Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3553/20.3T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PROCEDIMENTO CAUTELAR
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
PERICULUM IN MORA
Data do Acordão: 06/01/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J. L. CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 380º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: 1. - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv.) depende do preenchimento de três pressupostos cumulativos: ser o requerente sócio da associação ou sociedade que tomou a deliberação; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; poder da sua execução resultar dano apreciável.

2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.

3. - Uma deliberação social expulsiva (de sociedade ou associação), tendo em conta a sua natureza e os seus efeitos práticos e jurídicos, ocasiona um total afastamento da pessoa excluída, que fica impedida de exercer quaisquer direitos como membro do ente coletivo (quanto a deliberações, acompanhamento/informação e controlo/fiscalização).

4. - O que aconselha à adoção de especiais cautelas quanto ao perigo – e sua prevenção – de dano apreciável no caso de deliberação de exclusão de sócio ou associado, por se tratar de situação que tipicamente envolve um risco agravado para o excluído, ao ficar no desconhecimento da gestão e direção do ente coletivo.

5. - Tratando-se de associação de reconhecido interesse público, com mais de 500 alunos, que procedeu a avultadas aquisições imobiliárias, existindo um clima de conflito entre associados e ficando o associado expulso impedido, por isso, de escrutinar os negócios aquisitivos e a gestão da pessoa coletiva, é de concluir, em juízo de prognose cautelar, pela possibilidade de dano apreciável para o efeito de suspensão daquela deliberação expulsiva.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., com os sinais dos autos,

intentou procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais contra

B...” ([1]), também com os sinais dos autos,

pedindo a suspensão da deliberação, tomada em assembleia geral extraordinária e datada de 05/09/2020, que determinou a exclusão do Requerente e a perda da qualidade de associado da Requerida, dispensando-se tal Requerente do ónus da propositura da ação principal.

Alegou, para tanto, em resumo ([2]):

- sendo o Requerente associado da Requerida, a deliberação de exclusão daquele, tomada em assembleia geral extraordinária de 05/09/2020, mostra-se totalmente infundada (baseia-se em alegações falsas, deturpadas e abusivas), sendo ilegal, injustificada, abusiva e violadora das mais elementares regras da boa-fé e dos bons costumes;

- se o Requerente for expulso de associado, por exprimir os seus pontos de vista, o seu direito à liberdade de expressão continuará a ser-lhe denegado enquanto não obtiver sentença que reconheça a ilegitimidade da sua expulsão;

- permanecendo excluído de associado, não poderá pronunciar-se sobre a vida, as opções e as deliberações de uma associação a que tem uma forte ligação, que serviu diligentemente durante mais de quinze anos e com cujo futuro se preocupa;

- para além de perder o direito a obter toda e qualquer informação respeitante a esta associação.

A Requerida apresentou oposição, deduzindo a exceção de ilegitimidade processual do Requerente e pugnando pela improcedência da providência requerida.

Realizada a audiência com produção das provas, foi julgada improcedente aquela exceção de ilegitimidade e proferida decisão de não decretação do procedimento cautelar, por não verificação do pressuposto legal traduzido no dano apreciável para o Requerente, indeferindo-se, outrossim, a peticionada inversão do contencioso.

Desta decisão veio o Requerente interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

...

A Requerida contra-alegou, concluindo que o «recurso deve julgar-se improcedente, por infundado, mantendo-se a Sentença recorrida».

Este recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito de tal recurso, cumpre apreciar e decidir ([3]).

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, o thema decidendum consiste em saber se resulta preenchido todo o requisitório de procedência do pedido cautelar suspensivo, importando apurar, neste âmbito, face aos específicos contornos do caso, o pressuposto do “dano apreciável”.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada – sem controvérsia – a seguinte factualidade como indiciariamente provada:

...

B) O Direito

Do invocado “dano apreciável”

1. - Dispõe o art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv. que “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável” (destaque aditado).

Assim sendo, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, como procedimento nominado que é, assenta na verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Que o requerente tenha a qualidade de sócio da associação ou da sociedade que tomou deliberação;

b) Que tal deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato/pacto social;

c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável.

Vem sendo entendido por setor significativo da jurisprudência que o primeiro requisito aludido constitui pressuposto de legitimidade ativa e os dois restantes são constitutivos da causa de pedir, esclarecendo-se que a
«… qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. (…) A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade (…). O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo» (
[5]).

Pretende-se, por isso, evitar o denominado periculum in mora – o prejuízo apreciável/significativo causado pela demora inevitável da ação principal, o processo de anulação dessas deliberações a intentar pelo sócio requerente, com vista à declaração da sua invalidade –, de molde a que a sentença favorável que venha a ser proferida assuma o seu efeito útil.

Assim, nesta perspetiva, “dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção” ([6]).

Nesta senda, depois de se concluir, na decisão recorrida, que “a deliberação de exclusão do requerente tomada em Assembleia Geral Extraordinária de 5 de Setembro de 2020 é contrária à lei e aos Estatutos da A... uma vez que os comportamentos imputados ao requerente não são susceptíveis de violar qualquer norma estatutária da A...”, expendeu-se assim (quanto ao “dano apreciável”):

«(…) a requerida é uma Associação sem fins lucrativos, (…) o requerente não tem participações sociais, nem investimentos e (…) não assumiu compromissos financeiros, com hipotecas ou garantias pessoais com a A...

Ora, (…) “o Autor apenas alega um receio genérico de prejuízo, uma eventualidade, medo cujo fundamento não encontra qualquer apoio ou guarida na matéria de facto provada”.

(…)

Efectivamente, (…) “Não é subsumível ao referido conceito de dano apreciável o facto de, com a exclusão, o requerente ficar privado da qualidade de associado, porquanto tais danos são inerentes à execução da própria deliberação”.

Por outro lado, como fundamento para a existência de dano apreciável, alega o requerente que, com a sua expulsão, os Associados impediram a análise, apreciação, discussão e deliberação sobre todo o processo de Aquisição do Património à B... ou à Massa Insolvente da B... e/ou ao Banco...

Todavia, o que resulta dos factos provados é que no dia 28 de Maio de 2019, a A... comprou as fracções “D” e “E” que ocupava em parte com as suas instalações de ensino e que no dia 14 de Maio de 2020, a A... adquiriu as fracções “A”, “B” e “C”.

Para além disso, ficou provado que o associado ... levantou todos os documentos pedidos sobre as aquisições de todas as fracções “A” a “E” e que as fracções “D” e “E” foram adquiridas no âmbito do processo de insolvência da B..., com acompanhamento do Administrador da Insolvência.

Por outro lado, os Associados foram informados do conteúdo do negócio nas Assembleias-Gerais Extraordinárias marcadas para obter aprovação, como se obteve, sendo que o mesmo se passou na aquisição das restantes fracções.

Ora, se a aquisição das fracções à B... ocorreu em Maio de 2019 e Maio de 2020 e se todos os Associados foram informados dos negócios, tendo-os aprovado, não faz sentido invocar, agora, passado mais de um ano desde a primeira aquisição, o requerente a existência de dano apreciável com a sua expulsão por tal expulsão o impedir de escrutinar os contornos desse negócio.

(…)

Não está, pois, verificado, o requisito do dano apreciável.».

2. - O preceito do art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv. não deixa dúvidas sobre a imposição ao sócio requerente de mostrar o perigo de ser causado dano apreciável (de acordo, aliás, com o disposto, em matéria de ónus probatório, no art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Daí que os mesmos aqui decisores já se tenham vinculado ao entendimento no sentido de que:

«1. - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv.) depende do preenchimento de três pressupostos cumulativos: ser o requerente sócio da associação ou sociedade que tomou a deliberação; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; poder da sua execução resultar dano apreciável.

2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.» ([7]).

Neste sentido também se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, argumentando que o «requisito que se reporta ao “dano apreciável” configura um conceito indeterminado, decorrendo de factos dos quais possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe, por um lado, dos danos irrisórios ou insignificantes, mas sem atingir, por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade. Tal conceito abarca os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais que se repercutam na sociedade ou no sócio (…)» ([8]).

E, do mesmo modo, para Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, os factos «que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão», devendo a respetiva prova «ser oferecida com a petição inicial» e exigindo-se relativamente a tal dano apreciável «uma prova mais consistente, traduzida na possibilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar», no plano de uma verificação que «envolve sempre uma questão de facto, a alegar e provar nas instâncias e insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça» ([9]).

3. - Invoca o Recorrente, no intuito de mostrar que ocorre no caso o periculum in mora (possibilidade de dano apreciável), um aresto deste TRC, o Ac. de 02/04/2019 ([10]), em cuja fundamentação foi enunciado assim:

«(…) o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro, porém, (…) não raras vezes as deliberações produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.

É bem o caso dos efeitos da deliberação de exclusão de sócias imposta à requerente e à C (…); já que tal deliberação tem como consequência a perda da qualidade de sócias, sendo-lhes retirada a titularidade da participação social, enquanto conjunto unitário de direitos e deveres da socialidade.

O que, só por si, mantendo-se tal perda durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.

Não divergimos pois da requerida, quando a mesma sustenta que “o dano que serve de fundamento à medida cautelar tem de transcender e destacar-se do valor da quota”, porém, é essa “transcendência” que em boa verdade sempre ocorre quando se exclui alguém de sócio, ou seja, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a quota.

Do ponto de vista cautelar, isto é, circunscrevendo-nos apenas ao dano que decorre da natural demora da decisão definitiva, a perda da quota e do valor da quota até será o dano menos “significante”, na medida em que a decisão definitiva poderá reconstituir a titularidade da quota.

A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente merece tutela – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém deixar de ser proprietário duma participação social; o “dano apreciável” está nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído (está na extinção da relação jurídica que liga permanentemente o sócio à sociedade).

Está, concretizando, na perda da qualidade de sócia da requerente, em ver-se afastada da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões (designadamente, não podendo opor-se à entrada de novos sócios), passando os restantes sócios da requerida a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.

E não é pouca e insignificante coisa, principalmente se não perdermos de vista a globalidade dos factos e o modo, já apreciado, bastante irregular que rodeou a deliberação de exclusão da requerente e da C (…).

O “dano apreciável”, repete-se, é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões (quanto mais ter certezas), porém, pelo modo como a AG decorreu e como a requerente e a C (…) foram excluídas de sócias – não as deixando sequer participar, por razões descabidas, na AG que visava excluí-las de sócias e invocando-se, em relação à requerente, uma causa de exclusão que claramente não se verifica – pode/deve extrair-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócia da requerente, ou seja, o modo atrabiliário como a requerente e a C (…) foram, na AG sub-judice, afastadas da participação na vida da sociedade, não augura nada de bom e faz legitimamente temer (preenchendo o perigo do “dano apreciável”) que, quem assim procedeu, visou ter campo livre para, no entretanto (até à decisão definitiva), poder deliberar, da forma como bem entender, sobre o destino e gestão da sociedade/requerida.».

A perspetiva adotada neste aresto do TRC direciona-se, pois, desde logo, para a especificidade de uma deliberação no sentido da perda da qualidade de sócio/membro de uma pessoa coletiva, com a decorrente retirada da “titularidade da participação social, enquanto conjunto unitário de direitos e deveres da socialidade”.

Isto é, o enfoque é colocado na singularidade da decisão/deliberação de exclusão – do sócio da sociedade, mas também (diremos nós), de modo semelhante, do associado de uma associação, como a ora Apelada, que, não tendo fins lucrativos, se dedica ao ensino, tendo mais de 500 alunos e com reconhecido interesse público (cfr. factos provados dos pontos 47, 113, 114), para o que tem de dotar-se de meios adequados e necessários, também no plano patrimonial, com a correspondente tomada de decisões (cfr. pontos 110 a 112 provados) –, vista então ([11]) como uma “pena capital” (expressão usada no mesmo aresto).

4. - Mas poderá dizer-se que, também no caso em apreciação, a deliberação de exclusão de um dos membros/associados da pessoa coletiva, levando à perda da qualidade de associado – com privação, pois, dessa posição/participação social, enquanto conjunto unitário de direitos e deveres no interior da respetiva associação –, implica já, visto o contexto fáctico dos autos, a possível ocorrência (perigo) de um dano apreciável/significativo para o associado excluído?

E sustentar-se, nessa senda, que a situação, só por si, mantendo-se tal perda durante o lapso de tempo até ser tomada uma decisão definitiva, evidenciará um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes?

Pensamos – com todo o devido respeito por diverso entendimento – que a resposta, também in casu, deverá ser afirmativa.

Desde logo, deve ponderar-se que, efetivamente, uma deliberação de exclusão de um membro (de uma sociedade ou de uma associação), pelas suas consequências para o excluído, não pode ser confundida (ou equiparada, sem mais) com uma qualquer outra deliberação do ente coletivo ([12]).

É que, pela sua natureza e pelos seus efeitos práticos e jurídicos, aquela deliberação de exclusão logo ocasiona um total afastamento da pessoa excluída, que fica impedida de exercer quaisquer direitos como membro do ente coletivo, do mesmo modo que fica arredada da vida e atividade desse ente, não podendo, por isso, nelas tomar parte, seja no âmbito deliberativo, seja no âmbito informativo e/ou de controlo/fiscalização.

Assim, um associado que, como o aqui Apelante, seja excluído da respetiva associação é forçado – contra a sua vontade – a uma posição de desconhecimento/afastamento de tudo o que se passa no interior do ente coletivo, não podendo participar nas respetivas deliberações (futuras), sejam elas quais forem e tenham as implicações que tiverem, nem no acompanhamento da gestão/atividade da pessoa coletiva, nem sequer no controlo/fiscalização de umas e outra.

Bem se compreende que um tal associado se sinta receoso quanto ao que possa vir a acontecer no futuro, na sua ausência, com repercussões na pessoa coletiva, por se encontrar impossibilitado, na falta de suspensão da deliberação de exclusão, de sequer conhecer o que vai sendo deliberado e executado por quem se mantém ao leme da associação e a pode vincular, também em termos patrimoniais, com possíveis consequências até na sustentabilidade do ente coletivo e no cumprimento do fim a que se destina.

O que, em devida ponderação, logo aconselha a que se adotem especiais cautelas quanto ao perigo – e sua prevenção – de dano apreciável no caso de a deliberação tomada ser de exclusão de sócio ou associado, por em tal caso se tratar de situação que tipicamente transporta consigo um inerente risco agravado para o excluído, que fica na impossibilidade, sem mais, de conhecer sequer o que vai sendo deliberado e executado/implementado na sua ausência forçada, mesmo que possa estar em causa uma gestão que, no limite, contenda com a subsistência da sociedade ou associação.

Mas in casu os factos apurados – sumariamente, embora – vêm confortar, objetivamente, aquele receio (subjetivo) do Requerente/Apelante ([13]).

Desde logo, note-se que o Tribunal a quo não afastou os demais requisitos de procedência do procedimento cautelar, designadamente o referente à tomada de deliberações contrárias à lei e aos estatutos da A..., atendendo à terminologia do já mencionado art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv., o que não deve ser olvidado ([14]).

Por outro lado, se perpassa da factualidade provada que existe clima de conflito entre associados, mostra-se também apurado, de forma concludente, que a Requerida/Apelada é uma associação de interesse público, sem fins lucrativos, tendo mais de 500 alunos.

Ora, a Recorrida comprou as cinco frações aludidas (“A”, “B”, “C”, “D” e “E”), que ocupava em parte com as suas instalações de ensino (factos 110 e seg.).

E, se o Requerente não tem participações sociais, nem investimentos (facto 115), nem assumiu compromissos financeiros, com hipotecas ou garantias pessoais (ponto 126), a aquisição daquelas cinco frações implicou que a Apelada ficasse titular de 77% do campus, o qual havia sido avaliado, em 2016, em €13.800.000,00 (factos 122 e 123), sendo que a fração “D” fora avaliada em €1.646.923,20 e a “E” em €1.578.301,40 (facto 124).

Conhecida, pois, a grandeza de valores económicos envolvidos, certo é também que, ao ser expulso de associado, o Requerente se viu impedido de escrutinar o conjunto de negócios referentes à aquisição de património à B..., e/ou à massa Insolvente da B... e/ou ao Banco ... (ponto 127), matéria que não pode ser arredada do necessário juízo de prognose quanto à possibilidade e dimensão do dano invocado.

Para além disso, resulta apurado que o Requerente vem manifestando preocupação com a gestão e o rumo da A... nos últimos tempos (ponto 59), sendo nítido o clima conflitual no seio do ente coletivo, dando azo a processos judiciais e a tomadas de posição como as que resultam descritas nos pontos 72 e segs. dos factos provados.

Assim, não se trata – salvo o devido respeito –, no plano do dito juízo de prognose, de um mero medo (sem fundamento palpável) do Requerente, sendo que a problemática dos autos ultrapassa, como visto, o quadro da (simples) privação da qualidade de associado, havendo de atender-se, de forma mais ampla, a todo o contexto e circunstancialismo em que a exclusão ocorreu, razão pela qual é de perspetivar que o horizonte do dano possa exceder os efeitos comummente ligados à execução da própria deliberação expulsiva (a qual, como também já sinalizado, não se assume como uma deliberação qualquer, antes incorporando a denominada “pena capital”).

Tudo ponderado, afigura-se-nos estar preenchido, no caso, todo o requisitório legal de que depende a cautelar suspensão da deliberação social expulsiva ([15]), posto ser de concluir – em divergência, nesta parte, com o sentido adotado na decisão impugnada – que a respetiva execução pode causar dano apreciável.

Prejudicadas ficam, assim, as demais questões suscitadas pelo Recorrente – mormente, no campo da (in)constitucionalidade –, importando, então, julgar procedente a apelação e, consequentemente, em substituição ao Tribunal a quo, decretar a providência cautelar, de acordo com o pedido recursivo ([16]).

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art.º 380.º, n.º 1, do NCPCiv.) depende do preenchimento de três pressupostos cumulativos: ser o requerente sócio da associação ou sociedade que tomou a deliberação; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao pacto social; poder da sua execução resultar dano apreciável.

2. - Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.

3. - Uma deliberação social expulsiva (de sociedade ou associação), tendo em conta a sua natureza e os seus efeitos práticos e jurídicos, ocasiona um total afastamento da pessoa excluída, que fica impedida de exercer quaisquer direitos como membro do ente coletivo (quanto a deliberações, acompanhamento/informação e controlo/fiscalização).

4. - O que aconselha à adoção de especiais cautelas quanto ao perigo – e sua prevenção – de dano apreciável no caso de deliberação de exclusão de sócio ou associado, por se tratar de situação que tipicamente envolve um risco agravado para o excluído, ao ficar no desconhecimento da gestão e direção do ente coletivo.

5. - Tratando-se de associação de reconhecido interesse público, com mais de 500 alunos, que procedeu a avultadas aquisições imobiliárias, existindo um clima de conflito entre associados e ficando o associado expulso impedido, por isso, de escrutinar os negócios aquisitivos e a gestão da pessoa coletiva, é de concluir, em juízo de prognose cautelar, pela possibilidade de dano apreciável para o efeito de suspensão daquela deliberação expulsiva.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação subsistente e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida:
a) Assim julgando, em substituição ao Tribunal a quo, procedente o intentado procedimento cautelar de suspensão da deliberação de exclusão do Requerente de associado da Requerida;
b) Com manutenção do demais decidido (indeferimento da inversão do contencioso).
Custas desta apelação pela Requerida e, na 1.ª instância, por Requerida e Requerente, na proporção de 60% para aquela e 40% para este.

Coimbra, 01/06/2021

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro (com declaração de voto)

Declaração de voto:

Voltei a refletir sobre os efeitos da deliberação social para a exclusão de sócio, assumindo agora, com a subscrição deste acórdão, posição de base diferente da exarada no processo nº 1786/19.4T8CBR.C1.

Fernando Monteiro


***


([1]) Abreviadamente designada, em diversas passagens dos autos, por A...
([2]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.
([3]) Note-se que também a Requerida veio interpor recurso, mas sobre a sua apelação, embora admitida pela 1.ª instância, veio a recair despacho do Relator de não admissão do recurso, “dele, por isso, não se conhecendo”, decisão de rejeição essa já transitada em julgado (cfr. fls. 1047 e segs. do processo físico). Assim, não haverá que conhecer desse outro recurso.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 08/03/2012, Proc. 10903/11.2TBBNV.L1-8 (Rel. Isoleta Almeida Costa), disponível em www.dgsi.pt.
([6]) Cfr. Ac. S. T. J., de 20/05/1997, BMJ, 467.º - 529.
([7]) Cfr. Ac. TRC de 26/03/2019, Proc. 1762/18.4T8LRA-A.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt (e respetivo sumário), subscrito pelos aqui Relator e Exm.ºs Adjuntos. No mesmo sentido, pode ver-se, inter alia, o Ac. TRC de 27/04/2004, Proc. 4176/03 (Rel. Jorge Arcanjo), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «(…) 2- O “dano apreciável”, como requisito legal da suspensão da deliberação social, tanto pode ser provocado na esfera jurídica do sócio requerente, como na da sociedade requerida. // 3- A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável, reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade. // 4- Porém, o dano apreciável não se reporta a toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação ou a sua execução seja susceptível de causar, estando antes ligado à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo principal. // 5- O dano apreciável pode também traduzir-se em dano não patrimonial, tanto para o requerente, como para a requerida, devendo, no entanto, assumir uma significativa dignidade, objectivamente considerada, para merecer a tutela do direito, à semelhança do que sucede para a respectiva tutela ressarcitória (art.º 496.º n.º 1 do C.C.)». Do mesmo modo, o Ac. TRC de 25/01/2021, Proc. 9146/18.8T8CBR.C1 (Rel. Emídio Santos), em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que “(…) a suspensão da deliberação só será decretada se o requerente mostrar que essa execução pode causar dano apreciável”.
([8]) V. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 451 e seg..
([9]) Vide Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, ps. 110 e seg., acrescentando estes Autores que «uma coisa é apreciar “a dimensão ou ordem de grandeza do dano causado” (questão de facto) e outra é “qualificar o dano provado pelas instâncias de apreciável, irreparável ou de difícil reparação” (questão de direito)» e ainda, por outro lado, que o «dano apreciável não tem de constituir um dano patrimonial; pode tratar-se dum dano moral, designadamente do produzido pela violação do direito à imagem da empresa ou ao seu bom nome comercial (…)».
([10]) Em que foi Relator Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt, aliás, largamente citado pelo Apelante.
([11]) Para as sociedades, mas – reitera-se – com semelhante aplicação possível a outras pessoas coletivas, como as associações, ante a similitude de efeitos/consequências envolvidos.
([12]) Mesmo que se trate de deliberações manifestamente importantes, mas dentro da estabilidade de membros do corpo social/associativo, como, por exemplo, uma “deliberação tomada na assembleia geral” que “elegeu para a gerência”, para certo triénio, determinadas pessoas (como nos dá conta o aludido Ac. TRC de 25/01/2021, Proc. 9146/18.8T8CBR.C1).
([13]) É sabido que, na falta de presunções, serão os factos, em última análise normativa, a ditar o sentido da conclusão jurídica a extrair.
([14]) Aliás, aquele Tribunal concluiu mesmo que «os comportamentos imputados ao requerente não são susceptíveis de violar qualquer norma estatutária da ACVG» (cfr. fls. 986 v.º do processo físico).
([15]) Os demais pressupostos legais, considerados verificados na decisão recorrida, não foram aqui questionados, pelo que deles não cabe conhecer no âmbito desta apelação.
([16]) Neste, tal como no respetivo acervo conclusivo, nada se deixa questionado/impugnado quanto, por sua vez, ao decretado indeferimento da inversão do contencioso, matéria sobre a qual, por isso, não cabe decidir. Mas mesmo que se entendesse doutro modo, não mereceria censura o expendido pela 1.ª instância, ao assim se pronunciar: «(…) entendemos que a matéria adquirida não permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado, sendo que a natureza desta providência não é adequada a realizar a composição definitiva do litígio. // Assim sendo, por falta de fundamento legal, indefere-se a requerida inversão do contencioso.».