Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/18.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇOS DE COBERTURA INTERMÉDIOS
PARTES COMUNS
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
FACTOS INFUNGÍVEIS
Data do Acordão: 06/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JL CÍVEL DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 829º-A E 1421º, Nº 1, AL. B) DOC. CIVIL.
Sumário: 1- Os terraços de cobertura intermédios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal são partes comuns desse prédio, ainda que estejam afetos a uso exclusivo do condómino da fração em que se integram.

2- E tal sucede quer a propriedade horizontal do prédio tenha sido constituída em plena vigência da atual redação dada à al. b) do nº. 1 do artº. 1421º do CC pelo DL nº. 267/94 de 25/19, quer o tenha sido na sua redação anterior (assumindo esse DL a natureza de lei interpretativa).

3- No artº. 829º-A do CC estabelecem-se duas espécies de sanção pecuniária compulsória:

a) A prevista no seu nº. 1, de natureza subsidiária, que se traduz na fixação judicial, a requerimento do credor, de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial.

b) E a prevista no seu nº. 4, que consiste ou se traduz num adicional automático (ope legis), devido logo após o transito em julgado da sentença condenatória, de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.

4- Embora de espécie diferente, ambas, porém, se constituem como um meio intimidatório de pressão sobre o devedor para que cumpra a obrigação a que está obrigado, em reforço do interesse do credor e do prestígio dos tribunais, ou seja, ambas essas espécies de sanção comungam da mesma finalidade, que é a de servir o reforço das decisões judiciais que condenem o devedor no cumprimento das obrigações tidas em vista, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça, com o particular correspondente benefício para os credores.

5- A primeira espécie de sanção pecuniária compulsória (a prevista no nº. 1) tem como pressuposto substantivo da sua aplicação que estejam em causa obrigações de prestações de facto infungíveis (quer se trate de facto positivo, quer se trate de facto negativo).

6- Tal pressupõe que essas prestações de facto emirjam de obrigações não fungíveis (ou infungíveis), isto é, que tenham necessariamente de ser prestadas só pelo devedor (não o podendo ser por outrem).

7- Essa infungibilidade da prestação tanto poderá resultar da sua própria natureza como do próprio acordo das partes feito nesse sentido.

Decisão Texto Integral:

Apelação nº. 26/18.8T8VIS-C1

(3ª. secção cível)

Relator: Isaías Pádua

Adjuntos:

Des. Teresa Albuquerque

Des. Manuel Capelo


Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório


1. No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Local Cível de Viseu – os autores, J... e sua mulher M..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, comerciantes em nome individual, ambos com domicílio profissional na ..., instauraram (em 03/01/2018) a presente ação declarativa, sob a forma e processo comum, contra o réu, Condomínio do Edifício Sito na ..., representado pela sua administração confiada à sociedade comercial com a firma P..., L.da., pedindo a condenação do último:

a) A reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fração autónoma identificada em 7º. da p.i.;

b) A reconhecer que a placa do piso e muros do terraço situado no primeiro andar que serve de cobertura a parte da fração dos A.A. é uma parte comum do edifício id. em 1º. da p.i. e, consequentemente, a reconhecer que as despesas de manutenção e conservação dos mesmos são da sua responsabilidade;

c) A custear, efetuando ou mandando efetuar, no prazo máximo de quinze dias, após prolação da sentença, e a conclui-los, no prazo máximo de trinta dias, todos os trabalhos de acordo com as boas regras da arte de construção que se mostrem necessárias à adequada impermeabilização do terraço id. em 16º. da p.i., nomeadamente e entre outros os descritos em 33º. da p.i., de forma a impedir, com caráter duradouro e definitivo, novas infiltrações de água na fracção dos A.A.;

d) A custear, efetuando ou mandando efetuar, no prazo máximo de quinze dias, após a conclusão das obras atras mencionadas, e concluir no prazo máximo de quinze dias, a execução das obras de reparação dos danos verificados no tecto e paredes do interior da fração dos A.A. em resultado das infiltrações, com reparação dos estuques danificados e pintura integral das paredes e do teto com tinta adequada e de boa qualidade;

e) A pagar aos A.A. a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como, a quantia de €600,000 (seiscentos euros) a título de danos patrimoniais;

f) No pagamento de sanção pecuniária compulsória a fixar em €100,00 (cem euros) diários, por cada dia de atraso na execução e/ou na falta de conclusão das obras referidas em c);

g) Em alternativa, ao pedido formulado na alínea d), no pagamento aos AA., da quantia necessária à reparação dos danos nas paredes em teto da fração dos AA. provocados em resultado das infiltrações;

h) Nos juros de mora, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento, a incidir sobre cada uma das quantias peticionadas na presente ação;

i) No pagamento aos AA. dos danos que se vierem a verificar desde a data da instauração da presente ação até à total eliminação das infiltrações, a quantificar em liquidação de sentença.

Para tanto, e em síntese, alegaram:

Encontrar-se constituído em regime de propriedade horizontal o prédio urbano que identificam no artº. 1º. da p.i., constituído por 19 frações autónomas entre si, e que consubstancia o condomínio réu.

Que os autores são donos e legítimos possuidores de fração descrita no art. 7.º da p.i., correspondente ao R/C esquerdo posterior.

Constitui parte do teto de cobertura dessa sua fração um extenso terraço situado no primeiro andar daquele prédio id. em 1º. da p.i., que se encontra afeto ao uso exclusivo da fração “H”, localizada no 1º. andar esquerdo, propriedade do condómino A..., e melhor identificada no artº. 16.º da p.i..

Sucede que que em resultado de fissuração estrutural do piso do referido terraço da aludida fração H), inerente à sua degradação pelo decurso do tempo, encontra-se o mesmo fissurado, o que permite a infiltração de água na placa estrutural que por aí é conduzida para o interior do teto da fração dos A.A., da qual a referida placa é cobertura, causando, nos períodos de chuva, a ocorrência de constantes e sistemáticas infiltrações de água na fração dos A.A., o que causa prejuízos em mercadorias que se encontram expostas para venda, e as referidas infiltrações condicionam ainda o normal funcionamento do estabelecimento, provocando ainda uma contínua deterioração da pintura e dos estuques do teto e das paredes do interior da fração dos AA. originando o desenvolvimento de fungos com o consequente aparecimento de extensas manchas escuras de bolores e inerente descasque da tinta.

O réu vem-se recusando a eliminar/reparar tais defeitos de que padece o aludido terraço que constitui parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal.

Situação essa que vem causando ao AA. danos de natureza patrimonial e não patrimonial, tendo já despendido a quantia de €600.00, em reparações de danos causados no interior da sua fração (onde exerce o comércio).

2. Contestou o réu, defendendo-se por exceção e por impugnação motivada.

No que concerne à 1ª. defesa invocou a sua ilegitimidade por se encontrar na ação desacompanhado do condómino/proprietário da fração em que se integra o terraço a que os AA. aludem.

No que concerne à 2ª. defesa, embora aceitando, e na sua essência, a generalidade dos factos alegados pelos AA., declina, todavia, qualquer responsabilidade pela reparação dos danos que os AA. alegam, com o fundamento de o terraço em causa não ser parte comum da o edifício, atribuindo essa responsabilidade ao proprietário da fração em que o mesmo se integra, impugnando ainda, de qualquer modo, parte dos danos que aquele invoca.

Terminou pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos que contra si foram formulados, com exceção daquele inserto na al. a) do petitório dos AA.

3. Responderam os AA., pugnando pela legitimidade do R. para a ação.

4. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se fixou o valor da causa, afirmando-se depois a validade e a regularidade da instância (nomeadamente em termos de legitimidade das partes).

5. Mais tarde realizou-se a audiência de discussão e julgamento (que foi gravada), a qual se iniciou com uma inspeção judicial ao local (cujo resultado se mostra consignad0 fls. 125/128 do processo físico da ata da 1ª. sessão das duas em que decorreu a audiência).

6. Seguiu-se a prolação da sentença que, no final, decidiu nos seguintes termos:

« Pelo exposto, julgo a presente ação procedente por provada, e em consequência:

a) Condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a fração autónoma identificada em 7º da p.i.;

b) Condeno o réu a reconhecer que a placa do piso e muros do terraço situado no primeiro andar que serve de cobertura a parte da fração dos autores é uma parte comum do edifício id. em 1º da p.i.;

c) Condeno o réu a reconhecer que as despesas de manutenção e conservação do mesmo são da sua responsabilidade;

d) Condeno o réu a custear, efetuando ou mandando efetuar, no prazo máximo de quinze dias, após prolação da sentença e a conclui-las, no prazo máximo de trinta dias, todos os trabalhos de acordo com as boas regras da arte de construção que se mostrem necessárias à adequada impermeabilização do terraço id. em 16º da p.i., nomeadamente e entre outros os descritos em 33º da p.i., de forma a impedir com caráter duradouro e definitivo, novas infiltrações de água na fração dos autores;

e) Condeno o réu a custear, efetuando ou mandando efetuar, no prazo máximo de quinze dias, após a conclusão das obras atras mencionadas e concluir no prazo máximo de quinze dias a execução das obras de reparação dos danos verificados no teto e paredes do interior da fração dos autores em resultado das infiltrações, com reparação dos estuques danificados e pintura integral das paredes e do teto com tinta adequada e de boa qualidade;

f) Condeno o réu a pagar aos autores a quantia de €3.000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

g) Condeno o réu a pagar aos autores a quantia de €600,000 (seiscentos euros) a título de danos patrimoniais;

h) Condeno o réu no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória que se fixa em €50,00 (cinquenta euros) diários, por cada dia de atraso na execução e/ou na falta de conclusão das obras peticionadas. »

7. Inconformado com tal sentença, o réu dela apelou, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...l.

XXV. Termos em que deverá julgar-se a acção totalmente improcedente e não provada e, em consequência, absolver-se o Réu do pedido formulado pelos Autores. »

8. Contra-alegaram os autores, pugnando pela improcedência total do recurso e pela manutenção (na integra) do julgado.

9. Corridos os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

1. Do objeto do recurso.

Com sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do réu/apelante delas resulta que as questões nelas colocadas, e de que aqui nos cumpre apreciar, são as seguintes

a) Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto;

b) Da responsabilidade do réu pela reparação dos defeitos de que padece o terraço da “fração H” e dos danos sofridos pelos AA.,

c) Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA.;

d) Da sanção pecuniária compulsória fixada ao R..

2. Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como assentes/provados os seguintes factos (respeitando-se a ortografia e a ordem de numeração ali feita):

...

Factos Não provados (dados pelo mesmo tribunal):

...

3. Quanto à 1ª. questão.

- Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto.

Impugna o apelante a decisão da matéria de facto, pretendendo/defendendo:

...

Sendo assim, por inobservância aludido ónus (primário), e à luz da cominação imposta no citado artº. 640º, nº 1, do CPC, decide-se rejeitar de imediato o recurso na parte referente à impugnação da decisão de facto deduzida pelo R./apelante, mantendo-se, assim, e em consequência, a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo.

4. Quanto à 2ª. questão.

- Da responsabilidade do réu pela reparação dos defeitos de que padece o terraço da “fração H” e dos danos sofridos pelos AA..

Discute-se se o réu se constituiu ou não na obrigação de proceder à reparação dos defeitos de que de padece o terraço “da fração H” e dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pelos AA. em consequência da das infiltrações de água que se registaram e continuam a registar no interior da fração de que são proprietários e que decorrem do mau estado de conservação em que se encontra o referido terraço.

Terraço esse (extenso) situado no 1º. andar do prédio urbano/edifício réu – composto por 19 frações autónomas, constituído (com o registo do respetivo título efetuado em de15/06/1987) em regime de propriedade horizontal – que está afeto ao uso exclusivo da fração H) localizada naquele andar, e que constitui parte do teto de cobertura da fração dos AA., situada por no rés-do-chão do mesmo prédio/edifício. (cfr. pontos 1, 2, 3, 5. e 8. dos factos provados).

Ora, a resposta da questão acima colocada está dependente da resposta dar a uma outa e que se traduz em saber se o referido terraço constitui parte comum do prédio/edifício réu, ou seja, se se integra nas partes comuns do mesmo ou se, pelo contrário, constitui uma parte individual desse edifício, propriedade exclusiva do titular do titular/condómino da sobredita fração H.

Questão esta onde verdadeiramente se centraliza o pomo de discórdia das partes (e que, como ressalta da leitura dos autos e dos documentos a eles juntos, divide os próprios condóminos), e que está subjacente à instauração da presente ação.

Contra o entendimento do R./apelante, e perfilhando aquele defendido pelos AA./apelados, o tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, respondeu a tal (sub)questão decidindo que o referido terraço se integra nas partes comuns do prédio/edifício, isto é, que é parte comum do mesmo.

Conclusão decisória essa que fundamentou com o esgrimir da argumentação que se passa a transcrever:

« (…).

Cumpre, por conseguinte, decidir esta questão.

O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respetivos factos constitutivos.

Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no artigo 1308.º do Código Civil, onde se determina que “Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”.

Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita ao mencionado terraço constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respetivo título constitutivo.

Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz “uma expropriação sem indemnização” de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.

Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.

O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, onde se dispõe que “Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.

Com efeito, uma lei que, posteriormente à constituição da propriedade horizontal, altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja, sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da propriedade horizontal, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é, sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.

No caso dos autos verifica-se que existiu uma alteração legislativa no que respeita ao artigo 1421.º do Código Civil onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da propriedade horizontal.

Com efeito, no caso dos autos, à data da constituição da propriedade horizontal, a al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, dispunha que eram comuns “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redação: “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração”.

Face à redação actual da al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil, não existiria qualquer dúvida no sentido de que o terraço em causa seria parte comum.

Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o referido terraço é parte comum ou individual, é a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e tal lei é a que resulta da redação primitiva do Código Civil.

Afigura-se, no entanto, que a nova redação dada à al. b), do n.º 1, do Artigo 1421.º, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, constitui lei interpretativa em relação à anterior redação.

Como referiu Batista Machado, “Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora” in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.

Era controvertida a solução dada pela doutrina e jurisprudência anteriores relativamente à questão de saber se os “terraços de cobertura” integravam as partes comuns do edifício ou eram propriedade individual do respetivo condómino.

Com efeito, a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal, dispunha que “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento” - al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, do Código Civil.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, reformulou esta norma, para a seguinte redação: “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração”.

Eliminou-se a referência ao “último pavimento”, segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de “partes comuns”, ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.

Afigura-se, por isso, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 1, do artigo 13.º do Código Civil onde se dispõe que “1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza” - neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23 de Setembro de 2008 (Sílvia Pires), proferido no processo n.º 521/1996, onde se ponderou “Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei integrada (art.º 13º, do C. Civil), pelo que o esclarecimento interpretativo efetuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a propriedade horizontal tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94, como sucede neste caso” disponível em www.dgsi.pt.

De acordo com o título de constituição da propriedade horizontal, a fração “H” do prédio identificado no art. 1.º da p.i., propriedade de António Figueiredo da Silva Pereira, é constituída, para além do mais, por um terraço, virado para a Rua da Alagoa, o qual corresponde, ao mesmo tempo, à “cobertura” da fração do autores identificada no art. 7.º da p.i..

Ou seja, o terraço mencionado nos autos é o “telhado” da fração dos Autores.

Coloca-se, pois, a questão de saber se este terraço é propriedade individual do proprietário da fração “H”, António Figueiredo da Silva Pereira ou integra as partes comuns do edifício.

Em nosso entender, a resposta consiste em afirmar que o terraço integra as partes comuns do edifício, pelas seguintes razões:

a) Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40.333, de 14 de Outubro de 1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da propriedade horizontal até ao início de vigência do novo Código Civil, que “A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.

Não significa isto que as duas ideias – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas.

Mas não é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados”.

Por conseguinte, a natureza e função do direito de propriedade horizontal não exclui que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.

b) Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b), do n.º1, do artigo 1421.º, do Código Civil, apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura.

Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”.

Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de proteção da totalidade ou de parte do edifício.

A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e proteção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a “saúde” do edifício.

Sendo assim, os terraços de cobertura existentes no edifício não podem ficar na dependência da vontade individual de um condómino, por se correr o risco do mesmo poder vir a ser negligente na sua conservação, designadamente se abandonar a sua fracção e a mantiver encerrada e sem vigilância.

No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se Rui Miller ao comentar a nova redação dada à al. b) do n.º 1, do Artigo 1421.º, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, quando referiu:

“O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2.

Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício” in Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156.

Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 16 de Outubro de 2003, com o seguinte sumário: “I- Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns. II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal” (ver em www.dgsi.pt, identificado com o número 03B2567); bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Novembro de 2003, cujo sumário é o seguinte: “I - É a data da constituição da propriedade horizontal que define a lei aplicável onde se enquadram as partes que hão-de ser comuns e as que hão-de ser propriedade exclusiva. II - O terraço que faça as vezes de telhado duma fração do prédio que exorbite fisicamente do seu corpo principal constitui uma parte obrigatoriamente comum do edifício, não obstante estar afeto no título constitutivo ao uso exclusivo de um condómino” (in www.dgsi.pt, identificado com o número 0325108).

Em sentido oposto pronunciou-se Moutinho de Almeida quando referiu que “Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello” in Propriedade Horizontal. Almedina, 1996, pág. 57.

Decidiu neste sentido o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 8 de Abril de 1997, cujo sumário é o seguinte: “I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem” (ver em www.dgsi.pt, identificado com o número 96A756).

Como se disse, afigura-se que a melhor interpretação é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.

c) O terraço em questão é um “terraço de cobertura”.

No presente caso não estamos perante uma varanda, pois o pavimento de uma varanda não constitui ao mesmo tempo parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior.

Em contraposição com as varandas, os terraços de cobertura são estruturas em si mesmas não cobertas e cujo piso constitui, ao mesmo tempo, tecto ou parte do tecto da fracção do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso.

Não se vislumbra que possa existir alguma diferença entre esse terraço situado na parte média da altura do edifício e o mesmo espaço físico mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço) - neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003 (Luís Fonseca), disponível em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: “E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso”- ou entre o mesmo terraço com acesso a partir da fracção “H” e o mesmo terraço, mas sem acesso a partir daquela fracção.

No primeiro caso, não restaria dúvida que estaríamos perante um espaço qualificável com telhado, portanto coisa comum, ainda que situado no mesmo local do actual terraço, isto é, a meio da altura do edifício.

No segundo caso e dada a segunda hipótese, não se colocariam dúvidas sobre a natureza comum do espaço, mas a diferença entre ambos os tipos de hipóteses consistia apenas no uso exclusivo do terraço pelo proprietário da fracção “H”, num caso e a impossibilidade desse uso no outro caso.

Por exemplo, no caso dos autos, qual a diferença entre a fracção “H” com porta de acesso ao terraço ou a mesma fracção sem qualquer acesso a esse terraço?

Apenas a possibilidade de uso exclusivo.

Ora, como se viu, a possibilidade de uso exclusivo não é critério de distinção entre partes comuns e partes individuais.

A conclusão de que o terraço é parte comum não é invalidade pelo facto de constar do título constitutivo da propriedade horizontal que o dito terraço faz parte da fracção “H”.

Com efeito, a norma do artigo 1421.º do Código Civil é imperativa - neste sentido Pires de Lima/Antunes Varela. Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 419 - e não pode, por isso, ser derrogada pelas declarações exaradas pelos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal.

Por conseguinte, resultando directamente da lei, não se torna necessário obter previamente a declaração judicial de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal para considerar que o terraço em questão integra as partes comuns do edifício.

Assim sendo, terá que proceder os pedidos formulados pela autora nas alíneas a), b), c) e d) constantes da petição inicial. (…) »

Posto isto, importa dizer que nos revemos inteiramente na esmiuçada e bem estruturada argumentação/fundamentação jurídica esgrimida pelo tribunal a quo - que conduziu à conclusão/decisão de que o sobredito terraço (de cobertura intermédio) constitui parte comum do prédio/edifício R.-, feita através de uma correta subsunção do direito aos factos apurados (cfr. particularmente os pontos 1., 2, 3., 5. e 8.), com a convocação para o efeito dos acertados normativos e institutos legais aplicáveis ao caso e dos contributos de pertinente jurisprudência e doutrina citadas, e por isso, e para não nos repetirmos, para ela nos remetemos (dada a profundidade da análise nela feita sobre a (sub)questão acima suscitada/colocada), e tando mais que a alteração dessa decisão passava, em larga medida, pela alteração da matéria de facto fixada por aquele tribunal, a qual, e pelas razões que se deixaram expostas, não ocorreu. Diga-se ainda que a resposta/solução jurídica dada à sobredita (sub)questão reflete o entendimento dominante - na controvérsia que se suscita em redor da questão apreciada - que vem sendo adotado, a esse propósito, pela doutrina e jurisprudência, e muito particularmente aquele que vem sendo seguido por esta (3ª.) Seção deste Tribunal da Relação de Coimbra (cfr., por ex., os Acs. de 10/09/2019, proc. 128/16.5T8SAT.C1, relatado por Pires Robalo – com ampla jurisprudência aí citada com a mesma posição-  e de 23/09/2008, proc. nº. 521/1996.C1, relatado por Sílvia Pires, e ainda o Ac. da RP de 02/05/2016, proc. nº. 1989/08.0TVPRT.P2 – que a sentença recorrida seguiu de perto -, relatado por Alberto Ruço, o que, por sinal se encontra atualmente a desempenhar funções na 2ª. Secção deste mesmo Tribunal de Relação, todos  disponíveis em www.dgsi.pt).

Dilucidada a referida a (sub)questão, no sentido de que o referido terraço (de onde provêm as águas, dado o seu mau estado o de conservação com fissuras no seu piso, que se infiltram na fração dos AA.) constitui parte comum do prédio/edifício réu, fica “escancarada” a porta para resposta à questão acima elencada.

É inolvidável que nos encontramos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (cfr. artºs. 483º e sgs. e 562º e sgs. do CC).

Como é sabido, são pressupostos dessa responsabilidade delitual aquiliana (cuja verificação o R./apelante verdadeiramente não questiona - resolvida no sentido em que foi a (sub)questão anterior - e que por isso abordaremos de forma perfunctória) a existência ou a prática de um facto (ocorrido tanto por ação como por omissão), que seja ilícito, que seja culposo, isto é, que seja censurável àquele que lhe deu causa, que desse facto resulte um dano para terceiro, e que o facto e o dano estejam entre si ligados por um nexo de causalidade (adequada).

No caso, e à luz dos factos apurados, todos esses tais pressupostos se mostram preenchidos.

Na verdade, devido ao mau estado de conservação do referido terraço, parte comum do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, e mais concretamente devido à fissuração estrutural de que padece, as águas (vg. pluviais) infiltraram-se (e continuam a infiltrar-se) na fração dos AA., causando-lhes com tal danos (de natureza patrimonial e não patrimonial). Tal só foi e é possível devido à ação/conduta omissiva do R. que, de forma censurável, não procedeu, como podia e devia (pois que a tal estava obrigado), mesmo depois de alertado para o efeito, à eliminação do referido defeito do piso do terraço, e com isso deu causa a que, de forma ilícita, fosse violado o direito de propriedade dos AA., e bem assim, adiantando já, os seus próprios direitos de personalidade (e que aqui situamos já ao nível dos danos não patrimoniais), numa situação que se vem arrastando através dos tempos.

E daí a obrigação em que se constituiu o R. não só de proceder à reparação dos sobreditos defeitos de que padece o terraço da “fração H” como também de ressarcimento dos danos sofridos pelos AA., em consequência daqueles, e que, no fundo, se encontram consubstanciados alíneas b) a e) do petitório final formulado pelos últimos (sendo que o direito da propriedade dos AA. sobre a sua fração nunca foi questionada).

Obrigação essa, enfatize-se, que o R. - resolvida que foi a sobredita (sub)questão anterior sobre a propriedade do referido terraço no sentido de a considerar coisa comum -, verdadeiramente não questiona.

Termos, pois, em que, nessa parte, e recurso improceda.

5. Quanto à 3ª. questão

- Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA..

Na sequência da situação que se deixou descrita, e dando guarida ao pedido formulado pelo AA., o tribunal a quo condenou ainda, e além do mais, o R. a indemnizar, a título de danos não patrimoniais sofridos, aqueles na quantia de €3.000,00 (três mil euros).

Insurge-se o R./apelante quanto ao montante da indemnização fixada, considerando-o desproporcionado/desajustado, pugnando para que o mesmo seja reduzido para a quantia de €1.000,00.

Os AA./apelados pugnam pela justeza do montante fixado.

Apreciando.

Como ressalta do que se deixou exposto, na abordagem da questão anterior, o R. constituiu-se na obrigação de, além mais, indemnizar os AA. pelos danos que a descrita situação lhes causou, e entre eles situam-se os danos não patrimoniais.

Danos esses e obrigação de os indemnizar – resolvida que foi a questão da propriedade do sobredito terraço “intermédio” – que o R. aqui não questiona, apenas discutindo o seu quantum indemnizatório, considerando desajustado aquele que foi fixado pelo tribunal a quo.

A questão aqui se discute é, assim, somente indagar se o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo (de €3.000,00) quanto a tais danos se mostra ou não ajustado?

Mesmo assim, e para melhor enquadramento da questão, não deixaremos, ainda que de forma perfunctória, de teorizar um pouco sobre tais danos (não patrimoniais) e a forma de os indemnizar/compensar.

Como se sabe, a indemnização em dinheiro assume caráter excecional ou subsidiário e só tem lugar sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (cfr. artº. 566º do CC).

Na fixação da indemnização, para além dos danos patrimoniais, deve atender-se também aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (cfr. artº. 496, nº. 1, do CC).

A gravidade deste último dano há de, pois, aferir-se por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos (víde os profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 473”).

Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica. Como advogam os Mestres atrás citados (in “Ob. cit., pág. 474”) “o montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso, haja dolo ou mera culpa, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc., etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.”

Aliás, constitui hoje corrente dominante, a nível da nossa jurisprudência e doutrina, poder o dano moral provar-se também através do recurso às presunções judiciais ou de facto (cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 25/11/1993, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T3 – 143” e o prof. Vaz Serra, in “RLJ Ano 108 – 315 e ss. e Ano 105 – 44).

Em termos de quantificação ou valorização, a indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas antes tem como principal desiderato compensar o lesado (dos danos morais sofridos em consequência da conduta ilícita do lesante), muito embora também, e complementarmente, lhe deva estar associada uma função sancionatória à conduta deste último (vide., a esse propósito e por todos, acordãos desta Relação de 11/11/03, in “apelação nº 31/03”, e de 31/3/1987,  in “CJ, Ano XII, T2 – 85” e o prof. A. Varela, in “RLJ Ano 123, pág. 191 e ss”).

Desse modo se a indemnização (e continuamos no domínio da fixação do quantum indemnizatório) de tais danos não tem o propósito de enriquecer injustificadamente o lesado, deve, no entanto, proporcionar-lhe a obtenção de “satisfações equivalentes ao que perdeu” (cfr. Mazeaud e Mazeaud in “Responsabilité Civile, vol. 1º, pág. 313”)

Desta forma, todas as vezes que alguém pratica actos ilícitos que acarretam a ofensa aos direitos imateriais de outrem, estará o agente obrigado a reparar o dano a que deu origem. Dever de reparação esse que vem já dos primórdios do direito romano fundado na seguinte trilogia: “honeste vivere, neminem laedere e summ cuique tribuere” (viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que lhe pertence).

Qualquer lesão (nemine laedere) oriunda de um facto ilícito gera, pois, o dever de reparar, por ser, antes de mais, ético e justo.

Diga-se ainda que, cada vez mais vem prevalecendo na nossa jurisprudência a deia de indemnizar/compensar os referidos danos de forma condigna, despregando-se de critérios miserabilistas que a dada altura, salvo o devido respeito, pareceram graçar entre nós.

Tendo presente tais considerandos, e o que demais atrás deixou exarado, reportem-nos ao caso em apreço.

No que concerne aos aludidos danos, e com relevância para apurar o seu quantum indemnizatório (pois que, como se deixou referido, é só essa a questão que aqui está em discussão, não já a obrigação de os indemnizar) importa considerar a conjugação da seguinte matéria fatual que resultou apurada:

- “Em resultado de fissuração estrutural do piso do referido terraço inerentes à sua degradação pelo decurso do tempo, encontra-se este fissurado o que permite a infiltração de água na placa estrutural que por aí é conduzida para o interior do teto da fracção dos A.A., da qual a referida placa é cobertura;”

- “Causando, nos períodos de chuva, a ocorrência de constantes e sistemáticas infiltrações de água na fracção dos A.A., qual pinga do teto e escorre pelas paredes até ao piso do chão;”

- “Vendo-se os A.A. obrigados a colocar recipientes para aparar a água que pinga do tecto de forma a evitar que esta caia sobre as mercadorias e sobre os clientes que acedem ao interior do estabelecimento;”

- “Além dos prejuízos já causados em mercadorias que se encontram expostas para venda, as referidas infiltrações condicionam ainda o normal funcionamento do estabelecimento, provocando uma contínua deterioração da pintura e dos estuques do teto e das paredes do interior da fracção dos A.A. originando o desenvolvimento de fungos com o consequente aparecimento de extensas manchas escuras de bolores e inerente descasque da tinta;”

- “Vendo-se os A.A. na necessidade de ter de custear por várias vezes a reparação do estuque e da pintura das paredes e dos tectos de forma a ocultar os sinais de insalubridade que as infiltrações transmitem a quem se desloca ao interior do estabelecimento;”

- “A situação das infiltrações em causa vem sendo sistematicamente denunciada pelos A.A. junto do R.;”

- “Em resultado das infiltrações que vêm ocorrendo, os A.A., viram-se estes na necessidade de, por várias vezes, mandar estucar os locais afectados e pintar todas as paredes e o tectos da sua fracção, de forma a ocultar as extensas manchas de bolores e fungos existentes nas paredes e nos tetos;”

- “Até porque, no interior da mesma, têm instalado um minimercado que ambos exploram, sendo que, a existência de tais machas transmite à clientela uma imagem de falta de salubridade e de higiene que não se compadece com a atividade que aí é desenvolvida;”

- “Com tais intervenções os A.A. despenderam já quantia não inferior a €.600,00;”

- “Quanto chove nos locais do interior da fracção dos A.A. onde se verificam as infiltrações e onde têm expostas mercadoria para venda, têm estas de ser constantemente removida para outros locais;”

- “Têm ainda de aparar com recipientes e limpar constantemente a água que escorre das paredes e se deposita e empossa na superfície do piso da fracção;”

- “Os A.A. têm sistematicamente, tido a necessidade, de contratar pessoas, para limpar e pintar periodicamente, os locais afectados com receio de que o estabelecimento seja encerrado, por falta de condições de salubridade;”

- “Tudo isto, gera nos mesmos e no dia a dia, perdas de tempo, incómodos, nervosismo e ansiedade, tudo isto, com o inerente desgaste psicológico que a situação lhes acarreta;”

- “A que acresce a preocupação da água que se infiltra no tecto da fracção, em contato com os componentes elétricos venha a provocar um curto circuito e consequente incêndio ou danificar os equipamentos elétricos que aí se encontram afectos à atividade;”

- “Os A.A., são face à situação que se vem prolongando no tempo e que se vem agravando sistematicamente com o aumento da quantidade de água que se infiltra para o interior da sua fracção, vêem-se confrontados com constantes estados de nervosismo e ansiedade, retirando-lhes assim horas de sono e de tranquilidade ao verem o espaço onde trabalham diariamente com aspeto degradado e insalubre;”

- “Para além do aspeto visual negativo, as humidades fazem libertar e proliferar pelo interior da fracção, cheiros intensos e odores a humidade, o que prejudica a saúde dos A.A. que aí trabalham diariamente e a clientela do estabelecimento.”

 Ora, num juízo de ponderação global da conjugação dessa materialidade factual com as considerações de cariz teórico-técnico que supra se deixaram expendidas, afigura-se, até pela sua persistência e prolongamento no tempo, ajustado o valor fixado pelo tribunal a quo para compensar/indemnizar os aludidos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., montante esse que, a nosso ver, a pecar será por defeito e não por excesso.

E sendo assim, também nessa parte terá de naufragar o recurso.

6. Quanto à 4ª questão.

- Da sanção pecuniária compulsória fixada ao R..

Insurge-se igualmente o R./apelante contra o segmento da sentença (al. h)) que o condenou no final ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória fixada pelo tribunal em € 50,00 (cinquenta euros) diários, por cada dia de atraso na execução e/ou na falta de conclusão das obras peticionadas.

Para tanto defende ter tal decisão foi violado o disposto no artº. 829-A do CC, pois que estamos na presença de um facto fungível, e não infungível, que sempre poderá ser prestado por outrem, no caso de o réu não vir a realizar as obras de reparação a que foi condenado na sentença.

O apelado limita-se a pugnar pela manutenção desse julgado, sem que tenha esgrimido qualquer fundamento a esse respeito.

Apreciando.

Como ressalta do que acima se deixou exarado, no dispositivo final da sentença (no segmento da al. h)), o tribunal a quo condenou ainda o réu no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória que fixou em € 50,00 diários, “por cada dia de atraso na execução e/ou na falta de conclusão das obras peticionadas.”

Diga-se, desde já, que se trata de uma decisão “tout court”, pois que no corpo da sentença não foi esgrimindo qualquer fundamento jurídico a suportar a mesma.

Dispõe-se no artigo 829º-A do CC - sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória” – que:

« 1- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.

4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. » (sublinhado nosso)

Normativo esse que foi introduzido, no nosso ordenamento jurídico, aditando-o ao artigo 828º do Código Civil, pelo Dec.-Lei nº. 262/2003, de 16/06.

A finalidade e as razões da introdução desta medida legislativa encontram-se expostas e justificadas no preâmbulo daquele diploma nos seguintes termos:

« Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.

A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução especifica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico. »

Deste quadro normativo – como bem se salienta no recente acordão do STJ de 12/09/2019, proc. 80552/11.1TBVNG, disponível em www.dgsi.pt - resulta a configuração de duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no nº. 1 do artigo 829º-A, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no nº. 4 do mesmo artigo, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extra negocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado.

A primeira espécie traduz-se na fixação judicial de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial. A segunda consiste num adicional automático (ope legis) de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.

Assim, enquanto que a sanção pecuniária compulsória prevista no nº. 1 do citado artigo 829º-A tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, já a sanção pecuniária compulsória prescrita no nº. 4 do mesmo artigo emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial.

Porém, ambas as espécies de sanção pecuniária compulsória ali previstas se constituem como um meio intimidatório de pressão sobre o devedor para que cumpra a obrigação a que está obrigado, em reforço do interesse do credor e do prestígio dos tribunais, ou seja, ambas essas espécies de sanção comungam da mesma finalidade, que é a de servir o reforço das decisões judiciais que condenem o devedor  no cumprimento das obrigações tidas em vista, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça, com o particular correspondente benefício para os credores. (Cfr., a propósito, além daquele acórdão citado, o Ac. do STJ de 13/11/2019, proc. 4946/05.1TLSB-C.L1.S1, e, ao nível da doutrina, os profs. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, págs. 449-452” e Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pág. 127”).

Posto isto, reportemo-nos àquela primeira espécie de sanção pecuniária compulsória prevista no nº. 1 do citado artº. 829-A, pois que é ela que aqui está causa (dado que foi ela a aplicada no aludido segmento decisório de que se recorre.)

E como ressalta do aludido normativo legal citado, essa primeira espécie de sanção pecuniária compulsória tem como primeiro pressuposto (substantivo) da sua aplicação que estejam em causa prestações de facto infungíveis (quer se trate de facto positivo, quer se trate de facto negativo), ou seja, essa sanção só e aplicável quando estiverem em causa prestações de facto relativas a obrigações não fungíveis (infungíveis).

Sendo assim, impõe-se, antes demais, precisar o conceito de obrigações não fungíveis (infungíveis), destrinçando-o do conceito (contrário) de obrigações fungíveis.

Servindo-nos das palavras do prof. Mário Júlio de Almeida Costa (in “Direito das Obrigações, 10ª. edição reelaborada, Almedina, pág. 697), “a prestação obrigacional diz-se fungível quando pode ser realizada tanto pelo devedor como por outra pessoa, sem prejuízo para o credor, e não fungível quando tenha de ser necessariamente cumprida pelo devedor. A infungibilidade da prestação resulta ou da sua própria natureza ou da vontade das partes (art. 767.º, nº .2).

Mais à frente (“Ob. cit., pág. 699”), num esforço de concretização da distinção entre prestações obrigacionais fungíveis e infungíveis através do recurso a exemplos práticos, discorreu o referido Mestre que “(…) constituem alguns exemplos de prestações não fungíveis: a pintura de um quadro de arte, o tratamento de uma doença ou uma intervenção cirúrgica, em que se atende às qualidades pessoais do devedor; todas as prestações de facto negativas e as positivas que consistam na emissão de declarações de vontade negocial. Pelo contrário, serão fungíveis as prestações que se traduzam na realização de trabalho meramente material, que não requeira uma confiança ou competência especiais (…). Revela-se o alcance prático da distinção, «máxime» no caso de inadimplemento. Se a obrigação é não fungível, o credor tem apenas o direito de exigir uma indemnização dos danos para ele resultantes do não cumprimento. Tratando-se de uma obrigação fungível, cabe-lhe «a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor» (Cód. Civ., art. 828.º; Cód. de Proc. Civ., arts. 45.º, n.º 2, e 933 e sgs. – normativos estes, esclarecemos nós, que correspondem aos artºs. 10º, nºs. 5 e 6, e 868º do nCPC) » Sublinhado nosso.

No mesmo sentido vide ainda, a propósito, os profs. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª. ed., Almedina Coimbra, págs. 25/26 e ss”); Inocêncio Galvão Teles, in “Direito das Obrigações, 4ª. ed., Coimbra Editora, pág. 164/165”, e Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, in “Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, págs. 274/278.

Posto isto, e revertendo-nos ao caso sub júdice verifica-se que, por força do decidido na sentença recorrida, o réu ficou constituído na obrigação de, além do mais – e naquilo que para aqui importa, tendo em conta a circunscrição do objeto da sanção pecuniária compulsória ali fixada ao mesmo -, proceder (por si ou por outrem), no prazo ali fixado, à realização dos obras/trabalhos que se mostrem necessárias  a impermeabilização do sobredito terraço e bem assim à reparação dos danos causados, devido às infiltrações de água provenientes do mesmo, no interior da fração dos AA..

Ora, tendo presentes os ensinamentos que atrás deixámos expostos, é, a nosso ver, patente que estamos na presença de uma obrigação fungível, ou melhor ainda, perante numa obrigação de prestação facto (positivo) fungível, quer porque resulta da natureza dessa obrigação, quer porque, à luz dos factos apurados, a sua infungibilidade não foi acordada entre as partes.

Na verdade, a referida obrigação reporta-se a um trabalho meramente material, que não requer uma confiança ou conhecimentos especiais. Aliás, note-se que na própria sentença se decidiu que a realização/execução desses trabalhos tanto poderia ser levada a efeito pelo próprio réu como por terceiro (a seu mando).

Diga-se, por fim, que se porventura o réu não vier a realizar tais obras reparadoras. no prazo estipulado na sentença, sempre poderão os AA., tal como decorre da conjugação dos artºs. 828º do CC e 868 ºe ss. do CPC, requer a sua prestação por outrem, isto é, que elas sejam realizadas/executadas por outrem à custa do próprio réu (portando suportando ele os respetivos custos).

Donde a conclusão de que não se mostra preenchido o 1º. pressuposto (de natureza substantiva) de que depende a condenação do R. numa sanção pecuniária compulsória: estar-se na presença de uma obrigação de prestação de facto infungível.

E sendo assim, não poderia o tribunal a quo condenar o R. na referida sanção pecuniária compulsória.

Termos, pois, em que nessa parte se revoga a sentença recorrida, julgando-se nessa medida (parte), apenas quanto a ela, procedente o recurso.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, na parcial procedência do recurso, em:

1) Revogar a sentença da 1ª. instância na parte do seu segmento decisório (al. h)) em que condenou o réu no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória fixada em €50,00 (cinquenta euros) diários, por cada dia de atraso na execução e/ou na falta de conclusão das obras peticionadas, absolvendo, em consequência, o mesmo desse pedido.

2) Confirmar, quanto ao demais, o ali decidido por essa sentença.

Custas da ação e do recurso pelos AA./apelados e pelo R./apelante, na proporção do respetivo decaimento, o qual, para o efeito, se fixa, respetivamente, em 1/8 para os primeiros e 7/8 para o segundo (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

1- Os terraços de cobertura intermédios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal são partes comuns desse prédio, ainda que estejam afetos a uso exclusivo do condómino da fração em que se integram.

2- E tal sucede quer a propriedade horizontal do prédio tenha sido constituída em plena vigência da atual redação dada à al. b) do nº. 1 do artº. 1421º do CC pelo DL nº. 267/94 de 25/19, quer o tenha sido na sua redação anterior (assumindo esse DL a natureza de lei interpretativa).

3- No artº. 829º-A do CC estabelecem-se duas espécies de sanção pecuniária compulsória:

a) A prevista no seu nº. 1, de natureza subsidiária, que se traduz na fixação judicial, a requerimento do credor, de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial.

b) E a prevista no seu nº. 4, que consiste ou se traduz num adicional automático (ope legis), devido logo após o transito em julgado da sentença condenatória, de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.

4- Embora de espécie diferente, ambas, porém, se constituem como um meio intimidatório de pressão sobre o devedor para que cumpra a obrigação a que está obrigado, em reforço do interesse do credor e do prestígio dos tribunais, ou seja, ambas essas espécies de sanção comungam da mesma finalidade, que é a de servir o reforço das decisões judiciais que condenem o devedor  no cumprimento das obrigações tidas em vista, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça, com o particular correspondente benefício para os credores.

5- A primeira espécie de sanção pecuniária compulsória (a prevista no nº. 1) tem como pressuposto substantivo da sua aplicação que estejam em causa obrigações de prestações de facto infungíveis (quer se trate de facto positivo, quer se trate de facto negativo).

6- Tal pressupõe que essas prestações de facto emirjam de obrigações não fungíveis (ou infungíveis), isto é, que tenham necessariamente de ser prestadas só pelo devedor (não o podendo ser por outrem).

7- Essa infungibilidade da prestação tanto poderá resultar da sua própria natureza como do próprio acordo das partes feito nesse sentido.

Coimbra, 2020/06/26