Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
321/20.6T8MBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
INSOLVÊNCIA DE UM DOS DEMANDADOS
INUTILIDADE SUPERVIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 85º E 88º DO CIRE; 512º E 518º C. CIVIL.
Sumário: Sendo demandados vários RR., com fundamento na existência de obrigação solidária, a insolvência de um dos RR. impossibilita a instância quanto a este R. (cfr. artºs 85º e 88º do CIRE e segundo AUJ 1/2014 e), mas não inutiliza a lide quanto aos demais RR., conforme resulta expressamente dos artºs 512º e 518º do C.C.
Decisão Texto Integral:


SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR (ARTº 667º, Nº 3 DO C.P.C.)

Sendo demandados vários RR., com fundamento na existência de obrigação solidária, a insolvência de um dos RR. impossibilita a instância quanto a este R. (cfr. artºs 85º e 88º do CIRE e segundo AUJ 1/2014 e), mas não inutiliza a lide quanto aos demais RR., conforme resulta expressamente dos artºs 512º e 518º do C.C.

  

Proc. Nº 321/20.6T8MBR.C1-Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu-Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira-J2

Recorrente: R..., LDA.

Recorrido: P...

Juiza Desembargadora Relatora: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira

                                                 Teresa Albuquerque

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação De COIMBRA:


RELATÓRIO

R..., LDA., intentou ação de processo comum contra J.., LDA. e P..., peticionando:

a) a condenação da 1ª R. no pagamento da quantia de €5.375,75, acrescido do valor de €7.000,00 a título de cláusula penal,  e dos correspondentes juros de mora à taxa comercial, contados desde o incumprimento, ocorrido no dia 05 de maio de 2020, até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento dos honorários estipulados para o triénio 2020-2023, no valor de €8.191,80 (€6.660,00 + €1.531,80 de IVA) e ainda nos juros de mora à taxa comercial, contados a partir da data da citação e até efetivo e integral pagamento;

b) a condenação do 2º R., solidariamente, ao pagamento da quantia de €3.653,10 e respetivos juros de mora, contabilizados desde 31-12-2019 e até efetivo e integral pagamento e que nesta data se contabilizam no valor de €164,94 e bem assim relativamente à quantia de €8.191,80, e dos juros que venham a ser devidos e contabilizados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Para fundamentar o seu pedido alega ter celebrado com a 1ª R., em 01 de outubro de 2015, um contrato de prestação de serviços de contabilidade e assessoria fiscal, tendo ficado convencionado que seria válido por três anos, findo os quais se renovaria por igual período de tempo e que, tendo a 1ª R. posto termo a este contrato por missiva de 13/12/19, não procedeu ao pagamento dos serviços que lhe foram prestados.

 Mais alega que em 08/04/20, com efeitos a 01/01/20, celebrou novo contrato com a R., contendo cláusulas em tudo semelhantes às anteriores e que, nessa data, o sócio gerente da 1ª R. subscreveu uma confissão de divida e promessa de cumprimento da dívida que a 1ª R. detinha para com a A., pelo que também por essa via está a 1ª R. obrigada ao pagamento da dívida.

Quanto ao 2º R. alega que ao pretender entregar as declarações fiscais da 1ª R. constatou que este 2º R., contabilista certificado, já o havia feito, sem cuidar do cumprimento dos deveres plasmados no artº 74.º/2 do Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro, o que constitui uma infração disciplinar que o constitui na obrigação solidária de pagamento das quantias devidas à A. pela 1º R., de acordo com o artº 74º, nºs 2 e 3 do referido diploma legal.


*

Citados os RR., apenas o 2º R. deduziu contestação, impugnando os factos alegados pela A. e ainda que lhe foi exibido o documento de confissão de dívida e promessa de cumprimento, tendo-lhe sido comunicado que a prestação de serviços com a A. já cessara, desconhecendo outros serviços prestados e impugnando a realização dos mesmos.     

Por sentença proferida em 18/12/2020, no âmbito do processo de insolvência nº. ... foi a 1ª Ré ali declarada insolvente.

Após, pelo tribunal recorrido foi proferida decisão que julgou extinta a instância relativamente à 1ª R. por inutilidade superveniente da lide, em razão da insolvência e quanto ao primeiro R. por considerar que sendo “peticionada a sua condenação solidária no pedido. Ora, tendo sido julgada a extinção da instância quanto à 1ª Ré, torna-se, igualmente, inútil a instancia contra o 2º Réu.

Não se conformando com esta decisão, na parte em que absolveu o 2º R. da instância, por inutilidade da lide, dela apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

...21º. Em suma, devem os presentes autos prosseguir, pelo menos, quanto ao Segundo Réu / Recorrido e, bem assim, ser a ação julgada procedente, por provada, nos exatos termos peticionados na petição inicial apresentada pela Autora / Recorrente.

Não foram interpostas contra-alegações pelo 2º R. ora recorrido.


QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, a única questão a decidir consiste em determinar

Se, demandados dois RR. com fundamento em obrigação solidária, a inutilidade superveniente da lide resultante da declaração de insolvência de um dos RR., determina a inutilidade da lide quanto ao co-R.

Dispensados os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores- adjuntos, nos termos previstos no artº 657º, nº 4 do C.P.C., cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido não fez consignar qualquer factualidade relevante para decisão da causa.
Tendo em conta que o cerne da questão se reporta apenas a saber se, extinta a instância quanto a um dos devedores, quando alegada a existência de obrigação solidária, se extingue igualmente a instância quanto ao outro devedor, a factualidade relevante para decisão desta concreta questão, porque não depende do apuramento de factos, mas resolve-se em face da alegação das partes, resulta do relatório elaborado.

 
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Invoca a R. recorrente que:

-o 2º R., enquanto contabilista certificado, assumiu por via da responsabilidade solidária decorrente do disposto no números 2 e 3 do artigo 74.º do Decreto-Lei 452/99, de 05 de novembro., a obrigação de pagamento dos valores em dívida;

-resulta expressamente do disposto nos artigos 520.º e 526.º do Código Civil que, quando um dos devedores se encontrar insolvente, a responsabilidade que caberia a esse devedor, deve ser repartida pelos demais devedores.

A decisão recorrida, após ter declarado e bem, quanto à R. insolvente, a inutilidade superveniente da lide, absolveu igualmente o 2º R. por considerar ipsis verbis que “Quanto ao 2º Réu é peticionada a sua condenação solidária no pedido. Ora, tendo sido julgada a extinção da instancia quanto à 1ª Ré, torna-se, igualmente, inútil a instância contra o 2º Réu.

Assim, declaro, também, a extinção da presente instância relativamente ao Réu P..., absolvendo-se o mesmo da instância.”

Não resulta desta decisão nem o normativo legal, nem os fundamentos fáctico-jurídicos em que se fundou a Srª Juíza de primeira instância para dele extrair a conclusão de que “se torna igualmente inútil a instância quanto ao 2º Réu.
Ora, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, conforme o exige o disposto no artº 607º nºs 3 e 4, aplicável ex-vi do disposto no artº 295º do C.P.C., de forma a que a decisão que profere seja absolutamente perceptível para os seus destinatários, não só quanto à conclusão a que juiz chegou, mas igualmente quanto ao iter logico seguido. Este dever de fundamentação não se compadece nem se satisfaz com meras afirmações, não consubstanciado em quaisquer fundamentos jurídicos, muito menos com a decisão, desacompanhada destes fundamentos.

Este dever de fundamentação por parte do juiz constitui não só um imperativo processual, cujo não cumprimento determina a nulidade das decisões ou despachos proferidos (por via do disposto no artº 615º, nº 1, b) do C.P.C.), como um imperativo constitucional imposto pela necessidade de assegurar um processo equitativo e justo (cfr. artº 20º, nºs 1 e 4 da nossa Constituição).

Com efeito, se a todos é assegurado o direito à acção, este direito tem em si implícito a exigênciade um processo “encarado num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais”[3], nele se incluindo o direito à igualdade processual, ao contraditório que conforme tem sido definido pela jurisprudência do TEDH e do TJUE se traduz na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas[4], bem como o direito à fundamentação das decisões e o direito de obter uma decisão em prazo razoável, tal como expressamente referido no artº 6º, nº1 da CEDH[5] e 47º, §2 da CDFUE.

É este direito de acesso aos tribunais, conforme referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[6] um “elemento integrante do princípio material da igualdade (…) e do próprio princípio democrático (…). O direito de acesso aos tribunais (nº1) inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, (….) com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (…).”

O poder jurisdicional não é um poder discricionário, funda-se na lei e na sua estrita observância, pelo que a não fundamentação das decisões judiciais constitui não só uma nulidade processual, como constitui uma violação de um direito constitucional de todos os indivíduos que submetem as suas pretensões a juízo.

Por outro lado, como nos ensina o insigne processualista Prof. Teixeira de Sousa[7], este dever de fundamentação “restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.

A sentença proferida no que ao 2º R. respeita enferma de absoluta falta de fundamentação e não apenas fundamentação deficiente ou medíocre e, só a total ausência de fundamentação possibilitou que o tribunal a quo proferisse decisão, sem qualquer respaldo na lei e contrária aos dispositivos legais que regem as obrigações solidárias e os fundamentos de inutilidade da lide.

Não foi, no entanto, invocada a nulidade decorrente da falta de fundamentação, pelo A. recorrente nos termos do disposto no artº 615º, nº 4 do C.P.C., sendo certo que nos termos do disposto no artº 665º do C.P.C., mesmo a ter sido arguida não obstaria ao conhecimento do objeto da apelação.

Assim, devidamente delimitado e enquadrado o objeto deste recurso, cumpre-nos decidir
Se, em caso de obrigação solidária, a inutilidade superveniente da lide resultante da declaração de insolvência de um dos RR., determina a inutilidade da lide quanto ao co- R.
A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide verifica-se, conforme nos ensina Lebre de Freitas[8], quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pedida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixou de interessar –além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.”

Assim a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causa de extinção da instância, terá sempre de resultar de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada, conforme constitui o caso da insolvência da parte R., conforme o considerou o tribunal a quo (Ac. do STJ nº 1/14, Diário da República n.º 39/2014, Série I de 2014-02-25).

Mas se assim é em relação a acções propostas pelo credor contra o devedor declarado insolvente, em que a instância se inutiliza pela impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, não se vê de qualquer normativo legal que essa impossibilidade de alcançar o seu resultado útil normal se estenda aos co-obrigados, como solução contrária decorre expressamente do disposto nos artºs 512 e 519 do CC.

Denote-se que a A. demandou ambos os RR. invocando a responsabilidade solidária destes pelo pagamento das quantias em dívida, a 1ª R. com fundamento no contrato de prestação de serviços de contabilidade e assessoria fiscal, o 2º R. com base no disposto nos artºs 74º e 78º do D.L. Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro.

Não está em causa, nem a efetiva prestação de serviços, nem a veracidade dos factos imputados ao 2º R., muito menos se a A. cumpriu, ou incumpriu as concretas obrigações que para si decorriam do facto de ser o contabilista certificado e inscrito da 1ª R.

A eventual inutilidade da lide , independente da veracidade destes factos e da sua eventual consequência jurídica, antes decorre de um evento externo, acidental que a inutiliza.

Ora, a insolvência da 1ª R. se impossibilita a lide em relação a esta R., não estende os seus efeitos aos demais RR. na causa, seja a obrigação solidária ou não.

Sendo invocada a existência de uma obrigação solidária, constitui o cerne desta obrigação que cada um dos devedores responda pela prestação integral e que cada um dos lesados/credores possa exigir a prestação integral a todos ou a qualquer um dos devedores solidários, sem que o demandado possa recusar aos credores o pagamento integral da quantia devida, não se podendo escusar com a não comparticipação dos demais (artsº 512º e 518º do C.C.)

Decorre igualmente do disposto no nº 2 do artº 512º que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles.

Ou seja, poderia a A. demandar apenas a 1ª R. ou demandar apenas o 2º R., ainda que por títulos diversos, sendo certo no entanto que, demandado apenas um dos devedores solidários, ficaria inibido de proceder contra os demais, pelo que ao primeiro tivesse exigido, excepto se houver razão atendível como a insolvência ou o risco de insolvência do demandado (cfr. artº 519º, nº 1 do C.C.)

Assim sendo, em caso de obrigação solidária, a insolvência de um dos obrigados não impede o credor de demandar os demais pela totalidade da obrigação, nem determina a impossibilidade da lide em ação já proposta contra o insolvente e demais obrigados, não por via da aplicação do disposto no artº 526º do C.C. (que se aplica ao direito de regresso), mas por via do próprio regime da solidariedade.

Este regime implica, precisamente, a possibilidade de um dos devedores solidários responder perante o credor pela totalidade da dívida, sem prejuízo do direito de regresso entre devedores. Daí também a possibilidade dada ao credor de optar por executar todos, parte ou apenas um dos devedores solidários, sem que as vicissitudes sofridas por este devedor, importem a extinção da obrigação, ou impossibilitem a lide já proposta.

Não resulta tal desiderato nem dos artºs 88º e 90º do CIRE, nem dos preceitos que se reportam à possibilidade de concurso do credor, no caso de insolvência de diversos devedores solidários, pela totalidade do seu crédito a cada uma das diferentes massas insolventes, acautelando apenas que o somatório das quantias que receber de todas elas não possa exceder o montante do crédito (cfr. artº 79º, nº 1 do CIRE) Razão aliás para o disposto no artº 179º, nº1 do mesmo diploma legal, ao estipular que “Quando, além do insolvente, outro devedor solidário com ele se encontre na mesma situação, o credor não recebe qualquer quantia sem que apresente certidão comprovativa dos montantes recebidos nos processos de insolvência dos restantes devedores;”

Se assim é no processo de insolvência e quando concorram diversos devedores solidários insolventes, quando a ação declarativa tenha sido intentada contra outros devedores, a insolvência de um destes devedores não produz efeitos quanto ao devedor remanescente, caso em que apenas contra ele prosseguirá, uma vez que, nesse caso, cfr. se refere no Ac. da Relação do Porto de 29/02/2016 (proc. nº 204654/09.1YIPRT-A.P1) citado pelo recorrente, “o credor não fica impedido de exigir o pagamento do seu crédito, pela totalidade, dos demais coobrigados ou garantes, devedores solidários, impondo-se apenas que dê conhecimento no processo de insolvência das quantias recebidas.” Obviamente que sendo a obrigação solidária está vedado ao credor receber em duplicado na ação e na insolvência (tendo em conta que o pagamento extingue o direito, cfr. artº 523º do C.P.C.), decorrendo dos princípios da boa fé e do dever de colaboração com os tribunais (constantes estes do artº 7º e 8º do C.P.C.), que o credor que tenha ação proposta também contra R. co-obrigado, dê conhecimento ou na ação ou no processo de insolvência, do que já haja recebido.

Que esta obrigação a existir, é solidária, decorre do disposto no artº 74º, nº 3 do Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro.

No entanto, a solução não seria diferente se esta obrigação não fosse solidária, uma vez que a inutilidade da lide decorrente da insolvência de um os RR. nenhum efeito teria em relação aos demais.

  Assim sendo, demandados vários RR., a insolvência de um dos RR. não tem qualquer influência em relação aos demais RR., pelo que não impossibilita nem inutiliza a lide em relação a estes.

É assim manifesta a procedência da apelação.


DECISÃO
Pelo exposto, julgam os juízes desta relação a apelação procedente e revogam a decisão recorrida na parte em que absolveu o 2º R. da instância, determinando o prosseguimento da ação em relação a este R.
Custas pelo apelado, por ter ficado vencido no recurso (artº 527º, nº2 do C.P.C.).
                                               Coimbra 12/10/21




[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

[3] SANTOS, Maria Amália, “O direito constitucionalmente garantido dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva” Revista Julgar Online, Novembro de 2019, pág. 3, disponível no sítio http://julgar.pt.

[4] Cfr. Acórdãos do TEDH, Ruiz-Mateos contra Espanha, n.º 12952/87, de 23 de junho de 1993, n.º 63; no âmbito penal ver acórdãos do TEDH, Brandstetter contra Áustria, n.os 11170/84, 12876/87 e 13468/87, de 28 de agosto de 1991, nºs. 66-67, ermeulen contra Bélgica, n.º 19075/91, de 20 de fevereiro de 1996, n.º 33. 117 TEDH, Krčmář e Outros contra República Checa, n.º 35376/97, de 3 de março de 2000, n.º 42 e acórdão do TJUE, C-300/11, ZZ contra Secretary of State for the Home Department, de 4 de junho de 2013, n.º 55.
[5] No entanto, o direito ao acesso aos tribunais nos termos do artigo 6.º da CEDH está limitado a litígios relacionados com acusações penais contra o requerente ou direitos e obrigações do foro civil, não englobando nem direitos sociais, nem os direitos políticos com acolhimento na CDFUE, estando estes abrangidos pelo artº 47 da CDFUE,. cfr. veio a ser considerando pelo TJUE, no seu acórdão C-619/10, Trade Agency Ltd contra Seramico Investments Ltd, de 6 de setembro de 2012, cons. n.º 52.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, págs. 162/163.
[7] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221.
[8] LEBRE DE FREITAS, José, ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 2018, pág. 561.