Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREITAS NETO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA PROMESSA UNILATERAL INCUMPRIMENTO RESTITUIÇÃO DO SINAL | ||
Data do Acordão: | 01/17/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 410.º, 1 E 2 E 442.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | 1. Exigindo a lei documento escrito para a promessa de compra de imóvel, a ausência dessa formalização no clausulado faz com que se deva qualificar aquele contrato como contrato promessa unilateral, no que concerne à obrigação central ou nuclear assumida pela ré de realizar a escritura pública de venda. 2. Sendo unilateral em relação à prestação fundamental, o contrato é, no entanto, bilateral, na medida em que o autor, embora se não vincule a comprar, ficou adstrito a vários deveres, designadamente o de entregar uma importância inicial e o de efectuar um reforço da mesma até certa data 3. Muito embora só uma das partes se obrigue a efectuar o contrato definitivo, há nesta modalidade de contrato-promessa um vínculo jurídico através do qual aquele que se obriga vê da outra parte a aceitação da sua obrigação, pelo que o contraente não promitente deve pautar a sua conduta segundo as regras da boa-fé – art.º 762, nº 2 do Código Civil - maxime a de não obstruir ou dificultar a prestação do contraente promitente. 4. Por conseguinte, tendo a ré promitente assumido a obrigação de providenciar pela marcação da escritura no prazo convencionado, também o autor poderia e deveria desencadear o processo de obtenção do crédito bancário de que carecia, de molde a tê-lo aprovado a tempo de fazer o reforço do sinal e permitir o acabamento da obra. 5. Não o tendo feito, é dele a mora do incumprimento, sendo inaplicável à ré a sanção, prevista no nº 2 do artigo 442.º do Código Civil para o promitente incumpridor, da restituição em dobro do sinal recebido | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: A... intentou no 3º Juízo Cível da Comarca de Aveiro acção declarativa com processo ordinário contra B... pedindo que se declare resolvido determinado contrato-promessa celebrado com a Ré tendo por objecto a compra de uma moradia, condenando-se aquela na restituição em dobro do sinal de € 20.000 que dele havia recebido, dado ter perdido o interesse no negócio por a Ré não ter concluído aquela moradia e se ter furtado ao contacto até ao limite do prazo estabelecido para a escritura do contrato prometido (31.12.2002). Contestou a Ré, excepcionando a ilegitimidade do A. por se encontrar desacompanhado do cônjuge; a falta de pagamento pelo A. de € 15.000 de reforço de sinal até 31/10/2002, que motivou a suspensão dos trabalhos de acabamento da moradia objecto da promessa; e a comunicação do A., de 22/01/2003, de que punha termo ao contrato, alegando recusa do financiamento bancário solicitado. Termina com a improcedência total da acção e pedindo, em reconvenção, se declare resolvido o contrato-promessa em causa por incumprimento definitivo e culposo do A., com o direito da Ré fazer seu o sinal recebido. O A. replicou, rebatendo a sua ilegitimidade, impugnando os factos da reconvenção e rematando como na petição. Houve tréplica. * No final dos articulados o M.mo Juiz, por discordar do valor atribuído à causa pelas partes - € 20.000, pelo A., à acção e € 10.000, pela Ré, à reconvenção - fixou àquela o valor de € 300.000. E, no despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade do A., declarou as partes legítimas. * Inconformado com o despacho sobre o valor da causa, agravou o A., agravo que veio a ser admitido com subida diferida. * Após julgamento foi proferida sentença a julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo a Ré do respectivo pedido; e procedente por provada a reconvenção, condenando o A. a ver declarado resolvido o contrato-promessa, por culpa a ele imputada, devendo a Ré fazer sua a quantia recebida a título de sinal. Mais condenou o A., como litigante de má-fé, na multa de € 1000. De novo inconformado, interpôs agora o A. recurso de apelação. * Oportunamente foram apresentadas alegações no agravo e na apelação, tendo a Ré contra-alegado nesta última, pugnando aí pela manutenção da sentença. O despacho agravado foi sustentado. * Colhidos os vistos cumpre decidir. * São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância: a) O autor e a ré celebraram no dia 8 de Agosto de 2002, um contrato que denominaram Contrato Promessa de Compra e Venda, que se encontra nas folhas 16 a 19, cujo conteúdo se dá por reproduzido. b) Nos termos desse contrato, o autor prometeu comprar à ré e esta prometeu vender àquele o prédio urbano composto de morada unifamiliar, com garagem na cave, r/chão, 1° andar, sito na rua da Fonte, lugar da Póvoa do Paço, freguesia de Cacia, Concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo predial de Aveiro sob o nº 03747, inscrito na matriz sob o artigo urbano 3993° da respectiva freguesia, com o processo de obras nº 132/2000 ao qual foi atribuído o Alvará de Licença de Construção nº 115/01 emitido pela Câmara Municipal de Aveiro. c) Ficou acordado que o preço do imóvel era de 150.000€. d) Foi ainda convencionado que a escritura de compra e venda do imóvel deveria realizar-se, impreterivelmente, até 31 de Dezembro de 2002. e) Aquando da celebração do contrato, o autor entregou à ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 10.000 €. f) O Autor obteve a concessão de um empréstimo à habitação em 27 de Dezembro de 2002, a conceder pela Caixa Económica Montepio Geral, conforme o documento da folha 20 cujo conteúdo se dá por reproduzido. g) O autor enviou à ré a carta de 22 de Janeiro de 2003, que se encontra na folha 41 e cujo conteúdo se dá por reproduzido, onde, nomeadamente, afirma que o acordo deixa de ter efeito derivado ao Banco não me ter dado o montante por mim desejado. h) A ré exerce a actividade de construção civil. i) A ré, a 23 de Maio de 2003, vendeu a um terceiro o imóvel referido no contrato mencionado em A. j) O A. veio da Suíça, onde estava emigrado, no dia 26 de Dezembro de 2002, para proceder à realização da escritura de compra e venda do imóvel. l) A 27 de Dezembro de 2002 o autor foi às instalações da ré tendo em vista tratar de questões relativas à realização da escritura de compra e venda. m) O A. pretendia fixar a sua residência em Portugal no imóvel quando celebrou o contrato promessa com a R. n) O autor apresentou o seu pedido de empréstimo à habitação a 28 de Outubro de 2002. o) A ré não executou trabalhos de construção na moradia, em Novembro e Dezembro de 2002, em virtude de o autor não lhe ter pago, até 31 de Outubro, os 15.000 € referidos na cláusula 3a b) do contrato-promessa. p) E nessa altura apenas faltava, para a conclusão da obra, a colocação de madeiras, a cozinha, casas de banho e a pintura. q) Tendo em vista a concessão desse empréstimo o A. tinha que entregar na instituição bancária um orçamento de obras. “8.º” A Ré recorda-se que, a dada altura, lhes foi pedido, salvo erro pelo Montepio Geral, um orçamento,”“9.º” “Em virtude do A. estar a solicitar, a esta instituição bancária, um financiamento adicional. Então,”“10.º” “A Ré entregou, ao Montepio Geral, um orçamento, no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros), no dia 22 de Novembro de 2002, cfr. doc. 1 ora junto”.IX- O Banco para legalizar os financiamentos necessitava dos documentos a fornecer pela recorrida, assim como da realização de procedimentos, conforme condições exigidas nos pontos: 4, 8, 9, 12, 16 e 19, dos docs. 129 e 130 dos autos, da responsabilidade da Apelada Ré, a saber: “4 (efectuar registo provisório de hipoteca a favor CEMG e requerer a certidão de encargos completadas com os elementos constantes da Conservatória e da Matriz), 12 (Entregar a licença de utilização), 16 (Elementos identificativos dos vendedores), 19 (Entregar a certidão de Teor actualizada). X- Para cumprimento da Cláusula “4ª” Contrato Promessa de Compra o Apelante comunicou ao Recorrido que vinha a Portugal de 26/12 a 31/12/2002 de propósito para assinar a escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato e fazer o respectivo pagamento, ao que o Recorrido disse para vir que estava tudo preparado para celebrar a escritura. XI- O sócio gerente da Recorrida Sr. José Carlos sabendo que o Recorrente vinha de propósito da Suiça para celebrar a referida escritura ausentou-se de Aveiro desde 23/12/2002 até 03/01/2003, conforme consta do requerimento e os docs. nºs. 1, 2 e 3 que lhe foram juntos, remetido aos autos pela Recorrida em 9/11/2003, tendo inclusive ido de férias para o Algarve. XII- O Financiamento foi aprovado em 27/12/2002. XIII- Face ao incumprimento da Recorrida em cumprir a cláusula 4ª do Contrato promessa de compra à Recorrente não restou outra alternativa senão a desistência dos financiamentos em 30/12/2002, para não ficarem, desde aquela data, onerados com as obrigações financeiras (prestações e Juros) pontuais e mensais sucessivas provenientes do financiamento. XIV- Dado o incumprimento do contrato promessa de compra e venda até 31/12/2002, a que estava obrigada a Recorrida, o Recorrente teve de regressar à Suiça em 05/01/2003, sem escritura feita, sem casa, e a mulher teve, também, de regressar, quando o objectivo era já ficar na casa e, ainda, ficou com o valor do sinal dado de 10.000,00€ nas mãos da Recorrida. XV- Então, em desespero e sem saber a maneira como iria receber o sinal dado de 10.000,00€, dado à Recorrida se encontrar numa correlação de forças totalmente superior à sua, não só por se encontrar em Portugal e ele na Suiça, mas, também, por reunir outras condições económicas/financeiras que não a sua, o Recorrente em 22/01/03, endereçou a carta que se encontra junto aos autos, como doc. 1, da contestação, a qual damos aqui como integralmente reproduzida, tendo-se então refugiado nos termos da cláusula, na al. b), da Cláusula 3ª, do contrato. XVI- Recebida a carta o Sr. José Carlos, gerente da Recorrida, entrou em contacto com o Recorrente telefonicamente para então combinarem a restituição do sinal, ficando acordado ir a sua mãe aos escritórios daquela para acertar o momento da entrega do sinal. XVII- Também, de seguida o Sr. José Carlos telefonou à mãe e ao irmão do Recorrente para irem à firma falarem com ele para resolver o assunto da devolução da entrada, ao que estava de acordo em dar o dinheiro, mas só estava à espera que o Banco emprestasse o dinheiro aos compradores da casa que já estava vendida e que para mais ou menos no meio Março (2003) restituiria o valor do sinal. XVIII- Acresce, que na sequência de troca de correspondência e telefonemas ocorrida entre os mandatários Recorrente/Recorrida, para a resolução extrajudicial o ilustre mandatário da Recorrida remeteu-lhe, em 07/08/03, 18h18, o fax, aqui doc. nº2, o qual se dá-se como integralmente reproduzido. XIX- Em cumprimento do disposto no Art.º 690º - A, al. a) e b), do C.P.C., o Apelante, especifica os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, face à prova documental e testemunhal: 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º; XX- Conforme fez e faz prova, a prova documental e as peças processuais e os documentos juntos, existente nos autos, assim como os depoimentos gravados, das testemunhas arroladas aos quesitos, traduzidos pelo doc. nº1, aqui junto, os quesitos: 1º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º, devem ser julgados da seguinte forma: - O Quesito 1º. PROVADO - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 23 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida. - O Quesito 4º. PROVADO - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 24 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; - Os Quesitos 5º. Provado, 6º. Provado, 7º. Provado, 8º. Provado, 9º. Provado, 10º. Provado, 11º. Provado. - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 25 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; - O Quesito 12º. PROVADO. - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 26 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; - O Quesito 14º. NÃO PROVADO - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 27 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; - O Quesito 15º. NÃO PROVADO - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 28 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; - Os Quesitos: 17º. Provado; 18º. Provado; 19º. Provado; 20º. Provado e 21º. Provado. - Prova e fundamentação vertida nos autos e no articulado 29 da Motivação supra, que se dá aqui como reproduzida; XXI- A Recorrida nunca interpelou o Recorrente para o cumprimento da al. b) da Cláusula 3ª do Contrato Promessa de Compra e Venda, doc. 1 da P.I. XXII- A Recorrida bem sabia que o Financiamento ao Recorrente estava dependente da entrega ao Banco, pela Recorrida, do orçamento de obras o que só veio a fazê-lo em 21/11/2002, doc. nº1, da Tréplica. XXIII- A recorrida, na pessoa do seu gerente Sr. José Carlos, fez crer ao Recorrente que efectivamente a escritura Pública da compra e venda do imóvel (casa de habitação) se iria realizar até à data contratada no referido contrato, ou seja até: 31/12/2002, tendo para o efeito mandado vir da Suiça o Recorrente e a mulher para aquele efeito, correndo inclusive a mulher sérios perigos de saúde e sobrevivência do Bebé e da gravidez, dado estar nos últimos dias para a Natalidade, derivado à deslocação, tendo simplesmente o gerente da Recorrida ignorado as obrigações acordadas e preferido ir para férias de 23/12/2002 a 03/01/2003 e de 28/12/2002 a 03/01/2003 para o Algarve conforme provam os documentos, já citados, nos autos. XXIV- O Recorrente quis o contrato. XXV- A Recorrida face às manifestações da elaboração do orçamento de obras e entrega ao Banco em 21/11/2002, à mostragem da obra em finais de Outubro ao Recorrente e à mulher, ao telefonema que lhe dirigiu para a Suiça para virem assinar a realização da escritura Notarial e a outros procedimentos praticados pela Recorrida nos autos em documentos está devidamente provado que a Recorrida também quis o negócio e o cumprimento do Contrato. XXVI- A Recorrida nunca denunciou o contrato ao Recorrente invocando qualquer motivo, pelo que o mesmo manteve-se intacto produzindo todos os efeitos jurídicos, pelas partes, até ao seu termo, ou seja: a data da celebração da escritura, impreterivelmente até 31/12/2002 – cláusula 4ª. XXVII- Neste âmbito a Recorrida agiu de Má Fé ao não celebrar a escritura até à data marcada, obrigando telefonicamente, para esse efeito, o regresso do Recorrente e mulher da Suiça, e quando soube que estes já tinham chegado a Portugal, o sócio gerente Sr. José Carlos desapareceu sem deixar rasto. XXVIII- Para obrigar a recorrida em todos os actos e contratos são necessárias as duas assinaturas dos seus gerentes, mas sendo sempre obrigatória a assinatura do sócio gerente Sr. José Carlos, conforme consta dos autos. XXIX- Pelo que, há incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda celebrado em 09/08/2002 PELA RECORRIDA. XXX- Houve Má Fé da Recorrida faltando ao cumprimento de uma obrigação contratual, manifestando o seu desinteresse na celebração do negócio prometido celebrar e procurou através dele imputar culpas ao Recorrente conforme prova a prova feita em sede de documentos nos autos – Tréplica e doc. nº1 anexo, docs. junto a requerimentos, não entrega ao Banco dos documentos de sua responsabilidade, conforme lhe era exigido para a celebração da escritura e outros nos autos – e nos depoimentos prestados pelas testemunhas gravados e traduzidos no doc. 1, aqui junto. XXXI- O recorrente teve uma participação na lide digna e cumpridora dos princípios exigidos de boa fé, participação e colaboração, sempre e só em defesa dos seus interesses vertidos na lide. XXXII- Pelo que o Tribunal “a Quo”, com todo o respeito que é muito, andou mal ao proferir a sentença que proferiu a qual impugna. XXXIII- A Sentença é Nula, nº.1, al. a) e b) do art.º 668º do CPC. XXXIV- Pelo que da prova documental existente nos autos e não valorada e da prova dos depoimentos gravados e transcritos, aqui doc, 1, e por tal prova impor decisão totalmente diferente da produzida, deve proceder, nos termos do art.º 712 do CPC, a modificabilidade da decisão de facto que conduza uma decisão de Justiça, o que se Requer. XXXV- A decisão proferida na 1ª Instância, com todo o respeito, também repute de deficiente, obscura, ausente e contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, tendo conduzido a uma decisão injusta. * No conjunto das conclusões verifica-se a alusão a presença de meras referências inconsequentes a documentos, afirmações em articulados e a factos estranhos à materialidade em discussão : as conclusões 1ª a 13ª, 15ª a 18ª e 22ª a 23ª. Vêm também arguidas, na conclusão 33ª, as nulidades da sentença enunciadas das al.ºs a) e b) do art.º 668 do CPC. Porém nada se invoca - nem este tribunal de recurso o descortina - que possa integrar os pretensos vícios, improcedendo tal conclusão. * I - A decisão de facto. Qualifica o apelante esta decisão, indiscriminadamente, de deficiente, obscura e contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, sem concretizar tal afirmação. Não pode, pois, essa conclusão – 35ª – ser tomada para apreciação. Quer depois o recorrente que sejam modificadas as respostas dadas em função do conteúdo dos depoimentos de testemunhas que identifica e de documentos juntos ao processo. Nomeadamente pretende ver dados como provados os nºs 1 e 4 (respondidos como provados em termos parciais), 5 a 12 e 17 a 21 da base instrutória; e como não provados os nºs 14 e 15. No que concerne aos depoimentos produzidos, após a audição integral do respectivo registo, deve observar-se que os de Sandra Brito, Paulo Brito e Arlete Brito, os primeiros irmãos e a última mãe do A., só se revelaram esclarecedores relativamente à parte matéria dos nºs 1 e 4 da b.i. que o tribunal recorrido deu como provada; no restante foram vagos, imprecisos e incongruentes. O depoimento de Cristina Cardoso, funcionária bancária, foi útil para as respostas dadas aos nºs 17 e 19 pelo tribunal recorrido sobre o desenvolvimento do financiamento bancário, não permitindo outras ilacções a tal respeito e mostrando-se alheado ou desconhecedor dos factos contidos nos nºs 18, 20 e 21, dados como não provados. O depoimento de Miguel Neves, industrial de móveis de cozinha, foi relevante para a prova do nº 15 da b.i., sem que se mostrasse minimamente influente para inverter a resposta – provado – do nº 14 daquela peça. Por último, o depoimento de António Morgado Vieira manifestou-se consistente na resposta positiva ao nº 14 da b.i. e infirmante dos factos contidos nos nºs 5 a 12 da mesma base, estes dados como não provados na 1ª instância. Deste modo, não existe fundamento para, com base nos depoimentos prestados, nos termos dos art.ºs 712, 1, al. a) e 690- A, 1 do CPC, se alterarem as respostas dadas. Também visa o apelante a modificação destas respostas por força, ou de documentos considerados na matéria assente, como é o caso do contrato-promessa, ou de documentos que em vez de contradizerem as ditas respostas só poderiam ter contribuído para o sentido da decisão impugnada, como acontece com os documentos de fls.139 e 143. Em todos eles, de forma alguma, se evidencia o indispensável requisito de os elementos fornecidos imporem decisão diversa e insusceptível de ser destruída por outras provas, requisito exigido pela alínea b) do nº1 do art.º 712 do CPC. Não colhem assim as conclusões 19ª,20ª e 34ª da apelação, sendo de manter a decisão de facto da 1ª instância. * II – A questão de direito Afastadas das conclusões a tomar em consideração as referências espúrias às afirmações em articulados, bem como a documentos e factos que não integram a matéria provada – 1ª a 13ª,15ª a 18ª, 22ª e 23ª - fica para apreciação a questão de saber se o contrato em apreço foi efectivamente incumprido e, tendo este ocorrido, a quem é imputável esse incumprimento (conclusões 14ª, 21ª e 24ª a 30ª) e se houve ou não litigância de má-fé do A.(conclusão 31ª). * O contrato discutido nos autos, subscrito por A. e Ré, é um contrato promessa mediante o qual apenas a Ré se obrigou a vender, em determinadas condições, certo prédio urbano – cfr. a al.ª B dos factos provados – (art.º 410, nºs 1 e 2 do CC). Com efeito, exigindo a lei documento escrito para a promessa de compra de imóvel, a ausência dessa formalização no clausulado faz com que se deva qualificar aquele contrato como contrato promessa unilateral, no que concerne à obrigação central ou nuclear assumida pela Ré de realizar a escritura pública de venda. Sendo unilateral em relação à prestação fundamental, o contrato é, no entanto, bilateral, na medida em que o A., embora se não vincule a comprar, ficou adstrito a vários deveres, como sejam o de entregar uma importância inicial e o de efectuar um reforço da mesma até certa data – 31 de Outubro de 2002. Importa aqui fazer notar que a Ré e apelada prometeu vender uma moradia que, na data do contrato, não se encontrava construída ou, pelo menos, totalmente construída – como se deduz do facto provado em O e de fotografias juntas aos autos e não impugnadas - característica que confere ao negócio algum paralelismo com o contrato de empreitada, embora perfeitamente distinto deste. Por esse facto, é que foram convencionados os referidos adiantamentos por conta do preço final, que as partes qualificaram como sinal e reforço de sinal, tendo por objectivo a progressão da construção – cfr. os factos provados em E e E-1. Neste quadro factual, todavia, só a Ré se obrigou à prestação de facto positivo de celebrar o contrato prometido através da respectiva escritura pública – art.º 875 do CC. Observa Baptista Lopes (Do contrato de compra e venda, pág. 236) que, muito embora só uma das partes se obrigue a efectuar o contrato definitivo, há nesta modalidade de contrato-promessa um vínculo jurídico através do qual aquele que se obriga vê da outra parte a aceitação da sua obrigação. Esta perspectiva afigura-se a mais adequada, porquanto tem como consequência a afirmação para o contraente não promitente de deveres de conduta, baseados na boa-fé – art.º 762, nº 2 do CC - «maxime» o de não obstruir ou dificultar a prestação do contraente promitente. Por conseguinte, se é certo que a Ré, como promitente vinculada à venda, deveria ter providenciado pela marcação da escritura no prazo convencionado na cláusula 4ª do contrato, ou seja, entre 26 e 31 de Dezembro de 2002, também o A. poderia e deveria desencadear o processo de obtenção do crédito bancário de que carecia de molde a tê-lo aprovado até 31/10/2002, e efectuar o reforço do sinal de € 15.000, previsto na alínea b) da cláusula 3ª do contrato. Flui dos factos apurados – factos das alíneas F e N - que o A. e apelante só veio a apresentar o seu pedido de empréstimo à habitação a 28 de Outubro de 2002, vindo o mesmo a ser-lhe concedido pela Caixa Económica Montepio Geral em 27 de Dezembro de 2002. Por facto do A. e apelante, a Ré não recebeu, deste modo, o reforço do sinal e não terminou a construção da moradia que havia prometido vender – facto da alínea O. E também não chegou a interpelar o A. para a escritura do contrato prometido, como lhe incumbia, de harmonia com o facto da al.ª D. Nos termos do art.º 799 do CC o devedor, ocorrendo incumprimento da prestação, tem de provar que esse incumprimento não procede de sua culpa. Esta culpa deve ser apreciada em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família (art.º 799, 2 do CC). Segundo tal padrão, à Ré e apelada não era de impor que finalizasse a casa e marcasse a respectiva escritura pública de venda sem que o apelante e credor satisfizesse o reforço do sinal combinado. Por esta razão – mora do A. - não se verificou incumprimento – nem sequer temporário - do contrato, que deva ser imputado à Ré e apelada, sendo-lhe inaplicável a sanção, prevista no nº2 do art.º 442 do CC para o promitente incumpridor, da restituição em dobro do sinal recebido. De resto, o apelante evidenciou, através do teor da carta enviada à apelada em 22 de Janeiro de 2003, junta a fls 41 – facto da alínea G - não apenas que aceitaria a venda depois de 31/12/2002 – data convencionada como limite para a outorga do contrato prometido - como ainda que queria pôr termo ao contrato e à prestação da apelada, invocando a circunstância – desmentida pelo facto provado em F - de lhe ter sido recusado o financiamento bancário solicitado. Isto é, mostrou entender aquele prazo da prestação como prazo de negócio fixo relativo ou simples, sem envolver a necessária caducidade do mesmo (Antunes Varela, Das obrigações em geral, 1978, vol. II, p. 44-45). Do mesmo passo que quis traduzir, com esse acto, perda de interesse na prestação no plano meramente subjectivo. Plano que, aliás, não releva, à luz do preceituado no nº 2 do art.º 808 do CC. Patenteia-se desta forma o incumprimento culposo e definitivo do A. * Na parte final das conclusões pede o apelante que se revogue a decisão recorrida e «dela se absolva o Recorrente», significando o ataque à parte da decisão que julgou procedente o pedido reconvencional, declarando resolvido o contrato-promessa por culpa do A., devendo a Ré fazer sua a quantia recebida a título de sinal. * O credor que, por facto voluntário seu, torna impossível a prestação prevista no contrato, incumpre definitivamente o contrato – nº 1 do art.º 406 do CC. Tratando-se contrato bilateral – apesar da unilateralidade da promessa - não deixa de lhe ser aplicável o disposto no art.º 801, 2 do CC. Pelo que, existindo disposição legal que permite a resolução – art.º 432 do CC - tem de reconhecer-se o direito à parte lesada de lançar mão de tal faculdade, bem como a possibilidade de reclamar a indemnização pelo prejuízo sofrido, circunscrito ao interesse contratual negativo. Como notam P. de Lima e A. Varela (C. Civil Anotado, 2ª edição, vol. I, p. 369) se o contrato é unilateral – sob o ponto de vista da promessa - a existência de um sinal não produz consequências desfavoráveis para a parte que não se vincula a celebrar o contrato. Ou seja, apenas para o sancionamento do incumprimento da parte não promitente é que o sinal não pode funcionar como tal – designadamente para o efeito do nº 2 do art.º 442 do CC. Em tais circunstâncias, não poderá deixar de se submeter o valor prestado ao regime geral da resolução, definido pelos art.ºs 433 e 434 do CC. Sucede que a regra da retroactividade da resolução deve ceder – art.º 434, 1 do CC – sempre que essa solução contrarie a finalidade que preside à própria resolução. Com efeito, o exercício da vontade resolutiva pela Ré e apelada visou fazer cessar a sua vinculação e punir o contraente inadimplente, o A. Há, pois, que impedir, ante a destruição da relação contratual, a restituição do já recebido pela Ré, ao abrigo do aludido preceito. Verifica-se, portanto, a existência de fundamento para a procedência total da reconvenção. Nesta parte também não têm êxito as conclusões do recurso. Não colhem, portanto as conclusões 14ª, 21ª e 24ª a 30ª. * Por fim, a litigância de má-fé. Escreveu-se na sentença recorrida que o A. e apelante invocou factos pessoais cuja falta de fundamento não ignorava, procurando um benefício com base numa diversa realidade, ao qual sabia não ter direito. E que, violando o dever de cooperação, faltou a uma obrigação contratual, manifestou desinteresse no negócio prometido e procurou através do processo imputar culpas à Ré. Não são ali explicitados os factos pessoais ou diversa realidade cuja falta de fundamento o A. não podia ignorar. Certo é que o A. não se limitou a operar uma subsunção incorrecta de um certo conjunto de factos ao quadro legal pertinente. Também omitiu na petição o teor da sua carta de 22 de Janeiro de 2003, na qual afirmava perante a Ré e apelada o seu desinteresse pelo negócio em virtude da negação do financiamento bancário, quando se apurou que este já estava concedido desde 27 de Dezembro de 2002. Este facto contradiz por inteiro a posição do próprio A. de que foi a Ré quem não cumpriu a obrigação de celebrar o contrato prometido impreterívelmente até 31 de Dezembro de 2002 e de acabar a construção da moradia dentro de tal prazo. Um tal comportamento processual reveste dolo grave, na fórmula utilizada no nº 2 do art.º 456 do CPC. Evidencia-se, deste modo, má-fé na litigância do A.-apelante, improcedendo a conclusão 31ª. * Pelo exposto decidem: 1 – Conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e fixando o valor da causa em € 150.000; 2 – Julgar a apelação improcedente e, embora por fundamentação não inteiramente coincidente, confirmar a sentença recorrida. Sem custas o agravo e custas da apelação pelo apelante. |