Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3904/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: CASO JULGADO
SUA NATUREZA
Data do Acordão: 05/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 497º E 498º, Nº 1, DO CPC .
Sumário: I – A causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito .
II – São os factos concretos invocados visando o efeito pretendido que constituem a causa de pedir e não o contrato, sendo que este é não mais que a fonte geradora dos direitos e obrigações das partes .
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra B... e mulher C..., tendo em vista a condenação dos réus a pagarem ao autor a quantia de 4.052,52€ acrescida dos juros à taxa legal desde a citação.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou o autor, em síntese, que exerce a actividade de construção civil; no mês de Março de 2000, os réus pediram-lhe um cálculo do custo das obras inerentes à transformação de dois arrumos que estavam ligados à sua casa sita em Vieiros; o autor informou aqueles que tal custo ascendia a esc. 1.360.000$00 acrescido de IVA à taxa de 17%, ou seja, a esc. 1.522.989$00. Como os réus concordaram com esse preço, o autor executou as obras solicitadas por aqueles. Por conta de todos os serviços executados pelo autor, os réus entregaram-lhe esc. 700.000$00. A pedido dos réus, o autor retirou o verniz que havia aplicado no soalho da nova sala e no novo quarto e quando o pintor se apresentou para aplicar novo verniz, os réus comunicaram que não queriam mais nada ali feito sob as ordens do autor e não mais permitiram que este, ou alguém a seu mando, entrasse em sua casa para executar qualquer trabalho.
Mais alegou que os réus se constituíram na obrigação de o indemnizar em relação aos seus gastos e trabalho bem como ao proveito que este poderia tirar da obra. Em trabalhos executados pelo autor através de pessoas por ele contratadas gastou a quantia global de €3460.71 com IVA incluído; em materiais com IVA incluído gastou um total de 4083.40€. Como os réus entregaram a quantia de 3.491.59€, entende o autor que lhe deverá ser paga a indemnização no montante de 4052.52€.
Pessoal e regularmente citados contestaram os réus defendendo-se por excepção e por impugnação e deduziram pedido reconvencional.
Vieram os réus alegar a existência de caso julgado uma vez que, na sua versão, a matéria em causa nos autos já foi dirimida na acção n.º 93/00 que sob a forma de processo sumário correu termos por este tribunal.
Impugnam a matéria vertida na petição inicial, nomeadamente o valor referente ao IVA, e afirmam que foi acordado entre as partes o valor total do custo da obra em esc. 1.360.000$00.
Em reconvenção, pedem a condenação do autor no pagamento de uma indemnização no valor de 3.500.00€ pelos prejuízos resultantes dos defeitos dos trabalhos executados pelo autor.
Pedem ainda a condenação do autor como litigante de má-fé, devendo pagar aos réus uma indemnização de, pelo menos, 3500.00€.
Na resposta à contestação, veio o autor defender a viabilidade da presente acção dado que segundo ele não existe caso julgado uma vez que não há identidade relativamente à causa de pedir das duas acções. Alega também a excepção de caso julgado relativamente ao pedido reconvencional deduzido pelos réus alegando a identidade total entre esta reconvenção e aquela deduzida na sobredita acção n.º 93/00. Finalmente, argui a excepção de ineptidão do pedido reconvencional e de caducidade.

Por despacho proferido a fls. 130 e ss., foi julgada improcedente a excepção de caso julgado deduzida pelos RR., visto que nos presentes autos, e ao contrário do que acontecia na citada acção n.º 93/00, o autor impetra, agora, uma indemnização à sombra do regime plasmado no art.º 1229.º do C. Civil; para o efeito, invoca ex novo, a desistência da empreitada, tratando-se de causa de pedir diversa da apresentada na referida acção.
Julgou-se improcedente a reconvenção deduzida pelos réus uma vez que se verificava a completa identidade das partes, dos pedidos e da causa de pedir e, consequentemente, não se conheceu da ineptidão do pedido reconvencional e da excepção peremptória da caducidade aduzidas pelo autor.

Os RR., inconformados com tal decisão que julgou improcedente a excepção de caso julgado e a reconvenção, recorreram da mesma, sendo que nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
1- Os sujeitos, a relação subjacente, o pedido, são rigorosamente os mesmos – art.º 498.º CPC – CASO JULGADO;
2- A presente situação ofende vivamente o sistema judicial e perturba a paz pública;
3- Pode provocar sentenças contraditórias até pela forma como está elaborado o questionário constante do despacho saneador;
4- Colocará o Tribunal da Relação de Coimbra, numa situação de poder ele mesmo vir a proferir dois acórdãos contraditórios;
5- Igualmente o facto de se conceder ao presente recurso efeito meramente devolutivo, em violação do art.º 734.º, n.º 2, CPC, torna também o presente despacho saneador ferido de nulidade.

O A. apresentou contra-alegações, nas quais sustentou dever ser mantido o despacho recorrido, tendo contraditado a versão apresentada pelos RR.

No demais do despacho saneador, afirmou-se a validade e a regularidade da lide, fixando-se ainda a matéria de facto assente e a que constituiu objecto da base instrutória, que mereceu reclamações das partes tendo as mesmas sido decididas por despacho de fls. 180 e ss.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tendo-se respondido aos quesitos formulados, nos termos do despacho de fls. 346 e ss. dos autos.

Foi proferida sentença, apresentando a mesma a seguinte decisão:
“Pelo exposto, na parcial procedência da acção, decide-se:
I. condenar os réus, B... e mulher, C..., a pagar ao autor, A..., a quantia de 2.416.57€ (dois mil quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa anual de 7% até 30.04.03 (inclusive) e de 4% a partir dessa data, sobre a referida quantia, desde a citação da ré para contestar a presente acção, e nos juros vincendos, à taxa anual de 4% até integral pagamento; no mais se absolvendo os réus do pedido formulado.”

Inconformados com esta sentença vieram os RR. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiram as seguintes conclusões:
1 – Os sujeitos, a relação subjacente, o pedido, são rigorosamente os mesmos – art.º 498.º CPC – CASO JULGADO;
2 - A presente situação ofende vivamente o sistema judicial e perturba a paz pública;
3 – Não pode entender-se que existiu uma desistência da empreitada por parte dos RR., antes deve entender-se que existiu um incumprimento contratual por parte do A., pelos defeitos da obra;
4 – O A. executou a obra em conformidade com o que foi convencionado, tal como foi decidido na sentença respeitante à acção sumária n.º 93/00;
5 – Consequentemente devem os RR. ser absolvidos do pedido.

O A. apresentou contra-alegações, nas quais considerou ser de manter a sentença recorrida, quer porque a mesma faz correcta aplicação do direito aos factos, quer ainda porque neste recurso os AA. trazem à colação a excepção do caso julgado que é objecto de recurso autónomo (de agravo), quer, finalmente, porque consideram que o recurso não deveria sequer ser conhecido por falta de fundamentação.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
Questões a conhecer

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelos agravantes e apelantes, sendo certo que o objecto dos recursos se acham delimitados pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
Assim, quanto ao AGRAVO:
A) Há apenas que apreciar a natureza do caso julgado e se no caso concreto foi aplicada adequadamente a lei.
Quanto à APELAÇÃO:
B) Também aqui está tão só em causa a verificação da existência ou não de erro de julgamento, na aplicação ao caso do disposto no art.º 1229.º do C.C., pois que a questão do caso julgado que á referida pelos RR. nestas conclusões, é objecto de apreciação no âmbito do agravo.

Importará ainda fazer referência ao facto da questão do efeito do recurso (os RR. pretendiam que tivesse efeito suspensivo) ter sido resolvida no âmbito do despacho proferido ao abrigo do disposto no art.º 701.º, do CPC (fls. 402), sendo certo que os recorrentes não reclamaram do mesmo nos termos do disposto no art.º 700.º, n.º 3, do CPC, razão pela qual nada teremos a acrescentar sobre tal questão.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Foram os seguintes os factos dados por provados na sentença e que não foram objecto de impugnação:

1 – O autor exerce a actividade de construtor civil (Alínea A) da Matéria de Facto Assente).
2 – Em Março do ano de 2000, os réus pediram ao autor um cálculo do custo das obras inerentes necessárias à transformação de dois arrumos que estavam ligados à sua casa sita em Vieiros, onde pretendiam fazer uma sala, um quarto e uma casa de banho (Alínea B) da Matéria de Facto Assente).
3 - Por conta de todos os serviços executados pelo autor, os réus entregaram-lhe a quantia de 700.000$00 (Alínea C) da Matéria de Facto Assente).
4 – O autor, a pedido dos réus, retirou o verniz que havia aplicado no soalho da nova sala e do novo quarto de casal (Alínea D) da Matéria de Facto Assente).
5 - O autor não aplicou novo verniz no soalho dito em 4 uma vez que os réus lhe comunicaram que não queriam mais nada ali feito sob as ordens do autor (Alínea E) da Matéria de Facto Assente).
6 – Os réus, a partir desse momento, não voltaram a permitir que o autor, ou alguém a actuar mediante as suas ordens, entrasse em sua casa para executar qualquer trabalho (Alínea F) da Matéria de Facto Assente).
7 – Correu termos pelo Tribunal Judicial de Penela a acção sumária 93/00, a qual motivou a apelação que com o n.º 255/02-1 correu termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra onde foi proferido o acórdão já transitado em julgado constante de fls. 71 a 78 dos presentes autos (Alínea G) da Matéria de Facto Assente).
8 – O custo total estimado das obras referidas em 2, com IVA incluído à taxa de 17%, ascendia a 1.184.479$00/5.908.16€ (Resposta ao quesito 1º).
9 - Os réus pediram ao autor para proceder à execução das obras referidas em 2 (Resposta ao quesito 3º).
10 - O autor executou as obras solicitadas pelos réus, que consistiram em:
- picar as paredes dos dois arrumos;
- abrir uma porta da nova sala para a cozinha sendo certo que essa abertura ocorreu numa parede de granito com cerca de 60cm de largura;
- abrir uma porta do novo quarto de casal para a WC;
- rebocar e pintar todas as paredes do novo quarto de casal e da sala;
- remover as terras, numa altura compreendida entre 1 metro e 1,5 metro;
- fazer três paredes da WC em tijolo, rebocadas e pintadas no seu interior;
- executar o chão da WC e aplicar os mosaicos e os azulejos;
- aplicar as loiças da WC;
- executar a canalização da água, quente e fria, na WC bem como os respectivos esgotos com ligação à fossa já existente;
- aplicar as torneiras na WC;
- aplicar caixas, tomadas, interruptores, tubagem e fios inerentes ao sistema eléctrico da WC, da nova salinha e do novo quarto de casal;
- abrir os roços para a canalização da WC e a instalação do sistema eléctrico das três divisões (salinha, quarto e WC);
- aplicar quatro aros de portas e dois de janelas;
- aplicar quatro portas e duas janelas;
- executar os tectos falsos em madeira na nova sala, no novo quarto de casal e na WC;
- executar os sarrafos e aplicar o solho na nova salinha e no novo quarto de casal;
- envernizar as novas portas e as janelas aplicadas, bem como os tectos das três referidas divisões;
- raspar o chão da nova sala e do quarto de casal para retirar o verniz que o autor havia aplicado (Resposta aos quesitos 4º e 5º).
11 – O autor executou os trabalhos recorrendo ao serviço de um pedreiro (Resposta ao quesito 6º).
12 - O qual trabalhou em tal obra 147 horas (Resposta ao quesito 7º).
13 – Sendo que o preço que lhe foi pago por hora foi de 1 500$00 (Resposta ao quesito 8º).
14 – Recorreu aos serviços de um servente de pedreiro (Resposta ao quesito 9º).
15 - O qual trabalhou em tal obra 115 horas (Resposta ao quesito 10º).
16 - Sendo que o preço que lhe foi pago por hora foi de 1.000$00/4.99€ (Resposta ao quesito 11º).
17 – O autor precisou dos serviços de um pintor (Resposta ao quesito 12º).
18 - O qual trabalhou em tal obra 10 horas (Resposta ao quesito 13º).
19 - Sendo que o preço que lhe foi pago por hora foi de 1.500$00/7.48€ (Resposta ao quesito 14º).
20 – E dos serviços de um carpinteiro (Resposta ao quesito 15º)
21 - O qual trabalhou em tal obra 55 horas (Resposta ao quesito 16º).
22 - Sendo que o preço que lhe foi pago por hora foi de 1.600$00/7.98€ (Resposta ao quesito 17º).
23 – O autor comprou para utilizar na referida obra 5 portas e respectivos aros (Resposta ao quesito 18º).
24 – Tendo pago o preço de 150.000$00 (Resposta ao quesito 19º).
25 – E comprou as guarnições dessas portas por 9.900$00 (Resposta ao quesito 20º).
26 – E duas janelas e quatro portadas por 42.800$00 (Resposta ao quesito 21º).
27 – E as ferragens dessas janelas e portas por 39.000$00 (Resposta ao quesito 22º).
28 – Comprou os vidros dessas portas e janelas por 7.100$00 (Resposta ao quesito 23º).
29 – Pelos materiais aplicados na canalização da água o autor pagou 37.800$00 (Resposta ao quesito 24º).
30 – O autor pagou pelo material usado na instalação da electricidade o montante de 28.900$00 (Resposta ao quesito 25º).
31 - Pela tinta de parede e pelo verniz aplicados o autor gastou 45.000$00 (Resposta ao quesito 26º).
32 - O autor usou areia fina e grossa (Resposta ao quesito 29º).
33 – Nos peitoris das janelas gastou 12.500$00 (Resposta ao quesito 32º).
34 – O autor colocou em tal obra barrotes de madeira no valor de 65.000$00 (Resposta ao quesito 33º).
35 – Em aforro e remate meia cana o autor despendeu o montante de 76.500$00 (Resposta ao quesito 34º).
36 – Em soalho e rodapé o autor gastou a quantia de 68.000$00 (Resposta ao quesito 35º).
37 – O autor liquidou ao Estado a quantia de 102.340$00 no tocante às despesas com os serviços aludidos em 11 a 22 (Resposta ao quesito 36º).
38 - O autor liquidou ao Estado a quantia de 118.949$00 a título de IVA relativamente às despesas com os materiais referidos de 24 a 36 (Resposta ao quesito 37º).

III - De direito:

Apreciemos então os recursos em causa e as questões supra enunciadas:
- Agravo:

A) Do caso julgado

Sustentam os recorrentes que se regista a excepção de caso julgado, pois que a presente acção constitui uma repetição da anteriormente julgada e que correu termos sob o n.º 93/2000, também do Tribunal Judicial da Comarca de Penela, e que transitou em julgado com o acórdão desta Relação de Coimbra de 16/04/2002, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 71-78 destes autos.
Consideramos que não assiste razão aos agravantes e que é de manter a decisão recorrida a qual, quanto a nós, fez correcta interpretação e aplicação da lei.
Vejamos.
É sabido que uma das finalidades do caso julgado é precisamente a de impedir que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (função negativa do caso julgado; sendo que a positiva representa a sua força de autoridade, traduzível na exequibilidade da decisão). Prof. Alberto dos Reis in, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. III, pág. 93 No caso em apreço será precisamente sobre esta primeira vertente que nos debruçaremos, dado ser a que aqui se mostra em discussão.
Como resulta do disposto no art.º 497.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição duma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Estão pois subjacentes a esta figura jurídica a necessidade da certeza e da segurança das relações jurídicas.
Ora, sendo esta uma das finalidades do caso julgado, assume particular interesse e importância a concretização daquilo que a lei designa por “repetição duma causa” (art.º 498, n.º 1 do CPC).
O preceito em apreço refere que uma causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Por seu turno, os n.ºs 2, 3, e 4, de tal artigo dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.
No caso sub judice incidiremos a nossa apreciação neste último pressuposto, na medida em que apenas ele é posto em crise, pois que quer quanto aos sujeitos, quer quanto aos pedidos existe concordância no sentido de se registar a sua repetição nesta acção, face ao anterior proc.º n.º 93/2000.
Tentando concretizar um pouco mais esta noção de causa de pedir, poderemos afirmar que esta “consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) – em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico - … trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que accionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjectivos invocados garantem…” Ac. da R.C. de 15/03/2005, apelação n.º 4128/04, da 3.ª Secção, em que foi relator o Senhor Desembargador, Dr. Isaías Pádua .
Na apreciação que faz ao art.º 673.º do CPC (norma que assume particular relevância no alcance da outra vertente do caso julgado - a positiva, de autoridade), escreve o Prof. Lebre de Freitas, “a determinação do âmbito objectivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo.” Sendo por isso importante “a leitura que a sentença faça sobre o objecto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo autor e pelo réu reconvinte: o caso julgado tem a extensão objectiva definida pelo pedido e pela causa de pedir”. In, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, pág. 683
Tendo presente todos os supra descritos ensinamentos e ainda a circunstância do n.º 4 do art.º 498.º, do CPC referir que nos casos, como aquele que aqui se discute, a causa de pedir “é o facto concreto … que se invoca para obter o efeito pretendido” vejamos se se regista a alegada repetição de causas de pedir.
A resposta, como já salientámos anteriormente, será negativa.
Com efeito, o Autor/ora recorrido, na acção n.º 93/2000, baseado é certo num contrato de empreitada celebrado com os Réus/ora recorrentes, alicerçou o seu pedido no facto dos RR não terem procedido ao pagamento do preço convencionado, o qual, na sua óptica, era-lhe devido face ao disposto no art.º 1211.º, n.º 2 do C.C., sendo certo que terá executado os serviços acordados, com excepção da pintura das janelas (que apenas não foi feita por os Réus não terem permitido que o pintor que ali se deslocou para o efeito fizesse tal serviço).
Esse pedido foi julgado improcedente pela decisão da 1.ª instância proferida em tal processo, por o Autor não ter logrado provar, como lhe competia, que a obra fora aceite pelos RR., condição indispensável para que o preço pudesse ser exigido (vd. fls. 44 verso).
Como foi referido pelo acórdão desta mesma Relação que apreciou o recurso dessa acção 93/2000: “Só agora, em sede de recurso, visa (o Autor) a compensação «dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra», ao abrigo do disposto no art.º 1229.º do C.C.”
“Mas tal desiderato é inalcançável porque os factos alegados (tal como os provados) não se ajustam a essa solução, certamente porque o A. a não previu ou a não preveniu, pelo menos como uma alternativa possível, ao estruturar a sua causa de pedir na acção. Assim o que temos é um verdadeiro non liquet o processo não fornece não só os elementos quantitativos cujo concreto apuramento pudesse ser relegado para liquidação de sentença como os próprios factos integradores da previsão contida na citada norma do art.º 1229.º do C.C..”
É pois na sequência desta última decisão que o A./ora recorrido deduz nova acção (aquela que ora apreciamos em recurso) em que apresenta nova causa de pedir, consubstanciada na alegação de factos indicativos dos gastos que realizou, quer em materiais, quer em trabalho, quer ainda do proveito que poderia tirar da obra, tudo na alegação e pressuposto de que os RR/ora recorrentes terão desistido da obra (art.º 1229.º do CC).
Encontramo-nos pois, inegavelmente, perante uma nova causa de pedir, pois que a factualidade essencial que subjaz ao pedido formulado aqui nada tem a ver com factualidade que esteve na base da acção n.º 93/2000.
Contrariamente ao que parece defenderem os agravantes, a causa de pedir quer numa acção, quer noutra, não é o contrato de empreitada, mas sim os factos concretos já indicados que decorreram desse contrato. Estabelecendo um paralelismo com os contratos de arrendamento, em que a situação é mais comum, penso que ninguém contestaria a possibilidade de um senhorio, com base num mesmo contrato de arrendamento, e perante uma inicial improcedência duma acção visando o despejo por falta de pagamento de rendas, viesse intentar nova acção com fundamento, por exemplo, na destinação do arrendado a fim diverso daquele que estava acordado.
São efectivamente os factos concretos invocados visando o efeito pretendido que constituem a causa de pedir e não o contrato (de empreitada, ou qualquer outro), sendo que este é não mais que a fonte geradora dos direitos e obrigações das partes.
No caso, há pois que concluir, que nas duas acções não existe identidade de causas de pedir, não se verificando logicamente a excepção de caso julgado.
Assim, não assiste razão aos agravantes no tocante a esta questão da excepção do caso julgado, sendo por isso de manter o despacho recorrido.

Apelação

B) Erro de julgamento, na aplicação ao caso do disposto no art.º 1229.º do C.C

Os apelantes defendem nas suas alegações que os factos dados como provados não sustentariam uma situação de desistência da empreitada por parte do dono da obra, antes sim uma situação de incumprimento (3.ª conclusão), o que aliás surge como contraditório face à 4.ª conclusão em que referem: “O autor executou a obra em conformidade com o que foi convencionado, tal como foi decidido na sentença respeitante à acção sumária n.º 93/00”.
Afigura-se-nos que também nesta 3.ª conclusão os RR/Recorrentes não têm razão.
A desistência da empreitada constitui na realidade uma prerrogativa dada ao dono da obra, para quando e se assim o entender dar por finda a obra que contratou com o empreiteiro, ficando apenas obrigado a indemnizar este nos termos estabelecidos no art.º 1229.º do C.C..
A este propósito dizia o Prof. Vaz Serra: “o efeito deste acto não seria a integral dissolução retroactiva da relação jurídica existente entre o dono da obra e o empreiteiro (aquele não pode recusar a parte já executada da obra), nem seria fazer cessar de todo, para o futuro, essa relação (o dono da obra teria de pagar o preço convencionado, como se a obra tivesse sido concluída, embora com determinada redução). O que tem em vista é permitir ao dono da obra que obste à realização ou à construção desta, sem prejuízo do empreiteiro.” Empreitada in BMJ, 146, pág. 136
Ora, da matéria dada por provada (vd. pontos 5 e 6) resulta claro que os RR./apelantes comunicaram ao A./apelado não pretenderem que este ou alguém sob a s suas ordens, entrasse em sua casa para executar qualquer trabalho, o que quanto a nós traduz inexoravelmente uma manifestação de vontade no sentido da desistência da empreitada.
Para além de ter logrado provar a referida desistência, comprovou ainda o A./apelado factos bastantes para sustentar o seu pedido de indemnização à luz do indicado art.º 1229.º, do C.C., sendo certo que os RR./apelantes não conseguiram demonstrar a sua tese de incumprimento, pois que na acção anterior a reconvenção apresentada foi julgada improcedente, sendo certo que a que apresentaram nestes autos sendo em tudo idêntica à inicialmente ali exibida não foi aceite por violar o caso julgado de tal decisão.
Perante o que se deixa exposto, há pois que concluir não assistir razão aos apelantes nesta questão, sendo certo que na sentença recorrida a Senhora Juíza aplicou adequadamente a lei aos factos dados por provados, tendo fundamentado aquela sob o ponto de vista jurídico, de forma clara e sabedora, não merecendo por isso qualquer reparo da nossa parte.

IV – DECISÃO

Assim, acorda-se em negar provimento aos recursos, de agravo e de apelação e, nessa conformidade, mantêm-se as decisões recorridas.
Custas pelos recorrentes.

Coimbra,