Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
116/05.7TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: EMPREITADA
DESISTÊNCIA
DONO DA OBRA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1221º E SS E 1229º DO CCIVIL
Sumário: 1. No âmbito do contrato de empreitada, ocorrendo o incumprimento defeituoso assistem ao dono da obra os direitos previstos nos arts. 1221º e ss do CC - as chamadas pretensões edilícias-, que apenas podem ser exercidos segundo a ordem de prioridades ali contemplada. Porém, o exercício de tais direitos pressupõe a manutenção ou persistência do contrato. Ora, “in casu”, essa condição já não se verifica, pois que o dono de obra, de “motu próprio”, pôs fim ao negócio firmado com o empreiteiro mediante a sua operada desistência.

2. Tendo o dono da obra posto fim à empreitada pelo acto de desistência da empreitada, consentido pelo artº. 1229º do CC, não pode pedir a condenação do empreiteiro na conclusão da mesma, no pagamento de importâncias despendidas em tal conclusão, nem numa indemnização ou compensação.

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO

1. A... intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Nelas, a presente acção com processo ordinário contra B..., alegando, em síntese, que se dedicando-se à prestação de serviços de construção de pavilhões industriais e transformação de metais, normalmente em regime de empreitada, no âmbito dessa sua actividade, em 12/05/2003, celebrou um contrato de empreitada com a Ré, materializado em caderno de encargos e formas de pagamento, tendo por objecto a edificação de um pavilhão destinado a oficina de mecânica de automóveis no R/C e um corpo com dois pisos destinado a áreas administrativas e de apoio.
O valor global da empreitada foi de € 85.000,00, a pagar de acordo com as fases da obra.
Além dos trabalhos constantes do caderno de encargos, e a pedido da Ré, a A. realizou outros trabalhos que dele não constavam, que veio a descriminar e facturar, no valor de € 10.983,70.
A Ré não pagou a última prestação, no valor de € 10.000,00, como também não liquidou a última factura no valor de € 10.983,70, o que perfaz o valor global de € 20.983,70.
E assim fundada, conclui pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 20.983,70, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 547,30, e dos juros vincendos, à taxa legal em vigor.
A Ré apresentou, por seu turno, contestação e reconvenção, alegando ‑àquele título e também em síntese‑ que a A. não realizou todos os trabalhos constantes do caderno de encargos e, alguns dos realizados, não foram de acordo com o estipulado, não tendo a A. terminado a obra a que se obrigou, chegando mesmo a tê-la parada por vários meses.
Em reconvenção, aduz que em virtude da A. não ter concluído os trabalhos constantes do caderno de encargos teve de recorrer ao serviço de terceiros, tendo gasto a quantia de € 11.121,98.
E como assim, conclui pela improcedência parcial da acção, e pela procedência da reconvenção, com todas as legais consequências.
A A. replicou, no essencial impugnando a factualidade invocada pela Ré, concluindo como no petitório e pela sua absolvição do pedido reconvencional.

Seguindo os autos os seus normais trâmites, após o julgamento foi vertida nos autos douta sentença julgando a acção totalmente procedente e provada, condenando a Ré nos exactos termos peticionados.

Quanto à reconvenção, julgando-a na íntegra improcedente, por não provada, absolveu a A. do respectivo pedido.

2. Irresignado de novo com esta decisão, a Ré interpôs o vertente recurso de apelação, cujas alegações ‑visando a revogação da sentença e sua substituição por outra nos exactos preconizados na parte final de peça recursiva‑, encerra com as seguintes conclusões:

1) Ficou demonstrado que a A. executou com defeitos os trabalhos identificados nos pontos 16, 19, 20, 23, 24, 25 e 27 dos factos provados.

2) Se assim foi, a sentença recorrida deveria ter deduzido o custo da reparação desses defeitos ao preço da empreitada ainda em falta (ou ter remetido a liquidação desse custo para execução de sentença), em nome do princípio do enriquecimento sem causa e do disposto no artigo 1222 do C. Civil.

3) Mesmo que assim não fosse, poderia e deveria ter julgado justificado e legitimado o não pagamento do preço em falta da empreitada (10.000 €), enquanto a R. não reparasse esses defeitos, socorrendo-se neste caso do disposto no artigo 428 do C. Civil.

4) Só por deficiente interpretação dos factos dados como provados ou por erro de raciocínio, a sentença recorrida concluiu que o não cumprimento do contrato de empreitada é imputável à própria R., que soldou os portões de acesso ao pavilhão e impediu o representante da A. de lá entrar.

5) Isto porque somente se provou que esse comportamento da R. ocorreu a notificação avulsa que fez à A. para concluir os trabalhos, ficando sem se saber se ocorreu antes ou depois de decorrido o prazo de 20 dias que a R. concedeu à A. naquela notificação.

6) Sendo certo que se ocorreu antes, então a tese da sentença recorrida é defensável; Se ocorreu depois, então tal tese não faz o menor sentido, isto mesmo considerando que já depois da R. ter contratado outro empreiteiro para acabar a obra, a A. se ter apresentado (inutilmente) para o fazer, como resulta dos pontos 10 e 11.

7) Sem que se tenha averiguado e provado o momento temporal exacto em que esse acto se verificou, não tem o Tribunal elementos que permitam imputar à R. qualquer grau de culpa no não cumprimento do contrato de empreitada.

8) Existem obras que confessada e demonstradamente a A. não executou (as dos pontos 19, 20, 23 e 28 da fundamentação de facto da sentença) e que a R. não pode nem deve pagar, por não ter beneficiado do respectivo trabalho.

9) Nenhuma prova foi produzida no sentido de ter ficado demonstrado que a A. efectuou trabalhos a mais para a R. no valor de 10.983,70 €.

10) Bem pelo contrário, três testemunhas da R. (C... , D... e E... ) afirmaram não só que o número de horas de compressor e de máquina eram excessivas, como os preços superavam os praticados no mercado, como até que a fossa para a cabine de pintura já fazia parte do contrato inicial de empreitada.

11) Não é compreensível que o Tribunal recorrido justifique quer a natureza quer o valor dos trabalhos a mais apenas com base numa factura que a A. emitiu por sua exclusiva lavra e sem qualquer controle da R, como ficou bem patente na fundamentação apresentada pela Ma. Juiz na resposta ao quesito 2°.

12) No entender da R. o Tribunal não tinha elementos para fixar o valor exacto desses trabalhos a mais, daí que devesse remeter as partes para liquidação desse valor em execução de sentença.

13) Estando provado nos pontos 9 e 13 da sentença que a R. só mandou soldar a porta depois da A. ter recebido a notificação avulsa e de não ter concluído os trabalhos no prazo que lhe foi concedido, está mais que legitimada a entrega a terceiros das obras não acabadas.

14) Daí que a reconvenção devesse ter sido julgada procedente, ainda que parcialmente, por forma a que a R. pudesse ser compensada dos custos das obras identificadas nos pontos 14, 16, 28 dos factos provados.

15) Foram incorrectamente julgados os pontos 5 e 18, que deveriam ter sido dados como não provados, em face de total ausência de prova sobre a matéria dos mesmos e dos depoimentos das já referidas testemunhas C..., D... e E....
16) A sentença recorrida violou ou interpretou incorrectamente os artigos 428, 473, 1207, 1222, 883 e 884 do C. Civil.

                3. Não foram apresentadas contra-alegações.
                Uma vez que nada a tal obsta, cumpre decidir.

                II – FACTOS
Na douta sentença foi vertida, como provada, a seguinte factualidade:
1 – A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de construção de pavilhões industriais e transformação de metais, normalmente em regime de empreitada – (Al. A).
2 - No âmbito dessa sua actividade, em 12/05/2003, a A. celebrou um contrato em regime de empreitada com a R, a seu pedido, contrato esse que se materializa no caderno de encargos e formas de pagamentos que consta do doc. nº 1, com o seguinte teor:
Exmos Senhores
A B.....
......................
Nelas 12/05/03
Caderno de Encargos.
De acordo com o nosso orçamento vimos apresentar os trabalhos e materiais a aplicar na construção de um pavilhão, com as seguintes medidas 35mx15mx6m:
- Projecto e cálculos apresentado na Câmara Municipal de Seia.
- Abertura de sapatas e seu preenchimento em betão armado.
- Viga de travamento em betão armado.
- Colocação de montantes para montagem de estrutura metálica.
- Montagem de pilares e asnas.
- Colocação de madres na cobertura e paredes laterais.
- Aplicação de blocos 50x20x20 nas paredes exteriores ate a altura de 2m.
- Rebocar as paredes interiormente.
- Colocação da cobertura em painel isotérmico de 3cm de exp.
- Colocação de painel nas paredes exteriores ate ao chão de 4cm de exp.
- A platibanda será em chapa lacada.
- A estrutura dos escritórios e casas de banho será metálica.
- As paredes das casas de banho e escritório em tijolo.
- A placa será do tipo Metálico e preenchida a betoni1ha.
- Os pavimentos do refeitório, casas de banho e escritório em tijoleira de grés.
- As paredes das casas de banho em azulejo branco.
- Levará uma escadaria em ferro de acesso ao refeitório respectivos corrimões.
- As pinturas serão a tinta plástica.
- As caixilharias em alumínio lacado ­
- Dois portões em painel isotérmico de correr.
- A parte eléctrica será simplificada.
- As aguas e telefones ligados à rede publica.
Desta forma as modalidades de pagamento requerem a seguinte ordem:
Pagamento inicial adjudicação.------------------------- 15.000 €.
Colocação da viga cinta tout-venant e compactação---20.000€.
Colocação de estruturas metálicas-----------------------20.000 €.
Colocação de cobertura e paredes------------------------20.000 €.
N a conclusão dos trabalhos--------------------------------10.000 €
                                                                                        85.000 € - (Al. B).
3 - Desse documento constam discriminadamente os trabalhos que a A. se propôs e era obrigada a realizar, os quais consistiam genericamente na edificação de um pavilhão destinado a oficina de mecânica de automóveis no r/ch, e um corpo com dois pisos m de elaboração de projectos de cálculos não constando do mesmo prazo para a execução da obra – (Al. C).
4 - O valor global da empreitada seria de 85.000,00 € pagos de acordo com as fases e avanços da obra, como de resto constava explicitamente do mesmo Caderno de Encargos – (Al. D).
5 - Para além dos trabalhos discriminados no Caderno de Encargos foi ainda solicitado expressamente à A. por parte da Ré a realização de outros trabalhos que dele não constavam, nomeadamente a construção de um muro de suporte de terras e a abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem, trabalhos estes que importaram em € 10.983,70 – (Al. E) e quesito 2º).
6 - A 28.7.2004 a R. requereu a notificação judicial da A. para, no prazo de 20 dias, que reputou suficiente, terminar as obras, notificação que foi recebida pela A. a 1.9.2004 – (Al. G).
7 - Ocorreram atrasos na execução dos trabalhos pela A., o que determinou que a Ré procedesse à notificação referida em G) – (Quesito 3º).
8 - À data da notificação referida em G) a A. executava os trabalhos acordados, tendo-lhe o representante da R. transmitido a sua urgência na conclusão da obra – (Quesito 13º).
9 - Após a notificação referida em G) a R. mandou soldar a porta das instalações onde decorriam os trabalhos, impedindo a entrada ao responsável da A. – (Quesito 14º).
10 - Apesar disso, a A. tentou concluir os trabalhos, e transmitiu à R. a sua vontade de cumprir o acordado – (Quesito 15º).
11 - Foi a R. que se opôs a que a A. concluísse os trabalhos acordados – (Quesito 16º).
12 - A 1.10.2004 a A. emitiu e enviou à Ré as facturas n.°s 37, no montante de € 10.000,00, referente à última prestação do preço inicialmente acordado, e 38, no valor de € 10.983,70, respeitante aos trabalhos a mais, tendo a Ré devolvido tais facturas por carta datada de 7.10.2004 – (Al. F).
13 - A A. não concluiu os trabalhos no prazo concedido pela R. na notificação mencionada em G), tendo esta recorrido ao serviço de terceiros para terminar a obra – (Quesito 8º).
14 - A Ré gastou € 529,67 na instalação telefónica, e em 5 portais a R. gastou € 1.012,81 – (Quesitos 9º e 10º).
15 - A A. mandou fazer por medida e adquiriu os portais, tendo-os transportado para a obra, não tendo sido colocados porque a R. o impediu – (Quesito 23º).
16 - A R. suportou o custo do assentamento de alguns azulejos nas casas de banho, colocados após o assentamento dos polibans, e uma segunda pintura interior – (Quesito 11º).
17 - A altura das paredes ficou a 1,70 mts. do chão, ao contrário dos 2 mts. previstos no caderno de encargos, o que se deveu à vontade da própria Ré – (Al. H e quesito 17º).
18 - Os painéis das paredes exteriores não podem tecnicamente ser colocadas até ao chão, pois o metal e polioretano, em contacto com a humidade, deterioram-se – (Quesito 18º).
19 - A A. não efectuou a ligação das águas e telefones à rede pública, não construiu fossas sépticas nem condutas de drenagem das águas pluviais – (Al. I).
20 - A ligação das águas e telefones à rede pública fazia parte do caderno de encargos – (Quesito 1º).
21 - A ligação das águas à rede pública não foi efectuada para além da parede exterior por não existir água e saneamento – (Quesito 20º).
22 - Na zona industrial onde foi erigida a obra estava prevista a ligação futura à rede pública de esgotos – (Quesito 22º).
23 - Do caderno de encargos consta que os painéis das paredes exteriores seriam colocados até ao chão, o que a A. não cumpriu – (Al. J).
24 - O escritório e as casas de banho necessitam de nova pintura – (Quesito 4º).
25 - As caixilharias de alumínio no escritório permitem a entrada de água – (Quesito 5º).
26 - Nas caixilharias de alumínio foi colocado silicone após a sua aplicação, com o fim de obstar à infiltração de água – (Quesito 19º).
27 - O pavimento referido no último item do caderno de encargos apresenta fissuras – (Quesito 6º).
28 - A instalação da electricidade e do equipamento da R. implicava uma nova demão de pintura, que a A. não executou – (Quesito 7º).

IIII – DIREITO

1. Como é sabido, e emerge do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões das alegações da Recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas.
Nessa medida, e tendo em mente o quadro de sintéticas proposições finais antes reproduzido, cuidemos, sem mais delongas, de tais questões.

2. Antes de mais, deflui de tal quadro que a Recorrente, visando a revogação da douta sentença ora sob recurso, põe preliminarmente em crise a decisão da matéria de facto no que tange às respostas conferidas aos quesitos 2º e 12º da Base Instrutória.

Naquele primeiro quesito perguntava-se ‑considerando a remissão nele operada para a alínea E), da Especificação‑, o seguinte:

‑ “Para além dos trabalhos discriminados no Caderno de Encargos foi ainda solicitado expressamente à A. por parte da Ré a realização de outros trabalhos que dele não constavam, nomeadamente a construção de um muro de suporte de terras e a abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem, trabalhos estes que importaram em € 10.983,70?”;

E no outro:

‑ “Foi acordado entre A. e R. que a abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem ficaria a fazer parte do caderno de encargos, não implicando qualquer custo adicional?”.

Enquanto a este último quesito a Mmª. Juíza conferiu resposta rotundamente negativa, àquele outro, ao invés, outorgou-lhe resposta integralmente afirmativa.

A Ré/Recorrente insurge-se contra estas respostas, sustentando que devendo a resposta quanto ao último ser, contrariamente ao que aconteceu, totalmente positiva, por sua vez a resposta deferida ao primeiro, desde logo na parte integrada pela matéria daquele abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem‑, deveria contrapostamente ‑por força desse propugnado pronunciamento positivo‑, pautar-se por um veredicto de pendor negativo.

Que dizer?

2.1. Analisando a douta motivação ora em causa, constatamos que, no tocante ao quesito 2º, a Mmª. Juíza fundou a sua convicção ‑norteadora dessa resposta positiva abrangente de toda a matéria nele versada‑, nos docs. juntos de fls. 5 a 9 dos autos, ou seja, no contrato de empreitada celebrado pelas partes ‑entre o mais inserindo o rol (“Caderno de Encargos”) dos trabalhos e materiais a aplicar na obra a realizar‑, e nas duas facturas enviadas pela A. à Ré contendo a discriminação dos trabalhos alegadamente por aquela efectuados e ainda em dívida, facturas cujos montantes constituem justamente o cerne da pretensão pela mesma accionada.

No que tange ao quesito 12º, lê-se por sua vez, nessa douta motivação, verificar-se que os trabalhos nele reportados “… não constam do caderno de encargos dos autos (fls. 5-6), tendo sido incluídos na factura de fls. 7, respeitante a trabalhos a mais. O responsável da obra (F...) declarou ser sua convicção que se tratava de trabalhos a mais; a testemunha C..., já referida, descreveu que o representante da R. esteve indeciso em colocar no local a cabine antiga que tinha, que implicava uma fossa pequena, ou uma cabine maior, que implicava uma fossa maior, tendo o representante da A., na presença da testemunha, solicitado uma decisão, por pretender executar os trabalhos apenas uma vez, mais referindo que os mesmos seriam pagos à parte ‑o que vem de encontro à tese defendida pela A.. Assim se provou o contrário, razão para a resposta negativa ‑esclarecendo-se que nenhuma outra testemunha indicada a este facto demonstrou ter dele conhecimento.”

A Recorrente adversa desde logo frontalmente esta fundamentação aduzida ao quesito 12º, dizendo que, além de nenhuma testemunha ter afirmado que a A. contratou com a Ré a abertura de fossas para a cabine de pintura e lixagem como se fosse um trabalho a mais, o certo é que no seu depoimento a testemunha C... o que referiu foi coisa bem diferente daquela mencionada nessa fundamentação.

Com efeito, o que tal testemunha narrou ‑prossegue a Recorrente‑, foi que o dito representante da A. apenas se referiu a custos adicionais se houvesse alterações depois da abertura da primeira fossa, fosse esta para a cabine de pintura nova fosse para a antiga, ou seja, o que seria pago à parte, como trabalhos a mais, era uma qualquer alteração posterior à fossa que iria ser aberta, fosse ela para que cabine fosse. Não ‑conforme essa fundamentação‑, que logo a primeira abertura, independentemente de qual a cabine nela aplicada, teria de ser paga à parte, como trabalho extra em relação ao inicialmente contratado.

Diga-se desde já que, sem quebra do muito respeito, assiste razão à Recorrente na versão que ‑contrapondo à da Exmª Julgadora‑, defende ter sido a narrada pela testemunha C..., ilação que o registo gravado do depoimento da mesma inequivocamente patenteia. Incorrectamente, sem dúvida, aferiu a Mmª. Juíza desse depoimento.

O mesmo já não haverá que dizer, porém, quanto ao outro testemunho pela mesma invocado, o do aludido responsável da obra, F..., nesta parte falecendo pois razão à Recorrente quando pretende excluir a existência de qualquer outro depoimento agora no sentido de serem os trabalhos em apreço trabalhos a mais.

Mas então, frente a estes antitéticos elementos, parece de perguntar ‑que juízo emitir acerca da convicção manifestada pela Exma Magistrada no que concerne ao quesito 12º em atinência.

Salvo melhor opinativo pensamos, porém, que a questão se apresenta de todo despicienda, pois, independentemente da credibilidade a conferir a um e outro dos enfocados depoimentos, jamais uma resposta positiva ao quesito em presença poderá resultar de uma opção entre os mesmos, designadamente no sentido daquele prestado pela testemunha C...

Se não, vejamos.

Como decorre do que se vem a expender, e dimana, de resto, e patentemente do teor dos acima elencados Factos 1) a 4), A. e Ré celebraram, a pedido desta, um contrato escrito de empreitada no qual, sob a rubrica “Caderno de Encargos”, enunciaram, listando-os, todos os trabalhos e materiais a aplicar na construção do pavilhão a erigir por aquela.

Iniciada a construção da obra, a A., em determinado momento, veio a efectuar a abertura de fossas para a implantação da cabine de pintura e lixagem.

Estes trabalhos não constam do elenco integrante do aludido “Caderno de Encargos” e, tendo a A. apresentado à Ré a facturação dos mesmos como trabalhos a mais, esta contrapõe que entre ambas foi verbalmente acordado que tais trabalhos ficariam a fazer parte desse aludido elenco, por isso não implicando qualquer custo adicional para ela, Ré.

Como assim, a haver essa alegada estipulação sido realmente firmada entre as Litigantes, temos que a mesma representaria em relação ao conteúdo escrito do contrato uma cláusula adicional, sendo que ‑consoante expende Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos[1]‑, configura-se como tal a cláusula que “acrescenta alguma coisa ao que no documento se declara”, ou ‑conforme o Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos “traz algo de novo e modificativo ao negócio.”

Ora, a este respeito, o artº. 394º do Cód. Civil ‑sob a epígrafe “Convenções contra o conteúdo de documento ou além dele”‑, preceitua no seu nº 1 que “[é] inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.”

Como se elucida no Ac. da R.L. de 18.12.2001[2], “[a] razão de ser desta proibição de prova testemunhal … em detrimento do princípio da livre admissibilidade dos meios de prova, aflorado no artigo 655º, nº 1, do CPC, prende-se com o objectivo de evitar que prevaleça a prova testemunhal ou por presunção judicial (artº. 351º do CC), meios probatórios de reconhecida falibilidade, sobre a prova documental que, por natureza, é mais segura.” No mesmo sentido, escreve Rodrigues Bastos[3], “[t]rata-se de uma preferência absoluta dada à prova escrita sobre o testemunho, quando estes dois meios de prova se acham em conflito.”

Nestes termos, e volvendo ao caso em análise, logo se conclui que, ainda que esse acordo invocado pela Ré, no sentido de tudo se passar em relação à abertura das fossas para a cabine como se a mesma fizesse abinício parte da lista do “Caderno de Encargos” subscrito por ela e pela A., não envolvendo pois o pagamento de qualquer importância além do preço estabelecido para o conjunto da obra empreitada ‑ ainda que esse invocado acordo, dizíamos, tivesse realmente ocorrido, seguro é que ‑no caso de denegação de banda da Contraparte, como “in casu” sucede‑, jamais a sua comprovação seria viável mediante prova por testemunhas, subsistindo sempre o conteúdo do documento, omisso em relação a tal trato meramente consensual.

Ora assim sendo, como é, temos que, conforme antes referido, a consideração de qualquer dos depoimentos testemunhais em apreço surge inócua, irrelevante ‑notadamente esse de C...‑, pelo que inexistindo qualquer outro meio de prova diferente, em face do teor do ventilado “Caderno de Encargos”, a resposta ao quesito 12º não pode deixar de ser negativa, na linha do, apesar de tudo, expresso pela Mmª. Juíza.

E nesta decorrência, e como fácil se torna antever, a matéria do quesito 2º, na parte referente à mesma abertura de fossas da cabine, tem de ser objecto de pronunciamento diametral oposto, que o mesmo é dizer positivo, uma vez mais fazendo valer “ a contrario” o imperativo teor do doc. de fls. 5-6, seja, o contrato firmado entre as Litigantes.

E assim, e por isso que a Ré não pôs em causa o valor facturado pela A. por tal trabalho ‑€ 1.500,00 + 19% de IVA: doc. de fls. 7‑, também esse correspondente valor não pode deixar de se considerar demonstrado, com os inerentes reflexos na resposta a conferir ao quesito.

2.2. Aqui chegados, importa ainda cuidar, já se vê, da restante pronúncia emitida em relação a esse mesmo quesito ‑quesito 2º‑ , cujo teor ora se relembra:

“Para além dos trabalhos discriminados no Caderno de Encargos foi ainda solicitado expressamente à A. por parte da Ré a realização de outros trabalhos que dele não constavam, nomeadamente a construção de um muro de suporte de terras e a abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem, trabalhos estes que importaram em € 10.983,70?”

Em aberto apresenta-se pois a questão da edificação do muro de suporte de terras e respectivo preço.

No que tange a este trabalho a Ré, na sua douta contestação, aceita expressamente a realização do mesmo pela A., e a sua não abrangência pelo já mencionado “Caderno de Encargos”, logo, trabalho a mais.

Na factura constitutiva do doc. de fls. 7, em relação a este trabalho inserem-se várias parcelas de operações integrantes do mesmo, e do confronto de tal factura com a aludida contestação verifica-se que a Ré apenas põe em causa as ali inscritas “40 horas de utilização de máquina”, que a mesma reputa deverem quando muito cifrar-se em 15 horas, e as “30 horas de compressor”, tempo que ela se limita a taxar de “excessivo”, não adiantando porém outro alternativamente a considerar.

Como assim, conclui-se que a mesma, do rol de preços exarados na factura, aceita sem mais o valor global de € 6.130,00, acrescido de IVA à já mencionada taxa de 19%.

Quanto àquelas duas parcelas, que como decorre da sua resposta cabalmente afirmativa outorgada a todo o quesito, a Mmª. Juíza também deu como comprovadas nos termos reclamados, a Ré/Recorrente, adversando essa resposta, sustenta que o depoimentos das suas testemunhas, D... e E..., ambas a referir que quer a quantidade de horas, quer os respectivos preços unitários debitados pela utilização do compressor e da máquina são exagerados e exorbitantes, impunham diferente veredicto, sendo certo que nenhumas outras testemunhas o Tribunal a respeito do assunto ouviu, fundamentando-se para o efeito apenas e só no teor da factura.

Vejamos.

Ouvidos desde logo os depoimentos das aludidas testemunhas, constatamos que daquele prestado pela primeira‑ D...‑, nada de esclarecedor é possível extrair a respeito das questões em atinência, pois, diversamente do afirmado pela Recorrente, e sempre salvo o muito respeito, a mesma nenhuma menção fez ‑sequer indirecta‑, à utilização de máquinas de remoção de terras e compressores, nem, como é óbvio, a preços horários praticados em tal contexto.

Diversamente, porém, em relação à outra testemunha, E....

Com efeito, esta, que fez a abertura para os alicerces dos restantes muros implantados no lote do pavilhão da Ré e bem assim os aterros e desaterros levados a efeito no lote vizinho, operações estas com um volume de movimentação muito semelhante ao daquele outro, refere que os trabalhos de máquina realizados pela A. teriam no máximo tido a duração de 25 horas. Por outro lado, dizendo a testemunha fazer também o aluguer de compressores, excepção feita ao preço por si praticado nesse aluguer, nenhum pronunciamento fez a respeito das horas de utilização possivelmente efectuadas pela A. na obra.

Afigurando-se este testemunho, além de indiscutivelmente autorizado, merecedor de credibilidade, e uma vez que nenhum outro teve lugar relativamente às vertentes questões ‑apenas a testemunha da A., e trabalhador ao serviço desta, G..., referiu “ter feito o muro de suporte de terras”, por esta afirmação se ficando‑, pensamos ser de conferir razão à douta impugnação da Recorrente apenas no que tange à facturada duração da utilização da máquina, a qual reduzimos para as apontadas 25 horas, mantendo porém o indicado valor de € 25,00/hora. No que toca à utilização do compressor, quedando-se indemonstrada a excessiva duração alegada pela mesma, surge-nos ajustado confirmar na íntegra os termos da respectiva facturação e, assim, o atinente pronunciamento por parte da Exmª Magistrada.

2.3. Frente a tudo o exposto, e em suma, impõe-se proceder à modificação ‑conquanto que em expressão parcamente significativa‑, da resposta ao quesito 2º a que nos vimos atendo, a qual passará a ser como segue:

“Provado apenas que para além dos trabalhos discriminados no Caderno de Encargos foi ainda solicitado expressamente à A. por parte da Ré a realização de outros trabalhos que dele não constavam, nomeadamente a construção de um muro de suporte de terras e a abertura de fossas para a cabina de pintura e lixagem, trabalhos estes que importaram em € 10.452,66.”

3. Insurge-se também a Recorrente contra a resposta outorgada ao quesito 18º, onde se perguntava: “os painéis das paredes exteriores não podem tecnicamente ser colocadas até ao chão, pois o metal e poliuretano, em contacto com a humidade, deterioram-se?”

Aduz a Recorrente que, embora do comprovado Facto 23) conste que “os painéis das paredes exteriores em poliuretano seriam colocados até ao chão, o que a A. não cumpriu”, o certo é que a testemunha C..., já mencionada, no seu depoimento referiu que existem técnicas para evitar a deterioração do material, designadamente a implantação de uma drenagem à volta do pavilhão.

Pensamos, salvo o muito respeito, não poder ser conferida razão à Recorrente.

É que, como referiu a também já aludida testemunha F..., referenciada na motivação à resposta ora em causa, tendo a hipótese de a implantação dos painéis não se estender até ao chão ‑conforme veio a acontecer‑, sido colocada ao representante da Ré, o mesmo em tal acedeu, bem como na substitutiva colocação de areado no espaço de cerca de 60 cms compreendido entre o limite dos painéis e o solo.

Assim, havendo que concluir que o projecto acordado não previa o recurso a qualquer das técnicas aludidas pela testemunha C... ‑certamente implicativas de inerentes custos acrescidos ‑, e sendo verdade ainda que, de conformidade com o afirmado pela testemunha F...., a aplicação dos painéis nos termos efectuados não implicou a “poupança” de qualquer material para a A., já que o corte das chapas se verificou no local, havendo assim que concluir ‑dizia-se‑, não podemos deixar de concordar com a resposta em análise, na perspectiva em que, de acordo com a aplicação contratada ‑a “técnica” prevista e ajustada‑, a colocação até ao chão era de todo desaconselhável.

Nestes termos, improcedendo a douta objecção recursória, mantém-se a resposta em apreço inalterada.

4. Chegados assim ao fim da apreciação à douta impugnação do julgamento fáctico, temos que resultando a mesma apenas parcialmente vitoriosa no concernente ao acima transcrito Facto 5) ‑o quantitativo dos trabalhos aí mencionado impõe-se que seja reduzido para € 10.452,66‑, é em função dessa alteração e da demais factualidade inventariada na douta sentença que se impõe conhecer e decidir das restantes questões ‑agora de índole jurídica‑ suscitadas pela Recorrente.

5. Em tal conspecto, sustenta desde logo a mesma que tendo ficado demonstrado que a A. executou com defeito os trabalhos identificados nos Factos 16), 19), 20), 23), 24) 25) e 27), a sentença recorrida deveria ter deduzido o custo da reparação desses defeitos ao preço da empreitada (ou ter remetido a liquidação desse custo para execução de sentença), em nome do princípio do enriquecimento sem causa e do disposto no artº. 1222º do C. Civil.

Que dizer? Vejamos um vez mais.

5.1. Ante os elementos factuais apurados não restam dúvidas de que, tal como o expendido na douta sentença, A e Ré celebraram um contrato de empreitada, especialmente regulado nos arts. 1207º e ss, do Código Civil[4], tendo por objecto a edificação por aquela das instalações ‑pavilhão e corpo adjacente com dois pisos‑, destinadas ao funcionamento da oficina de mecânica propriedade da última.

Sendo este contrato, como sabido, um contrato sinalagmático, dele nascem para os respectivos participantes obrigações recíprocas e interdependentes.

Assim, e conforme o artº. 1208º, ao empreiteiro, no cumprimento do seu dever principal, impõe-se-lhe executar a obra em conformidade com o acordado e sem vícios. A este dever corresponde, em contraponto, o direito do dono da obra a que esta lhe seja entregue dentro do prazo e executada nos precisos termos ajustados.

Por sua vez sobre o dono da obra recai, a título de principal dever, o de pagar o preço acordado, o qual, por via de regra, é fixado até ao momento da celebração do contrato, podendo ser determinado de um modo global, usualmente designado por preço “a forfait”, a corpo, ou “per aversionem”.

Na falta de convenção ou uso em contrário, este preço ‑consoante o disposto no artº. 1211º, nº 2‑, deve ser pago no acto da aceitação da obra, regra que se assume com um carácter marcadamente supletivo, sendo certo que, mormente no caso de empreitada de construção de imóveis, o pagamento do preço é frequentemente escalonado, distribuindo-se por períodos ou fases determinados, em função do trabalho realizado. Com efeito, a lei não proíbe que se conjugue o critério “a forfait” ‑em relação à obra global e na conclusão desta‑, com o preço unitário, hipótese em que os pagamentos se devem efectuar em correspondência com os preços dos trabalhos parcelares, mas limitados no seu todo pelo preço “a forfait” que em caso algum poderá ser excedido.

Configurando-se pois empreitada como um contrato, à semelhança de qualquer outro ‑anote-se ainda‑ deve ser pontualmente cumprido, que o mesmo é dizer, as partes devem efectuar as prestações a que se vincularam nos exactos termos acordados ‑conforme nº 1, do artº. 406º‑, e, no cumprimento correspondente, impõe-se-lhes proceder em absoluta boa fé ‑artº. 762º, nº 2.

5.2. Expostas estas noções e baixando ao caso dos autos, constata-se que tendo a A. e a Ré firmado o aludido convénio, e estabelecido os trabalhos a executar pela primeira e o preço global a pagar pela segunda, distribuído por preços parcelares a satisfazer em função das fases ou avanços da obra ‑Factos 2) a 4)‑, nada estipularam, porém, a respeito do prazo para a realização e conclusão da obra.

Iniciada a execução dos trabalhos, no desenvolvimento da mesma ocorreram atrasos por parte da A. ‑Facto 7)‑, o que determinou a que a dona da obra ‑a Ré/Recorrente‑, procedesse, em 28.07.2004, à notificação judicial daquela para, no prazo de 20 dias, que reputou suficiente, terminar as obras ‑ Facto 6).

Esta notificação foi recebida pela A. a 1.09.2004 ‑Facto 6, última parte‑, e a esta data a A. executava os trabalhos acordados, tendo-lhe o representante da R. transmitido a sua urgência na conclusão da obra‑ Facto 8).

Ora, ante esta factualidade, desde logo cumpre dizer que não tendo as partes fixado, como se disse, o prazo para a consecução da obra, e não constituindo esta obrigação uma obrigação pura‑ vencível acto contínuo à interpelação do devedor para o cumprimento‑, dado que as prestações tendentes a tal realização postulam necessariamente o seu prolongamento no tempo, à Ré não era, em principio, lícito recorrer sem mais à notificação judicial avulsa e, de modo unilateral, impositivamente estabelecer um prazo, como fez.

Antes se lhe impunha ‑conforme a lição de Pedro Romano Martinez[5] ‑, lançar mão do disposto nos arts. 400º, nº 2 e 777º, nº 2‑, e obter do tribunal a fixação desse prazo até então não convencionado.

Porém a Ré assim não fez, e efectuada essa notificação, tudo aponta ‑consoante bem se observa na douta sentença‑, para que a A. se tenha conformado com o seu teor, aceitando pois tal fixação do prazo levado a efeito, em seu alvedrio, pela Contraparte.

Assim sendo, como é, força é considerar que mediante essa notificação e inerente comportamento da A., ao contrato passou a assistir um prazo final ou limite para a ultimação das obras, assim “a posteriori” instituído, a cuja observância a mesma, na sua qualidade de empreiteira, ficou vinculada.

Mas não só.

Na mesma notificação, e a par da indicação de tal prazo-limite, a Ré adiantava também uma consequência para a eventualidade de a A., desrespeitando-o, não concluir dentro dele a obra, qual seja ‑e passamos a citar‑, “ficar livre para solicitar junto de terceiro a respectiva conclusão.”

Quer dizer, além de estabelecer um termo para a finalização da obra, a partir da qual a A. incorreria em retardamento ou dilação ‑mora‑ no cumprimento da respectiva obrigação, a Ré impôs esse termo como inultrapassável, sob pena de, no caso contrário, se considerar desvinculada do contrato.

Como assim, temos que a Ré levou logo a efeito uma declaração intimidativa, habitualmente designada de interpelação cominatória ou admonitória, nos termos da qual, considerando o contrato definitivamente incumprido, o resolvia automaticamente de conformidade com o disposto no artº. 808º, nº 1, com referência aos arts. 801º e 802º.

Sendo esta dupla e simultânea indicação ‑do prazo para cumprir e da consectária imediata desvinculação em caso de inadimplência‑, admissível e legítima, pese a letra desse nº 1, do artº. 808º[6], sucede que também nessa parte da cominação a A. nada deduziu contra a mesma nela, outrossim, concedendo e assentindo.

E estando este o estado de coisas implementado, sabe-se que a Ré a certa altura ‑Facto 9)‑ mandou soldar a porta das instalações onde decorriam os trabalhos, impedindo a entrada do responsável da A..

Apesar disso, a A. tentou concluir os trabalhos, e transmitiu à R. a sua vontade de cumprir o acordado ‑ Facto 10)‑, ao que a Ré se opôs ‑Facto 11).

Como quer que seja, a. A. não concluiu os trabalhos no prazo concedido pela Ré na notificação judicial, tendo esta recorrido a terceiros para terminar a obra ‑Facto 13.

Ora, representando essa atitude de frontal oposição da Ré, se bem cuidamos, não uma simples falta de cooperação com a A., susceptível de fazer incorrer aquela em mora (“credendi”), nos termos do artº. 813º, e assim “justificar” o eventual atraso da mesma A. no cumprimento da obrigação ‑conclusão dos trabalhos no prazo peremptório fixado‑, não representando essa conduta simples falta de cooperação ‑ dizia-se‑, mas uma autêntica desvinculação do contrato, um pôr fim ao mesmo por parte da Ré, este rompimento unilateral apenas poderia ser considerado válido e eficaz uma vez comprovados os pressupostos condicionantes da respectiva verificação.

Ou seja, para a Ré levar a efeito esse intento resolutivo, tendo em conta a notificação admonitória por ela antes operada, mister seria que a mesma lograsse a demonstração de que tal intento ‑“rectius” a sua materialização nesses actos de soldar as portas e opor-se a que a A. concluísse, como era seu propósito, os trabalhos acordados-, havia tido lugar já após o decurso desse termo-limite fixado em tal notificação e, como é óbvio, achando-se a empreitada por findar.

No entanto, e como deflui dos acima coligidos factos, a Ré apenas almejou comprovar que a A. não findou os trabalhos no prazo estipulado na notificação, não conseguindo o mesmo no tocante ao momento em que, considerando o contrato resolvido, protagonizou aqueles actos exteriorizadores, veiculativos, de tal entendimento.

Nesta decorrência, o contrato não se pode ter por validamente ‑com justa causa ou motivo ‑ resolvido pela Ré.

Assim sendo, mas por isso que, não obstante essa falta de legítimo fundamento, a mesma pôs efectivamente termo de sua banda ao contrato celebrado com a A., estando ele ‑que o mesmo é dizer, a obra contratada‑, ainda por concluir, na linha do decidido pelo nosso Tribunal Supremo, por seu Acórdão de 23.10.1997[7], impõe-se concluir que a Ré, mediante essa unilateral destruição do respectivo vínculo, mais não fez, ao fim e ao resto, que desistir de tal contrato.

Desistência que, sendo ‑uma vez mais na lição do Prof. Pedro Romano Martinez[8]‑, uma faculdade discricionária do dono da obra, não carecida de fundamento nem de qualquer pré-aviso ou forma especial, nem passível de apreciação judicial, o artº. 1229º expressamente admite, condicionada à indemnização do empreiteiro pelos seus gastos e trabalho e pelo proveito que poderia tirar da obra: em suma, danos emergentes e lucros cessantes respectivos.

5.3. Aqui chegados, impõe-se-nos voltar a encarar directamente a douta objecção recursória determinante desta exposição que vimos de efectuar, no entanto imprescindível para devidamente se aferir e decidir de tal objecção.

Consoante se referiu, a Ré/Recorrente defende que tendo ficado patenteado que a A. executou com defeitos os trabalhos reportados nos Factos 16), 19), 20), 23), 24) 25) e 27), a sentença recorrida deveria, ou ter deduzido o custo da reparação desses defeitos ao preço da empreitada, ou, em alternativa, remetido a liquidação desse custo para execução de sentença, tudo em nome do princípio do enriquecimento sem causa e do preceituado no artº. 1222º.

Para comodidade, reiteremos aqui, antes de mais, o teor desses mencionados Factos.

Assim:


16 - A R. suportou o custo do assentamento de alguns azulejos nas casas de banho, colocados após o assentamento dos polibans, e uma segunda pintura interior;
19 - A A. não efectuou a ligação das águas e telefones à rede pública, não construiu fossas sépticas nem condutas de drenagem das águas pluviais;
20 - A ligação das águas e telefones à rede pública fazia parte do caderno de encargos;
23 - Do caderno de encargos consta que os painéis das paredes exteriores seriam colocados até ao chão, o que a A. não cumpriu;
24 - O escritório e as casas de banho necessitam de nova pintura;
25 - As caixilharias de alumínio no escritório permitem a entrada de água; e
27 - O pavimento referido no último item do caderno de encargos apresenta fissuras.

Ora, tendo presente que, consoante decorre do artº. 1208º, os defeitos de obra podem consistir em deformidades ‑discordâncias entre o que foi realizado e o plano acordado‑ e em vícios ‑imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato‑, logo concluímos que apenas seriam classificáveis como defeituosos, no quadro acima elencado, os trabalhos dos Factos 23) a 27). Quanto aos demais, constituem eles trabalhos que a A., pura e simplesmente, não realizou, não lhes sendo por isso aplicável, ao invés do pretendido pela Recorrente, essa qualificação.

Centrando-nos nesses trabalhos aparentemente defeituosos, e considerando antes de mais o do Facto 23) ‑colocação dos painéis das paredes exteriores‑, vemo-nos conduzidos a diferente inferência, tendo em mente o correlacionado Facto 18), supra transcrito. Com efeito, deste Facto deflui a impossibilidade de tais painéis serem colocados até ao chão, pois o metal e poliuretano, em contacto com a humidade, sofrem deterioração.

Assim, e tendo presente tudo o antes plasmado sob o item III, 3., não podemos deixar de propender para que, apesar do contratado, mas até por isso, de forma nenhuma censurável se houve a A. ao colocar os painéis a altura do solo apta a evitar essa mencionada degradação

.

Quanto aos demais trabalhos ‑ dos Factos 24) a 27) ‑, constituem os mesmos, sem sombra de duvida, trabalhos defeituosos, mais precisamente na vertente de vícios.

Ora ‑pergunta-se‑, impõe-se em relação aos mesmos, conforme o pretendido pela Recorrente, a dedução do custo da reparação dos mesmos ao parcelar preço da empreitada ainda em falta?

Salvo o muito respeito, pensamos que não.

Com efeito, é sabido que no âmbito do contrato de empreitada, ocorrendo o incumprimento defeituoso, à parte lesada, ao dono da obra, embora assistam os direitos previstos nos arts. 1221º e ss. ‑ as chamadas pretensões edilícias‑, os mesmos apenas podem ser exercidos segundo a ordem de prioridades ali contempladas ‑sendo que a redução do preço nem integra o primeiro lugar de tal ordem sequencial. Por outro lado, e tal como expende o Prof. Pedro Romano Martinez[9], o exercício de tais direitos pressupõe a manutenção ou persistência do contrato.

Ora, “in casu”, e como vimos, essa condição já não se verifica, pois que a Ré, de “motu próprio”, pôs fim mediante a sua operada desistência ao negócio com a A. firmado.

Deste modo, e se bem cuidamos, à Ré não é já possível operar qualquer reacção contra a A. no tocante a esses defeituosos trabalhos, nem sequer recorrendo à via subsidiária ‑como vimos que também faz‑, do enriquecimento sem causa, além do mais por que, nada se evidenciado no tocante a tal injustificado locupletamento beneficiando aquela ‑cfr. artº. 473º‑, nada de necessário é também viável a esse respeito concluir, ponderados, apenas e só, esses trabalhos e respectivas deficiências.

E que dizer, no que concerne a esses outros trabalhos efectivamente não realizados pela A., os inventariados sob tais Factos 16), 19) e 20), a que se impõe acrescentar ‑na sequência de posterior alusão pela Ré/Recorrente‑, o Facto 28), do teor que ora se reitera: “a instalação da electricidade e do equipamento da R. implicava uma nova demão de pintura, que a A. não executou.”

Quanto a estes trabalhos que a A não executou, e em relação aos quais assumiu no âmbito do caderno de encargos a obrigação de o fazer ‑excepção feita, porém, à construção das fossas sépticas e das condutas de drenagem das águas pluviais: veja-se conjugação dos Factos 19) e 20)‑, apesar de subjacente a essa não realização ter estado, como vimos, a desistência da Ré que se opôs a que aquela concluísse os trabalhos acordados ‑Factos 10) e 11)‑, cremos de todo fundada a não consideração dos mesmos no valor do conjunto dos efectuados, conforme o doutamente advogado pela Recorrente.

Com efeito, não se provando quaisquer danos para a A. advenientes da frustrada concretização de tais trabalhos ‑danos que, mesmo que existentes, sempre se perspectivariam de pouco significativa monta‑, nenhuma importância se justifica, frente ao estipulado no antes referido artº. 1229º, que se atribua à A., seja a que título, pese embora apenas por virtude da negativa conduta da Ré não tenham sido levados a cabo.

Contrário entendimento, face a essa inexistência de prejuízos representaria, aqui sim, e salvo sempre melhor opinativo, infundado incremento patrimonial da A. à custa da Contraparte.

Destarte, e em suma, ao valor da factura referente à conclusão dos trabalhos inicialmente contratados ‑€ 10.000,00‑, impõe-se que seja abatido o valor desses trabalhos não efectuados pela A. ‑os referidos nos Factos 16), 20) e 28)‑, valor este que, por indeterminado ao presente, se terá de relegar para o competente incidente de liquidação ‑arts. 661, nº 2 e 378º, nº 2, ambos do CPC.

A douta objecção recursória ora apreciada apresenta-se assim parcialmente vitoriosa.

6. Prosseguindo no seu ataque à douta sentença, defende a Ré/Recorrente que nenhuma prova existindo nos autos de a A. ter efectuado trabalhos a mais no valor de € 10.983,70, ao invés do ali decidido, o Tribunal deveria ter remetido as partes para a necessária liquidação.

Como deflui do antes expendido sob os itens III, 2.2. e 2.3. e, bem assim da resposta que ali se acabou por conferir ao quesito 2º ‑reformulando apenas em parte o inicial Facto 5)‑, a douta objecção a que nos atemos queda-se, no essencial, improcedente.

Na verdade, tendo-se logrado apurar, em tal sede, o exacto quantitativo dos ora enfocados trabalhos extracontratuais, posto que inferior a tal reclamada verba, cabalmente aptos nos achamos para nestes autos extrair as necessárias consequências de tal facto, nenhum diferimento, notadamente nos termos preconizados pela Recorrente, como tal se justificando.

Em tal conformidade, e ressalvando essa alteração a introduzir no tocante ao montante da verba apurada, nesta parte a douta sentença, pelos fundamentos nela vertidos, e que ora se dão por reproduzidos ‑artº. 713º, nº 5, do CPC‑, surge de confirmar.

De tal sorte, será, pois, nesse preciso montante ‑ € 10.452,66‑ que, a título de trabalhos a mais dos inicialmente contratados, e não pagos, se irá, ao deante, e sem mais, condenar a aqui Ré/Recorrente.

7. Por fim, a Recorrente adversa a douta sentença na parte em que desatendeu o seu pedido reconvencional, dizendo que estando demonstrado que só mandou soldar os portões depois de a A. ter recebido a notificação judicial avulsa e de não ter concluído os trabalhos no prazo ali concedido, diverso deveria ter sido o veredicto proferido em relação a tal pedido, pois estando de tal modo mais do que legitimada a entrega a terceiros das obras não acabadas pela empreiteira, impunha-se que ela, Ré, fosse compensada dos trabalhos identificados nos Factos 14), 16) e 28), por tais terceiros efectuadas.

Salvo o muito respeito ‑desde já se adiante‑, cremos que de novo não lhe assiste razão.

Na sua douta sentença a Mmª. Juíza indeferiu o pedido reconvencional da Ré fundando-se para tanto em que, tendo esta incorrido em mora ao soldar os portões do pavilhão, não lhe era lícito levar a efeito a resolução unilateral do contrato que em seguida operou, resolução assim sem justa causa, pelo que sendo a mesma a ter dado origem ao não cumprimento do contrato pela A., nenhum direito lhe assistiria a formular uma qualquer pretensão contra esta última, fundada, como é o caso dessas obras concluídas por terceiros, nesse mesmo incumprimento apenas na actuação dela radicado.

Como vimos, sob o item III, 5.2., embora não enveredando pelo rumo de considerar a Ré incursa, por esse seu obstaculizante procedimento, em simples mora “credendi”, também nós entendemos que a mesma, desse modo agindo, pôs de forma unilateral termo ao contrato, o que, não preenchendo os pressupostos de possível exercício do direito de resolução, consubstanciou no entanto um acto de desistência da empreitada, consentido pelo artº. 1229º.

Nesta decorrência, se é certo que tal preceito prevê a possibilidade de o dono da obra, sem mais, de forma totalmente incondicionada como se salientou, pôr fim à empreitada, obviamente que não prevê, nem outro qualquer o faz ‑o que constituiria irremissível paradoxo‑ que o desistente possa pedir a condenação do empreiteiro na conclusão da mesma ou no pagamento de importâncias despendidas em tal conclusão.

Assim sendo, e uma vez que, no caso em atinência, seguro é que a A. só não completou os trabalhos acordados por virtude da desistência da Ré, nenhuma indemnização ou compensação assiste a esta fundada em tal omissão e respectivo ulterior suprimento por via da actuação de terceiros.

Deste modo, e ainda que por fundamentos de todo não coincidentes, no capítulo ora apreciado a douta sentença apresenta-se-nos de confirmar, naufragando, como antecipámos, a douta objecção em presença.


IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se em igual medida revogar a douta sentença recorrida e, em consequência:
1 - julgar apenas em parte procedente e provada a acção e, mercê de tal, condenar a Ré/Recorrente a pagar à A./Recorrida:
a) ‑ a título de trabalhos inicialmente contratados e ainda não pagos, a quantia correspondente ao diferencial entre a importância de € 10.000,00 e o valor global que, em incidente de liquidação, se venha a apurar como sendo o dos trabalhos mencionados nos Factos 16), 20) e 28),
b) ‑ a título de trabalhos extra-contrato, ou a mais, a quantia de € 10.452,66, acrescida dos correspondentes juros legais, a contar de 1.10.2004 e até integral pagamento.
2 ‑ confirmar, no mais, a mesma sentença.
Custas da apelação e da acção-reconvenção por A. e Ré, na proporção do vencido, salvo na parte do pedido da al. a), em que provisoriamente se condenam ambas as Litigantes em igual proporção, sem prejuízo do acerto a operar em resultado do desfecho da liquidação.


[1] Cfr. Das Relações Jurídicas - Segundo o Código Civil de 1966, Vol. V, 1969, pág. 235.
[2] In Col., Tomo V, pág. 121.
[3] Cfr. ob. cit., pág. 233.
[4] Ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem.
[5] Cfr. Direito das Obrigações (Parte Especial)- Contratos, Almedina, 2000, pp. 335 e 355; no mesmo sentido, veja-se também o Ac. da R.C. de 23.04.2002, in Col., Tomo II, pág. 28.
[6] Vide, por todos, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., C. Editora, pp. 313, n. 1 e 457, n. 1.
[7] Cfr. Col./STJ, Tomo III, pág. 88.
[8] Cfr. ob. cit., pp. 421 e ss..
[9] Cfr. Cumprimento Defeituoso - Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, pág. 344.