Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/00.3GAPNC.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: EXPLOSÃO
NEGLIGÊNCIA
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENAMACOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18.º, AL. A) E B), DO DL 446/85 DE 25/10, 34.º, 35.º E 36.º, DO DL N.º 376/84, DE 30/11
Sumário: 1. Não está excluída a responsabilidade da seguradora por via das Condições Especiais da Apólice de Seguro (art. 2.º, n.º 1, al. a), c) e g)), por o arguido, responsável pelo lançamento de foguetes, não ter observado os deveres de cuidado, nomeadamente os que resultam dos art. 34.º, 35.º e 36.º, do DL n.º 376/84, de 30 de Novembro
2. Devem-se considerar como não escritas estas cláusulas, com a consequente redução do negócio jurídico, por desvirtuarem o objecto do contrato de seguro que a Comissão de Festas teve em vista celebrar.
3. Nos termos do art. 18.º, al. a) e b), do DL 446/85 de 25 de Outubro são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas e a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
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No processo supra identificado, em que é arguido A..., o tribunal recorrido, decidiu:
a) Condenar o arguido pela prática de um crime de explosão negligente, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1 al. b) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 1 ano e dois meses de prisão.
b) Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena 4 meses de prisão.
c) Condenar o arguido na pena única de um ano e dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses.
d) Condenar a Companhia de Seguros Açoreana SA no pagamento, a João Carrola, no montante de 33.094,94 euros (trinta e três mil e noventa e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, mais juros de mora legais contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante montante peticionado.
e) Absolver o demandado A... do pedido de indemnização cível contra si deduzido pelo demandante .......
f) Absolver o demandado B...do pedido de indemnização cível contra si deduzido pelo demandante .......
g) Condenar o arguido A... no pagamento, a D...., no montante de 2.297,67 euros (dois mil duzentos e noventa e sete euros e sessenta e sete cêntimos) a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, absolvendo-o do restante montante peticionado.
h) Condenar a Companhia de Seguros Açoreana SA no pagamento ao Hospital Amato Lusitano a quantia de 14.438,48 euros (catorze mil quatrocentos e trinta e oito euros e quarenta e oito cêntimos), mais juros de mora legais contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento;
i) Absolver o demandado A... do pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Amato Lusitano.
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Da sentença interpuseram recurso a Companhia de Seguros Açoreana SA e o assistente C…. sendo o recurso deste subordinado.
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A Companhia de Seguros Açoreana SA formula as seguintes conclusões:
«1. A explosão ocorrida, e que deu causa aos danos, foi consequência da conduta do arguido.
2. O tribunal a quo considerou que a conduta do arguido preenchia o crime de explosão por negligência de que se encontrava acusado, bem como o delito de ofensa à integridade física por negligência.
3. A participação do sinistro à Companhia ora Recorrente no âmbito da apólice 21/41191 foi efectuada em 14.08.2000, na sequência da explosão de cerca de 100 foguetes que aguardavam para ser lançados, ocorrida em 05.08.2003, na localidade de Benquerença.
4. São aplicáveis, à actividade em causa, as normas constantes do Decreto-Lei n.º 376/84 de 30 de Novembro que aprovou o Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e Armazenagem de Produtos Explosivos.
5. Na regulamentação destas actividades, intrinsecamente de grande perigosidade, presidem critérios que visam proteger terceiros, mormente critérios de ordem pública.
6. O arguido não observou os mais elementares deveres de cuidado, nomeadamente os que resultam do Decreto-Lei 376/84.
7. Diga-se ainda que o arguido lançou os foguetes de forma descuidada, sendo que sequer existia, no local do sinistro, a necessária sinalização que, como estabelece o artigo 35.º, do já referido Decreto-Lei, destina-se a "evitar que as pessoas se aproximem e possam sofrer qualquer acidente no momento em que se executam os rebentamentos".
8. Impõe-se que se conclua, em face dos factos dados como provados, da legislação aplicável e das cláusulas constantes do contrato de seguro que está excluída a responsabilidade da Seguradora.
9. O estabelecido no contrato de seguro, nomeadamente nas cláusulas que o douto tribunal a quo considerou não escritas, não consubstancia um quadro de cláusulas contrárias à lei.
10. Estabelecer que a inobservância de normas regulamentares, como ficou cabalmente demonstrado ter acontecido, exclui a responsabilidade da Recorrente não é contrário aos ditames da boa fé.
11. Pressupor que o segurado, ainda que manifestamente incumpra as normas, terá sempre a possibilidade de reaver o montante do capital, é convidar à ilicitude.
l2. Donde, não pode a ora Recorrente ser responsabilizada pelas condutas criminosas do arguido, cuja actuação constituiu causa adequada para a produção do dano.
13. Os prémios de seguro são tanto mais elevados quanto maior o risco a segurar.
l4. A Recorrente jamais teria celebrado o contrato se não tivesse ficado previsto que a sua responsabilidade estaria excluída, em sede de incumprimento de normas regulamentares.
l5. A solução consagrada no art. 292.º, do Código Civil, sob a epígrafe "Redução", há de ceder quando se verifique uma manifestação de vontade contrária à conservação parcial do negócio aqui preconizada, o que sempre a tomaria, assim, inaplicável no caso dos presentes autos.
l6. As cláusulas constantes das Condições Especiais da Apólice do Contrato de Seguro, nomeadamente as alíneas a), c) e g) do Artigo 2.º, n.º 1 não podem ser tidas por não escritas, por ser manifesta a sua conformidade com a lei.
17. A responsabilidade da seguradora está excluída por via da alínea a) das Condições Especiais, designadamente por incumprimento das disposições legais que regulam o lançamento do fogo de artificio.
18. Condenando pela forma como o fez, a decisão viola, assim, frontalmente o disposto nos artigos 280.°, n.º 2, 292.º e 405.°, do Código Civil, 426.° e 427.° do Código Comercial com referência aos artigos 34.°, 35.° e 36.° do Decreto-Lei n.º 376/84 de 30 de Novembro (que aprovou o Regulamento sobre o Licenciamento dos Estabelecimentos de Fabrico e Armazenagem de Produtos Explosivos) e 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
19. O Tribunal a quo aplicou, pois, erroneamente a lei aos factos, devendo, em consequência, ser a recorrente absolvida».
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O assistente ….., pretende que se condene solidariamente com a Companhia de Seguros Açoreana, SA, o arguido A... e o demandado ........., no pagamento do pedido cível por si deduzido e que se fixe o valor a ressarcir pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente em conformidade com o peticionado, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª - Com base nos factos dados como provados no texto da decisão recorrida sob os pontos 3.1.3, 3.1.5, 3.1.7, 3.1.8, 3.1.10, 3.1.11 a 3.1.31 (1.ª numeração) (fls. 3,4, 5 e 6) e na condenação do arguido pela prática dos crimes de explosão por negligência e ofensa à integridade física por negligência, a Ma Juiz " a quo " deveria ter condenado o arguido A..., solidariamente com a Companhia de Seguros Açoreana, S.A., no pagamento da indemnização peticionada pelo ora recorrente.
2.ª - Tal condenação impõe-se, com base no disposto nos arts. 377.º, do CPP e 483.º, n.º 1 do C. Civil.
3.ª - Face à factualidade constante dos pontos 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 da matéria de facto provada, à referida condenação criminal do arguido pela prática dos crimes de que vinha acusado, e ao preceituado no art. 500.º, n.º 1 e 2 do C. Civil deveria, igualmente, o demandado cível B...sido solidariamente condenado no pagamento daquela indemnização.
4.ª - Devem assim ser solidariamente condenados os demandados cíveis A..., ........ e Companhia de Seguros Açoreana, S.A, esta até ao montante de 48.879,79 €, por força do contrato de seguro celebrado (pontos 3.142 e 3.1.43 e 3.1.44 – fls. 7 da sentença), ao abrigo do disposto nos arts. 483.º, n.º 1, 500.º, n.º 1 e 2 do C. Civil e 377.º, n.ºs 1 e 2 do CPP , no pagamento do pedido de indemnização civil formulado.
5.ª - A condenação daqueles demandados, A... e ....., constitui uma garantia de defesa dos direitos do ora recorrente, tanto mais que, na eventualidade de vir a ser julgado procedente o recurso interposto pela Companhia de Seguros Açoreana, S.A., o que só por hipótese de raciocínio se coloca, sempre a condenação no pedido cível nos termos decididos na douta sentença recorrida ficaria desprovida de sujeito e, assim, de qualquer eficácia.
6.ª - Na determinação dos montantes peticionados a título de indemnização por danos não patrimoniais o recorrente norteou-se pelos critérios objectivos expressamente definidos no Acórdão STJ de 25/06/02, designadamente na fórmula de cálculo nele prevista (C.J. Ac. STJ tomo II, p. 128/ss.).
7.ª - O concreto conteúdo e extensão dos danos não patrimoniais, bem como, o montante pecuniário que serviram de base a tal determinação foram integralmente dados como provados sob os pontos 3.1.20, 3.1.21, 3.1.22, 3.1.23, 3.1.24, 3.1.25, 3.1.26, 3.1.27 e 3.1.28 matéria de facto (fls. 5 da sentença).
8.ª - Face aos factos dados como provados, deve ser julgado totalmente procedente o pedido cível formulado pelo ora recorrente, designadamente, no tocante aos danos não patrimoniais sofridos, no montante de 65.386, 39 €, e, e consequência serem os demandados cíveis solidariamente condenados no respectivo pagamento.
9.ª - Pelo que, não o tendo feito, a sentença recorrida violou igualmente o preceituado nos arts. 496.º, n.º 1 e 566.º, do C. Civil.
10.ª - Em suma, violadas foram, assim, na decisão recorrida as normas dos art. 483.º, n.º 1, 496.º, n.º 1, 500.º, n.º 1 e 2, 566.º do Código Civil, e 377.º, n.º 1 e 2 do CPP.
11.ª - Padecendo, assim, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, a qual pode, e deve, ser sanada por esse Venerando Tribunal, à luz do disposto nos art. 410.º e 431.º do CPP».
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À notificação do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, responderam o Ministério Público, o assistente C…. e o arguido A..., sustentando que deve ser negado provimento ao recurso da seguradora e confirmar-se a sentença recorrida.
Nesta Relação o Ex.mo Procurador-geral Adjunto não emitiu parecer por a questão se confinar a mera questão cível, para a qual não tem interesse em agir.
Colhidos os vistos legais, cumpre-nos decidir.
Vejamos pois a factualidade dos autos e respectiva convicção do tribunal.
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Factos provados:
«3.1.1. Em Julho de 2000, a Comissão encarregada de promover a realização das festas em honra de Nossa Senhora das Neves, na freguesia de Benquerença, concelho e comarca de Penamacor, acordou com ........, o fornecimento de 70 dúzias de foguetes e o respectivo lançamento, no recinto de festas daquela freguesia, entre os dias 1 e 7 de Agosto de 2000.
3.1.2. B...encarregou o arguido, A..., seu irmão, e detentor de credencial de lançamento de fogos de artifício, de proceder ao lançamento desse fogo de artifício no dia 05/08/2000.
3.1.3. Por isso, no dia 5 de Agosto de 2000, pelas 8 horas, o arguido procedeu ao lançamento de fogo de artifício, em cima de um pontão, junto ao recinto de festas de Benquerença, área desta comarca.
3.1.4. Para tal era ajudado por ......, D...., ...e ......., que lhe passavam os foguetes.
3.1.5. O arguido procedia ao lançamento dos foguetes, um a um, sem se certificar da projecção do anterior.
3.1.6. Quando um dos foguetes, após subir alguns metros, inverteu a direcção, sem rebentar no ar, e veio a cair em cima dos cerca de 100 foguetes que estavam para serem lançados e que se encontravam a uma distância inferior a 20 metros do local do lançamento, parcialmente cobertos por, pelo menos, um cobertor.
3.1.7. Tendo provocado a explosão dos foguetes que se projectaram em diversas direcções, tendo atingido C...e D.... que se encontravam a poucos metros do local da explosão.
3.1.8. Em consequência da explosão dos foguetes, sofreram:
- NOME...... ferida perfurante no braço esquerdo com corpo estranho de grandes dimensões (canudo de foguete), assim como múltiplas feridas superficiais do antebraço, tórax e coxa direita, dai resultando cicatriz queloide com cerca de 11 por 8 cm, na face interna do terço superior do membro superior direito e na face externa do mesmo membro e junto ao cotovelo uma cicatriz com cerca de 8 por 8 cm; com ligeira diminuição de certos movimentos do membro superior direito;
- D.... cicatriz queloide de 2 por 2 cm na face anterior no terço superior esquerdo, deformidade que consiste em abdução ao nível do 3º e 4º dedos da mão direita e diminuição da aquidade auditiva a nível do ouvido esquerdo.
3.1.9. Não existia qualquer área demarcada ou sinalização de uma área de segurança entre os foguetes e as pessoas que assistiam.
3.1.10. O arguido não procedeu com o cuidado devido e exigível, procedendo ao lançamento do foguete de forma desatenta e descuidada de um local muito próximo ao local onde se encontravam os restantes foguetes para serem lançados, os quais não se encontravam devidamente tapados, sem haver demarcado e sinalizado uma área de segurança entre os foguetes e o público, razões pelas quais o foguete lançado veio a cair em cima dos restantes e provocado a explosão dos mesmos e as lesões nas pessoas acima referidas.
3.1.11. Em virtude de tais lesões o queixoso C...foi logo no dia 05.08.2000 transportado de ambulância para o Centro de Saúde de Penamacor, a fim de lhe serem prestados os primeiros socorros.
3.1.12. Daí foi encaminhado para o Hospital Distrital de Castelo Branco onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para exploração e plastia da ferida perfurante, desbridamento dos tecidos necrosados, verificação da viabilidade do feixe AVN e sutura das demais feridas.
3.1.13. Onde ficou internado no Serviço de Cirurgia até ao dia 4 de Setembro de 2000.
3.1.14. Em 04.09.2000 foi transferido para o Serviço de Cirurgia Plástica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde, em 05.09.2000, foi submetido a nova intervenção cirúrgica.
3.1.15. E de onde teve alta em 18.09.2000, tendo sido orientado para a Consulta Externa de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva e para a Consulta de Micro cirurgia, mantendo-se em fisioterapia.
3.1.16. Desde esse dia (18/09/00) até 01.04.2001, data em que teve alta definitiva, foi clinicamente acompanhado em regime ambulatório, para tratamento e reabilitação, no Hospital Distrital de Castelo Branco.
3.1.17. Assim, recebeu tratamento ambulatório no Serviço de Consultas Externas nos dias 21 de Setembro, 11 de Outubro, 10 de Novembro, 11 de Dezembro de 2000, e 4 de Janeiro de 2001.
3.1.18. Efectuou também tratamentos no Serviço de Medicina Física e Reabilitação de 21 de Setembro a 31 de Outubro, de 2 a 3 de Novembro, de 4 a 29 de Dezembro de 2000, de 3 a 7 de Fevereiro de 2001.
3.1.19. Em 16 de Dezembro de 2000 efectuou um TAC.
3.1.20. Em virtude das descritas lesões o queixoso C...ficou com uma diminuição da capacidade de movimentação do membro superior direito devida à lesão do nervo cubital direito e do nervo radial sensitivo direito, e bem assim, à ruptura do músculo supra – espinhoso da coifa.
3.1.21. As lesões referidas em 3.1.7. determinaram para o queixoso C...um estado de incapacidade temporária geral total durante um período de 60 dias.
3.1.22. Um estado de incapacidade temporária geral parcial durante um período de 197 dias.
3.1.23. E um estado de incapacidade temporária profissional total por um período de 257 dias.
3.1.24. E um grau de Incapacidade Permanente Geral fixável em 20% a partir da data da consolidação e um “quantum doloris” fixável no grau 5/7 e um dano estético fixável em 5/7.
3.1.25. Em virtude das lesões sofridas, bem como das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos a que teve que ser submetido sofreu, e sofre, dores intensas.
3.1.26. Causando-lhe transtornos e incómodos, e limitações na sua vida diária.
3.1.27. À data do acidente o queixoso C...trabalhava como empresário em nome individual, na actividade da construção civil.
3.1.28. No ano de 1999 obteve na sua actividade proveitos no valor de €9.105,56.
3.1.29. Com a ambulância que o transportou, no dia 05.08.2000, ao Centro de Saúde de Penamacor, taxas moderadoras pagas nesse Centro e no Hospital Distrital de Castelo Branco, e medicamentos, despendeu o queixoso C...a quantia global de 144,24 €.
3.1.30. Com deslocações realizadas de táxi, e em viatura própria, ao Hospital de Castelo Branco e aos Hospitais da Universidade de Coimbra, para consulta, tratamentos médicos e de reabilitação, o queixoso C...gastou a quantia total de 1.464,39 €.
3.1.31. Ficaram inutilizados, e sem qualquer possibilidade de recuperação, as roupas e o calçado que C...utilizava no dia do acidente, no valor global de 75 €.
3.1.29. Devido às lesões sofreu D.... 7 dias de incapacidade para o trabalho.
3.1.30. Durante esse período D.... foi assistido e operado de urgência no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, aí ficando internado até ao dia 11 de Agosto de 2000.
3.1.31. Após a alta hospitalar, continuou em tratamento ambulatório no serviço de Consultas Externas, onde se deslocou e foi observado nos dias 29 de Agosto, 10 de Outubro de 2000, 16 de Janeiro de 2001.
3.1.32. Em 19 de Fevereiro de 2001, efectuou um Audiograma.
3.1.33. D.... sofreu dores.
3.1.34. À data do acidente D.... dedicava-se à agricultura.
3.1.35. Após a sequela na sua mão esquerda, tem dificuldade em espalhar sementes na terra, em podar, enxertar e pegar com a mesma força nos cabos das ferramentas agrícolas.
3.1.36. Passou a ter alterações no sono, acordando sobressaltado, ouvindo rebentamentos e explosões à sua volta.
3.1.37. António Martins pagou PTE 200,00 de taxa moderadora relativo ao estudo timpanometrico Func. Trompa de Eustáquio.
3.1.38. Pagou também o valor de PTE 2.259$00 de despesas farmacêuticas, PTE 6.000 $00 por exames, 50,00 euros de consulta médica ocorrida em 30-12-2003; 96,00 euros pela realização de um audiograma tonal e um timpanograma, realizados em 3-1-2003.
3.1.39. Pagou ainda o valor de PTE 17.850$00 de táxi de transporte de Benquerença ao Hospital de Castelo Branco e pagou ainda cerca de 19,88 euros de transporte na rodoviária.
3.1.40. Pela assistência hospitalar prestada pelo Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco a ambos os demandantes devido às lesões por estes sofridas foram emitidas as factura n.°s.:
- 20006893., de 18.Dez.2000,dePTE. 18.137$00 =90,496.
- 21002898., de 1.Jun.2001, de PTE. 1.969.400$00 = 9.825,97 €
- 20008010., de 29.Dez.2000, de PTE. 3,828$00 = 19,10 €
- 20008008., de 29.Out.2000, de PTE. L.61.840$00 = 807,47 €.
- 21000653., de 19.Fev.2001, de PTE. 43.680$00 = 217,93 €
- 21000545.,de 19.Fev.2001, de PTE. 115.980$00 = 578,66€.
- 21001897., de 03.Abr.2001, de PTE 5.040$00 = 25,15 €
- 21006102., de 15.Out.2001, de PTE. 70.860SOO = 353,45 €
- 20006894., de 18.Dez.2000, de PTE. 12.971$00, = 64,72 €
- 21003729., de 02. Jul.2001, de PTE. 368.700$00, = 1.839,56 €
- 20008007., de 29.Dez.2000, de PTE. 12.568$00 = 62,71 €
- 21001892., de 03.Abr.2001, de PTE. 3.100$00 = 15,47 €
- 21002931., de 01Jun.2001, de PTE. 5.510$00, = 27,49 €
3.1.41. Estas facturas ainda não se encontram liquidadas.
3.1.42. A Comissão de Festas transferiu a sua responsabilidade para “O Trabalho – Companhia de Seguros SA”, através da Apólice nº 411091, a qual se dá aqui por reproduzida.
3.1.43. Nos termos do qual, aquela sociedade transferia a sua responsabilidade até ao limite de € 49.879,79, no período compreendido entre 30.07.2000 e 08.08.2000, referente aos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência do lançamento de fogo de artifício e foguetes na localidade de Benquerença, por ocasião das festividades da Nossa Senhora das Neves.
3.1.44. Por escritura de 27.12.2002 que teve lugar no 22° Cartório Notarial de Lisboa, a “O Trabalho – Companhia De Seguros, SA.” fundiu-se, por incorporação, na “Companhia de Seguros Açoreana, S.A.”.
3.1.45. A participação do sinistro à Companhia demandada no âmbito da supra referida apólice foi efectuada em 14.08.2000.
3.1.46. Após aquela reclamação, a Companhia Demandada promoveu a competente peritagem por forma apurar os factos constantes dessa participação.
3.1.47. Há mais de 60 (sessenta) anos que o arguido lança fogo de artifício.
3.1.48. O arguido é casado e é reformado recebendo uma reforma global de €310.
3.1.49. O arguido é pessoa considerada no meio onde vive.
3.1.50. Habita em casa própria.
3.1.51. Frequentou um ano do ensino pós laboral, onde aprendeu a escrever o nome.
3.1.52. Não tem antecedentes criminais
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Factos não provados:
De relevante para a decisão da causa não resultaram provados os seguintes factos, nomeadamente que:
3.2.1. O foguete referido em 3.1.6. tenha sido lançado na vertical.
3.2.2. O foguete referido em 3.1.6. tivesse defeito de fabrico.
3.2.3. Que a manta que cobria parcialmente os restantes foguetes fosse de material inflamável.
3.2.4. Que o local onde o arguido procedia ao lançamento do fogo de artificio distava cerca de 5/6 metros do local onde estavam os restantes foguetes.
3.2.5. A explosão só se verificou devido à fatídica coincidência de tal foguete ter invertido a trajectória e ter ido embater nos que faltava lançar, no preciso momento em que o ofendido C...levantou a manta que os cobria para dali retirar outros.
3.2.6. Nenhuma medida suplementar de segurança normal ou especial podia ter evitado a explosão dos autos.
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Fundamentação da matéria de facto
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:
Nas declarações do arguido que esclareceu o Tribunal sobre o modo como procedeu ao lançamento dos foguetes, tendo especificado as circunstâncias de modo e lugar. Assim explicou qual o local em que se encontrava a lançar os fogo de artificio no momento em que ocorreu a explosão, e qual o sítio onde os restantes foguetes estavam acondicionados, tendo também referido que, para além dos elementos da comissão de festas, os assistentes também o estavam a ajudar no referindo lançamento.
Declarações confirmadas pelas testemunhas …. e …., que também confirmaram o local onde o arguido procedia ao lançamento do fogo de artifício, tendo referido ainda qual a distância, aproximada, do local onde os restantes foguetes estavam acondicionados, e tendo especificado quais as funções de cada um de modo a ajudar o arguido no lançamento dos foguetes.
Para além disso, foi afirmado, pelo arguido, pelo assistente …., que as canas dos foguetes não estavam tapadas pelo cobertor. Sendo que a testemunha …. não tinha a certeza se os mesmos se encontravam totalmente tapados ou não,
Também foi afirmado, de forma expressa pelo assistente ….. e pelas testemunhas …. e ….. que o arguido era muito rápido a lançar o fogo de artifício, e que mesmo após o lançamento do foguete que originou a explosão o arguido já tinha lançado mais foguetes. O assistente D.... afirmou ainda que os foguetes que foram lançados antes já não estavam a subir bem.
Foi afirmado pelo arguido, pelos dois assistentes e pelas testemunhas que foram inquiridas e que se encontravam no local, que não existia qualquer área demarcada ou sinalização de uma área de segurança entre os foguetes e as pessoas que assistiam.
- O assistente C...descreveu quais as lesões por si sofridas e quais os diversos tratamentos a que foi sujeito devido às mesmas, bem como as perdas que teve e respectivas despesas. Depoimento confirmado pelas testemunhas …. e ….., que conhecem o assistente e descreveram, o primeiro, genro do assistente, quais as alterações tidas na vida daquele devido às lesões sofridas, e o segundo, taxista, confirmou que por diversas vezes levou o assistente ao hospital, sendo que tais deslocações já se encontram pagas.
- O assistente D.... descreveu quais as lesões por si sofridas e quais os diversos tratamentos a que foi sujeito devido às mesmas, bem como as perdas que teve e respectivas despesas. Depoimento confirmado pelas testemunhas …. e …., amigos do assistente há vários anos, e que relataram quais as sequelas por este sofridas devido à explosão.
- A testemunha …… funcionário do HAL descreveu o modo de processamento das facturas, designadamente o que dá origem às mesmas, e esclareceu que as que estão em causa nos autos ainda não se encontram liquidadas.
- As testemunhas ….. e ….. depuseram acerca do carácter do arguido.
A testemunha …. , responsável da área de sinistros da companhia de seguros, explicou o teor do relatório pericial efectuado.
- Nos documentos de fls.35, 36, 63 a 76, 78 a 87, 97 e 98, 105 e 106, 110 a 116, 129, 146 a 152, 160, 219 a 262, 268 a 293, 299 a 309, 372 a 388 e 458 a 466.
No Certificado de Registo Criminal, junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais do arguido.
*
O tribunal considerou como não provados os factos supra referidos, ou por não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido, ou por não ter ficado devidamente convencido da sua verificação, ou porque os mesmos estão em contradição com os factos dados como provados.
Em relação ao facto 3.2.2. o Tribunal baseou-se na afirmação clara e peremptória do arguido que declarou expressamente que todos os foguetes por si lançados estavam em bom estado. Declaração que foi confirmada pelos assistentes …. e ….., bem como pela testemunha …. Assim, todos referiram que os foguetes lançados pelo arguido estavam em boas condições.
Motivo porque, e não obstante as pessoas ouvidas não terem conhecimentos técnicos rigorosos sobre o assunto, tendo baseado as suas afirmações na conjugação da experiência que têm acerca do lançamento de foguetes com o modo como viram o arguido lançar os mesmos, o Tribunal considerou não provado tal facto».
*
O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questões a apreciar:
A) Recurso da seguradora Companhia de Seguros Açoreana, SA:
Apreciar se está excluída a responsabilidade da seguradora por via das Condições Especiais da Apólice de Seguro (art. 2.º, n.º 1, al. a), c) e g)), por o arguido, responsável pelo lançamento de foguetes, não ter observado os deveres de cuidado, nomeadamente os que resultam dos art. 34.º, 35.º e 36.º, do DL n.º 376/84, de 30 de Novembro ou se aquelas cláusulas se devem considerar como não escritas, com a consequente redução do negócio jurídico, por desvirtuarem o objecto do contrato de seguro que a Comissão de Festas teve em vista celebrar.

B)Recurso subordinado do assistente …..:
Apreciar se face à matéria de facto dada como provada estão reunidos os pressupostos para julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível formulado por danos não patrimoniais e se o arguido/demandado A... e o demandado B...devem ser condenados solidariamente com a Companhia de Seguros Açoreana, SA, sendo esta até ao montante de 48.879,79 Euros.

A) Do recurso da seguradora Companhia de Seguros Açoreana, SA:
Importa agora, apreciar, face à questão em discussão e objecto deste recurso, se à luz do DL 446/85 de 25 de Outubro, diploma que regulamenta as cláusulas contratuais gerais aquelas clausulas especiais de exclusão da responsabilidade da seguradora são ou não nulas.
Este diploma no preâmbulo sintetiza as linhas orientadoras impondo limites ao conteúdo das cláusulas gerais contratuais, pondo em prática de há vários anos uma recomendação do Conselho da Europa feita aos Estados Membros importando destacar o seguinte:
“(…)
2. Dentro da visão clássica da doutrina contratual, os grandes obstáculos à sua efectivação residem na ausência concreta de discernimento ou de liberdade, a respeito da celebração, ou, ainda na presença de divergências entre a vontade real e a vontade declarada. Encaram-se tais aspectos com recurso aos institutos do erro, do dolo, da falta de consciência da declaração, da coacção, da incapacidade acidental, da simulação, da reserva mental ou da não seriedade da declaração.
Uma experiência jurídica antiga demonstrou que certas cláusulas, quando inseridas nos contratos, se tornavam nocivas ou injustas. Deste modo, apareceram proibições relativas, entre outros, aos negócios usurários, aos pactos leoninos, aos pactos comissórios e , em termos genéricos, aos actos contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes (…).
3. As sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram, contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais de liberdade contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não corresponde muitas vezes ou mesmo via de regra, ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístico, a contratação reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar em conta. O comércio jurídico massificou-se: continuamente as pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória.
A prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adscrições que lhes advêm do tráfico jurídico (…).
4. As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da liberdade contratual.
(…)
A realidade pode, todavia, ser diversa, a existência de monopólios, oligopólios, e outras formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes…”.
O DL 446/85, de 25 de Outubro introduziu no ordenamento jurídico português o regime de fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais.
Posteriormente este diploma legal foi alterado pelo DL 220/95, de 31 de Janeiro, seguindo orientações comunitárias, na sequência da Directiva 93/13/CEE, do Conselho da Europa, de 5 de Abril, que impôs a adaptação das leis nacionais aos seus princípios.
Porém, esta Directiva visa proteger os consumidores, abrangendo quer os contratos que incorporem cláusulas contratuais gerais quer os contratos dirigidos a pessoa ou consumidor determinado, mas em cujo conteúdo, previamente elaborado, aquele não pode influir.
Foi pois nesta conformidade que houve necessidade de adaptar novamente o direito interno à legislação comunitária, especificamente nesta matéria, através do DL 249/99, de 7 de Julho, que alterou os art. 1.º, 11.º e 23.º, do DL 446/85, de 25 de Outubro.
Assim, este diploma, por força do art. 1.º, n.º 1, com as sucessivas alterações atrás mencionadas, rege as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar visando proteger o destinatário ou aderente, pondo-o ao abrigo de cláusulas iníquas, por ele não negociadas.
Têm-se por cláusulas cláusulas contratuais gerais, as cláusulas elaboradas, sem prévia negociação individual, como elementos de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornarem-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projecto.
Assim, para além do elemento da generalidade, está presente o conceito da rigidez, que se caracteriza pela valoração de cláusulas sem prévia negociação individual, de modo a serem recebidas em bloco por quem as aceita. Deste modo, não há possibilidade de modelar o respectivo conteúdo e introduzir-lhe alterações.
Os contratos de seguro como o constante dos autos e em análise, enquanto contrato de adesão, as cláusulas insertas nas apólices são, normalmente, previamente elaboradas e são apresentadas, já impressas, aos interessados, sendo que a estes apenas é concedido aceitar, ou não, as cláusulas gerais insertas nas apólices em causa, estando-lhes vedado, através de negociações, alterá-las por qualquer forma.
Estes contratos são caracterizados pela generalidade e rigidez das cláusulas neles inseridas. Por isso, o regime jurídico estatuído pelo DL 446/85, de 25 de Outubro, com as sucessivas alterações corresponde a imperativos constitucionais e exigências de direito comunitário, tem como objectivo, o combate aos abusos do poder económico e a consequente defesa do consumidor, de modo a assegurar o equilíbrio contratual.
Baixando agora à questão concreta dos autos importa reter que a responsabilidade civil do demandado A..., isto é, a obrigação de indemnizar por perdas e danos é emergente da sua responsabilidade criminal, em consequência do mesmo ter sido condenado pela prática de um crime de explosão negligente, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1 al. b) e n.º 3 e um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, ambos do Código Penal.
O arguido foi condenado por não ter agido com o cuidado e diligência de que era capaz e por isso considerado responsável pela explosão dos foguetes que estavam preparados par serem por si lançados, a qual foi causa directa e necessária dos danos causados a terceiros.
Vejamos pois como decorre a responsabilidade da seguradora aqui recorrente, para ser demandada.
A Comissão de Festas de Nossa Senhora das Neves, de Benquerença, acordou com ........, o fornecimento de 70 dúzias de foguetes e o respectivo lançamento, no recinto de festas daquela localidade, entre os dias 1 e 7 de Agosto de 2000.
B...encarregou o arguido, A..., detentor de credencial de lançamento de fogos de artifício, de proceder ao lançamento desse fogo de artifício no dia 05/08/2000.
Nessa tarefa de lançamento de fogo de artifício era ajudado por João Almeida Carrola, D...., Luís Canilho e António Luís Beites Soares, que lhe passavam os foguetes.
A Comissão de Festas, através da Apólice nº 411091, junta aos autos a fls. 110, transferiu a sua responsabilidade para “O Trabalho - Companhia de Seguros SA”, a qual por escritura de 27/12/2002, veio a ser fundida por incorporação, na “Companhia de Seguros Açoreana, SA.
Através do contrato de seguro celebrado foi transferia a responsabilidade até ao limite de € 49.879,79, no período compreendido entre 30.07.2000 e 08.08.2000, referente aos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência do lançamento de fogo de artifício e foguetes na localidade de Benquerença, por ocasião das festividades da Nossa Senhora das Neves.
Importa ter em conta que o contrato de seguro é um contrato formal, exigindo-se, designadamente quanto aos requisitos pertinentes quanto ao caso em apreço, no art. 426.º, do Código Comercial o seguinte:
«O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro.
§ único - A apólice de seguro deve ser datada, assinada pelo segurador e enunciar:
(…)
3.º. O objecto do seguro e a sua natureza e valor.
4.º. Os riscos contra quem se faz o seguro».
Uma vez celebrado o contrato de seguro pelo tomador do seguro e pela seguradora, o mesmo regular-se-à pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência pelas disposições constantes do Código Comercial, conforme estipula o art. 427.º, deste diploma legal.
O contrato de seguro é o “contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto” - José Vasques, in Contrato de Seguro, Ed. 1999, pág. 94.
Na celebração do contrato de seguro, no que respeita à vontade das partes, domina o princípio da liberdade contratual decorrente do art. 406.º, n.º 1, do Cód. Civil, segundo o qual seguradora e tomador do seguro, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos ou incluir nele as cláusulas que lhes aprouver.
À luz da definição intrínseca de contrato de seguro, uma vez verificado o evento futuro e incerto decorrerá por consequência para a seguradora de forma reflexa a obrigação de indemnizar, se tal obrigação recair sobre o tomador do seguro, a não ser que conste da apólice cláusula convencional a excluir a responsabilidade civil ou que a mesma seja excluída por lei.
Ora, face à apólice de seguro constante de fls. 110, a Comissão de Festas de Nossa Senhora das Neves, de Benquerença, quis assegurar os riscos de danos causados a terceiros, decorrentes do lançamento de fogo de artifício durante as festas, no período compreendido entre 30/07/2000 e 8/8/200.
Quanto à definição da cobertura de risco pelo lançamento de fogo de artifício, consta das Condições Especiais - 153, da Apólice, no seu art. 1.º o seguinte:
«1. Nos termos das Condições Gerais e destas Condições Especiais, fica garantida a Responsabilidade Civil extracontratual, legalmente imputável ao Segurado, por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, em consequência do lançamento de fogo de artifício, durante o período e no local identificados nas Condições Particulares.
2. Para efeitos da cobertura conferida por esta apólice fica convencionado que a garantia abrange os danos causados a terceiros em virtude de incêndio originado pelos artífices pirotécnicos lançados, bem como os danos decorrentes da explosão dos mesmos».
Vejamos agora as três cláusulas especiais da apólice invocadas pela demandada seguradora e que, no seu entender excluem o risco e consequente responsabilidade de indemnizar terceiros e que constam do art. 2.º (fls. 146):
«1. Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, não ficam garantidos os danos:
a) Ocorridos quando não sejam cumpridas as condições legais que regulam o lançamento de fogo de artifício, nomeadamente quando o fogo de artifício seja lançado por pessoa que não se encontre legalmente habilitada para o efeito.
(…)
c) Causados pela explosão, seguida ou não de incêndio, das peças de artifício pirotécnicas que se encontrem armazenadas e/ou acondicionadas em espaços abertos ou fechados.
(…)
g) Sofridos por quaisquer pessoas que tenham intervenção na acomodação e lançamento do fogo de artifício».
Face ao princípio da liberdade contratual, os contraentes celebram os contratos que bem entenderem e poderão incluir neles as cláusulas que lhe aprouver.
Porém, atenta a natureza do contrato de seguro, conforme atrás caracterizámos, estando perante cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade da seguradora, cláusulas essas não foram objecto de negociação prévia entre as partes, importa averiguar se as mesmas são válidas ou não face ao regime jurídico vigente na comunidade europeia e no nosso ordenamento jurídico interno.
Ora, nos termos do art. 18.º, al. a) e b), do DL 446/85 de 25 de Outubro são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas e a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL 446/85 de 25 de Outubro, por força do n.º 2, do art. 1.º, na redacção introduzida pelo DL 249/99, de 7 de Julho, passou aplicar-se também “às cláusulas inseridas em contratos individualizados mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
A legalidade das cláusulas contratuais gerais, no ordenamento jurídico português, é aferida segundo o princípio da boa fé e do equilíbrio contratual de interesses em jogo.
No caso dos autos tal equilíbrio será posto em causa se a seguradora pretender realizar os seus objectivos e interesses, sem ter minimamente em conta os interesses os legítimos interesses do tomador do seguro.
Em princípio é admissível a limitação do risco assumido, dentro do princípio da liberdade contratual, sendo que, numa perspectiva de equilíbrio de interesses, por que se deve pautar o contrato a celebrar, como aliás sustenta a recorrente na sua motivação, quanto maior for o risco maior será o prémio de seguro a pagar.
A validade de tais cláusulas de exclusão ou limitadoras do risco não pode ser posta em causa sem mais, pois são cláusulas destinadas a definir o objecto do contrato, que precisam o seu conteúdo e extensão, ainda ao abrigo da liberdade contratual consagrada no art. 405.º, do Cód. Civil.
Contudo importa distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas outras que delimitam o objecto do contrato.
Nas Condições Gerais e Especiais de apó1ices de seguro não se exclui a responsabilidade da seguradora, mas delimita-se o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro.
Neste sentido escreveu Pinto Monteiro, in Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, p. 119, onde se lê:
«Será o caso, ainda, em contratos de seguros de assunção de certos riscos, com a exclusão de outros, por parte da Companhia Seguradora, cuja validade constitui orientação corrente da jurisprudência nacional, ainda que impropriamente designada por “cláusulas de exclusão da responsabilidade da seguradora”».
Ainda que se possa vir a admitir a exclusão de alguns riscos, lícita por assentar na liberdade contratual e desde que não contrarie o regime das cláusulas contratuais gerais, constante do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações dos DL 220/95, de 31 de Janeiro e 249/99, de 7 de Julho, em situações limite pode corresponder a uma solução inadmissível por desvirtuar o objecto do contrato que as partes tiveram em vista celebrar.
E haverá desvirtuamento do contrato de seguro relativamente ao tomador do seguro sempre que este adira a um contrato que não corresponda ao contrato que pretendeu celebrar.
Ora, a Comissão de Festas de Benquerença ao celebrar o contrato de seguro, pretendeu, como consta da matéria de facto dada como provada, transferir a sua responsabilidade até ao limite de € 49.879,79, no período compreendido entre 30.07.2000 e 08.08.2000, referente aos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em consequência do lançamento de fogo de artifício e foguetes na localidade de Benquerença, por ocasião das festividades da Nossa Senhora das Neves.
Por certo que não celebrariam o contrato de seguro se estivessem cientes de que o mesmo não abrangia os danos causados em consequência de acto negligente no lançamento do fogo de artifício.
O DL 176/95, de 26 de Julho, alterado pelo DL 60/2004, de 22 de Março, estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
Assim, no seu art. 9.º estipula-se o seguinte:
“As condições especiais ou particulares dos contratos não podem modificar a natureza dos riscos cobertos nos termos das cláusulas gerais e ou especiais a que se aplicam, tendo em conta a classificação de riscos por ramos de seguros e operações legalmente estabelecida”.
No mesmo sentido de restringir a liberdade contratual das seguradoras de modo a impedi-las de imporem as cláusulas que lhes aprouverem e proteger o tomador do seguro enquanto consumidor, impõe o art. 18.º, al. a) e b), do DL 220/95, de 31 de Janeiro, que são proibidas cláusulas contratuais gerais que excluam de modo directo ou indirecto a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas, bem como a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
O art. 10.º, deste mesmo diploma legal vem esclarecer que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas de harmonia com as regras de interpretação dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem.
Depois no art. 11.º, n.º 2, estipula-se que em caso de dúvida na interpretação de uma cláusula, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé (art. 15.º), sancionando-se as cláusulas contratuais gerais proibidas com a nulidade (art. 12.º).
De acordo com o disposto nos art. 13.º e 14.º, não tendo a Comissão de Festas que subscreveu cláusulas contratuais gerais optado pela manutenção do contrato singular, por alguma das cláusulas serem nulas, vigorará o regime da redução do negócio jurídico.
Por força do art. 24.º, as nulidades deste diploma a que nos vimos referindo (DL 220/95, de 31 de Janeiro) são invocáveis nos termos gerais.
Nos termos do art. 286.º, do Cód. Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Concluímos assim que bem andou o tribunal a quo ao considerar nulas as cláusulas do artigo 2.º (exclusões) das Condições Especiais – 153 da Apólice de seguro, constantes de fls. 146 dos autos e invocadas pela recorrente para declinar a sua responsabilidade emergente do contrato de seguro.
Ora, de acordo com o disposto no art. 292.º, do Cód. Civil a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
Não é manifestamente o caso, pois a Comissão de Festas, pelo contrário não teria celebrado o contrato de seguro se estivesse ciente da implicação daquelas cláusulas limitativas, pois os riscos próprios daquela modalidade de seguro não se encontravam cobertos no contrato em causa, o que desvirtuava o seu objecto.
Esta a interpretação que deve ser dada segundo as regras da experiência comum, pois, nos termos do art. 236.º, n.º 1, do Cód. Civil a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Qualquer Comissão de Festas medianamente instruída, tem a noção do perigo que envolve o lançamento de foguetes, bem como o risco da provocação de danos que lhe é inerente, mesmo na hipótese de cumprir com todas as obrigações legais, a provocação de danos a terceiros sem que estes tenham contribuído para tal.
Concluímos deste modo pela total improcedência do recurso interposto pela Companhia de Seguros Açoreana, SA.
*
B)Recurso subordinado do assistente ……:
O assistente ….. deduziu pedido de indemnização cível contra A..., B...e o “Trabalho” - Companhia de Seguros SA, a qual por escritura de 27.12.2002 foi incorporada naCompanhia de Seguros Açoreana, S.A.”, pedindo a condenação solidária dos mesmos no pagamento de 74.804,52 Euros acrescido das despesas médico-medicamentosas ou outras que venha a sofrer em virtude do acidente, a liquidar em execução de sentença, caso o não seja por acordo entre o ofendido e os demandados.
Tendo em conta o objecto do recurso do assistente C...importa considerar que o tribunal a quo quanto aos pedidos cíveis em causa decidiu:
1) Condenar a Companhia de Seguros Açoreana SA no pagamento, a João Carrola, no montante de 33.094,94 euros (trinta e três mil e noventa e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, mais juros de mora legais contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante montante peticionado.
2) Absolver o arguido/demandado A... e o demandado B...do pedido de indemnização cível contra si deduzido pelo demandante João Carrola.
O recorrente limita-se as discutir na motivação de recurso subordinado o montante dos danos não patrimoniais já especificados na sentença.
A título de danos patrimoniais atribui a quantia de 8.094,94 Euros (1.608,63 Euros com despesas de tratamentos, 75,00 Euros por danos causados em roupa e 6.411,31 Euros por danos emergentes).
Os danos não patrimoniais foram fixados em 25.000,00 Euros.
Os factos dados como provados com relevância para a determinação dos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente C...são os seguintes:
«(…)
3.1.8. Em consequência da explosão dos foguetes, sofreram:
- João Almeida Carrola ferida perfurante no braço esquerdo com corpo estranho de grandes dimensões (canudo de foguete), assim como múltiplas feridas superficiais do antebraço, tórax e coxa direita, dai resultando cicatriz queloide com cerca de 11 por 8 cm, na face interna do terço superior do membro superior direito e na face externa do mesmo membro e junto ao cotovelo uma cicatriz com cerca de 8 por 8 cm; com ligeira diminuição de certos movimentos do membro superior direito;
(…)
3.1.11. Em virtude de tais lesões o queixoso C...foi logo no dia 05.08.2000 transportado de ambulância para o Centro de Saúde de Penamacor, a fim de lhe serem prestados os primeiros socorros.
3.1.12. Daí foi encaminhado para o Hospital Distrital de Castelo Branco onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para exploração e plastia da ferida perfurante, desbridamento dos tecidos necrosados, verificação da viabilidade do feixe AVN e sutura das demais feridas.
3.1.13. Onde ficou internado no Serviço de Cirurgia até ao dia 4 de Setembro de 2000.
3.1.14. Em 04.09.2000 foi transferido para o Serviço de Cirurgia Plástica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde, em 05.09.2000, foi submetido a nova intervenção cirúrgica.
3.1.15. E de onde teve alta em 18.09.2000, tendo sido orientado para a Consulta Externa de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva e para a Consulta de Micro cirurgia, mantendo-se em fisioterapia.
3.1.16. Desde esse dia (18/09/00) até 01.04.2001, data em que teve alta definitiva, foi clinicamente acompanhado em regime ambulatório, para tratamento e reabilitação, no Hospital Distrital de Castelo Branco.
3.1.17. Assim, recebeu tratamento ambulatório no Serviço de Consultas Externas nos dias 21 de Setembro, 11 de Outubro, 10 de Novembro, 11 de Dezembro de 2000, e 4 de Janeiro de 2001.
3.1.18. Efectuou também tratamentos no Serviço de Medicina Física e Reabilitação de 21 de Setembro a 31 de Outubro, de 2 a 3 de Novembro, de 4 a 29 de Dezembro de 2000, de 3 a 7 de Fevereiro de 2001.
3.1.19. Em 16 de Dezembro de 2000 efectuou um TAC.
3.1.20. Em virtude das descritas lesões o queixoso C...ficou com uma diminuição da capacidade de movimentação do membro superior direito devida à lesão do nervo cubital direito e do nervo radial sensitivo direito, e bem assim, à ruptura do músculo supra – espinhoso da coifa.
3.1.21. As lesões referidas em 3.1.7. determinaram para o queixoso C...um estado de incapacidade temporária geral total durante um período de 60 dias.
3.1.22. Um estado de incapacidade temporária geral parcial durante um período de 197 dias.
3.1.23. E um estado de incapacidade temporária profissional total por um período de 257 dias.
3.1.24. E um grau de Incapacidade Permanente Geral fixável em 20% a partir da data da consolidação e um “quantum doloris” fixável no grau 5/7 e um dano estético fixável em 5/7.
3.1.25. Em virtude das lesões sofridas, bem como das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos a que teve que ser submetido sofreu, e sofre, dores intensas.
3.1.26. Causando-lhe transtornos e incómodos, e limitações na sua vida diária.”
Conforme dispõe o art. 483, n.º 1, do Cód. Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Nos termos do art. 70.º, n.º 1, do Cód. Civil, a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-à em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.
Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se quadunam com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.
No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.
O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que o gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras juiz deva referir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.
O montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Na fixação dos danos não patrimoniais o tribunal a quo ponderou e atendeu ao seguinte:
- Ao quantum doloris, em que se traduziram as dores, físicas e psíquicas, sofridas pelo assistente desde que as lesões se produziram até à sua cura ou durante a consolidação médico-legal, fixável no grau 5/7.
- Ao dano estético fixável no grau 5/7, por virtude de sequelas físicas capazes de alterarem a imagem que o próprio faz de si e o modo como se relaciona com os demais.
- Ao dano de afirmação pessoal, traduzido na lesão do conjunto de capacidades sociais, relacionais, que se expressam ou consubstanciam na capacidade da pessoa desenvolver, transformando em acto, uma vida onde pontifiquem momentos mais ou menos intensos de satisfação estética, física e familiar.
Depois teve ainda em conta para a graduação dos danos os diferentes estados de incapacidade acima mencionados, que para além de se traduzirem em dano patrimonial também assumem importância como dano não patrimonial, pois traduz-se por vezes num profundo desgosto o simples facto de se poder divertir, trabalhar ou viver a vida com qualidade e a que tinha direito.
Ponderadas estas circunstâncias cremos que o tribunal a quo se pautou por um prudente e equilibrado arbítrio, tendo-se por justa e adequada a indemnização atribuída, a título de danos não patrimoniais no montante de 25.000,00 (vinte e cinco mil)Euros.
A demanda seguradora foi condenada a pagar ao assistente C...a quantia de 33.094,94 Euros e 14.438,48 Euros ao Hospital Amato Lusitano, perfazendo a quantia global de 47.533,42 Euros.
Encontrando-se a responsabilidade civil da Comissão de Festas da Benquerença transferida para a demandada seguradora até ao montante de 49.879,79 Euros e mantendo-se o pedido em que esta foi condenada dentro dos limites do contrato de seguro, não se justifica tão pouco a discussão da condenação solidária do arguido/demandado A... e do demandado B...com a Companhia de Seguros Açoreana, SA.
Diremos mais ainda que nunca poderiam ser condenados, independentemente do funcionamento ou não da solidariedade, uma vez que relativamente a eles não ficaram provados factos suficientes para estabelecer nexo causal entre um comportamento ilícito civil dos demandados e os danos sofridos pelo assistente.
Improcederá pois naturalmente o recurso subordinado do assistente C….
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento aos recursos interpostos pela demandada Companhia de Seguros Açoreana SA e o assistente C…., e, consequentemente se confirma integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, cuja taxa de justiça se fixa em 7 UCs para a seguradora e 5 UCs para o assistente.