Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
293/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
REPOSIÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO
Data do Acordão: 05/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 562º E 566º DO C. CIV.
Sumário: I – O objectivo da indemnização é colocar o credor na situação em que estaria, se não se tivesse produzido o acontecimento causador do dano, isto é, fazer desaparecer a diferença entre a situação do credor, tal como se apresenta em consequência do facto danoso e a que existiria sem esse facto .
II – Dois processos podem ser utilizados para tal fim : a reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o facto danoso (v.g. consertando a coisa deteriorada) – restauração ou reposição natural; a entrega de uma quantia em dinheiro equivalente ao montante do dano (v.g. entregando ao credor, em dinheiro, o valor em que a coisa deteriorada diminuiu em consequência do facto danoso).

III – No nosso sistema legal, se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e, do mesmo modo, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância de a reconstituição in natura não reparar todos os danos .

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



A... e mulher B..., instauraram no Tribunal da Comarca de Castelo Branco acção com processo comum, na forma sumária, contra C..., pedindo a condenação do Réu a pagar-lhes a quantia de 5. 650 Euros acrescida de juros legais.
Fundamentaram o seu pedido alegando, em resumo, que o Réu, ao proceder aos trabalhos de demolição de um prédio urbano de que é proprietário, sito na Rua Francisco Marques Diogo, n.º 15, em Malpica do Tejo, confinante com um prédio urbano dos Autores, provocou várias fissuras e fendas nas paredes exteriores e interiores deste último, as quais têm de ser reparadas, ascendendo o custo da reparação a 5. 650 Euros.
Regularmente citado, o Réu contestou alegando que apenas procedeu à demolição parcial do seu prédio, que usou do cuidado devido, que só a parede frontal do prédio dos Autores sofreu alguns pequenos danos e que o custo da reparação dos danos do prédio dos Autores, pretendido por estes era excessivo.
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Foi proferido despacho saneador a fls. 61 e seguintes, foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.
Procedeu-se a inspecção judicial ao prédio dos Autores e do Réu e realizou-se uma perícia colegial.
Preparado o processo para julgamento, a ele se procedeu com respeito por todo o formalismo legal, conforme se vê da Acta de fls. 180 e seguintes, tendo os factos da base instrutória obtido as respostas constantes de fls. 183 e seguintes.
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Em seguida, foi proferida a sentença final em que a acção foi julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenou-se o Réu a pagar aos Autores:
a) – a quantia de 5. 650,00 Euros;
b) – os juros de mora, à taxa legal de 7%, desde 18.11.2002, até integral pagamento, com custas pelo Réu.
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Notificado da sentença, o Réu interpôs recurso.
O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 216, como recurso de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo.
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Em doutas alegações que foram apresentadas, o Apelante formulou as seguintes Conclusões:
A. O recorrente, ora apelante foi condenado a pagar aos Autores a quantia de 5. 650,00 Euros (cinco mil seiscentos e cinquenta Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7% desde 18/11/2002 até integral pagamento, (a título de indemnização pelos danos – fissuras e fendas – no prédio urbano sito na Rua Francisco Marques Diogo, n.º 13, freguesia de Malpica do Tejo, concelho de Castela Branco, na sequência da utilização de uma retro escavadora no prédio urbano propriedade do ora recorrente e confinante com o prédio dos Autores, aquando se procediam a trabalhos de demolição do prédio propriedade do aqui recorrente).
B. Os Autores formularam na p.i. o pedido de «condenação do R. a pagar aos A.A., a título de indemnização pelos danos causados no prédio destes a quantia de € 5. 650,00, acrescida de juros legais, desde a citação até integral pagamento».
C. Pedido este ampliado posteriormente, passando a ser o seguinte «(…) ser o R. condenado a proceder às obras necessárias para reparar os danos provocados no prédio dos A.A. descritos na p.i. ou em alternativa, caso não as faça, a pagar aos A.A., a título de indemnização pelos referidos danos causados no prédio dos A.A., a quantia de € 5. 650,00».
D. O Recorrente, à data representado por outro mandatário, impugnou a admissibilidade do articulado em que os aqui Recorridos ampliaram o pedido e o Tribunal nunca proferiu decisão sobre tal questão nem no despacho saneador nem na sentença, violando consequentemente o art. 510.º, n.º 1, al. a) e o art. 660.º, n.º 2, pelo que a sentença é nula art. 668.º, n.º 1, al. d) do C. P. Civil.
E. Na sequência da ampliação do pedido, os Autores passaram a formular dois pedidos: 1 – um pedido principal – de se proceder a obras necessárias para reparar os danos causados; 2 – e um pedido alternativo e secundário – no caso as obras não se realizassem, o pagamento de uma indemnização no valor de € 5. 650,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta Euros).
F. Ora, não se vê e, salvo o devido respeito como pode o douto tribunal ter chegado à opção de indemnização, em detrimento da reparação pela realização de obras no local, numa clara violação ao princípio da delimitação da actividade do juiz em função do pedido ou causa de pedir – consagrado nos artigos 660.º, n.º 2 e 661.º, n.º 1, do C. P. P. (sic).
Ora, o tribunal na sentença que proferiu não teve em atenção ao pedido formulado pelos Autores de reparação dos danos pela realização de obras – tendo condenado em objecto diverso do pedido – pelo que parece claro – que a sentença proferida pelo Tribunal «a quo» é nula, art. 668.º, n.º 1, al. e) do C. P. Civil.
H. O tribunal «a quo» não conseguiu provar a quantificação de cada dano, do valor da reparação de cada fissura e de cada fenda, mas apenas o valor total da indemnização – € 5. 650,00.
I. Acresce que o ora recorrente foi condenado no pagamento de taxa de juro de
7%, quando a actual taxa de juro é de 4% violando-se consequentemente o estatuído no art. 661.º, n.º 1 do C. P. Civil e na Portaria n.º 292/2003, de 8 de Abril, porquanto a taxa legalmente aplicável após a entrada em vigor da Portaria é de 4%.
J. A opção pela condenação tão-só e sem mais na indemnização – que revestiu a forma de pedido alternativo –, em detrimento do pedido principal de reparação dos danos pela realização de obras, numa condenação diferente do que as partes desejaram e peticionaram com total ausência de fundamentação para a presente condenação do ora recorrente em detrimento da almejada pelos recorridos, impõe, necessariamente, decisão diversa.
Termos em que, deve a decisão do Tribunal de 1ª Instância ser declarada nula, conduzindo à absolvição do recorrente.
Como sempre, farão Vossas Excelências, serena e objectiva Justiça.
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Em doutas contra-alegações apresentadas, os Apelados defenderam, em síntese, a confirmação da douta sentença.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
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Vejamos, em primeiro lugar, os factos que foram julgados provados no Tribunal de 1ª Instância:
Matéria de Facto Assente:
A)
Os Autores têm inscrito a seu favor o prédio urbano sito na Rua Francisco Marques Diogo, com o número de polícia 13, na freguesia de Malpica do Tejo, concelho de Castelo Branco, composto de r/c e primeiro andar, com logradouro, inscrito na respectiva matriz sob o art. 505 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 601 da freguesia de Malpica do Tejo;
B)
O prédio referido na alínea A) da Matéria de Facto Assente foi adquirido por sucessão, por óbito dos sogros do Autor e pais da Autora.
C)
O Réu tem inscrito a seu favor o prédio urbano sito na Rua Francisco Marques Diogo, com o número de polícia 15, na freguesia de Malpica do Tejo, concelho de Castelo Branco, composto de r/c e primeiro andar, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 506 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 1007 da freguesia de Malpica do Tejo.
D)
O prédio referido na alínea C) da Matéria de Facto Assente foi adquirido por compra a Rui Manuel Grave Mendes e mulher Eugénia Maria Manique Cerieiro
Mendes, conforme escritura de compra e venda outorgada no dia 19 de Julho de 2001, no 1.º Cartório Notarial de Castelo Branco, lavrada de fls. 42 a 42 vº, do Livro 137-F do referido Cartório.
E)
O prédio dos Autores confina a Norte com o prédio urbano do Réu e ambos confinam a Nascente com a Rua Francisco Marques Diogo.
F)
Em dia ocorrido entre 20 de Setembro de 2002 e 12 de Outubro de 2002, o Réu, utilizando uma máquina retro-escavadora, procedeu a trabalhos para demolição do prédio referido na alínea C) da Matéria de Facto Assente.
G)
Na data referida na alínea F) da Matéria de Facto Assente o Réu deu início aos trabalhos de reconstrução.
H)
Em consequência dos trabalhos de demolição o prédio dos Autores ficou com a parede frontal (fachada principal) com várias fissuras e fendas.
I)
O Réu provocou danos no prédio dos Autores no valor de, pelo menos, 100, 00 Euros.
J)
O prédio dos Autores, ao receber o impacto da retro-escavadora, ficou danificado.
K)
O prédio dos Autores tem mais de 70 anos.
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Base Instrutória:
A demolição referida na alínea F) da Matéria de Facto Assente foi total (resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória);
Nos trabalhos referidos na alínea G) da Matéria de Facto Assente, o Réu procedeu à colocação de seis pilares em betão armado e a uma plataforma de madeira para colocação de placa de betão (resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória);
O facto referido no artigo 3.º da Base Instrutória deveu-se à falta de cuidado do Réu (resposta ao artigo 4.º da Base Instrutória);
Uma vez que não tomou em atenção, aquando da utilização da retro-escavadora, da constituição em pedra do prédio nem as vibrações que a referida máquina provocou (resposta ao artigo 5.º da Base Instrutória);
Em consequência dos trabalhos de demolição, o prédio dos Autores ficou com a parede lateral confinante com o prédio do Réu com várias fissuras ou fendas (resposta ao artigo 6.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se nas fendas
provocadas nas divisões que confinam do lado Nascente com a via pública e a Norte com o prédio do Réu que nos respectivos cantos, no 1.º andar apresentam, para quem está de frente para a parede, a do lado esquerdo, cerca de 1,80 metros de comprimento e uma abertura de cerca de 1,5 centímetros e, a do lado direito, cerca de 1,85 metros de comprimento com uma abertura com 1 centímetro, aproximadamente (resposta ao artigo 8.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se, no rés-do-chão, no canto do lado direito da parede dos Autores que confina com o prédio do Réu apresentar no canto Norte Nascente, uma fenda com cerca de 2 metros de comprimento com uma abertura de cerca de 2 milímetros (resposta ao artigo 9.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se, no vão da janela mais próximo do prédio do Réu, sito no rés-do-chão, em ter ficado com uma fenda (frecha) na horizontal com cerca de 90 centímetros no comprimento e com cerca de um milímetro de abertura (resposta ao artigo 10.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se, no 1.º andar, nas ombreiras da porta e da janela que dão para a via pública terem ficado com duas fendas, uma com cerca de 90 centímetros na horizontal (parte superior) e um metro na perpendicular (parte lateral), com cerca de 3 milímetros de espessura; a outra com cerca de 50 centímetros na horizontal e 40 centímetros na perpendicular, com uma abertura de cerca de 2 milímetros, respectivamente (resposta ao artigo 11.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se, na parede Sul que fica no 1.º andar, junto à escadaria, no ter ficado com três fendas com, respectivamente, cerca de 1,75 metros, 1,30 metros e 0,90 metros de comprimento e com cerca de um milímetro de largura (resposta ao artigo 12.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se no vão (abertura) que dá acesso à janela no primeiro andar apresentar na parte superior uma fenda com cerca de 1,65 metros e nas partes laterais (esquerda e direita) fendas com cerca de 1,65 metros, as quais apresentam aberturas que variam de 0,5 milímetros a 2 centímetros (resposta ao artigo 13.º da Base Instrutória);
Os danos provocados pelas obras realizadas pelo Réu traduziram-se na parede exterior dos Autores que confina com o prédio do Réu ter ficado parcialmente danificada com fissuras diversas e ter sido derrubada em dois locais próximos da janela do 1.º andar numa extensão com cerca de 25 centímetros (resposta ao artigo 14.º da Base Instrutória);
As obras necessárias à reparação dos danos referidos nos arts. 6.º a 14.º da Base Instrutória são susceptíveis de danificar os motivos que se encontram pintados na
parede interior do prédio dos Autores, já danificados com as frestas e fissuras (resposta ao artigo 15.º da Base Instrutória);
Os danos referidos nos arts. 6.º a 14.º da Base Instrutória são susceptíveis de provocar a infiltração de águas (resposta ao artigo 16.º da Base Instrutória);
Há cerca de 5 anos, por referência à data de entrada da Petição Inicial em juízo, os Autores haviam colocado no seu prédio um telhado novo, procedido à reparação do beirado e pintado a fachada principal (resposta ao artigo 17.º da Base Instrutória);
Em Agosto de 2002, os Autores tinham eliminado algumas fissuras e procedido à pintura de algumas divisões cujas paredes não eram ornamentadas com pinturas (resposta ao artigo 18.º da Base Instrutória);
A reparação dos danos referidos nos arts. 6.º a 14.º importa em 5. 650,00 € (resposta ao artigo 19.º da Base Instrutória);
Os motivos pintados nas paredes dos Autores encontram-se pintados em paredes de taipa (resposta ao artigo 20.º da Base Instrutória).
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A apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o Tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões não incluídas nas conclusões, excepto quando se trate de matérias que sejam do conhecimento oficioso do Tribunal.
Trata-se de um princípio que resulta claramente do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil.
As conclusões das alegações do Apelante mostram que as questões suscitadas são, essencialmente, duas:
- A sentença é nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, por ter condenado em objecto diverso do peticionado;
- O pagamento de 5. 650,00 Euros, acrescido de juros de mora à taxa anual de 7%, viola o estatuído no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e na Portaria n.º 292/2003, de 8 de Abril.
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Quanto à matéria de facto controvertida, em que houve gravação da prova que foi produzida em audiência de julgamento, a mesma não foi objecto de qualquer impugnação.
No entanto, importa esclarecer que, na resposta ao artigo 4.º da Base Instrutória, foi dado como provado o seguinte:
«O facto referido no artigo 3.º da Base Instrutória deveu-se à falta de cuidado do Réu».
Esta resposta remete, portanto, para o facto referido no artigo 3.º.
Sucede que, conforme consta da acta de audiência de julgamento de fls. 105 e segs., o artigo 3.º da Base Instrutória ficou provado por acordo das partes.
Foi, por isso, ordenado que se procedesse à devida rectificação, ficando a constar da alínea J) da Matéria de Facto Assente o teor do referido artigo 3.º.
Portanto, a resposta ao artigo 4.º da Base Instrutória deve ser interpretada como fazendo remissão para o facto constante da alínea J) da Matéria de Facto Assente.
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A)- Quanto à primeira questão:
Os Autores apresentaram um articulado de resposta à contestação e concluíram nos termos seguintes:
Deve a excepção e a litigância de má fé deduzidas pelo Réu serem julgadas improcedentes, com as legais consequências, e o Réu condenado a proceder às obras necessárias para reparar os danos provocados no prédio dos Autores, descritos na p.i., no prazo de 20 dias, ou, em alternativa, caso as não faça, a pagar aos Autores, a título de indemnização pelos referidos danos causados no prédio destes, a quantia de € 5. 650,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta Euros), acrescida de juros legais, desde a citação até integral pagamento.
Notificado desse articulado, o Réu veio dizer que não deduziu qualquer excepção na sua contestação, limitando-se a impugnar os danos discriminados na petição inicial, reconhecendo embora que provocou prejuízos que não ascendem a 100,00
Euros.
O Réu concluiu pela improcedência parcial da acção e pela improcedência total do pedido alternativo formulado pelos Autores.
Quanto ao articulado que comportava a resposta à contestação, devia ser mandado desentranhar dos autos e devolvido à parte, na medida em que não tinha sido deduzida qualquer excepção na sua contestação.
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Tendo sido dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido o despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
O despacho saneador não se pronunciou sobre a questão relativa à apresentação do articulado de resposta.
No despacho saneador deve conhecer-se das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, devam ser apreciadas oficiosamente (cfr. artigo 510.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Tendo sido proferido o despacho saneador, dele não foi interposto qualquer recurso e o Réu também não apresentou qualquer reclamação.
As nulidades de processo de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, são apenas as indicadas no artigo 202.º (primeira parte) do Código de Processo Civil.
Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, como resulta da segunda parte do mesmo artigo.
Não tendo sido apreciada aquela questão no despacho saneador, que transitou em julgado, a eventual irregularidade deve considerar-se sanada.
Nessa parte, a sentença não enferma de qualquer causa de nulidade, na medida em que o conhecimento daquela questão não lhe estava reservado.
Não tendo sido apresentada reclamação do despacho saneador, sobre a não apreciação da questão relativa à apresentação do articulado de resposta, pela parte eventualmente prejudicada, deve considerar-se sanada a invocada irregularidade.
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Os Autores alegaram na petição inicial que, tendo o Réu procedido a trabalhos de demolição do seu prédio, não teve o cuidado devido, atendendo à constituição da parede confinante do prédio dos Autores, em pedra, a qual, ao sofrer o impacto da referida máquina retro escavadora, acrescida das vibrações causadas pela mesma, deslocaram-se causando danos no prédio dos Autores.
E, na conclusão da petição inicial, os Autores pediram a condenação do Réu a pagar, a título de indemnização pelos danos causados no prédio dos mesmos Autores, a quantia de 5. 650,00 Euros (cinco mil seiscentos e cinquenta Euros), acrescida dos juros legais, desde a citação até integral pagamento.
O artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dispõe que:
« O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
A nossa lei admite três casos de ampliação do pedido. O primeiro reporta-se àqueles em que há acordo das partes – artigo 272.º do Código de Processo Civil, sendo então admitida a modificação em termos latos, em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
Nos termos do artigo 273.º, n.º 2, «o pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
Em qualquer dos casos, «a ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais» – (cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Abril de 1997, in Bol. Min. da Justiça, n.º 466, pág. 571/572).
Sucede que, fazendo o exame dos autos, não se vê que, em qualquer fase dos mesmos se tenha apreciado a admissibilidade da ampliação do pedido.
Assim como não foi proferido qualquer despacho a apreciar a questão relativa ao pedido de desentranhamento do articulado de resposta, também não foi proferido qualquer despacho que se pronunciasse sobre a admissibilidade da ampliação do pedido.
No entanto, pode dizer-se que a questão estava colocada na presente acção, na medida em que, o Réu veio dizer, na sua contestação, que, relativamente aos danos que aceitava ter provocado, se obrigava a reparar o dano causado, devendo a indemnização, no caso concreto, ter lugar sob a forma de reconstituição da situação material anterior à prática do facto lesivo.
Foi por via da alegação do Réu, constante da contestação, que os Autores, por mera cautela, como disseram, procederam, nos termos do disposto no artigo 273.º, do Código de Processo Civil, à formulação do pedido alternativo.
Cremos que a questão colocada podia ser analisada na sentença, por quatro ordens de razões:
A)- Em primeiro lugar, porque na própria contestação foi suscitada a questão de saber se a obrigação de reparar o dano causado (independentemente do carácter controverso sobre a extensão e valor dos danos) devia ter lugar sob a forma de reconstituição da situação material anterior à prática do facto lesivo ou sob a forma de indemnização;
B)- Em segundo lugar, porque mantendo-se nos autos o articulado de resposta, dele constando a formulação do pedido alternativo, e tendo o Réu concluído pela improcedência total desse pedido, nada impedia que a sentença se tivesse pronunciado quanto a esse pedido;
C)- Depois, se é certo que, nos termos do artigo 268.º, do Código de Processo Civil, uma vez feita a citação do Réu, a instância se mantém estável no que concerne às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, também é defensável que, na fórmula legal «se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo», possa compreender-se a introdução de modificações qualitativas do pedido.
Pelo menos, parece caberem os casos de adjunção de pedidos que resultam da substituição de um pedido singular por pedidos alternativos ou subsidiários, já que estas ampliações representam o desenvolvimento do pedido primitivamente enunciado – (cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Dezembro de 1981, in Col. Jur., 1981, tomo V, págs. 173-175);
D)- Em quarto lugar, porque a própria lei dispõe no artigo 468.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que «quando a escolha da prestação pertença ao devedor, a circunstância de não ser alternativo o pedido não obsta a que se profira uma condenação em alternativa».
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O regime geral da obrigação de indemnização é referido no art. 562.º, do Código Civil, que prescreve que «quem estiver obrigado a reparar um dano é obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», acrescentando ainda o art. 566.º, n.º 1, que « a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não
repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor».
O objectivo da indemnização é colocar o credor na situação em que estaria, se não se tivesse produzido o acontecimento causador do dano, isto é, fazer desaparecer a diferença entre a situação do credor, tal como se apresenta em consequência do facto danoso, e a que existiria sem esse facto.
Dois processos podem ser utilizados para tal fim: a reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o facto danoso (v.g., consertando a coisa deteriorada); a entrega de uma quantia em dinheiro equivalente ao montante do dano (v.g., entregando ao credor, em dinheiro, o valor em que a coisa deteriorada diminuiu em consequência do facto danoso).
Ao primeiro destes processos chama-se restauração ou reposição natural, restituição em espécie, reintegração específica, execução real; ao segundo indemnização em dinheiro ou por equivalente – (cfr. Prof. Vaz Serra, no seu estudo sobre Obrigação de Indemnização, in Bol. Min. da Justiça, n.º 84, págs. 126/127).
Na restauração natural ou indemnização em forma específica dos interesses lesados, remove-se o dano real ou dano concreto, quer dizer, o dano efectivamente sofrido pelo lesado. Trata-se da forma mais perfeita de reparação.
Mas acontece muito vulgarmente que a referida reposição específica se apresenta inviável: ou porque não haja possibilidade material de reconduzir as coisas à situação exacta ou aproximada em que estariam se a lesão se não tivesse verificado; ou porque desse modo se não reparam integralmente os danos; ou ainda porque a ordem jurídica a não admite, designadamente por considerá-la demasiado onerosa para o devedor.
Terá então de operar-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos. Dessa maneira, já não se remove o dano real, mas indemniza-se tão-só o dano de cálculo ou dano abstracto, que consiste no valor pecuniário dos prejuízos causados ao ofendido.
Em certos sistemas – por exemplo, o do Cód. Civ. Italiano (art. 2058) –, a restauração natural configura-se como um direito do credor, embora com limites, quer dizer, está consagrada no seu interesse, pelo que o mesmo credor pode renunciar a essa forma de indemnização, preferindo uma indemnização pecuniária.
No sistema da nossa lei, se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e, do mesmo modo, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância de a reconstituição «in natura» não reparar todos os danos.
Tanto o credor tem a faculdade de exigir a restauração natural contra a vontade do devedor, como, inversamente, pode este prestá-la mesmo em oposição à vontade daquele.
Embora este princípio seja susceptível de ser afastado por acordo dos interessados – (cfr. Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª edição, págs. 714 e segs.).
Neste sentido, refere o Prof. Fernando Pessoa Jorge que, «o novo Código atribui a qualquer dos sujeitos o poder de escolher a indemnização específica, embora reconheça ao lesante a faculdade de se opor à reposição natural requerida pelo credor, se for excessivamente onerosa, e ao lesado, a faculdade de se opor à requerida pelo devedor, se não reparar integralmente os danos» – (cfr. Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, reimpressão, pág. 422).
O artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, opta por mandar, em princípio, reparar o dano mediante a reconstituição natural, ainda que o lesado prefira possivelmente em muitos casos a indemnização em dinheiro.
«O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes».
No entanto, nem sempre o recurso à reconstituição natural permite resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano.
Há casos em que a reconstituição natural não é sequer possível, a par de outros em que ela não é meio bastante para alcançar o fim da reparação ou não é o meio idóneo para tal – (cfr. Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, págs. 903 e segs.).
Da articulação das normas dos artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil, resulta que, primordialmente, é através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização, e tal corresponde à defesa, no nosso direito, de uma concepção real do dano – (cfr., também, sobre as formas de indemnização, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, págs. 576-577, e Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. I, 4ª edição, págs. 377 e segs.).
Na jurisprudência, pode citar-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Fevereiro de 2003, onde se afirma que o princípio geral da obrigação de indemnização, plasmado no art. 562.º, do Código Civil, é o da reposição natural, e que, excepcionalmente, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 566.º do mesmo Código, quando a reconstituição natural for impossível, ou não repare integralmente os danos, ou for excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a si-
tuação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos –(cfr. Cadernos de Direito Privado, n.º 3, Julho/Setembro 2003, págs. 52 e segs., com a anotação concordante do Prof. Júlio Manuel Vieira Gomes).
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Retomando agora o caso concreto, é de referir que não se encontra posta em causa a matéria de facto que foi dada como provada.
Está dado como assente que o prédio dos Autores ficou danificado ao receber o impacto da retro-escavadora, e foi dado como provado que esse facto se deveu à falta de cuidado do Réu.
Encontra-se provado que o prédio dos Autores sofreu os danos que se encontram descritos nas respostas aos artigos 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, todos da Base Instrutória, que as obras necessárias à reparação dos danos referidos nos artigos 6.º a 14.º da Base Instrutória são susceptíveis de danificar os motivos que se encontram pintados na parede interior do prédio dos Autores, já danificados com as frestas e pinturas, e que os danos referidos nos artigos 6.º a 14.º da Base Instrutória são susceptíveis de provocar a infiltração de águas.
O Mmo. Juiz analisou aprofundadamente, na sentença proferida, todos os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, tendo concluído que, no caso em apreço, se mostravam preenchidos todos esses pressupostos, pelo que, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, o Réu se constituíra na obrigação de indemnizar os Autores pelos danos causados.
O Apelante não coloca em questão a conclusão que o Mmo. Juiz extraiu sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil baseada em facto ilícito.
Analisando os autos, não se vislumbra que tenha sido suscitada a questão de a forma de indemnização dever ser, no caso em apreço, fixada em dinheiro, por a reconstituição natural não ser possível, não reparar integralmente os danos, ou ainda por ser excessivamente onerosa para o devedor.
Quando a indemnização possa ter lugar sob a forma de reconstituição da situação material anterior à prática do facto lesivo (restauração ou reposição natural), é ao lesante que incumbe promover a reparação dos danos causados – (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 577).
Por todo o exposto, considerando o pedido que os Autores formularam na conclusão do articulado de resposta, julgamos que a reconstituição da situação material anterior ao facto lesivo podia ser estabelecida como a primeira forma de indemnização dos danos causados aos Autores, sem prejuízo de, em alternativa, para o caso de essa situação não ser reconstituída no prazo fixado, dever o Réu ser condenado a pagar, então, aos Autores, a indemnização em dinheiro fixada na sentença, acrescida dos juros de mora à taxa legal, devidos desde a data da citação do Réu até integral pagamento.
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Em conclusão:
Quanto à primeira questão, julgamos que a sentença somente se pronunciou sobre o pedido de indemnização em dinheiro que havia sido formulado inicialmente pelos Autores, ou seja, na conclusão da petição inicial.
No entanto, os Autores também formularam o pedido de condenação do Réu a proceder às obras necessárias para reparar os danos provocados no prédio dos mesmos Autores ou, em alternativa, para o caso de as não efectuar, formularam o pedido de pagamento da quantia de 5. 650,00 Euros, a título de indemnização pelos danos causados no prédio, acrescida dos juros legais.
Na medida em que a sentença não se pronunciou sobre esse pedido, verificando-se a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, nada impede que a Relação possa conhecer do objecto da apelação, ao abrigo do disposto no artigo 715.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal.
E, conhecendo do objecto da apelação, e pelos fundamentos que foram expostos, concluímos que deve ser julgado procedente o pedido que os Autores formularam na conclusão do articulado de resposta.
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B)- Quanto à segunda questão:
No que diz respeito ao pagamento de juros de mora, os Autores pediram que o montante da indemnização fosse acrescido de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
A presente acção deu entrada no Tribunal em 24 de Outubro de 2002.
Na sentença proferida nos autos, o Réu foi condenado a pagar aos Autores a quantia de 5. 650,00 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7%, desde 18.11.2002, até integral pagamento.
A taxa legal é, em princípio, a prevista no artigo 559.º, do Código Civil.
Neste preceito, relativo à taxa de juros, estabelece-se o seguinte:
1. «Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.
2. A estipulação de juros a taxa superior à fixada no número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais».
A taxa de juro legal em geral tem evoluído ao longo do tempo, como é sabido.
Desde 17 de Abril de 1999, inclusive, é de 7% (cfr. Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril), e, desde 1 de Maio de 2003, é de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
A obrigação de juros pressupõe uma obrigação de capital, sem a qual não se pode constituir e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, sendo, por isso, uma prestação duradoura periódica.
Os juros são os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital. São, por outras palavras, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, sendo o seu montante em regra previamente determinado como uma fracção do capital correspondente ao tempo da sua utilização.
O seu montante varia em função de três factores, que são: a) o valor do capital devido; b) o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor; c) a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes – (cfr. Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, págs. 869 e segs.).
O prejuízo do credor que se trata de reparar é aquele que para ele resulta da privação do seu capital e que corresponde à taxa de juro no momento em que esta privação se verifica.
Os juros moratórios legais devem ser calculados segundo a lei do tempo em que decorrer a mora.
A razão deste entendimento é exposta pelo Prof. J. Baptista Machado, nos termos seguintes:
«Tratando-se, não do direito de exigir um juro moratório, mas da taxa de juro, a qual está em relação com o rendimento médio e normal dos capitais em certo período, é bom de ver que o prejuízo do credor que se trata de reparar é aquele que para ele resulta da privação do seu capital e que corresponde à taxa de juro no momento em que essa privação se verifica.
Deste modo, se a lei altera a taxa legal de juro durante a mora, ela aplica-se aos juros moratórios que corram desde a sua entrada em vigor, pois trata-se de calcular um prejuízo sofrido continuamente, todos os dias, até que o devedor salde a sua dívida» – (cfr. Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, pág. 115).
Nesse sentido, citou a opinião de Roubier. Em sentido contrário, considerando aplicável a lei do tempo da celebração mesmo aos juros moratórios relativos ao tempo de mora decorrido sob a LN, citou a opinião de Gabba – (cfr. obra citada, pág. 115, nota 69).
Dentro desta ordem de ideias, também se pronunciou o Prof. Vaz Serra, quando escreveu:
«De resto, os princípios a observar em matéria de aplicação das leis no tempo, de que o artigo 12.º se limita a enunciar, sem carácter imperativo, alguns muito gerais e vagos («presume-se», «em caso de dúvida», como nele se diz), não têm valor absoluto, pois, não constando da lei constitucional que as leis não tenham eficácia retroactiva, o problema da retroactividade ou irretroactividade das leis tem de ser, fundamentalmente, resolvido, caso por caso, de harmonia com a interpretação da nova lei: trata-se de averiguar se esta quer ou não, e em que termos, a sua aplicação a factos passados e a relações jurídicas anteriores e ainda subsistentes» – (cfr. Rev. de Leg. e de Jur., Ano 102.º, págs. 187 e 188).
Na jurisprudência, sobre a alteração da taxa legal de juros, e sobre a aplicação da lei que aprove essa alteração, durante a mora, aos juros moratórios que corram desde a sua entrada em vigor, pronunciaram-se os doutos acórdãos da Relação do Porto, de 1 de Março de 1984, e de 12 de Abril de 1984, in Col. Jur., 1984, tomo 2, respectivamente, págs. 198-200 e págs. 239-241.
Assim, quando a sentença condena o Réu a pagar aos Autores juros de mora, à taxa legal de 7% ao ano, deve entender-se que essa taxa é aplicável entre 18 de Novembro de 2002, data esta fixada na sentença, e 30 de Abril de 2003, passando a ser de 4% a partir de 1 de Maio de 2003, por força da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, e até integral pagamento, sem prejuízo de outra taxa legal de juro que venha a ser, eventualmente, fixada em nova Portaria.
Portanto, relativamente à segunda questão colocada no recurso, julgamos que a decisão de condenação em juros de mora deve ser interpretada no sentido de que os juros moratórios legais devem ser calculados segundo a lei que vigorar no tempo em que decorrer a mora.
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Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam nesta Relação em julgar apenas em parte procedente o recurso de apelação, e, em consequência, confirmam a douta sentença, na parte em que julgou a acção procedente, por provada, apenas a alterando no sentido de que decidem condenar o Réu a proceder, no prazo de 20 dias, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, às obras necessárias para reparar os danos provocados no prédio dos Autores, e que vêm referidos nas respostas aos artigos 6.º a 14.º, da Base Instrutória, ou, em alternativa, caso as não faça, a pagar aos Autores, a título de indemnização pelos referidos danos causados no prédio destes, a quantia de € 5. 650,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento.
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As custas relativas ao recurso de apelação são devidas pelo Apelante, na proporção de três quartos, e pelos Apelados na proporção de um quarto.
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Coimbra,