Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
270/08.6TBGRD
Nº Convencional: JTRC
Relator: GRAÇA SANTOS SILVA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PACTO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 01/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5º, 6º E 8º, ALÍNEAS A) E B) DO DECRETO-LEI N.° 446/88, DE 25. 10; ARTIGO 416º/1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. As cláusulas contratuais gerais caracterizam-se pela pré-elaboração, rigidez e possibilidade de utilização por pessoas indeterminadas, ainda que possam constar de contratos individualizados,

2. A aceitação de um orçamento, individualizado, elaborado tendo em vista uma determinada situação, inviabiliza a aplicação do regime das clásulas contratuais gerais.

3. A violação de um pacto de preferência apenas dá lugar ao direito de indemnização dos danos emergentes da perda do lucro, que a celebração do contrato definitivo determinaria no contraente preterido.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I- Relatório:
A....instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B...., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 7.865,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde Julho de 2006.
Fundamentou o pedido em ter celebrado, com a Ré, um contrato para produção do 2º Festival da Serra da Estrela, tendo-lhe entregue, a título de caução, e até que esta recebesse o subsídio do IPJ a que tinha direito, a quantia de € 25.000,00. Mais tarde o IPJ pagou directamente à Ré a totalidade do valor caucionado, sendo que a Ré, depois de interpelada, apenas devolveu o montante de € 16.000,00. A A. devia à Ré € 1.000,00 pela produção do festival referente ao ano anterior, mas quando novamente a instou para lhe devolver a quantia de € 8.000,00, ela apenas lhe pagou € 135,00. Mais invocou a natureza abusiva e nula da cláusula aposta no final do contrato, de onde a Ré retira que tinha direito de opção para o evento a realizar no ano de 2007, porquanto foi escrita depois do local das assinaturas e não existiu qualquer acordo entre as partes, nesse sentido.
A Ré pugnou pela improcedência da acção. Para tanto, admitindo a produção do evento e o recebimento da importância entregue pela A. a título de caução, invocou que não tem que restituir a importância peticionada, porquanto a mesma se traduz na indemnização devida pela violação do pacto de preferência celebrado em 2006 para o evento a realizar no ano de 2007, correspondente ao valor proposto nos orçamentos de 2007, a título de produção executiva, não lhe tendo a A. comunicado as condições da realização do evento nesse último ano, para que pudesse exercer o seu direito de preferência. Alegou, ainda, que a cláusula inserida no contrato, por baixo das assinaturas, foi uma cláusula negociada, relativamente à qual a A. não colocou qualquer reserva.
A A., replicou, mantendo o alegado na petição inicial.
Realizado julgamento, foi proferida sentença, por força da qual foi a Ré condenada a restituir à A. a quantia de € 7.865,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 28/3/2007, absolvida no demais peticionado.
Inconformada, a Ré recorreu, pedindo a total improcedência da acção, mediante a apresentação das seguintes conclusões das alegações de recurso:
“I- A questão de Direito essencial para a boa decisão da presente causa consiste em aferir da validade da cláusula a que alude a alínea d) dos factos provados;
II – A Recorrente não se conforma com a aplicabilidade ao caso concreto dos artigos 5º, 6º e 8º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.° 446/88, de 25. 10, em razão da Recorrida ser uma pessoa colectiva, e, quanto a estas, apenas são aplicáveis os artigos constantes nas secções I e II do capítulo V desse diploma legal.
III – Sem prescindir, as cláusulas contratuais gerais caracterizam-se, segundo o n.° 1 do artigo 1.° do citado Decreto-Lei, pela pré-elaboração, rigidez e possibilidade de utilização por pessoas indeterminadas, ainda que elas possam constar de contratos individualizados, desde que se verifiquem os demais requisitos.
IV - Sendo certo que, em qualquer caso, que no melhor entendimento, este último requisito deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger apenas os contratos pré-formulados celebrados entre profissionais e consumidores – o que não se verifica relativamente às partes nestes autos -.
V - A pré-celebração não se deve confundir com a pré-existência de formulários contendo cláusulas contratuais, apesar de muitas vezes caminharem juntas, residindo a sua distinção na diferença entre vontade contratual e a redacção emergente dela.
VI – No caso vertente as partes negociaram o contrato, por via da aceitação do orçamento, o qual é individualizado, porquanto, tem em conta a especificidade do evento a produzir, in casu, o festival da serra da estrela.
VII – Falece por aqui logo o primeiro dos requisitos: as partes não se limitam a subscrever ou aceitar o que vier a ser clausulado, e, assim, fica afastado também o requisito da rigidez. Elas tiveram nas suas mãos os termos contratuais, tendo ido a possibilidade de modelarem o conteúdo do contrato, nomeadamente no que respeita ao preço, ao tipo de equipamentos, etc..
VIII - Aliás, não poderá perde-se de vista o que veio a suceder no ano seguinte, em que a Recorrida, na posse de um orçamento, solicitou ao Recorrente um segundo, e um terceiro, a uma outra entidade.
IX - Do mesmo modo, não se pode falar aqui de indeterminabilidade, visto que, não obstante as cláusulas impressas, existiu toda uma individualização traduzida pela individualidade dos outorgantes, do objecto, do preço, dos equipamentos, etc..., não sendo de acolher a ideia de que a Recorrida se limitou a subscrever e aceitar o contrato dos autos.
X – Acresce que, a preferência é um instituto conhecido, vulgar, não se indo para ela para com uma mera subscrição ou aceitação, sabendo-se o que tal traduz, que encerra em si uma emanação duma normalidade de vontade para quem quer dar preferência à contraparte, pelo que que não pode falar-se, também, quanto a este ponto, de mera subscrição ou aceitação.
XI - Cremos, então, que "da experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento normal das coisas, da normalidade dos factos" (Prof. M. de Andrade, NEPC, 215) podemos retirar, se necessário, a presunção natural de que a Recorrida, ao aceitar subscrever o contrato, teve perfeita noção daquilo a que se vinculava.
XII - Se teve essa noção exacta, a sua postura não consistiu em limitar-se a aceitar e a subscrever, não se levantando, por isso, a questão da necessidade de comunicação adequada e efectiva do clausulado, prevista no n.° 1 do artigo 5.° do mesmo diploma, nem do ónus de prova a que alude o número 3 do mesmo artigo.
XIII – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas legais que Vs. Exas. doutamente suprirão, o disposto no artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro”.
Contra-alegou a recorrida nos seguintes termos:
“1ª A Recorrente alega que a douta sentença recorrida, violou, entre outras normas legais (sem, contudo, precisar quais) o disposto no art. 17° do Decreto - Lei n° 446/85 de 25 de Outubro.
2ª O regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais prevê, quanto às cláusulas contratuais proibidas (Capitulo V), para além do principio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé (Secção I, art. 15°), proibições de cláusulas nas relações entre empresários ou entidades equiparadas (Secção II, art. 17°) e proibições nas relações com os consumidores finais (Secção III, art. 20°), sendo que a estas se aplicam as proibições próprias e as relativas às relações entre empresários e equiparados.
3ª Tal não significa que na relação entre empresários ou entidades equiparadas não se aplique o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais na sua globalidade. É que, este diploma legal no seu artigo 3°, consagra as situações excepcionais onde este não se aplica, não resultando como se pode aferir da sua leitura, qualquer referência às pessoas colectivas.
4ª Refere em segundo lugar que não estão preenchidos os requisitos que caracterizam as cláusulas contratuais gerais, a saber: a pré-elaboração, rigidez e possibilidade de utilização por pessoas indeterminadas - mas sem razão.
5ª entanto, resulta da factualidade provada e que a Recorrente não pôs em causa, que, o escrito assinado pelas partes teve subjacente uma proposta contratual elaborada pela Ré aqui recorrente, que foi apresentada à Autora, na qual constava o campo próprio para a assinatura dos outorgantes, sem possibilidade de alteração do clausulado, tendo a Autora se limitado a assinar no local próprio, estando, portanto, preenchidos os requisitos postos em causa.
6ª Ao prescrever-se no art. 8° do D.L. 446/85 a exclusão dos contratos singulares das cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes, o que se pretendeu foi afastar clausulas inseridas depois de algum dos contraentes ter assinado, uma vez que, configurando-se, então, uma alteração do contrato, não haveria mutuo consenso quanto ao conteúdo das cláusulas enxertadas.
7ª Nesta medida, impunha-se à Ré o ónus de alegação e prova de que determinada cláusula inserida no contrato havia sido previamente negociada entre as partes. Nomeadamente que a cláusula inserta por debaixo das assinaturas, a qual confere à Ré um direito de preferência na organização do evento musical do ano seguinte, havia sido objecto de negociação e acordo, o que não fez”.
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II- Questões a decidir no recurso:
Compulsadas as conclusões das motivações do presente recurso, verifica-se que a questão que se coloca é saber se estamos face a uma cláusula contratual geral, contida naquilo que é referido na alínea d) da matéria de facto, ou não, e aplicar o regime jurídico adequado. (Vide artºs. 660º, nº 2, in fine, 684º, nº 3, 690º, nº 1, do CPC, na versão anterior ao D.L. nº 303/07, de 24/8, e Acs. do STJ, de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
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III- Factos a considerar:

Da sentença recorrida consta como assente a seguinte matéria de facto:
a) A Ré dedica-se à promoção de espectáculos musicais e similares;
b) A Ré, no dia 23 de Maio de 2006, apresentou à A. um orçamento para a produção do 2º Festival da Serra da Estrela, a realizar-se entre os dias 6 e 9 de Julho, em Valhelhas, concelho da Guarda, propondo-se organizar o evento pelo preço de € 38 405,20;
c) No mesmo dia, a A. aceitou o orçamento proposto, tendo adjudicado à Ré a organização do referido evento, nos termos do orçamento apresentado, tendo ambas as partes formalizado o acordo nos termos que constam do doc. de fls. 36, no qual ambas as partes apuseram os seus carimbos e assinaram;
d) No final de tal escrito, por debaixo das assinaturas das partes, consta uma nota impressa com o seguinte teor: “Pela adjudicação deste orçamento a B….. terá o direito de opção em edições futuras do evento. Caso o cliente pretenda rescindir o acordo para futuras edições fica obrigado a comunicar por escrito num prazo máximo de 60 dias subsequentes ao fim do evento.”;
e) A Ré organizou o referido evento, que se realizou entre os dias 6 e 9 de Julho de 2006, em Valhelhas;
f) O I.P.J havia prometido custear parte do evento;
g) A A. entregou à Ré, a título de caução e por não ter recebido ainda o subsídio do I.P.J., a quantia de € 25 000,00;
h) A A. pediu à Ré que emitisse uma factura em nome do IPJ, a qual lhe iria pagar directamente os serviços;
i) A Ré emitiu em nome do Instituto Português da Juventude – Interreg III Acojutra uma factura, com o n.º A 50, datada de 16/6/2006, relativa à produção executiva, animação e extras referentes ao 2º Festival da Serra da Estrela, a realizar em Valhelhas – Guarda a 6, 7, 8 e 9 de Julho de 2006, no valor global de € 30 904,01, a qual foi paga no dia 27/3/2007;
j) A A. pediu à Ré a devolução dos € 25 000,00 entregues, a qual lhe enviou apenas a quantia de € 16 000,00;
k) A A. tinha-se, ainda, obrigado a pagar à Ré a quantia de € 1 000,00, referente ao festival do ano anterior;
l) A A. instou a Ré para lhe devolver a quantia de € 8 000,00, tendo esta lhe devolvido apenas a quantia de € 135,00;
m) A Ré, em e-mail remetido no dia 9/2/2007, remeteu à A. uma proposta de orçamento para o III Festival da Serra da Estrela, no valor global de € 44 452,00;
n) A A., em e-mail remetido no dia 14/3/2007, solicitou à A. o envio de um orçamento final com os descontos possíveis;
o) A Ré, em e-mail remetido no dia 16/3/2007, apresentou um novo orçamento, no valor global de € 43.952,00;
p) A A. não se pronunciou sobre o mesmo;
q) A Ré, em e-mail remetido no dia 30/3/2007, solicitou à A. o agendamento de uma reunião;
r) Tal reunião teve lugar no dia 6 de Abril de 2007, tendo a A. comunicado à Ré que já havia adjudicado a produção do festival referente àquele ano;
s) A Ré, através de carta registada, datada de 9/4/2007, remetida à A., solicita a esta que, na sequência da reunião de 5 de Abril, onde lhe foi comunicado já ter sido adjudicada a produção executiva do festival do ano de 2007, sem que para o efeito lhe tivessem conferido o direito de opção contratualmente definido, lhe confirmem tal facto ou que lhe concedam no prazo máximo de 5 dias o direito de opção para produção daquele;
t) A Ré, através de carta registada, datada de 20/4/2007, remetida à A., remeteu-lhe uma factura com o n.º A 90, referente à indemnização por quebra de contrato referente à produção do 3º Festival da Serra da Estrela, no valor global de € 7.865,00 (€ 6 500,00 referente ao valor proposto nas propostas de 9/2/2007 e de 16/3/2007 a título de produção executiva, mais IVA), bem como um recibo no valor de € 1.000,00, referente à restante parte da factura n.º 492 de 27/5/2005, e o cheque no valor de € 135,00, referido em l);
u) No dia 20/4/2008 a A. já havia contactado fornecedores de meios técnicos.
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IV- Fundamentos:
No recurso interposto pela Ré vem apenas colocada a questão de saber se a cláusula contratual contida na “nota” referida em d) da matéria de facto é ou não uma cláusula contratual geral, pugnando a recorrente pela negativa, e com razão.
A sentença recorrida ao fundamentar a aplicação do regime do DL 446/85, de 29/10 - com as sucessivas alterações introduzidas pelos DL 220/95 de 31/8 (com rectificação nº 114-B/95, de 31/7), 249/99, de 7/7 e 323/2001, de 17/12 - fá-lo nos seguintes termos: “Analisando os factos provados e, especialmente, o doc. de fls. 36, verifica-se que do texto do escrito, com relevância para a questão do pacto de preferência, não existem outras cláusulas e que tal cláusula é uma cláusula pré-impressa, em formulários tipo da ré, localizada por debaixo do espaço próprio para as assinaturas dos outorgantes (entre eles, da A.), tendo a autora se limitado a aderir à proposta de contrato apresentada pela ré – o que nos remete para o campo (da validade) das cláusulas contratuais gerais”. Ora, nada resulta da matéria de facto apurada que permita a conclusão tirada. Dos autos apenas consta a proposta contratual feita, no caso em apreço, e bem assim a feita para o ano seguinte, que não contém a parte em que vem inclusa a nota em causa. Ainda que a dita proposta não tenha sido junta por inteiro, o que se admite por hipótese verosímil de raciocínio, o certo é que nenhuma das partes alegou que os formulários de contratos da Ré incluíssem, por regra, a “nota” em apreço ou uma cláusula equivalente, ou que a “nota” em causa estivesse já pré impressa. Na realidade, face ao disposto no artº 1º/1 e 2, do diploma supra citado, o facto de a cláusula ser inserida num único contrato não lhe retira a natureza de c.c.g., desde que em relação à mesma se verifiquem os demais pressupostos da sua classificação nestes termos. Tais pressupostos, definidos por Menezes Cordeiro, em “Tratado de Direito Civil Português”, I, parte geral, 1999, Almedina, pág. 353 e ss, e por Luís Duarte Manso e Nuno Teodósio Oliveira, em “Direito das Obrigações”, casos práticos resolvidos, 3ª edição, Quid Juris, pág 46, são, cumulativamente:
a) a pré-elaboração: conjunto de cláusulas elaboradas antes do contrato ser concluído;
b) a generalidade: destinam-se a ser propostas a destinatários indeterminados, ou a ser subscritas por proponentes indeterminados (mitigada na nossa lei pelo nº 2 do art 1º, do DL 446/85;
c) a rigidez ou imodificabilidade: são elaboradas sem prévia negociação individual, e recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceita, sem que os intervenientes tenham possibilidade de lhes introduzir alterações.
Ora, no caso dos autos, nenhuma das partes alegou que tal cláusula tenha quaisquer das características supra descritas, nem isso pode resultar do resultado da aplicação do princípio do inquisitório, face à limitação dos limitados poderes de cognição do Tribunal, por não se tratar de facto notório ou de conhecimento oficioso. Antes pelo contrário, resulta provado que, pelo menos no ano seguinte ao da celebração do contrato em apreço, houve um processo de negociação da proposta de orçamento emitida pela recorrente, com pedido de redução do preço, pela ora recorrida, o que se não sucedeu no ano anterior é porque esta naturalmente se conformou com as condições que lhe foram oferecidas, e as aceitou perante o orçamento, disponibilizado antes da assinatura do contrato. Perante esta constatação falham os requisitos da pré-elaboração e da rigidez, tal como a nossa lei exige.
A única questão que se pode colocar é relativa ao local em que a cláusula foi inserida. Mas, não sendo aplicável o regime das c.c.g., nada, na lei geral, permite a declaração de nulidade da cláusula aposta depois do local das assinaturas, nem teria razão de ser tal exigência, já que foi dada à contraparte a possibilidade de se inteirar do conteúdo do contrato proposto por via do orçamento efectivamente apresentado, de onde constava essa cláusula, tal como o demais clausulado que viria a ser aceite, em bloco.
A única situação colocada à apreciação do Tribunal foi o facto, de, no entendimento da A., a cláusula, inserida na “nota”, ser abusiva e nula, por ter sido aposta após o fim da assinatura, não permitir qualquer direito de opção, de sua parte, face ao evento do ano seguinte àquele da celebração do contrato em que foi inserida, e por não ter havido qualquer acordo entre as partes em relação à celebração desse evento, “nem sequer promessa”. Relativamente à localização da cláusula já acima nos referimos. Quanto à falta de acordo em relação à celebração do evento futuro, factualidade que, aliás não se provou (cabendo o respectivo ónus à A.) o alegado não invalida a legalidade da sua inclusão da cláusula no contrato em apreço, porque em causa não está uma negociação, entre A. e Ré, relativamente à celebração d e um contrato para a produção do evento festivo no ano seguinte, mas uma simples obrigação de comunicar o resultado das eventuais negociações a haver entre a A. e terceiros, caso esta viesse a efectuar novamente o festival. É que pela “nota” apenas se estabelece um direito de opção da recorrente para a celebração de tal evento – o que, naturalmente, só sucederia, caso se viesse a realizar, direito esse rescindível em determinado prazo.
Face à falta de prova da ausência de negociação da cláusula em causa, não resta senão o entendimento de que com a sua inserção, negociada entre as partes, foram celebrados dois contratos num único documento – um deles consistente numa prestação de serviços, e o outro numa atribuição de preferência para a celebração do festival do ano de 2007. Estamos face à figura da união ou coligação de contratos, em que num só documento, que funciona como vínculo externo ou acidental, se reúnem duas ou mais espécies contratuais, no caso não unidas por qualquer nexo funcional, já que a celebração de um não influi na disciplina do outro (cf. Almeida Costa, em “Direito das Obrigações”, 9ª edição, Almedina). Nada afecta a individualidade de cada contrato, pelo que a cada um deles há que aplicar o regime que lhe é próprio.
Interessa-nos, de momento, apenas a aplicação do regime próprio da cláusula referida em d) da matéria de facto. Conforme bem se referiu na sentença ela configura um pacto de preferência, se bem que redigido de modo algo deficiente, mas minimamente adequado à percepção da intenção subjacente. Por essa cláusula, as partes aceitaram conceder à recorrente o direito de opção pela realização de edições futuras do festival, salvo rescisão escrita no prazo de sessenta dias subsequentes à dada da realização do evento do ano de 2006. Não houve qualquer rescisão, pelo que subsistiu a obrigação de contratar com a recorrente, em igualdade de condições com outro interessado (artº 414º e 423º do CC). A recorrida ficou obrigada a comunicar à recorrente o projecto de negócio e as cláusulas do respectivo contrato, já estabelecidas e negociadas com terceiro, para que, em igualdade de circunstâncias, a recorrente aceitasse a celebração, consigo, desse mesmo contrato.
É isto, e apenas isto, o que consta da cláusula. Não se estabelece qualquer sanção pelo incumprimento do ónus de comunicação, nem tão pouco uma fórmula de cálculo automático de indemnização.
A recorrida, conforme se prova, não comunicou o projecto de realização com terceiro do festival do ano de 2007, e adjudicou a sua produção a terceiros. Não só incumpriu com o dever de comunicação, como com o dever de salvaguarda da integridade e do efeito útil do direito da recorrida à realização do festival, na mesmas condições desse terceiro. Violou assim, para quem equipare o pacto de preferência às negociações pré-contratuais, os deveres de boa fé, postulados nos artºs 227º/1, e 762º/2 do CC, e nessa medida agiu ilicitamente. Neste sentido Ac. do STJ, proc. 03B1589, de 3/7/03, onde se refere que “nestes casos de culpa in contrahendo poderá haver lugar ao espoletamento da responsabilidade indemnizatória prevista no artigo 227º do Código Civil, também chamada de responsabilidade pré-contratual, ou pré-negocial - sendo esta última qualificação a mais correcta (…) por abranger não só as situações contratuais, mas também as negociais e as quase negociais. Mas para que nasça esta obrigação de indemnizar, é necessário:
- por um lado, que haja por parte do incumpridor uma conduta fortemente censurável, porquanto, assumindo a boa fé, nestes casos, um acentuado sentido ético-jurídico e sendo a regra a liberdade negocial, só deve sancionar-se a conduta intoleravelmente ofensiva desse sentido (cfr. ac. do STJ, de 9/2/1999, CJSTJ, ano VII, tomo I, pág. 85);
- por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial (cfr. autor e loc cit., página 206 e ac. do STJ, de 28/3/1995, CJSTJ, ano III, tomo I, pág.144)”.
Para quem entenda que estamos no domínio da responsabilidade contratual, então haverá que buscar o regime aplicável aos artºs 483º, 798º e 799º do CC (neste sentido AC. desta R., no proc. 3084/03, de 2/12/2003, em www.dgsi.pt).
Em qualquer das situações, verificada a ilicitude da actuação, haveria que concretizar-se a existência de danos, em nexo causal com a primeira. E aqui a doutrina inclina-se para que, estando em causa apenas a perda de uma oportunidade de contratar por parte do titular da preferência, não há que tutelar o ressarcimento do interesse negativo, mas apenas e tão somente o positivo, aferido pela prova, por parte do ignorado, de que em face do projecto efectivamente adjudicado teria exercido o seu direito de preferência, por ter vontade de o fazer e dispor de meios para a execução do contrato, em igualdade de circunstâncias com a prestação oferecida pelo terceiro, contraparte na negociação. Provadas estas situações, haverá que provar quais os danos que a não realização do contrato lhe provocou, que coincidem com a perda do lucro que a sua celebração lhe permitiria ter adquirido. Ora, nada se alegou a respeito, na acção.
Ao invés do que a recorrente pretende fazer crer, a simples ocorrência da omissão da comunicação não é necessariamente causa de prejuízos, e muito menos na quantificação que entendeu. Para a recorrente, titular da preferência, pode não ter havido qualquer dano reparável resultante do incumprimento da obrigação de preferência. Segundo o art.563º/CC, que consagra a teoria da causalidade adequada, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Refere o Prof. Almeida Costa que: “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam pelo mesmo produzidos (…)” (cf. Direito das Obrigações”, 3ª ed., pág.399). Deste modo, e à luz do citado art.563º, não existe relação de causalidade entre a falta de comunicação para preferência e o montante de prejuízos equivalente ao valor que a recorrente ilicitamente reteve. A recorrente limitou-se a não devolver um montante relativo a um adiantamento de capital que a recorrida lhe havia feito, e que, sem critério conhecido, quantificou como correspondente ao prejuízo sofrido pelo incumprimento do pacto de preferência. Perante a falta de alegação dos danos concretos, sofridos em resultado da não comunicação, devida nos termos do art.416º/1 do Código Civil, pela vinculada à preferência, não pode reconhecer-se à Ré o direito a qualquer indemnização. Não se podendo aferir da correspondência entre o montante que ela reteve e a perda de capacidade de ganho efectivamente sofrida pela não realização do festival, há que considerar ilícita a retenção, e ordenar a restituição da parte do capital em falta ( artº 563º do CC) . E é nesta medida que é devida a restituição do capital, muito embora não se esteja perante a violação do dever de comunicação do conteúdo de qualquer cláusula contratual geral
Improcede, consequentemente, o recurso, pelos motivos invocados.
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Sintetizando:
1- As cláusulas contratuais gerais caracterizam-s pela pré-elaboração, rigidez e possibilidade de utilização por pessoas indeterminadas, ainda que possam constar de contratos individualizados,
2- A aceitação de um orçamento, individualizado, elaborado tendo em vista uma determinada situação, inviabiliza a aplicação do regime das clásulas contratuais gerais.
3- A violação de um pacto de preferência apenas dá lugar ao direito de indemnização dos danos emergentes da perda do lucro, que a celebração do contrato definitivo determinaria no contraente preterido.
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V- Decisão:
Atento o supra exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas da acção conforme fixado, e do recurso pela Ré/recorrente.