Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3531/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: MÚTUO
NULIDADE
EFEITOS
Data do Acordão: 01/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1142º, 1143º, 220º E 289º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A nulidade do contrato de mútuo de dinheiro obriga o mutuário a restituir o capital que haja recebido do mutuante, e este é obrigado a restituir àquele os juros remuneratórios convencionados que haja, entretanto, recebido.
2. As prestações a restituir não são actualizadas, ou devem ser restituídas sem qualquer valorização, porque inaplicável o regime do enriquecimento sem causa.

3. Atento, porém, o disposto no n.º3 do art. 289º do CC, sobre as quantias a restituir podem incidir juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, enquanto frutos civis que aquelas quantias poderiam produzir.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO

A... intentou, no Tribunal de Alcanena, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., pedindo a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 17.457,93, acrescida de juros de mora, à taxa de 12% ao ano, a contar desde 01.01.2000 até efectivo e integral pagamento, calculando os juros vencidos no montante de € 2.747.
Alegou, para o efeito, como causa de pedir, o seguinte:
- Celebrou com o Réu, em meados do ano de 1994, um contrato de mútuo, tendo emprestado a quantia de Esc. 5.000.000$00, mediante a taxa de juro de 8% ao ano;
-Ficou combinado que a amortização do capital mais juros seria efectuada de 6 em 6 meses;
-Está, ainda, em dívida a quantia de Esc. 3.500.000$00, equivalente a e 17.457,93, que devia ser paga no mês de Dezembro de 1999.

Citado o Réu contestou, dizendo nada dever ao Autor. Em reconvenção invocou a nulidade do contrato de mútuo por vício de forma, que foi celebrado verbalmente em 30.08.94, e alegou ter entregue ao Autor até 30.12.98, a quantia de 3.878.700$00, e, no dia 04.12.98, entregou, ainda, a quantia de 2.000.000$00, ou seja, quantias que, uma vez somadas, excedem o capital mutuado. Mais aduziu ter sofrido prejuízos em virtude de o Autor ter fixado juros usurários (19% ao ano) e ter sido notificado pelo Banco em virtude de ter sido devolvido um cheque que emitira a favor do Autor e passar a fazer parte da lista dos cheques devolvidos. Pediu a condenação do Autor a reconhecer a nulidade do mútuo por falta de forma, a reconhecer que já recebeu do Réu quantias no montante global de € 29.322,84 e a devolver a quantia de € 4.382,94 que recebeu indevidamente, bem como a pagar a quantia de € 2.500 a título de indemnização por danos.

O Autor replicou e, em função da nulidade do contrato, alterou o pedido para o montante global de € 20.077,62, correspondendo à quantia de € 14.963,94, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar de Janeiro de 2002 e, ainda, de juros sobre aquela quantia de € 14.963,94 vencidos durante o ano de 1998.

Houve tréplica, terminando o Réu tal como na contestação/reconvenção.

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, foi, por fim, proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e a condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 14.963,94, acrescida de juros à taxa legal a contar desde Janeiro de 2002, acrescida, ainda, aquela quantia de juros de mora, à taxa legal, vencidos no período compreendido entre Julho de 1998 e Dezembro de 1999. Foi, também, julgada parcialmente procedente a reconvenção, sendo declarada a nulidade do contrato de mútuo.

Inconformado com tal decisão, apelou o Réu formulando as seguintes conclusões, em resumo:
1ª- Foi incorrectamente julgada a 2ª parte do quesito n.º 3º, onde se pergunta que “o Autor predispôs-se a emprestar ao Réu o dinheiro mediante uma taxa de juro de 8% ao ano”;
2º-Bastava ter em conta os depoimentos das testemunhas Manuel de Sousa Neves, Marco Miguel Inácio, bem como o teor dos documentos juntos a fls. 112 a 125 e o depoimento de parte do Autor;
3ª-Nenhuma das testemunhas do Autor sabia algo sobre tal questão;
4ª-Tem de ser dado como provado o que se alegou em reconvenção, nomeadamente a matéria constante dos arts. 2º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º e 26º;
5ª- Pelos valores dos cheques juntos aos autos, e acima referidos, verifica-se que semestralmente o Réu entregava ao Autor um cheque com o valor da dívida acrescida de juros que se iriam vencer no período seguinte e que no dia do vencimento o Autor recebia a quantia referente aos juros daquele período e entregava um novo cheque;
6ª-Foram sendo concretizadas operações de pagamento do mútuo, até ao dia em que o Réu entendeu que estava a pagar em excesso os juros dado que os mesmos haviam baixado mais de 90% em relação ao período que haviam contratado;
7ª- O Réu nada deve ao Autor, atento o disposto no art. 289º do CC;
8ª- O Autor recebeu em excesso o valor dos juros, que terá de devolver ao Réu;
9ª-Os juros sobre o capital remanescente caso exista dívida - apenas podem ser contados à taxa legal, e nunca à taxa de 8%;
10ª-Pelo documentos de fls. 124 e 125 deverá ser dado como provada a matéria constante dos artigos 23 e 26;
11ª-Efectou-se na decisão recorrida uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto;
12ª-A sentença recorrida não está fundamentada de facto e de direito;
13ª-A decisão recorrida viola os arts. 158º, 264º e 668º, todos do CPC e 1146º e segs. do Código Civil.

O Autor contra-alegou no sentido da manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS
Na sentença sob exame foi dada por assente a seguinte factualidade:
1-No dia 4 de Dezembro de 1998, o Réu entregou ao Autor a quantia de 2.000.000$00 (9.975,96 €) em dinheiro;
2-Apresentado a pagamento no valor de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), sacado sobre o Banco de Fomento Exterior, balcão de Fátima, de uma conta solidária que o Réu possui com a sua mulher Mariana Carvalho Ribeiro Matos o mesmo veio devolvido por falta de provisão, em 5 de Janeiro de 1999;
3-O cheque n.º 19012325 da conta 00017532170 do Banco Português do Atlântico foi devolvido, em 4 de Janeiro de 2000, com a indicação de falta ou vício de vontade;
4-Em meados do ano de 1994, o Réu solicitou ao Autor que lhe emprestasse a quantia de 5.000.000$00 (€ 24.939,89);
5-Porque existia uma relação de amizade entre o Autor e Réu, aquele predispôs-se a emprestar-lhe o dinheiro mediante uma taxa de 8% ao ano;
6-Ficou, então, combinado entre ambos que a amortização da dívida, mais os juros, seria efectuado de 6 em 6 meses, emitindo o Réu um cheque com o valor dos juros e amortização de capital para pagamento imediato, e outro com o valor da dívida para posterior troca;
7-O Autor entregou ao Réu um cheque, no valor de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), sacado sobre Banco Fomento Exterior, balcão de Fátima, de uma conta solidária que possui com a sua mulher Mariana Carvalho Ribeiro Matos, que assinou o referido cheque;
8-O acordo pré-estabelecido entre ambos foi sendo cumprido pelo Réu até ao ano de 1998;
9-Em Dezembro de 1998, o Réu não pagou os juros e o capital, nem trocou o cheque que titulava a dívida;
10-Face à conduta do Réu, aludida nas respostas aos quesitos 4º a 7º, o Autor apresentou a pagamento o cheque referido no quesito 5º;
11-O Réu, em Setembro de 1999, entregou ao Autor o montante de Esc. 2.000.000$00 ( € 9.975,96) e emitiu um novo cheque no valor de Esc. 3.500.000$00 ( € 17.457,93) , com data de 31.12.1999;
12-O Autor apresentou a pagamento o cheque referido no quesito 14º a pagamento;
13-O Réu foi notificado pelo Banco Português do Atlântico da devolução de um cheque;
14-Para além do empréstimo de Esc. 5.000.000$00, o Autor fez ao Réu outros empréstimos pontuais;
15-Algumas dessas quantias serviram para pagamento de viagens que o Réu fazia ao continente africano;
16-Esses empréstimos iam sendo amortizados com entregas de capital;
17-Entre o Autor e o Réu existiam relações comerciais no âmbito das quais este adquiria material eléctrico que levava para Angola, pagando-o ao Autor no regresso e após venda do mesmo.

III)- O DIREITO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, todos do CPC), o Apelante/Réu, na essência, discorda do julgamento da matéria de facto, pugnando por diversa decisão nesse âmbito e consequente diferente decisão de direito.
Os depoimentos prestados na audiência de julgamento foram gravados, consequentemente é permitido a este Tribunal, ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art. 712º do COC, sindicar tal decisão, sendo certo que o Apelante observou o preceituado no art. 690º-A do citado diploma.

Vejamos, então.
Defende o Apelante que deve ser dada resposta diversa ao quesito 3º e considerada provada a matéria que alegou nos arts. 2º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º e 26º da contestação/reconvenção, presume-se que o Apelante pretende referir-se aos pontos de facto da base instrutória. Como concretos elementos de prova que, na sua óptica, impõem decisão diversa da recorrida, aponta os depoimentos das testemunhas Manuel de Sousa Neves e Marco Miguel Inácio Picado, o teor dos documentos juntos a fls. 112 a 125, bem como o depoimento do Autor.

Analisando discriminadamente a matéria apontada, constata-se que o quesito 3º é do seguinte teor:
“Porque existia uma relação de amizade entre Autor e Réu, aquele predispôs-se a emprestar-lhe o dinheiro mediante uma taxa de juro de 8% ao ano?”
A resposta foi afirmativa, como decorre do n.º 5 da factualidade supra transcrita. Na contestação, o Réu admite ter contraído junto do Autor um empréstimo verbal de tal quantia em dinheiro, mas ao juro de 19%. A divergência do Apelante reside, fundamentalmente, na provada taxa de juro anual de 8%, uma vez que, na contestação, alegou ter sido acordada uma taxa de juro de 19% ao ano. A relação de amizade, e até comercial, entre ambos não é posta em causa pelo depoimento das testemunhas que arrolou ou pelo depoimento do Autor.
Mas a prova indicada pelo Apelante contraria a convicção da 1ª instância sobre a apurada taxa de juro anual de 8%?
O depoimento do Autor, como era de esperar, é no sentido de ter sido acordada, como remuneração do mútuo, uma taxa de juro anual de 8%. No tocante às testemunhas indicadas, ou seja, Manuel de Sousa Neves e Marco Miguel Inácio Picado, o primeiro foi sócio do Réu e o segundo é filho do Réu. Nenhum deles presenciou a celebração do mútuo, apenas sabendo, por ouvir dizer sobre o montante, taxa de juro de 19% e pagamento periódico dos juros, chegando mesmo o Marco a referir que entregou ao Autor uma prestação dos juros através de cheque. Tal como se refere na motivação das respostas aos quesitos, tais depoimentos não são convincentes, e assim deve ser considerado, não só porque não assistiram à celebração do contrato verbal, como também por motivos de parentesco (o Marco) e anterior qualidade de sócio da testemunha Manuel. Relativamente a esta testemunha consta ter dito que era a primeira vez que depunha em tribunal, quando, na verdade, já anteriormente depusera num procedimento cautelar de arresto relacionado com o empréstimo, referindo o Advogado do Autor que o depoimento dessa testemunha fora diverso do prestado nesta acção.
Mencionando, ainda, o Apelante o teor dos documentos que juntou a fls. 112 a 125, trata-se de vários cheques, titulando várias quantias, sempre superiores a 5.000.000$00, emitidos por B... (o nome do Réu) a favor de Anselmo Marcelino Jorge de Matos, a não ser o cheque de fls. 116 onde consta o nome de Marcelino Jorge dos Santos, coincidindo o primeiro nome com o nome do Autor. O Réu juntou tais cheques na audiência do julgamento para prova dos quesitos 19º, 20º, 21º 22º, ou seja, e fundamentalmente, para provar que pagou periodicamente ao Autor juros remuneratórios sobre a quantia de 5.000.000$00, à taxa anual de 19%, representando, nas datas da emissão, o capital e juros em dívida, alegando o Réu ter pago juros no montante global de 3.878.700$00. Pronunciando-se sobre esses documentos (cfr. fls. 130 a 132), o Autor apenas reconhece ter recebido o cheque, junto a fls. 123, sacado sobre o Atlântico, sendo os demais sacados sobre o BTA. O cheque sacado sobre o Atlântico, no valor de 5.237.500.000$00, é mencionado, no art. 8º da petição, como tendo sido recebido pelo Autor, e devolvido por falta de provisão. Mais acrescentou que os valores entregues pelo Réu reportavam a outras dívidas e não apenas aos juros do empréstimo. Assim, face à posição assumida pelo Autor, não resulta convicção segura de tais cheques representarem pagamento de juros e ao mesmo tempo titularem o capital ainda em dívida, tendo estado na posse do Autor e depois devolvidos ao Réu. É certo que os valores assinalados nos cheques, excedendo a quantia de 5.000.000$00, e se exclusivamente reportassem a pagamento de juros, apontariam para uma taxa de juro superior 8% ao ano. Mas, como se assinalou, o Autor impugnou, nos termos referidos, tais cheques emitidos pelo Réu a seu favor.
De qualquer modo, face à prova produzida, também as testemunhas do Autor (Maria Teresa Antunes e João Ferreira) nada esclareceram sobre as circunstâncias em que foi celebrado o mútuo, pelo que, atenta a posição assumida pelas partes nos articulados, se pode apenas dar por assente, em resposta ao quesito 3º, o seguinte:
“Porque existia uma relação de amizade entre o Autor e Réu, aquele predispôs-se a emprestar-lhe dinheiro mediante uma taxa de juro não concretamente apurada, mas nunca inferior a 8% ao ano”.
Com efeito, o Autor alegou uma taxa de 8% ao ano, e o Réu alegou uma taxa superior, ou seja, 19% ao ano, pelo que no mínimo será de 8% ao ano, não havendo prova convincente de uma ou outra das taxas.


No art. 2º da base instrutória pergunta-se se o Réu referiu (ao Autor) que necessitava desse montante (5.000.000$00) para preencher a sua quota numa sociedade que estava a constituir”. Como já se explicou, as testemunhas do Réu não convencem nesse sentido, apenas a testemunha Manuel Neves disse que tal quantia se destinava a ser a investida num negócio em que era sócio com o Réu.

Os arts. 19º e 20º da base instrutória, revestem o seguinte teor:
“No dia 30.08.1994, o Autor celebrou com o Réu, um acordo verbal, mediante o qual o Autor emprestava ao Réu, e ao Sr. Manuel de Sousa Neves a quantia de 5.000.000$00 ?” – art. 19;
“Tendo fixado que os juros seriam pagos à taxa de 19% ao ano, com pagamentos semestrais ?”- art. 20.
Na resposta ao quesito 19º considerou-se provado apenas o que consta da resposta ao quesito 1º, ou seja, que em meados do ano de 1994, o Réu solicitou ao Autor que lhe emprestasse a quantia de Esc. 5.000.000$00. Sobre essa matéria apenas importa acrescentar, atenta a posição assumida pelas partes nos articulados e fotocópia do cheque junto pelo Autor, a fls. 8, que o empréstimo foi celebrado verbalmente no dia 30.08.1994.
A prova apontada pelo Apelante não convence sobre a participação no empréstimo do citado Manuel de Sousa Neves, que, aliás, depôs como testemunha arrolada pelo Apelante. E sobre a alegada taxa de juro de 19% ao ano, com pagamentos semestrais, já se explicou que a prova indicada pelo Apelante, também, não convence nesse sentido.
Portanto, a resposta ao art. 19º da base instrutória altera-se nos seguintes termos:
“Apenas provado o que consta da resposta ao quesito 1º, com o aditamento de o empréstimo ter sido celebrado verbalmente no dia 30.08.1994”.
A resposta ao quesito 20º foi negativa, mas por acordo das partes, resulta ter sido fixado o pagamento semestral dos juros. Aliás, na resposta afirmativa ao quesito 4º já havia sido dado como provado o pagamento semestral. Mas, como se explicou, no exame da resposta ao quesito 3º, os elementos de prova indicados pelo Apelante não convencem sobre a alegada taxa de juro anual de 19%.
Deste modo, altera-se a resposta negativa ao quesito 20º nos termos seguintes:
“Apenas provado que foi convencionado o pagamento semestral dos juros”.

A matéria dos arts. 21º, 22º, 23º, 24º e 26º da base instrutória mereceu resposta negativa, onde se perguntava que, “no âmbito do contrato celebrado, o Réu foi entregando ao Autor as quantias conforme quadro que segue”, ou seja, o montante global de 3.878.700$00, “o Réu pagava à taxa de 19% por imposição do Autor, que, quando chegava a hora do vencimento do cheque, ameaçava o Réu da eventualidade da apresentação do cheque a pagamento, o que causaria ao Réu problemas relacionados com o seu nome bancário, e que poderiam levar a que passasse a fazer parte da lista de pessoas com cheques devolvidos”, “o Réu nada deve ao Autor”, “e com isso passou a fazer parte da lista de pessoas com cheques devolvidos”. Atentas as razões acima alinhadas acerca do grau de convencimento dos concretos meios probatórios indicados pelo Apelante, não merece alteração as respostas negativas a esse respeito.

Tendo sido gravada a prova produzida em audiência, nada obsta, ainda, a que este Tribunal altere oficiosamente o julgamento de facto. Nesta conformidade, atenta a posição assumida pelas partes nos seu articulados, e uma vez que nenhuma das testemunhas revelou ter conhecimento directo das cláusulas do empréstimo, altera-se a resposta afirmativa ao quesito 6º, ficando a constar que “até data indeterminado da segunda metade do ano de 1998, o Réu foi pagando ao Autor os juros do empréstimo”.

Na resposta ao quesito 8º há manifesto lapso, na alusão ao cheque referido no quesito 5º, ou seja, o cheque no valor de 5.000.000$00, quando, na verdade, a alusão deveria ser feita ao cheque no montante de 5.237.500$00, fotocopiado a fls. 9. O cheque mencionado no quesito 5º, com o valor de 5.000.000$00, fotocopiado a fls. 8, corresponde ao cheque de entrega do capital, conforme o Autor alegou no art. 5º da petição. Apresentado a pagamento e devolvido por falta de provisão foi, sim, o cheque no montante de 5.237.500$00do.
Inexactidão que se verifica, também, no n.º2 da factualidade assente.
Deste modo, corrige-se o n.º2 da factualidade assente, nos seguintes termos:
“Apresentado a pagamento o cheque no valor de Esc. 5.237.500$00, datado de 31.12.98, sacado sobre o Atlântico, emitido pelo Réu a favor do Autor, o mesmo veio devolvido por falta de provisão”- doc. de fls. 9. E altera-se a resposta ao quesito 8º ficando a constar o seguinte: “Face à conduta do Réu, aludida nas respostas aos quesitos 4º e 7º, o Autor apresentou a pagamento o cheque fotocopiado a fls. 9, no valor de 5.237.500$00”.

Por outro lado, na resposta ao quesito 14º, que corresponde ao n.º 11 da factualidade apurada, é pertinente esclarecer que no cheque de 3.500.000$00, 3.000.000$00 corresponde a capital, ainda em dívida, e 500.000$00 a juros. O Réu não dissente a esse respeito, limitando-se a dizer que os juros não são devidos, atenta a nulidade do mútuo por vício de forma, e como já pagou juros no montante de 3. 878.700$00, e tendo amortizado em 2.000.000$00 o capital de 5.000.000$00, a quantia de juros excede o restante capital de 3.000.000$00. Ainda, conforme fotocópia do documento de fls. 22, a quantia de 2.000.000$00 foi entregue no dia 04.12.98.
Portanto, altera-se a resposta ao quesito 14º nos seguintes termos:
“O Réu, no dia 4 de Dezembro de 1998, entregou ao Autor o montante de Es. 2.000.000$00 (€ 9.975,96) e emitiu um novo cheque no valor de Esc. 3.500.000$00 (€ 17.457,93), com a data de 31.12.1999, correspondendo 3.000.000$00 a capital e 500.000$00 a juros”.

Uma vez fixado o julgamento de facto nos termos sobreditos, vejamos, agora, a subsunção jurídica.
Não controvertem as partes a nulidade do contrato de mútuo por vício de forma porque celebrado verbalmente, atento o seu valor e o disposto no art. 1143º do Código Civil, na redacção, então vigente, introduzida pelo DL n.º 163/95, de 13/07. Na data da celebração do contrato, devia o mesmo ser reduzido a escritura pública, porque o valor excedia 3.000.000$00. Na redacção actual, conferida pelo DL n.º 343/98, de 06.11, a escritura pública é exigida apenas para o mútuo de valor superior a € 20.000. A inobservância da forma legal, quando outra não seja a sanção especialmente prevista, implica a nulidade do contrato (art. 220º do CC). A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CC). No caso ajuizado, embora o Autor intentasse inicialmente a acção no pressuposto da validade do mútuo, veio, na réplica, invocar a nulidade, vício que o Réu já arguíra na contestação. Mas sempre este Tribunal, conhecendo oficiosamente da nulidade, poderia condenar as partes tendo em apreço os efeitos da nulidade, conforme Assento de 28.03.95, publicado no DR n.º 114, I Série-A, de 17.05.95 e, também, disponível no BMJ n.º 455º, p. 67.
Tanto a declaração de nulidade, como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (n.º1 do art. 289º do CC). Tal significa que, no caso de nulidade, tudo se deve passar como se o acto não existisse, pelo que, em regra, são destruídos desde o início, desde o momento da celebração do contrato, todos os efeitos, entretanto, produzidos. E diz-se, em regra, porque a lei estabelece desvios ao princípio do efeito retroactivo da nulidade, sob pressão de atendíveis necessidades práticas. O acto nulo nunca chega a produzir qualquer efeito e as coisas devem ser repostas in pristinum ou regressar ao statu quo ante. No caso do mútuo nulo devem as partes restituir o que receberam, ou seja, o mutuário deve restituir o dinheiro ou a coisa fungível que recebeu do mutuante, e este, por seu turno, deve restituir os juros convencionados e que foram pagos, se o mútuo for oneroso. Há uma obrigação recíproca de restituição em espécie. E sem qualquer valorização, porque se trata de obrigação pecuniária (art. 550º do CC) onde vigora o princípio nominalista ou da não actualização, ou seja, atendendo ao valor nominal da moeda à data em que for restituído o dinheiro, independentemente de eventuais desvalorizações ou revalorizações monetárias que, entretanto, tenham ocorrido. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ publicados no BMJ n.º 475º, p. 616, no BMJ n,º 414º, p. 430, BMJ n.º 446º, p. 262, na CJ 1999, 1º, p. 152, desta Relação na CJ 1993, 3º, p. 64, acórdãos da Relação do Porto, sumariados no BMJ 387º, p. 650 e no BMJ n.º 489º, p. 402, da Relação de évora, sumariado no BMJ n.º 402º, p. 687.
A obrigação de restituir funda-se na nulidade do contrato e não no enriquecimento sem causa, porém, atento o dispositivo no n.º 3 do art. 289º, atenuam-se os efeitos da nulidade, aplicando-se, directa ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes. E nos termos do art. 1271º, o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde ainda pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido Cfr., entre outros, acórdãos do STJ, no BMJ n.º 281º, p. 272, na CJ 1993, 1º, p. 23, no BMJ n.º 225º, p. 236, o acórdão desta Relação, sumariado no BMJ n.º 497º, p. 452, os acórdãos da Relação do Porto, sumariados no BMJ n.º 441º, p. 441 e no BMJ n.º 449º, p. 442 , no BMJ n.º 452º, p. 480 , da Relação de Lisboa, na CJ 1989, 2º, p. 143. sumariado no BMJ n.º 473º, p. 547 e no BMJ n.º 398º, p. 572. . Os frutos civis (art. 212º do CC) podem ser os juros legais e um dos efeitos da citação consiste na cessação da boa fé do possuidor (alínea a) do art. 481º do CPC).

Sublinhados estes princípios, e revertendo ao caso dos autos, está provado que o Autor, no dia 30.08.94, emprestou ao Réu a quantia de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), a taxa de juro anual não concretamente determinada, mas nunca inferior a 8%. O Réu procedeu a uma amortização parcial do capital, no dia 04.12.1998, tendo entregue ao Autor a quantia de 2.000.000$00 (€ 9.975,96) O Réu pagou juros, conforme taxa acordada, em quantia não apurada, até data indeterminada da segunda metade do ano de 1998. Devendo o Réu restituir, agora, ao Autor o capital em falta no montante de 3.000.000$00 (€ 14.963,94), acrescido dos juros, à taxa legal, a título de frutos civis, desde a citação.
Por seu turno, o Autor deve restituir ao Réu os juros remuneratórios que este pagou, até ao ano de 1998, em montante não concretamente determinado.

Em suma, apesar da alteração do julgamento de facto nos termos sobreditos, a tese do Apelante visando a sua absolvição do pedido e procedência do pedido reconvencional, com a condenação do Autor a devolver quantia de € 4.382,94, salvo o devido respeito, não merece acolhimento. Mas já deve proceder na parte em que o Réu/Reconvinte pede a condenação do Autor a reconhecer que já recebeu juros remuneratórios do empréstimo, mas em quantia não determinada, e que deve restituir ao Réu. Deste modo não pode subsistir a sentença na parte em que absolveu o Autor do pedido deduzido pelo Réu visando a condenação daquele a reconhecer que recebeu juros e não condenou o Autor a devolver os juros por este pagos até ao ano de 1998, como se provou e o próprio Autor confessa.
Diga-se, ainda, que a sentença impugnada não padece de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, como alega o Apelante, pois só a ausência total de fundamentação constitui nulidade, e não é manifestamente o caso.


IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
1-Conceder parcial provimento ao recurso.
2-Revogar em parte a sentença impugnada e, em consequência, altera-se o julgamento de facto nos termos sobreditos e condena-se o Réu a restituir ao Autor a quantia de € 14.963,94, acrescida de juros legais a contar da citação até entrega daquela quantia. Condena-se, também, o Autor a reconhecer que recebeu juros do Réu e a restituir a este tais juros, a liquidar em execução de sentença de acordo com o que vier a ser apurado quanto à taxa anual acordada e data em que deixaram de ser pagos.
3-As custas em ambas as instâncias serão suportadas provisoriamente a meias, ficando a exacta proporção da responsabilidade relegada para execução da sentença.
COIMBRA,

Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)