Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4233/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE
CORRECÇÃO DA DECISÃO
ACLARAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 380 E 405 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTº 666, Nº. 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTº 669 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1.- O único meio processual para reagir ao despacho de indeferimento de um recurso é a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirigia.
2.- O despacho de não admissão de um recurso é insusceptível de correcção que importe modificação essencial da decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum Colectivo nº 465/01.3TALRA, que correm termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi o arguido A..., condenado como autor material de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 205º nº 1 e 30º nº 2, CP, na pena de nove meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de dois anos.
Mais foi o mesmo arguido condenado a pagar à demandante B..., a indemnização de 8.817,30 euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde 01.01.25, até efectivo e integral pagamento.
O arguido interpôs recurso do referido acórdão, o qual não foi admitido por ter sido considerado intempestivo. ( Cfr. despacho proferido a fls. 503 e ss).
O recorrente, discordando desse entendimento, veio pedir a sua aclaração, requerendo a substituição por outro que o admita, ao abrigo do artº 380º nº 3 CPP .
Foi então proferido o seguinte despacho:
“ Não entrando em consideração com os factos alegados pelo arguido no requerimento que apresentou nos autos a fls. 512, cumpre referir que em relação ao despacho que não admitiu o recurso, o arguido apenas poderia recorrer ou reclamar do mesmo de acordo com o disposto nos art. 399° e ss. e art. 405° do CPP.
A situação em apreço não é susceptível de ser corrigida ou alterada em função da aplicação do disposto no art. 380° do CPP.
Embora tal disposição legal tenha aplicação aos despachos judiciais, a situação em concreto não configura um mero lapso, erro ou qualquer ambiguidade, sendo de referir que alterando, no sentido requerido, o despacho que foi proferido nos autos, tal determinaria sempre uma modificação essencial, o que não é permitido face ao disposto no art. 380°, no. 1 al. b) do CPP.
Assim sendo, indefere-se o requerido.
Notifique.”
É deste despacho que vem interposto recurso pelo arguido, em cuja motivação formula as seguintes conclusões:
“ A - O ora Recorrente A.... foi acusado e julgado pela prática, em concurso efectivo, de vinte e seis crimes, previstos e punidos pelo Artigo n° 205° n° 1 do Código Penal. ( C.P. );
B - Proferido douto Acórdão veio a ser, o Arguido A... e ora Recorrente, absolvido dos vinte e seis crimes de abuso de confiança de que havia sido acusado,
c - e condenado, como autor material, de um crime de abuso de confiança, na sua forma continuada, p.p. pelos Artigos 205°, n° 1 e 30°, n° 2 ambos do C.P., na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos.
D - Do aresto proferido interpôs - tempestivamente - o Arguido recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra;
E - Contudo, e por manifesto erro na contagem do prazo por parte do Respeitado Julgador que apreciou o requerimento de recurso, ao não ter levado em consideração a interrupção daquele prazo, decorrente das férias judiciais da Páscoa, foi o mesmo recurso não admitido com a justificação - errónea - de que o mesmo foi apresentado fora do prazo legal;
F - Desse Despacho - que não admitiu o recurso - requereu o Arguido a sua correcção ( aclaração) - Cfr. doc junto no presente recurso - com o fundamento que o mesmo foi apresentado tempestivamente não tendo o respeitado Julgador, na sua Decisão, atentado no período das férias judiciais que decorreram entre 20 de Março de 2005 (dia de Ramos) e o dia 28 de Março ( segunda feira de Páscoa) do mesmo ano e ambos os dias inclusive. ( Cfr. artigo 10º da Lei 38/87 de 23/12 ex vi n° 1 do Artº 104 do C.P.P.) e que levaram à interrupção do prazo então em curso.
G - Período de férias esse que a ser considerado, pelo respeitado Julgador, na contagem do prazo, determinando a sua suspensão, para a interposição do recurso levaria que o recurso fosse tempestivamente admitido.
H - Sobre o requerimento de aclaração apresentado pelo Arguido, ora Recorrente, veio a recair desafortunado Despacho de indeferimento - do qual se recorre - no qual se afirma, contraditoriamente, diga-se, que a situação em concreto não é susceptível de ser corrigida ou alterada em função da aplicação do disposto no artº 380º do CPP., pese embora tal disposição legal tenha aplicação aos despachos judiciais, a situação concreta não configura um mero lapso, erro ou qualquer ambiguidade.
I - Ora, entende o Recorrente, que precisamente por se tratar de um erro (quase de palmatória, se não o primitivo certamente a sua não correcção) material - se não de escrita - ou de um mero lapso caberia no poder do Julgador, alertado para o facto, proceder à sua correcção, uma vez que atenta a situação em causa ( erro na contagem de um prazo num processo de natureza criminal) não estaria em causa qualquer modificação essencial, tal qual prevista no Art° 380º do C.P.P..
J - Ao ter proferido a Douta Decisão de que ora se recorre e com tal entendimento e alcance, violou o Respeitado Tribunal a quo, as normas contidas, nomeadamente, no Art° 10° da Lei 38/87 de 23 de Dezembro, Art° 104° n° 1 do e artigo 380°, n° 1, alínea b) ambos do C.P.P., bem como, máxime e frontalmente, as contidas a Art° 32° da C.RP.
K - À cautela e por dever de patrocínio, deverá ser reconhecida a inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do n° 1 do Art° 380° do C.P.P. quando interpretada, entendida e aplicada no sentido que gera modificação essencial da decisão a alteração oficiosa, ou a requerimento, do Despacho proferido em autos de natureza criminal quando está em causa um manifesto lapso de contagem de prazo.”
O Ministério Público respondeu, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, no seu douto parecer, entende ser o recurso inadmissível e como tal deve ser rejeitado, ou caso assim não seja entendido, deverá ser julgado improcedente.
Foi igualmente suscitada por este relator a questão prévia da rejeição do recurso por inadmissibilidade legal.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

As questões a apreciar traduzem-se apenas em saber se o despacho que não admite o recurso é susceptível de pedido de aclaração e por essa via obtenção da correcção ou alteração desse mesmo despacho.
Vejamos.
Estabelece o nº 1 do artº 414º CPP que “Interposto o recurso e junta a motivação ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.”.
Por sua vez no seu nº 2 consagra-se que “ O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.”.
Por outro lado, como é sabido nos termos do disposto nos artºs 666.º n.º 3 e 669.º do CPC, aplicáveis por força do artº 4.º CPP, é aplicável aos despachos o mesmo regime das sentenças no que se refere aos pedidos de rectificação ou de aclaração.
Sucede porém que no que respeita aos despachos de não admissão ou retenção de recurso, o legislador previu no artº 405º nº 1 CPP, um mecanismo específico para reagir contra esse acto, nos seguintes termos:
“ Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige”.
É pois claro que o único meio processual para impugnar o indeferimento e a retenção do recurso é apenas a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
Sendo que, “A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva, quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário não vincula o tribunal de recurso” (artº 405º nº 4 CPP).
E tudo isto sem prejuízo do disposto no artº 414º nº 3 CPP, segundo o qual “ A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”.
Do exposto resulta que no caso vertente, tendo o Mmº juiz indeferido o recurso interposto pelo recorrente, por o considerar intempestivo, o único meio processual de que este poderia lançar mão para impugnar essa decisão, era a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirigia.
É ainda o aludido despacho insusceptível de correcção ao abrigo do artº 380º CPP, não só pelas razões já elencadas, como também porque a referida norma exige que a correcção “ não importe modificação essencial”.
É que, a correcção só é admissível se daí não advier modificação essencial da decisão, o que não seria evidentemente o caso.
Como escreve Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 12ª ed., pág. 726.) “ essa modificação essencial afere-se em relação ao que estava no pensamento do tribunal decidir, e não em relação ao que ficou escrito; por isso se incluem aqui os erros materiais ou de escrita. Cremos, por isso, que em relação ao que estava no pensamento do tribunal escrever todas as modificações são essenciais, pois de outro modo ficaria aberto o caminho para alterar o decidido quando o poder de jurisdição está esgotado.”.
Finalmente refira-se ainda que não se vislumbra onde é que esta interpretação possa violar as normas plasmadas no artº 32º da CRP.
Em suma o recurso interposto é inadmissível, justificando por isso a sua rejeição.
DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juizes desta Relação em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos do Artº 420º nº 1 CPP.
Fixar a taxa de justiça devida pelo recorrente em três Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).
Condenar o recorrente no pagamento da importância de três Ucs (Artº 420º nº 4 CCJ).
Notifique
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário.
Tribunal da Relação de Coimbra, 15 de Fevereiro de 2006.