de utilização) teria de ser obrigatoriamente emitida, levando em consideração as ditas isenção de autorização de obras e desnecessidade de comunicação prévia à construção.
77ª Destarte, analisando as declarações do Arguido, e os depoimentos das testemunhas, bem como as disposições legais aplicáveis, somos levados a concluir que a sua conduta, ao não mencionar as aludidas alterações no livro de obra e ao emitir a declaração de que a obra estava construída de acordo com o projecto aprovado,
78ª não visou a concessão de qualquer autorização de utilização, uma vez que de acordo com o regime legal aplicável tal autorização não dependia da referida menção, e muito menos teve por escopo granjear qualquer benefício económico para a sociedade proprietária do edifício em causa, já que as mesmas não implicavam a apresentação de qualquer projecto de alterações e a sociedade proprietária do imóvel pagou, de facto, uma taxa pela emissão da sobredita autorização de utilização.
79ª O crime de falsificação de documentos, previsto no art. 256º do CP, pelo qual o Arguido vem acusado, é um crime intencional, no entanto, no caso vertente e pelos motivos supra expostos o arguido não actuou com intenção de causar prejuízo ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, estando outrossim convencido que actuava no estrito cumprimento da lei.
80ª Em virtude da interpretação técnica que fez da lei, o Arguido quando preencheu o livro de obra e assinou a declaração, não tinha conhecimento de estar a falsificar um documento e apesar disso querer falsificá-lo. Ou seja, o arguido não actuou dolosamente, não teve conhecimento e vontade de realização do tipo, não conhecia os elementos normativos do tipo.
81ª Apesar de, para a prática do tipo legal sub judice bastar a verificação do dolo eventual, o Arguido também não previu ou se conformou com a verificação dos factos inscritos no tipo.
82ª Pelo que, nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser absolvido.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, coim o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso merecer provimento, anulando-se a sentença recorrida e ordenando-se a repetição do julgamento, ou caso, assim se não considere, revogando-se o referido aresto, absolvendo o Réu do crime de que vem acusado.
SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”
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O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
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Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.
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Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência parcial do recurso.
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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.
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O recurso abrange matéria de facto e de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1. No âmbito do processo de obras n° 23/2004, que correu termos nos Serviços da Câmara Municipal de UU..., foi licenciada a construção de um edifício para habitação, em terreno situado no lote … da Urbanização da Quinta de São Luís, em Pereira, UU....
2. Tal construção foi primeiramente requerida pela sociedade "W.., Lda.", sendo posteriormente o respectivo processo averbado em nome da sociedade "Z…, Lda.".
3. O arguido era e é sócio gerente da sociedade "Z…, Lda.".
4. Durante a construção supra aludida, o arguido, engenheiro técnico civil de profissão, era o técnico responsável pela direcção técnica da referida obra.
5. Nessa qualidade, finda a obra, para efeitos de concessão de licença de utilização e respectivos alvarás relativamente à obra edificada, o arguido, em 21.07.2006, fez constar do respectivo livro de obras que a obra se encontrava concluída em conformidade com o projecto aprovado, e, em 25.07.2006, elaborou e subscreveu a declaração junta a fls. 72 que foi entregue nos Serviços da Câmara Municipal de UU... nessa data, e na qual declarou que a obra se encontrava edificada em conformidade com o projecto aprovado.
6. No entanto, a obra edificada, apresentava as seguintes modificações
relativamente ao projecto aprovado e licenciado:
- Foram construídas seis churrasqueiras nas paredes das varandas viradas a norte das fracções do edifício, não previstas no projecto aprovado e licenciado;
- Foram construídas duas chaminés no telhado para escoamento dos fumos das aludidas churrasqueiras, não previstas no projecto aprovado e licenciado;
- A porta de entrada do alçado/fachada sul foi construído à face da parede exterior, deixando de existir um pequeno hall exterior previsto no projecto.
7. A construção das seis churrasqueiras e das duas chaminés no telhado, e a colocação da porta de entrada do alçado/fachada sul à face da parede exterior, alteraram a fachada do edifício.
8. O arguido sabia que foram realizadas as modificações aludidas em 6. supra, não previstas no projecto aprovado e licenciado.
9. O arguido, enquanto técnico responsável pela direcção técnica da obra referida, ao emitir e assinar a declaração supra referida em 5., e ao preencher o livro de obras nos termos sobreditos em 5., pelos quais declarou que a obra edificada e concluída estava em conformidade com o projecto aprovado e com as condicionantes da licença de construção concedida, fê-lo sabendo que tal não correspondia à verdade e com o intuito que fosse concedida a licença de utilização e respectivos alvarás, o que não ocorreria caso declarasse que a obra edificada apresentava as desconformidades referidas com a licença de construção concedida.
10. Sabia, que com a referida actuação, possibilitava que a Câmara Municipal de UU... concedesse alvará de autorização de utilização do edifício construído, como veio a ocorrer, e que, assim, a sociedade proprietária do mesmo obteria benefício indevido.
11. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e voluntária, bem sabendo não ser a sua conduta permitida por lei penal.
12. A construção das seis churrasqueiras não implicou modificação da estrutura resistente e das cérceas.
13. O arguido exerce a sua actividade profissional por conta própria e na empresa de que é sócio gerente.
14. Reside com a mulher, advogada, e dois filhos menores, de sete e três anos de idade, em casa própria.
15. No ano de 2009, o arguido e mulher declararam para efeitos de IRS o rendimento global ilíquido de 26.716,96.
16. O arguido despende a quantia de € 700,00 mensais a título de prestação de empréstimo contraído para aquisição de casa própria.
17. O arguido despende a quantia mensal de € 400,00 a título de prestação de empréstimo contraído para aquisição de veículo automóvel.
18. Não tem antecedentes criminais.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão e, nomeadamente, que:
1.1. A colocação da porta de entrada no alçado/fachada sul à face da parede exterior, aumentou a área de construção do prédio.
2.2. As seis churrasqueiras não foram colocadas no alçado/fachada norte do prédio.
3.3. O alçado/fachada norte do prédio mantém-se inalterado, em total cumprimento do projecto de arquitectura aprovado pela Câmara Municipal de UU....
4.4. As seis churrasqueiras estão colocadas no interior do edifício/fracções.
5.5. A construção das seis churrasqueiras não implicou a modificação das fachadas e das formas dos telhados.
6.6. A construção das seis churrasqueiras não previstas no projecto aprovado e licenciado, está isenta de licença ou autorização administrativa, ou de comunicação prévia à câmara municipal.
7.6. A autorização de utilização não se destina a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento e autorização, mas sim a verificar a conformidade com o uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou a sua fracção autónoma para o fim pretendido.
8.8. O director técnico só está obrigado a registar no livro de obra factos relevantes à execução das obras licenciadas.
9.9 No caso em apreço, não obstante a construção das churrasqueiras, a autorização de utilização pela Câmara Municipal teria obrigatoriamente de ser concedida.
10.10. A colocação da uma porta de vidro no alçado sul à face da parede exterior, está isenta de autorização administrativa, ou de comunicação prévia à Câmara Municipal.
11.11. Tal alteração não tem de ser mencionada no livro de obra.
12.12. O arguido, ao emitir e assinar a declaração supra referida em 5., e ao preencher o livro de obras nos termos sobreditos em 5., não mencionando a construção das seis churrasqueiras, das duas chaminés, e a colocação da porta de vidro no alçado sul à face da parede exterior, não visou a concessão de qualquer autorização de utilização, nem granjear qualquer benefício económico para a sociedade proprietária do edifício em causa, já que as mesmas não implicavam a apresentação de qualquer projecto de alterações e a sociedade proprietária do imóvel pagou taxa pela emissão da autorização de utilização.
13.12. O arguido não actuou com intenção de causar prejuízo ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício não devido.
14.14. Em virtude da interpretação técnica que fez da lei, o arguido quando preencheu o livro de obra e assinou a declaração supra aludidas em 5., não tinha conhecimento de estar a falsificar um documento e apesar disso querer falsificá-lo.
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MOTIVAÇÃO
O tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica e à luz das normais regras da experiência comuns, dos seguintes elementos de prova:
- Certidões de fls. 2 a 89, 721 a 725, 833 a 959, e 968 a 978.
- Documentos de fls. 709 a 717, 790 a 792, 824 a 826, e 981 a 989.
- Declarações do arguido, na parte em que admitiu ter sido o técnico responsável pela direcção técnica da obra em questão, tendo explicitado tais funções, e ainda que procedeu, nessa qualidade, ao acompanhamento da obra em toda a sua execução, bem como sobre as modificações levadas a cabo na obra (que concretizou), não contempladas no projecto aprovado, e ainda, na emissão e subscrição por si da declaração de fls. 72 e preenchimento do livro de obra em questão, tendo ainda referido ser sócio gerente da sociedade proprietária do imóvel, "Z…, Lda.". Relatou ainda sobre a sua situação pessoal e profissional.
- Depoimento da testemunha K..., que foi o arquitecto autor do projecto do prédio em questão, tendo relatado as alterações que detectou na obra concluída por referência ao projecto aprovado e licenciado, que concretizou, e das quais não lhe foi dado conhecimento prévio. Relatou sobre as obras/alterações que carecem de licenciamento/projecto de alteração, e explicitou os termos "fachada e alçado". Depôs de forma coerente e consistente.
- Depoimento da testemunha B..., fiscal municipal a exercer funções na Câmara Municipal de UU... há cerca de 28 anos, que explicitou sobre as averiguações que fez e levantamento de auto, na sequência de denúncia de desconformidades entre a obra realizada e o projecto aprovado, concretizando as desconformidades que verificou no local da situação do prédio em questão onde se deslocou, confirmando as fotografias juntas aos autos.
Inexplicavelmente, referiu desconhecer se as "alterações" ao projecto que verificou careciam ou não de licenciamento/projecto de alteração ou comunicação prévia, não tendo conseguido explicar os motivos pelos quais, exercendo as suas funções profissionais há mais de 20 anos, e desconhecendo tal, levantou um auto.
- Depoimento da testemunha C..., engenheiro civil, que executou o projecto de especialidade da obra em questão, esclarecendo sobre as "alterações" ao projecto efectuadas, que não verificou no local. Explicou, pelo conhecimento que teve das referidas "alterações" sobre a localização das churrasqueiras (exterior do edifício; alçado posterior), explicando os termos alçado e fachada, e que tais "alterações" estão sujeitas a licenciamento/projecto de alteração. Depôs de forma coerente e consistente.
- Depoimento das testemunhas D..., engenheiro civil, E…, arquitecta a exercer funções na Câmara Municipal de VV..., ambos amigos do arguido, que relataram sobre as "alterações ao projecto" existentes na obra concluída, do que demonstram conhecimento por terem ido ao local, concretizando aquelas e local onde as mesmas se encontram. No mais, limitaram-se a expressar a sua opinião sobre a interpretação das normas do RJUE, concretamente sobre se as "alterações" em questão carecem ou não de licenciamento ou comunicação, concluindo em sentido negativo; sobre o que, em sua opinião, deve constar no livro de obra; bem como sobre os alegado procedimentos "normais" adoptados pelas Câmaras Municipais e situações idênticas às dos autos; explicitaram os termos "alçado" e "fachada". Depuseram ainda sobre o carácter do arguido e sua inserção social e profissional.
Fizeram depoimentos em que, globalmente, expressaram o seu entendimento e interpretação sobre as normas do RJUE, e com patentes inconsistências, em claro favorecimento do arguido.
- Depoimento da testemunha F..., construtor civil há cerca de 15 anos, e amigo do arguido, que construiu seis prédios na urbanização em questão, relatando que nos prédios que construiu também foram colocadas churrasqueiras em locais idênticos, e o procedimento que adoptou junto da Câmara Municipal para a sua construção, apenas nos últimos prédios que construiu, concretizando tais procedimentos, e sobre o montante que o arquitecto pedia para fazer as telas finais, e o que levaria outro técnico para os mesmos fins. Relatou ainda sobre a localização da porta em questão nos autos. Depôs ainda sobre o carácter do arguido e sua inserção social e profissional.
- Depoimento da testemunha G..., empresário de construção civil e sogro do arguido, que foi o promotor da urbanização em questão, na qual construiu mais de 10 lotes, sendo o arguido o director técnico dessas obras. Relatou sobre a construção das churrasqueiras no prédio em questão, bem como na generalidade dos demais construídos na urbanização, precisando o local onde as mesmas foram colocadas, referindo que após "a denúncia feita pelo arquitecto", a Câmara Municipal exigiu telas finais, bem como sobre o valor que o arquitecto exigia dos donos de obra para apresentação das telas finais e o que levaria outro técnico para os mesmos fins. Incorreu em manifestas inconsistências e incongruências no seu depoimento, nomeadamente sobre os registos no livro de obra, e em claro favorecimento do arguido.
- Depoimento da testemunha H..., construtor civil, e cuja empresa procedeu à construção dos prédios em questão nos autos, ou, nas palavras do mesmo, prestou serviços à empresa do arguido, e que relatou sobre a construção das churrasqueiras quer no prédio a que se reporta os autos quer na generalidade dos demais daquela urbanização, que não constavam do projecto aprovado. Referiu sobre a exigência da Câmara Municipal na apresentação de telas finais após "a denúncia feita pelo arquitecto", o qual exigia a quantia de € 1.200,00 para elaborar essas telas finais. Referiu a sua opinião sobre a necessidade de licenciamento/projecto de alterações dessas obras/alterações, entendendo não carecerem as mesmas de licenciamento administrativo, não conseguindo, porem, esclarecer os motivos pelos quais, se assim o entendia, ter pago doze mil euros ao arquitecto para elaboração das telas finais, o que confessou ter feito.
Negou o arguido a prática dos factos de que vem acusado, fundando a sua defesa essencialmente na circunstância de as alterações em questão não carecerem de licenciamento administrativo/projecto de alterações ou comunicação prévia, essencialmente pelos motivos que já antes havia elencado na sua contestação escrita.
Tal versão foi secundada pelas testemunhas de defesa ouvidas.
Não lograram, porem, os mesmos convencer das versões que apresentaram, incumbindo realçar, que ao tribunal não cumpre auscultar a opinião do arguido e testemunhas, mas valorar crítica e juridicamente os factos, subsumindo-os às normas legais aplicáveis.
Da conjugação da globalidade da prova produzida, e vista ainda a actividade profissional desenvolvida pelo arguido, adquiriu o tribunal a firme convicção da prática pelo mesmo do crime de que vem acusado.
A falta de prova dos factos supra enunciados ficou a dever-se à conjugação crítica e à luz das normais regras da experiência comum, da globalidade da prova produzida em julgamento, e levando em consideração as normas jurídicas aplicáveis, designadamente o RJUE, tendo ainda em consideração as funções profissionais desempenhadas pelo arguido.
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II FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
A - anulação da sentença recorrida por violação do disposto n.° 6 do art.º 328° do Código de Processo Penal por ter decorrido mais de 30 dias entre as sessões e a prova produzida anteriormente ter perdido a sua eficácia, importando a sua renovação;
B - Violação do disposto nos art.°s 358°, 361° e 371°, todos do Código de Processo Penal, por ter sido comunicada a alteração não substancial dos factos ao arguido no dia que designado para a leitura de sentença,
C - nulidade nos termos dos art.º 363° e 364° do Código de Processo Penal - partes da gravação do depoimento da testemunha J... estão imperceptíveis;
D - contradição insanável nos termos da al. b) do n.° 2 do art. 410° do CPP,
E - erro de julgamento
F - Preenchimento dos elementos constitutivos – objectivo e subjectivo - do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art 256, nº 1, al d), e nº 3 todos do Cod penal;
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1. Da nulidade por violação do disposto no n.° 6 do art.º 328° do C.P.P.

O art. 328.º, n.º 6, do CPP, dispõe que a prova produzida perde eficácia se existir um intervalo superior a 30 dias entre as diversas sessões de um julgamento.
Consagra-se o princípio da continuidade da audiência e o da concentração processual, pressupostos da eficiência prática dos princípios da oralidade e da imediação na fase de produção de prova em julgamento.
São no entanto previstas excepções à regra da continuidade da audiência desde o seu início até ao encerramento, com os n.°s 2 a 4 do referido artigo 328° a regular os adiamentos e interrupções admissíveis, assinalando-se o limite de 30 dias ao adiamento, sob pena da perda de eficácia da prova já realizada.
No presente caso, a audiência de discussão e julgamento iniciou-se em 21-09-2010 – cfr acta de fls 827 a 829 – com junção do documento de fls 825 e 826, audição do arguido, inquirição da testemunha J..., prolação de despacho solicitando à Associação Nacional de Engenheiros Técnicos (ANET) certidão do processo disciplinar que, pelos factos pelos quais o arguido estava a ser julgado, foi instaurado contra o arguido. Por despacho proferido nessa data foi designada o dia 15-10-2010 para continuação do julgamento.
O que sucedeu – conforme acta de fls 963 a 965, - com inquirição de várias testemunhas, análise da certidão remetida aos autos pela ANET, que se achava incompleta, pelo que o Tribunal proferiu despacho solicitando nova cópia do aludido relatório final do processo disciplinar aludido após o que foi novamente interrompida a audiência e designado para a sua continuação o dia 29-10-2010.
Nesta data – cfr acta de fls 990 e 991 – foi admitida a junção de declaração do IRS, o arguido prestou declarações quanto à sua condição sócio económica, foram produzidas as alegações orais e foi dada a palavra ao arguido nos termos do art.º 361°, n.° 1, do CPP, tendo sido designado o dia 10 de Novembro de 2010 para a leitura da sentença.
Em 10-11-2010 – acta de fls 993 e 994 – foi proferido despacho com indicação de factos resultantes da produção da prova, não constantes da acusação pública e foi comunicada ao arguido a respectiva alteração não substancial dos factos descritos na acusação nos termos e para os efeitos do art 358º, nº 1, do CPP. Requerido prazo para preparação da defesa, foi designado o dia 16 de Novembro de 2010 para produção de prova requerida pelo arguido.
Em 16-11-2010 – acta de fls 1004 e 1005 – foi admitida a apresentação de defesa escrita pelo arguido e designado o dia 23 de Novembro de 2011 para a leitura da sentença, o que veio a suceder - conforme acta de fls 1026.
Resulta assim manifesto que entre as várias sessões de produção de prova nunca foi ultrapassado o prazo de 30 dias, assim como entre o último acto de produção de prova ocorrido a 29-10-2010 e a leitura da sentença a 23-11-2010.
Em suma nunca houve um intervalo superior a 30 dias entre as sessões de julgamento.
Certamente por lapso manifesto o recorrente não considerou as declarações prestadas pelo arguido a 29-10-2010, que constituem também um meio de prova, conforme arts 341º e 343º, ambos do CPP.
Assim, o Tribunal não violou o disposto no n.° 6 do art.º 328° do CPP, a prova produzida em julgamento não perdeu a sua eficácia e, consequentemente, não incorreu o Tribunal na prática da aludida nulidade.
Improcede pois neste segmento o recurso interposto.
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B. Da nulidade da sentença por violação do n.° 1 do art.º 358° do C.P.P
Defende o recorrente que o Tribunal violou o disposto nos art.°s 358°, 361° e 371°, todos do Código de Processo Penal, ao comunicar a alteração não substancial dos factos ao arguido no dia que havia designado para a leitura de sentença, por entender que nesse momento a audiência de discussão e julgamento já tinha sido encerrada.
Antes de mais cumpre notar que o encerramento da discussão da causa não se confunde com o encerramento da audiência.
Por outro lado, a reabertura prevista no art.º 371° do CPP está circunscrita à determinação da sanção depois de decidida a questão da culpabilidade.
O art.º 379°, n.° 1, al. b), do CPP, dispõe que "é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos previstos nos artigos 358° e 359o".
Pois bem. Estatui o n.° 1 do art.º 358° do CPP que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa".
Nos autos, na sessão que decorreu em 29/10/2010, finda a produção da prova, tiveram lugar as alegações finais, foi cumprido o art. 361.°, n.° 1 do CPP e o tribunal declarou encerrada a discussão, designar data para leitura da decisão e retirou-se para deliberar.
Em 11/11/2010, data designada para a leitura da sentença, o Tribunal a quo comunicou ao arguido alteração não substancial dos factos descritos na acusação e deu cumprimento ao disposto no n.° 1 do art. 358° do CPP, concedendo-lhe prazo para preparar a sua defesa.
Conforme alerta o MP, a base do argumento do recorrente reside na interpretação que dá à expressão "decurso da audiência" presente no texto do citado n.° 1 do art.º 358° do CPP, entendendo ele que o decurso da audiência se cinge à discussão da causa, pelo que, estando essa fase encerrada e aguardando-se apenas a prolação de sentença, estaria vedado ao Tribunal proceder a qualquer alteração.
Ora, "contrariamente ao alegado pelo recorrente, a audiência não termina com o encerramento da discussão da causa, que é coisa diversa do encerramento da audiência. A audiência comporta várias fases - os actos introdutórios, a produção da prova propriamente dita (prestação de declarações e inquirição de testemunhas, prova documental, etc), as alegações, ultimas declarações do arguido e a leitura da sentença - e pode desenrolar-se em várias sessões, do mesmo dia ou de diferentes dias. Em regra, a audiência só termina com a leitura da decisão, podendo mesmo prolongar-se para além desta, caso sejam suscitadas questões incidentais subsequentes, como é o caso, por exemplo, de interposição imediata de recurso da decisão final, ou havendo apresentação de requerimento do arguido a pedir a reapreciação das medidas de coacção quando em prisão preventiva, entre outras situações." - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/09/2010, disponível na internet dgsi.pt.
Com efeito, a expressão "decurso da audiência" utilizada no art. 358.°, n.° 1, do CPP "abrange todo o período que vai da respectiva abertura até à leitura da sentença. Só com tal leitura fica precludida a possibilidade de o tribunal proceder à alteração dos factos nos termos dos arts. 358.° e 359 °, do CPP".
O que se compreende, considerando "o momento próprio [...] para o tribunal analisar e valorar as provas produzidas e fixar a matéria de facto. Só nesse momento - e não antes - o tribunal pode chegar à conclusão se os factos que resultam provados constituem ou não alteração aos factos imputados na acusação. Qualquer juízo acerca do resultado do julgamento da matéria de facto em momento anterior ao da deliberação seria prematuro e, obviamente, sujeito a subsequentes e sucessivas alterações, sempre dependentes da discussão que ainda não havia terminado ou da análise das provas que ainda não haviam sido devidamente valoradas.
Reportando-nos ao caso concreto, a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação teve lugar no momento próprio, ou seja, após o encerramento da discussão da causa, no momento da deliberação, quando ainda não havia ocorrido a publicação da decisão final.
Foi pois tempestiva a alteração fáctica efectuada, e, consequentemente, não houve violação do art. 358.°, do CPP, pelo que não se verifica a nulidade da sentença invocada que resultaria da condenação do arguido por factos diversos dos descritos na acusação nos termos previstos na al. b) do n.° 1 do art.º 379° do Código de Processo Penal.
Assim improcede também nesta parte o recurso.
C. - Da nulidade por violação do art.º 363° do C.P.P. por registo deficiente de depoimento de testemunha

Afirma o arguido que, ao elaborar o recurso, se apercebeu que partes do registo do depoimento da testemunha J...Teixeira Dinis, inquirido em 21/09/2010, estão imperceptíveis.
Segundo o disposto no art.º 363° do C.P.P. "as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade". A referida documentação é "efectuada, em regra, através de gravação magnetofónica ou audiovisual" - n.° 1 do art.º 364°, do CPP.
Conforme foi já decidido por acórdão desta Relação de 01-06-2011 “A falta de gravação ou a gravação deficiente dos depoimentos prestados oralmente em audiência constitui nulidade a invocar no decurso do prazo de recurso da sentença, pois só com a prolação desta, surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, o direito ao recurso, designadamente se o seu objecto for a reapreciação da prova gravada.” ( vd também ac Rel Coimbra de 27-04-2011
Escutada a gravação do depoimento da testemunha J... verifica-se é perceptível e compreensível, não obstante algum esforço de concentração exigido pelo tom de voz, não se verificando assim a nulidade invocada pelo recorrente.

D - contradição insanável nos termos da al. b) do n.° 2 do art. 410° do CPP,
Entende o recorrente que em ponto alguns dos factos dados como provados consta que a construção de duas chaminés no telhado altera a forma do telhado.
É verdade. Por outro lado apenas consta dos factos não provados, no nº 5.5 que “a construção das seis churrasqueiras não implicou a modificação das fachadas e das formas dos telhados.”
Afigura-se-nos porém, que não se trata de uma contradição.
Existe contradição insanável da fundamentação quando de acordo com um raciocínio lógico e segundo as regras da experiência comum, seja de concluir que não é perfeita a compatibilidade de todos os factos provados.
Contudo, as chaminés que não são referidas na acusação pública, constam da comunicação dos factos que consubstanciam a alteração não substancial – acta de fls 993 – onde vem referido que “ as duas chaminés… construídas no telhado … alteram a fachada do edifício”
O que releva é antes a ocorrência de um vício da matéria de facto: insuficiência da matéria de facto [art. 410.º n.º 2, a) do CPP], que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa, ou seja os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339.º, n.º 4 do CPP.
Ora, considerando-se a altura da fachada, o seu termo e o início do telhado, e tendo resultado da discussão da causa que as chaminés foram construídas no telhado, faltam elementos na factualidade vertida na decisão recorrida, que podem e devem ser indagados, e que são relevantes para a decisão da causa.
Aliás, falta ainda nos factos provados ou não provados, a referência à confinancia da parede das varandas alegada no ponto 5º da contestação do arguido a fls 717. O que se mostra necessário e essencial para se poder afirmar ou não – que as churrasqueiras estão colocadas no interior do edifício (não da fracção) e consequentemente se alteram ou não a matriz da fachada posterior ( tardoz) do prédio.
Por outro lado, é necessário e essencial para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provado ou não provados a data em que foram colocadas as churrasqueiras, construídas as chaminés e colocada a porta de vidro no vão da entrada principal.
Como se tratam de alterações de pormenor, importa apurar se foram efectuadas antes ou após o encerramento do livro de obra e/ou após o preenchimento da declaração de fls 72 dos autos. Com efeito, caso tenham sido realizadas depois, a conduta do arguido nem sequer integra a tipicidade do crime imputado.
Todos os apontados factos são relevantes para a decisão da causa, foram alegados e/ou resultaram da discussão ( daí a comunicação da alteração não substancial dos factos constantes da acusação). Daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º).
Acresce que a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, revela insuficiências que põem em dúvida a racionalidade e a coerência do juízo ou do processo lógico que conduziu à convicção do tribunal a quo no tocante à verdade dos factos.
Desde logo, os conceitos de fachada e de alçado, não estão suportados em qualquer referência legal, assim como não vem esclarecido por qual das definições técnicas oferecidas pelas testemunhas o tribunal recorrido optou.
A decisão da Câmara Municipal junta a fls 722 não serve de auxílio pois contém até um erro ostensivo – ali se afirma que “…a referida porta foi executada à face da parede exterior, deixando de existir o hall … o que consequentemente levou ao aumento da área da construção”. O que aliás foi assumido na acusação pública, que para além disso coloca as alterações nos “alçados”.
Também a discussão constante do relatório final sob o título “Mas terá o arguido violado tais normativos” denota escassez de fundamentos.
O que nos remete para a audição dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, apenas para assinalar que o tribunal recorrido muito embora fosse alertando que não pretendia meras opiniões mas sim depoimentos sobre factos, acabou em todos os depoimentos dos engenheiros e arquitectos por questioná-los sobre a interpretação “técnica” que faziam das leis e regulamentos e lembrar-lhes a instauração do processo camarário e da ANET. Mais eficaz e rigoroso seria solicitar uma perícia ou um parecer a entidade independente e competente para o efeito.
De todo o modo, não está devidamente fundamentada a valoração dos depoimentos de D... e de E…, nomeadamente em que medida foram inconsistentes.
Por outro lado, haverá que considerar que a testemunha C... G..., - que apesar de afirmar estar de relações cortadas com o arguido, - não se coibiu de afirmar que “ Uma churrasqueira altera a fachada? Se me pergunta a minha opinião acho que não!” Ademais quando esta testemunha se preparava para explicar a diferença entre “forma da fachada” e “forma do telhado” foi interrompida e encaminhada para outras questões. Mais disse esta testemunha que “Neste caso a própria Câmara aceita meter isto em telas finais”.
Assim sendo, afigura-se-nos que deveria ter sido oficiado à Câmara de UU... solicitando informação quando à solução dada aos restantes 99% de lotes em que as mesmas alterações foram efectuadas.
O que seria imprescindível para avaliar o elemento subjectivo do crime e a existência ou não de benefícios ou prejuízos eventualmente resultantes da conduta do arguido.
Finalmente haverá ainda que averiguar se as churrasqueiras foram colocadas em espaço que o arquitecto J...destinou a máquina de lavar e por que razão não consta dos alçados constantes do projecto.
Convém ter presente a obrigação do tribunal de investigar todos os factos relevantes ainda que não alegados e ainda que as partes não ofereçam prova sobre eles, pois o artigo 340º do Código de Processo Penal impõe ao tribunal a obrigação de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Consagra-se, assim, na fase de julgamento, o primado do princípio da investigação – poder-dever que incumbe ao tribunal de investigar autonomamente os factos, para além das contribuições de acusação e defesa.
Pelo exposto se conclui que a sentença recorrida padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão o que, nos termos do artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal, tem como consequência que o processo deva ser reenviado para novo julgamento.
O artigo 426.º-A e definiu, sem dúvidas que restem, a competência do tribunal para a realização do novo julgamento, após reenvio do processo:
«1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2 - Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição».
Deste modo, o reenvio do processo, por verificação de um dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, determina necessariamente a repetição do julgamento por tribunal com composição pessoal diferente. Isto resulta da consagrada ressalva do previsto no artigo 40.º do referido diploma legal. Dito por outras palavras, por força do disposto na alínea c) daquele artigo, o Juiz que participou no primeiro julgamento fica impedido de participar no segundo.
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Nesta justa medida, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões objecto do recurso interposto pelo arguido.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 4.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em declara nulo o julgamento e, em consequência, invalidar esse acto e os actos subsequentes dele dependente, incluindo o acórdão recorrido, devendo o novo julgamento caber ao tribunal cuja competência decorra da aplicação das regras do artigo 426.º-A ainda do referido diploma.
Sem custas.
Isabel Valongo (Relatora)
Paulo Guerra