Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1221.º; 1222.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A relação entre um empreiteiro e um subempreiteiro deste assenta na transposição das regras de relacionamento entre um dono da obra (o primitivo empreiteiro) e um empreiteiro (o subempreiteiro;
2. A resposta sequencial necessária do dono da obra aos desvalores da prestação do empreiteiro, traduzida na necessidade de seguir a ordem decorrente dos artigos 1221º e 1222º do CC (eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução), pressupõe a adequação a esses desvalores da eliminação dos defeitos e da redução do preço;
3. Desvalores que passem por uma justificada perda da confiança no empreiteiro (subempreiteiro), podem justificar, desde logo, a opção pela resolução do contrato;
4. O contrato de empreitada, bem como o de subempreitada, pressupõem uma colaboração entre as partes à qual não é indiferente a existência de uma relação de confiança e a projecção desta como valor sintomático ligado à subsistência do vínculo entre o dono da obra e o empreiteiro;
5. A relevância da resolução exonera o dono da obra da obrigação de pagamento do preço.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A Causa


1. A..(A., Reconvinda e neste recurso Apelada) intentou na Vara Mista de Coimbra, sendo distribuída à 1ª Secção, a acção declarativa de condenação com processo ordinário da qual emerge este recurso, demandando B... (R., Reconvinte e aqui Apelante), invocando ter sido Subempreiteira desta, enquanto Empreiteira numa obra na Figueira da Foz, pedindo o pagamento da parte do preço em falta pelos trabalhos (trabalhos de saneamento e instalação de uma rede de gás natural) prestados ao abrigo dessa subempreitada O pedido formulado, no total de €70.812,78, refere-se às facturas de fls. 5 (factura nº 302, no valor de €82.213,56, da qual faltaria a R. satisfazer €7.213,56), fls. 9 (factura nº 318, no valor de €31.767,27, toda ela por pagar), fls. 10 (factura nº 335, no valor de €169,43, toda ela por pagar), fls. 11 (factura nº 337, no valor de €8.404,96, toda ela por pagar), fls. 12 (factura nº 347, no valor de €15.754,68, toda ela por pagar), fls. 13 (factura nº 127, no valor de €2.993,83, toda ela por pagar). Aos montantes destas facturas, totalizando eles €66.303,73, acrescenta a A. juros vencidos, no montante global de €4.509,05, pedindo os vincendos..

A R. contestou, alegando a existência de defeitos diversos na execução pela A. dos trabalhos subempreitados, tendo-lhe ela exigido (em 12/05/2002) que “[…] cessasse todos os trabalhos e se retirasse da obra […]” (transcrito do artigo 26º da contestação a fls. 23), invocando, em função dessa deficiente execução, a excepção de não cumprimento do contrato, decorrente de o A. não ter procedido à correcção dos defeitos. A título reconvencional formulou a R. um pedido a liquidar posteriormente respeitante aos danos provocados pela conduta da A. (fundamentalmente custos da reparação dos defeitos) Em articulado superveniente, constante de fls. 401/405, acrescentou a R./Reconvinte ao pedido respeitante aos custos de reparação da deficiente execução da obra pela A./Reconvinda, a quantia de €93.960,11, alegando ter ocorrido o apuramento destes custos posteriormente ao articulado reconvencional. A A./Reconvinda tomou posição sobre tal articulado a fls. 562/563, sendo os factos respectivos aditados à base instrutória a fls. 567 e vº. , acrescentando-lhe €60.000,00 de “lucros cessantes” e €100,000,00 de danos não patrimoniais.

1.1. Saneado o processo através do despacho de fls. 245, procedeu-se à fixação dos factos até aí provados (fls. 245/246) e à elaboração da base instrutória (fls. 246/252). Esta – a base instrutória e não a “especificação” dos factos provados que a antecedeu – foi objecto da reclamação apresentada pela R./Reconvinte a fls. 343/346, sendo a mesma indeferida no início da audiência no trecho desta documentado na acta respectiva a fls. 574/575 Desta decisão interpôs a R./Reconvinte um recurso de agravo, surpreendentemente admitido a fls. 575 (surpreendentemente dado o disposto no artigo 511º, nº 3 do Código de Processo Civil), que esta Relação não admitiu, dada a ostensiva irrecorribilidade da decisão em causa (cfr. fls. 617 e 624). A respeito desta não admissão cumpre sublinhar, tendo presente a referência da R./Reconvinte/Apelante, nos itens 53 e 54 das suas alegações a fls. 885/886, a uma suposta subida desse agravo com a presente apelação, que esta Relação a fls. 617 e 624 não alterou o momento da subida desse agravo, considerando-o antes inadmissível. Assim, não tem sentido algum esperar ou pretender, como parece suceder com a Apelante, o conhecimento desse agravo, nos termos do artigo 710º do Código de Processo Civil, como se tivesse subido com a presente apelação. Tal agravo era (e é) inadmissível, e, como tal, não será conhecido. Aliás, a decisão desta Relação sobre essa inadmissibilidade formou caso julgado formal. . Apresentou ainda a R./Reconvinte, desta feita em acta, no trecho final de fls. 575, uma reclamação quanto ao facto especificado na alínea p) dos factos assentes, sendo esta aceite pelo despacho documentado a fls. 576 (por erro indica-se aí alínea b), percebendo-se pela redacção em causa que se trata da alínea p)) Deixa-se aqui sublinhada a circunstância de esta reclamação respeitante à alínea p) dos factos assentes na fase de condensação constituir o único elemento desses factos criticado pela R./Reconvinte/Apelante. Justifica-se esta referência, em função da circunstância, que adiante neste recurso valoraremos, de a mesma R./Reconvinte argumentar no seu recurso (cfr. conclusões IV e V das alegações a fls. 892/893) como se tivesse discutido anteriormente o teor de outras alíneas dessa peça condensatória. . Dessa acta, para além do indeferimento de outras reclamações (v. parte final de fls. 576), consta ainda a interposição e admissão de um recurso de agravo pela A./Reconvinda (v. fls. 577), desconhecendo-se (porque ninguém o disse) a que trecho decisório constante dessa acta se referiria tal recurso. Este, de qualquer forma, não foi alegado nos 15 dias contados do despacho de admissão respectivo [artigo 743º do Código de Processo Civil (CPC)], tendo ficado deserto.

Prosseguiu entretanto o julgamento (actas de fls. 805/806, 828/830 e 835/836 do IV volume e 700/703, 766/767 e 778/780 do V volume Existe um evidente erro de paginação entre o IV e o V volumes.), findo o qual foram fixados, por referência à base instrutória, os factos provados nessa fase (despacho de fls. 781/782), sendo proferida a Sentença de fls. 784/804 – constitui esta a decisão aqui recorrida –, cujo pronunciamento decisório foi o seguinte:

“[…]
Nestes termos e nos mais de Direito, julgo [a] acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a R. B..., a pagar à A. Briopul – Sociedade de Obras Públicas e Privadas, Lda., a quantia de €66.096,34 […], acrescida de juros de mora vencidos desde 10/05/2002 e vincendos à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. E julgo improcedente a reconvenção e em consequência absolvo a A. dos pedidos reconvencionais deduzidos.
[…]”
[transcrição de fls. 804]


1.2. Inconformada reagiu a R./Reconvinte interpondo o presente recurso de apelação (fls. 813), admitido a fls. 816, alegando-o a fls. 870/913, rematando tal peça com as seguintes conclusões:

“[…]
I – [A] decisão que considerou parcialmente procedente o pedido da Recorrida e a decisão que considerou improcedente o pedido reconvencional encontram-se com vícios, sendo mesmo nulas como infra se demonstrará.
II - Vem, a ora Recorrida, então A., reclamar da recorrente o pagamento das facturas números 302, 318, 335, 337 e 347 que se encontram reproduzidas nos autos.
III - Pese, embora, as facturas terem sido emitidas e juntas aos autos como documentos incumbia a A., ora Recorrida, na sua petição inicial referir que as facturas se referiam a trabalhos efectuados pela A. ao serviço da ora Recorrente.
[…]
IV - A referida matéria foi levada aos factos assentes, nomeadamente, nos pontos 5 e 7 cfr. fls. 5 e 6 da douta sentença em crise.
V - Tendo a Recorrida alegado a existência de uma dívida teria de alegar e provar a que trabalhos se reportam as facturas em causa.
VI - pese embora, as facturas e os seus valores e datas de vencimento, tenham sido dadas como provadas, certo é, que não foi provado nem sequer alegado que os valores facturados se deveram a trabalhos, efectivamente, executados pela Recorrida a favor da recorrente.
VII - A Recorrida não alegou, como lhe incumbia, atendendo ao regime de ónus de prova, quais os trabalhos realizados a que se reportavam as facturas cujos valores se peticionaram.
VIII - Por outro lado, a ora Recorrente impugnou ainda os valores dos mesmos ao alegar e provar que os trabalhos houve que foram facturados e que não foram executados. Veja-se factos provados nos artigos 38, 48, 51, 53 e 55.
IX - Assim, não poderia a Recorrente ser condenada ao pagamento das facturas uma vez que a Recorrida não logrou provar, porque nem alegou, a que trabalhos as referidas facturas se reportam, tendo a recorrente impugnado as facturas conforme art.º 1º da douta contestação.
X - Cabendo à Recorrida o ónus da prova terá a Recorrente de ser absolvida do pedido.
XI - Condenou o Tribunal a quo a Recorrente ao pagamento da quantia de 66.096,34 € acrescida de juros de mora desde 10.05.2002.
XII - Na douta decisão, refere-se a fls. 20 que a R. ora Recorrente, tem a obrigação de proceder ao pagamento das facturas indicadas no facto provado no n.º 7 acrescidos dos respectivos juros de mora a partir de 10.05.2002(?).
XIII - Desde logo não poderá a Recorrente ser condenada a pagar juros do valor em dívida desde a data de 10.05.2002, quando as facturas a que se reportam o facto provado no n.º 7, nomeadamente a nºs 318, 339, 337 e 347 têm datas de vencimento e todas, à excepção da 318, datas de emissão posteriores a 10.05.2002.
XIV - Encontra-se, pois viciada a douta decisão na parte em que condenou a Recorrente ao pagamento de juros desde 10.05.2002, quando tal data não coincide nem com a data de vencimento das facturas, nem com a citação da Recorrente para o presente processo.
XV - Por outro lado, também a soma das facturas constantes do facto 7 a que alude a douta sentença em crise não corresponde ao valor da condenação.
XVI - O valor das facturas constantes do facto provado sob o n.º 7 justificado na página 20 da douta sentença em crise é de 56.096,34 € (31.767,27 (fact.318) + 169,43 € (fact.335) + 8.404,96 (fact.333) + 815.754,68 (fact.347).
XVII - Não se consegue vislumbrar qual o raciocínio do Exmo. Mmo. Juiz a quo ao apurar um valor de 66.096,34€.
XVIII - Encontra-se, também aqui a sentença viciada quanto ao quantum de condenação, existindo contradição entre a matéria assente no facto n.º 7 e na condenação o que desde logo gera a nulidade de sentença o que desde já se invoca nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C.
XIX - Para o interesse da causa reconvencional apuraram-se os factos constantes dos seguintes números dos factos provados:
- 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91.
XX - A douta sentença em crise, pese embora, ter considerado provado que:
- a Recorrente ficou desacreditada no decurso da obra efectuada pela recorrida.
- tenha considerado provado que a Recorrente não foi mais convidada para realização de obras, que o valor das obras ascendia a 5.000.000 € […] e que a margem de lucro se situaria entre 3% e 5%, que a imagem e o bom nome da Ré encontra-se manchado e denegrido, não se pronunciou sobre o pedido quanto aos lucros cessantes, não se pronunciou quanto à indemnização por danos não patrimoniais (cfr. factos provados 64,65,66,67,68).
XXI - Os factos provados indiciam, claramente, a conduta “tenebrosa” da recorrida que “deixava valas abertas durante as noites, quer durante a semana, quer durante os fins-de-semana” cfr. ponto 25 da matéria provada.
Não cuidando de salvaguardar as zonas de passagens pedonais - cfr. ponto 26 da matéria provada;
Não deixando qualquer margem de segurança nas valas – cfr. ponto 27 da matéria provada;
As várias - reclamações da dona da obra e dos moradores – cfr- ponto 22 , 23, 24 e 30;
A Recorrida não procedia a limpeza do arruamento, deixando as mesmas intransitáveis - cfr. art.º 32º da matéria provada;
Os trabalhos foram executados nas condições do doc. de fls 71 e 72.
XXII - Face à matéria provada e ao pedido reconvencional teria necessariamente que o Tribunal a quo que se pronunciar sobre a responsabilidade civil da ora Recorrida que não tem origem no cumprimento defeituoso dos trabalhos, mas tão só na conduta por si adoptada que levou ao desacreditamento da boa imagem da Recorrente.
XXIII - Ao não se pronunciar sobre tal quesito gerou-se uma nulidade de decisão em crise, nulidade que desde já se invoca nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C.
XXIV - Existe pois uma omissão de pronúncia que gere a nulidade da douta sentença.
XXV - O Tribunal a quo considerou provado que os trabalhos facturados não foram executados, isto além, do já alegado que não faz a Recorrida prova dos trabalhos por si facturados, e fazendo tábua rasa do tal quesito condena a Recorrente, a um valor, superior, inclusive ao valor das facturas constantes do ponto 7, onde o Tribunal recorrido sustenta a sua decisão, não deduzindo qualquer valor ao preço a pagar!!!
XXVI - a douta sentença em crise também é omissa quanto ao pedido de redução do preço que aliás, no belo rigor dos princípios só deveria ter sido em conta se a recorrida tivesse provado os trabalhos executados.
XXVII - Também neste sentido é a sentença nula por omisso nos termos do já citado art.º 668º do C.P.C.
XXVIII - o Tribunal recorrido, entendeu que a Recorrente resolveu o contrato de empreitada sem a necessária interpelação admonitória para cumprir.
XXIX - Entendendo que a Recorrida estaria em mora e não em incumprimento definitivo.
XXX - Na verdade, o que aconteceu foi uma resolução contratual, mas por perda de interesse objectivo do credor, ora recorrente, e pela impossibilidade da recorrida continuar a executar os trabalhos.
XXXI - Ficou, sobejamente, provado os defeitos existentes na obra executada pela recorrida.
XXXII - A recorrente através de diversos documentos enviados para a recorrida e que foram considerados como provados (cfr. ponto 22, 23, 24, 28, 29, 3134,35) alertou a recorrida para o estado calamitoso em que decorria a obra.
XXXIII - Pelo que várias interpelações houve para a recorrida cumprir e reparar os defeitos que nas diversas comunicações iam sendo relatados.
XXXIV - O fax de 10.05.2002, espelha bem a falta de interesse que o credor, ora recorrente, tinha já na prestação da recorrida.
XXXV - Aliás, a ora recorrente, indicou quais os trabalhos que deveriam ser executados antes da saída bem como a reparação daqueles que estavam deficientemente executados– cfr- ponto 37, 38 da matéria provada.
XXXVI - Apesar da interpelação para cumprir a recorrida não terminou, nem reparou os trabalhos deficientemente executados – cfr. ponto 39 da matéria provada.
XXXVII - Ao contrário do constante da decisão da douta sentença em crise, a recorrente exigiu a eliminação de vários defeitos que iam surgindo no decorrer da obra, e solicitar que fizesse a obra sem pôr em causa a segurança dos moradores.
XXXVIII - Sem que a recorrida os tenha eliminado – cfr. art.º 39º da matéria provada.
XXXIX - Pelo que era legítimo o seu direito à resolução contratual.
XL - Não tendo a recorrida procedido à eliminação dos defeitos para a que foi intimidada nem executado os trabalhos em curso (cfr. pontos 38,39 da matéria provada), poderia a recorrente solicitar, como peticionou, a redução do preço, o que não foi, contudo, contemplado nem apreciado, pese embora a matéria de facto dada como provado.
XLI - Na verdade, ter-se-ia de apurar, se alegados, quais os trabalhos, efectivamente, executados, os que foram deficientemente executados e deduzir o seu valor às facturas peticionadas.
XLII - O Tribunal “a quo” nada deduziu ao valor facturado, embora tenha considerado provado que houve trabalhos defeituosos e quais os valores que foram facturados relativos a esses trabalhos.
XLIII - Na verdade, a recorrente na sua contestação indicou quais os valores que deveriam ser deduzidos as facturas a pagar – veja-se artgs.º 61 a 69º da contestação.
XLIV - Apesar de ter sido reclamado, na altura devida, a forma como estavam redigidos os quesitos, pois pareceria à primeira vista que os valores que a recorrente pretendia exigir da recorrida era os de reparação e não a dedução a trabalhos não executados ou deficientemente executados e que não foram aproveitados, o que é certo é que a reclamação foi indeferida.
XLV - Assim, tendo em conta a matéria dada como provada ter-se-ia de reduzir o preço, admitindo que as facturas eram devidas, porque referentes a trabalhos executados o que a recorrida não logrou provar, os seguintes montantes:
164,60 € - cfr. art.º 43º da matéria provada;
196,61 € - cfr. art.º 44º da matéria provada;
39,41 € - cfr. art.º 45º da matéria provada;
231,38 €; 1152 €; 2110,59 € - cfr. art.º 46º da matéria provada;
Apuramento do valor debitado de 2.820,70 € relativamente a caixa que não foram acabados e que foram facturados – cfr. art.º 48º da matéria provada;
242,12 € - cfr. ponto 5 da matéria provada;
750 € - cfr. ponto 54 da matéria provada;
1.500 € - cfr. ponto 55 da matéria provada;
502 € - cfr. ponto 56 da matéria provada,
Tudo num total de 6.948,71 € acrescido do valor apurado os termos do ponto 48 dos factos provados que se teria de reduzir ao valor facturado porque tal valor repete-se como se fez na reclamação e no recurso de agravo apresentados, não se refere a valores de reparação mas sim a valores facturados pela recorrida e que não são devidos.
XLVI - Acresce que a recorrente terá ainda que ser reembolsada pelas rupturas de rede de água na sequência de obras efectuadas pela A., no valor de 2.610,44 € - cfr. ponto 42 – o que a sentença em crise nem sequer considerou.
XLVII - Ficou provado que foram detectados vários defeitos na rede de saneamento e que os mesmos foram reparados pela Ecorel, Lda. – cfr.82 da matéria provada.
XLVIII - Considerou-se provado que os valores dos trabalhos de reparação que se reportam a guia de serviços juntos aos autos e comprovada pelas testemunhas João Pedro Rei orçaram em 34.068,29 €.
XLIX - Ficou ainda provado que o valor dos materiais ascende a 39.317,24€ (cfr. ponto 91 da matéria provada).
L - Ficou igualmente provado que nem todos os trabalhos que se realizaram pela Ecorel e que ascenderam em serviços e materiais a 65.385,53 € se reportaram a trabalhos efectuados pela Recorrida.
LI - Contudo, tal dúvida conforme consta da fundamentação da resposta aos quesitos só se refere às guias de serviços da Rua das Flores, pelo que não é relevante o facto provado no n.º92, pois sempre se poderia liquidar em execução de sentença o valor dos trabalhos de correcção, de trabalhos defeituosamente executados pela recorrida o que aliás foi peticionado.
LII - Aliás, neste ponto, também, a douta sentença é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão.
LIII - Existe pois contradição entre a fundamentação matéria provada e a decisão.
LIV - Entende a recorrente que o fax de fls.86 constitui declaração de cessação da obra e dando a última derradeira oportunidade para a recorrida cumprir.
LV - O que não aconteceu e que ficou aliás provada.
LVI - Acresce que juntou a recorrente documentos onde se prova que desde 31.12.2001 (doc. 1 com a réplica a fls.) a recorrida não tinha alvará pelo que não poderia reparar nem eliminar os defeitos ainda que se entendesse que a interpelação não foi feita, o que não se concede.
[…]”
[transcrição de fls. 891/912]


A Apelada contra-alegou a fls. 931/939, resumindo o seu ponto de vista, no sentido da improcedência do recurso, através das seguintes conclusões:

“[…]
1. A Relação, no âmbito do seu conhecimento no recurso, está limitada pelas questões suscitadas pelo apelante perante o tribunal da 1ª instância,
2.Das questões suscitadas pela apelante nas suas conclusões não lhe assiste razão a sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios apontados.
3.A sentença recorrida encontra-se bem pensada, bem estruturada e juridicamente fundamentada conforme é de lei
4. A sentença recorrida é incensurável.
5. A A. provou o que lhe competia, a existência de contrato de empreitada, e que as facturas eram emitidas com base em autos de medição rectificados por A. e R.
6. Foi dado como assente que as facturas eram devidas e a R. nada reclamou.
7. A sentença recorrida enferma de erro de escrita.
8. Tratando-se de um erro material deve o mesmo ser rectificado nos termos do artigo 667º do C.P.C.
9. Pois, trata-se apenas de um erro de escrita e de um erro de cálculo.
10. Atendendo aos factos provados nos quesitos 5) e 6) a recorrente deve à recorrida a diferença entre o valor da factura 302 junta a fls.5 e o valor que pagou por conta dessa mesma factura, ou seja: € 82.231,56 – € 75,000 = € 7.231,56.
11. Bem como o valor das facturas identificadas em 7 dos factos provados.
12. Todas no total de € 66.303.73 (sessenta e seis mil trezentos e três euros e setenta e três cêntimos).
13. A sentença recorrida não enferma de Nulidade, porque não existe qualquer contradição entre a matéria assente e a condenação, existe sim erro de calculo e de escrita, revelado no contexto da sentença e que deve ser apenas rectificado.
14. A mora só se converte em incumprimento definitivo se o credor, em consequência dela, perder (objectivamente) o interesse que tinha na prestação, ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
15. A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida.
16. A interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, 1 do CC, apenas pode ser efectuada após a verificação da mora e no condicionalismo que tal normativo impõe.
17. Não foram observados por parte da R. ora recorrente essa interpelação admonitória tem de conter três elementos:
-intimação para o cumprimento;
-a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;
-admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.
18. Provado ficou que em 20/12/01 houve uma reunião em obra entre representantes da A. e representantes da R. para solucionarem erros até então cometidos pela R.
19. A A. encontrou dificuldades na realização dos trabalhos, mormente por falta de elementos e orientação – factos provados nºs 14,16,19,21,69,71,74,76,77,78, que apesar de não justificarem a sua conduta constante em alguns dos factos dados como provados,
Com fundamento nesses factos a R. em 10/05/2002 enviou à A. o documento de fls.86, exigindo-lhe que cessasse todos os trabalhos e se retirasse de imediato da obra – facto 36.
20.Tal declaração exprime de forma inquestionável a resolução do contrato de empreitada celebrado entre A. e R.
21. Porém a R. nunca fixou um prazo admonitório à A. e por isso não converteu a mora em incumprimento definitivo.
22. A R. expulsou a A. da obra em 10/05/2002 e somente em 14/05/2002 lhe indicou os trabalhos a concluir antes da saída e renova essa indicação acrescentando correcções em 20 e 23/05/2002, há comportamentos contraditórios que a afastam.
23.A perda objectiva do interesse do credor exige uma manifestação exterior da vontade, de acordo com a disposição legal citada.
24.Não foi sequer alegado que o empreiteiro tivesse utilizado a interpelação admonitória regulada no art. 808º, nº1, sendo certo que, ainda que o tivesse sido, que não foi, a que aquela pudesse resolver o contrato com base em vícios e defeitos de construção sempre teria de solicitar a correcção dos mesmos, fixar prazo sob a cominação de resolução em falta de cumprimento da obrigação.
25. No caso em apreço, em face da prova produzida, dada a falta de ilicitude da resolução do contrato de empreitada, bem andou o tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido reconvencional.
[…]”
[transcrição de fls. 936/939]


A fls. 945 consignou a Exma. Juíza a quo, no despacho que determinou a subida dos autos a esta Relação, não se verificarem as nulidades apontadas pela Apelante, indicando ter ocorrido lapso de escrita na sua Sentença, considerando – e citamos a justificação que exarou nesse despacho – “[ser de] aguardar o […] entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra”.
II – Fundamentação

2. O âmbito objectivo do recurso – de qualquer recurso e deste em concreto – é definido (delimitado) pelas conclusões com as quais o recorrente o remata (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões colocadas através dessas conclusões – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Tendo isto presente, cumpre caracterizar quais os elementos, presentes nas conclusões, que caracterizam a impugnação da Sentença apelada.

2.1. Numa primeira aproximação, constatamos que a Apelante não impugna a matéria de facto fixada pela primeira instância. E não a impugna, no sentido em que não faz apelo ao exercício por esta Relação dos poderes, decorrentes do trecho final da alínea a), do nº 1 do artigo 712º do CPC, de alterar pontos concretos dessa matéria considerados incorrectamente julgados, em função da indicação (aqui notoriamente ausente) de meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusessem decisão (de fixação desses factos) distinta da recorrida, isto nos termos resultantes das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 690º-A do CPC.

É certo que a Apelante parece manifestar, em algumas passagens do seu recurso, discordância de determinados factos que foram assumidos pela Sentença como provados (v., por exemplo, o teor da conclusão VI, transcrita no item 1.2.), essa discordância, porém, ocorre num contexto argumentativo no qual o desvalor apontado se refere à possibilidade processual de determinados elementos fácticos terem sido considerados provados na fase de condensação, e não em desvalores da apreciação da prova produzida posteriormente a essa fase.

Ora, é neste específico sentido que esta Relação considerará, desde já, preambularmente à indicação de quais os factos – e cobrindo, assim, parcialmente, o que subjaz às conclusões II a X antes transcritas –, este elemento do recurso da Apelante.

2.1.1. Estão em causa as alíneas E) e G) dos factos assentes, como tal incluídas no despacho de selecção da matéria de facto a fls. 245 vº, cujo teor posteriormente transitou para a Sentença, indicando esta esses factos nos itens 5 e 7 do elenco respectivo (fls. 788/789), referindo-se aí que a A. facturou à R. os “trabalhos efectuados” (por ela A.) no mês de Março de 2002, através da factura nº 302, junta a fls. 5 Esta factura, conforme a A. indicara na petição inicial, fora parcialmente paga pela R., aspecto recolhido na alínea F) a fls. 245 vº, tendo transitado para a Sentença no item 6 dos factos. (alínea E) e item 5), acrescentando-se na alínea G) e correspondente item 7 da Sentença, que “[a] R. também não pagou à A. as [4] facturas […]” que constam de fls. 9 a 12.

Assenta o argumento da Apelante numa invocada não alegação pela Apelada de quais os trabalhos em causa nessas facturas e da sua efectiva realização. Argumento novo, sublinha-se aqui, porque tendo ele que ver com a organização do despacho contendo a matéria de facto assente após o encerramento dos articulados, não o invocou a Apelante, como já se mencionou no item 1.1. deste Acórdão, nas reclamações que dirigiu a esse despacho de selecção.

Seja como for, importa não esquecer que a A./Apelada indicou expressamente no artigo 23º da petição inicial (fls. 3) que os trabalhos em causa nessas facturas haviam sido efectivamente prestados, sendo que a R./Apelante aceitou implicitamente na sua contestação (v. os artigos 2º a 35º desta a fls. 18/26) que a A. executou os trabalhos aí em causa, imputando-lhe, todavia, essa realização com inúmeros defeitos Sem consubstanciar este procedimento da R./Apelante a facti species do nº 3 do artigo 193º do CPC, não deixa de com ela apresentar um importante paralelismo, na constatação de que essa mesma R., ao contestar nos termos em que o fez, mostrou compreender o sentido das afirmações da A. respeitantes aos trabalhos facturados, interpretando “convenientemente” a afirmação, quiçá algo escassa, da A. na petição inicial. . Aliás, foi em função desta linha defensiva da R. que a acção acabou por se “estruturar” As aspas decorrem de um certo uso impróprio do conceito de estruturação da acção, obviamente decorrente da configuração dada à lide pela A. e não pela R.. Não obstante, verificou-se aqui – e foi o que se pretendeu significar com a expressão “estruturar” – ter sido a linha defensiva da R. (os trabalhos foram mal executados) que preponderou tematicamente na continuação da acção. subsequentemente à contestação, passando-se a apreciar a conduta da A. na execução dos trabalhos subempreitados.

Não colhe, pois, este argumento tardio da Apelante, reportado a uma suposta especificação indevida das facturas, enquanto representativas de trabalhos executados – bem ou mal isso é outra questão – pela A., cujo preço não foi efectivamente satisfeito pela Apelante – com ou sem razão, essa é, também, uma outra questão.

2.2. Assente isto, e tendo presente a não impugnação, nos termos já indicados no item 2.1., da matéria de facto, cumpre aqui proceder à indicação desta, nos exactos termos em que a Sentença a assumiu e elencou a fls. 788/796 Não tendo sido modelar a selecção da matéria de facto (aliás, também o não foi a sua indicação pela R. na contestação), o que necessariamente se reflectiu na posterior fixação desta na fase de julgamento, não considera esta Relação que esse desvalor vá além de uma acrescida, mas ultrapassável, dificuldade da sua leitura, ultrapassagem esta perfeitamente possível no contexto de todos os elementos disponíveis na acção. :

“[…]
1) A A. é uma sociedade por quotas que se dedica à construção civil e obras públicas.
2) A Ré dedica-se à manutenção/indústria de tecnologia de gás.
3) No exercício da actividade de actividade de ambas, a A. e a Ré celebraram um contrato de subempreitada para a realização por parte da A. dos trabalhos de saneamento e gás natural numa obra da Figueira da Foz.
4) Obra essa a facturar por parte da A. à Ré através de autos de medição.
5) No dia 28/03/02, a A. facturou à Ré os trabalhos efectuados por aquela no mês de Março de 2002, através da factura n.o 302, junta a fl.s 5, aqui dada por reproduzida, no valor de 82.231,56 €.
6) Nos dias 08/08, 21/08 e 29/08/02, a Ré pagou à A. por conta da referida factura a quantia de 75.000,00 €, cf. doc.s de fl.s 6 a 8, aqui dados por reproduzidos.
7) A Ré também não pagou à A. as facturas n.º 318, no valor de 31.767,27 €, datada de 06/05/02; a factura n.º 335, no valor de 169,43 €, datada de 04/06/02; a factura n.º 337, no valor de 8.404,96 €, datada de 04/06/02 e a factura n.º 347, no valor de 15.754,68 €, datada de 28/06/02, juntas de fl.s 9 a 12, aqui dadas por reproduzidas.
8) Em Abril de 1998 a A. tinha a designação “Avelino Rodrigues & Irmão, L.da” e nessa data, a Ré contratou os serviços de uma máquina da A., não tendo liquidado a factura n.º 127, datada de 30 de Abril de 1998, junta a fl.s 13, por fotocópia, aqui dada por reproduzida.
9) Os trabalhos referidos em 3) tiveram o seu início em Novembro de 2001.
10) A A. esteve na obra até Junho de 2002.
11) Nos termos do ponto 9.4 das Cláusulas da Obra, a Ré era obrigada a fornecer água à obra, cf. doc. de fl.s 152, aqui dado por reproduzido.
12) Nos termos do ponto 7 e 7.1 das Condições Gerais de Execução da Empreitada, a Ré assumiu ter-se inteirado localmente das condições aparentes de realização dos trabalhos respectivos, cf. doc. de fl.s 153, aqui dado por reproduzido.
13) Na precisa altura em que se desenrolavam os trabalhos da rede de saneamento foi adjudicada pela R. à ora A. o trabalho de «abertura e tapamento de vala para implantação de tubagem de rede primária de gás natural na zona das Regalheiras», que aqui se desenvolveu nas Ruas de S.to António, do Regato e dos Onze Unidos, numa extensão aproximada de 1120 metros, sendo aproximadamente 1100 metros dentro da localidade.
14) O trajecto desta empreitada coincidiu com o da rede de saneamento precisamente entre as caixas n.º 56 a 67 da R. de S.to António, prosseguindo pelas caixas n.º 112 a 108 da R. do Regato, continuando e finalizando até aproximadamente à caixa n.º 137, da R. dos Onze Unidos.
15) Em 20/12/01 [com vista a tentar solucionar questões surgidas com a espécie de tubos a aplicar pela A.] teve lugar uma reunião de obra entre o Sr. Eng. Rui Henriques, Director Técnico da Obra pela R., Sr. Pedro Rodrigues, sócio-gerente da A. e Eng. João Palma, responsável técnico da A. Este item da matéria de facto tem origem na alínea P) dos factos consignados como assentes no despacho de fls. 246, sendo que a transcrição desta alínea feita constar da Sentença, no trecho inicial de fls. 790, está errada, por não corresponder à alteração introduzida pela Senhora Juíza nessa alínea P) a fls. 576, quando deferiu em audiência uma reclamação da R.. A redacção feita aqui constar (a negrito dentro do parêntesis recto) é a que corresponde ao verdadeiro teor da mencionada alínea P), sendo ela a que importará ter em conta neste Acórdão..
16) No dia 12/04/02, a A. enviou à Ré, o e-mail, junto de fl.s 193 a 202, aqui dado por reproduzido, dando conta de dificuldades na realização dos trabalhos.
17) Dou por reproduzidas as cláusulas referentes à realização da obra em causa constantes dos doc.s juntos de fl.s 203 a 205.
18) A Ré concebeu o documento interno, junto a fl.s 206, aqui dado por reproduzido, de registo da localização dos ramais e de outros elementos.
19) A Ré nunca apresentou tal documento à A..
20) Dou por reproduzido os documentos de fl.s 207 e 219, respeitante às cláusulas de execução do trabalho em causa, no que respeita às tampas das caixas de ramal.
21) Pelo menos na R. de S.to António, a rede de gás avançou primeiro do que a rede de saneamento.
[…]
22) Em 04/12/01, a dona da obra enviou à Ré o fax de fl.s 48.
23) E em 13/12/01, enviou o fax junto a fl.s 49 e 50.
24) Em 14/12/01, foi enviado para a Ré o fax da «Procesl», junto a fl.s 51, onde esta alerta para o facto da obra efectuada pela A. estar a provocar mau estar e reclamação por parte dos moradores da zona.
25) A A. deixava valas abertas durante as noites, quer durante a semana quer durante os fins-de-semana.
26) Não cuidando de salvaguardar as torres de passagens pedonais.
27) Não deixando qualquer margem de segurança nas valas.
28) Mais uma vez em 06/03/002, a dona da obra reclamou da falta de cuidado no andamento dos trabalhos e a danificação de um muro da vedação.
29) Em 07/03/02, a dona da obra enviou à Ré o fax de fl.s 54, mandando suspender a abertura da vala, só tendo a A. podido realizar trabalhos de limpeza e só depois destes terminados é que poderiam ser continuados os trabalhos da rede de saneamento, o que originou o atraso na obra.
30) E inúmeras queixas por parte dos moradores das zonas onde a rede de saneamento estava a ser executada pela A.
31) Em 19/03/02, a dona da obra face às sucessivas reclamações da C. M. da Figueira da Foz, alertou para não ser misturado «tout venant» no barro.
32) A A. não procedia sistematicamente a limpezas dos arruamentos, deixando os mesmos intransitáveis.
33) E havia atrasos sucessivos.
34) Os trabalhos foram executados nas condições descritas no doc. de fl.s 71 e 72.
35) O que tudo foi comunicado pela Ré à A., por várias vezes.
36) O que tudo motivou que em 10/05/02, que a ora Ré enviasse à ora A. o doc. de fl.s 86, exigindo-lhe que cessasse todos os trabalhos e se retirasse da obra.
37) Em 14/05/02, a Ré informou a A. quais os trabalhos que teria de concluir antes de sair da obra
38) E em 20 e 23/05/02, indicou quais os trabalhos que deveriam ser executados antes da saída da obra e que ou não estavam executados ou que o estavam deficientemente.
39) Não os tendo, contudo, a A. terminado nem reparado.
40) A factura referida em 8) reporta-se a serviços de limpeza do Rio Largo.
41) Que a Avelino Rodrigues & Irmão Ldª não executou na totalidade.
42) A Ré procedeu à reparação das condutas de água na sequência de rupturas na rede de distribuição das águas da Figueira da Foz na sequência das obras efectuadas pela A., que totalizam o valor líquido de 2.610,44 €.
43) Danificaram-se 30 metros de tubos de PVC corrugado Significa o mesmo que enrugado. por negligência no manuseio, ou uso sem autorização para aquedutos e águas pluviais ou destruídos na Barra para substituir condutas sem pendentes, contabilizando-se o valor das mesmas em 164,60 €.
44) Danificaram-se sete forquilhas, no valor global de 190,61 €, aquando da substituição efectuada pela Ré da conduta que se encontrava danificada.
45) Danificou-se a caixa do ramal pe at. 700, no valor de 39,41 €.
46) Ficaram destruídas 27 bases de sinalização, 119 postes de sinalização e 143 baias plásticas de protecção, no valor respectivo de 231,38, 1.152,00 e 2.110,55 €.
47) As baias eram usadas como niveladoras de cimento, eram descarregadas de grandes alturas e serviam de amortecedores dos serventes que saltavam dos carros, o que implicou a sua destruição.
48) A A. não acabou a colocação de 10 caixas de visita nas Regalheiras, nomeadamente, na R. de S.to António cx 56 a 61 (6 unidades), R. dos Barrancos (1), R. de Choca cx 24 (1cx), R. Estreita cx 98 (1 cx) e R. do Regato cx 112 (1cx), computando-se o seu valor em 2.820,70 €, sendo certo que a Briopul não facturou as caixas 56 a 61, por não as ter terminado.
49) Houve ainda a colocação de ramais fora do lugar, nomeadamente de dois na R. de Fontita, tendo sido executados fora da demarcação.
50) Houve necessidade de reparar a tubagem na R[ede] das Salineiras, não tendo sido aproveitado o trabalho efectuado pela A.
51) Houve necessidade de colocar o betuminoso da conduta elevatória nas Regalheiras, cujo trabalho embora facturado como executado pela A., o não foi, no valor de 242,12 €.
52) Houve necessidade de reparar o pavimento da R. Principal – Barra, que estalou posteriormente em virtude da base da vala estar com barro.
53) Diversas caixas de visita não têm cimento nas juntas, permitindo a entrada de água, o que levou à necessidade de proceder à colocação do mesmo.
54) Na R. de S.to António houve necessidade de retirar 12 metros de tubo por estar sem pendente o que levava ao não escoamento dos fluidos, o que implicou a necessidade de abrir novamente a vala e colocar um novo tubo na pendente do projecto, o que orçou em 750 €.
55) Na R. dos Adões foram colocadas forquilhas sem colector, havendo necessidade de proceder à colocação das mesmas, o que implicará um custo de 1.500,00 €.
56) Também na R. dos Adões foram retirados 9 metros de tubo sem pendente e entulhados, tendo sido colocado novo tubo, o que orçou em 562,00 €.
57) Quando todos os trabalhos estiverem acabados há que proceder ao chamado teste gravítico.
58) A conclusão sobre se os trabalhos efectuados pela A. o foram de forma perfeita ou deficiente só poderá ser tirada após toda a rede de saneamento estar construída e se proceder aos ensaios gravíticos e à inspecção das caixas de visita.
59) Foi encontrado falta de pendentes nos colectores.
60) O colector tem que ficar ligeiramente inclinado para que possa existir um perfeito escoamento dos esgotos.
61) Foram também encontradas caixas de visita, colocadas pela A., sem fundo.
62) As caixas de visita têm que ter um fundo fundido em betão, caso contrário existe como que um fundo roto, originando infiltrações de esgoto nos terrenos e entradas de água nas caixas.
63) As caixas de visita não podem ter drenos pois provoca a entrada de água nas caixas, canalizando odores para o meio ambiente.
64) No decurso da obra adjudicada à A. ficou a Ré desacreditada perante a dona da obra, Águas da Figueira, SA” e perante a própria C. M. da Figueira da Foz, tendo esta referido que não a convidava para realizar os futuros trabalhos em virtude do sucedido nesta obra, não sendo a Ré convidada sequer a dar preços.
65) Em 2002 o valor orçamentado para as obras de convite pela “Águas da Figueira da Foz, SA”, era de 5.000.000, 00 euros.
66) Era previsível que a Ré realizasse pelo menos duas obras.
67) De acordo com as regras normais de mercado o lucro situar-se-ia numa margem entre 3% a 5%.
68) A imagem e o bom-nome da Ré que até então nunca tinha sido posto em causa encontra-se manchado e denegrido.
69) A Ré não providenciou com brevidade o fornecimento de água na zona da obra.
70) A Ré não pediu os cadastros de localização das infra-estruturas existentes na zona e começou a obra sem saber sobre todas as condições do subsolo.
71) A Ré decidiu primeiro o avanço da rede de gás e só depois a rede de saneamento.
72) Todo este trabalho era verificado por parte de um fiscal do ISQ e sempre que havia anomalias nas tubagens eram identificadas para serem reparadas pelos soldadores da Ré.
73) E só depois da verificação final do fiscal do ISQ se poderia avançar para o tapamento da vala.
74) No dia 13/03/02, a A. devido ao mau tempo que se fazia sentir na zona e que impedia a continuação dos trabalhos, foi forçada a suspender o andamento dos mesmos.
75) O muro que a Ré refere que a A. danificou foi por esta reparado.
76) A Ré não se muniu previamente de elementos para a localização da tubagem de água, nem para a localização de cabos de alta tensão subterrâneos.
77) Foi só no decurso que a fiscalização verificou que os materiais empregues – tubo corrugado e caixas de ramal – não eram os apresentados e aprovados para a obra.
78) A Ré aprovou incondicionalmente a entrada em obra de todos os materiais fornecidos pela A..
79) Em 12/03/02, foi aprovado o preço sugerido pela A. de 31.500$00/unidade e para o «tout-venant», cf. doc. de fl.s 192.
80) Da segunda vez que a A. danificou um cabo da Telecom já tinha na sua posse as plantas de localização das infra-estruturas.
81) As valas que estiveram abertas durante a semana e fins-de-semana foram as de saneamento.
82) Em 24, 27 e 30/01 e 7 e 8/02/03 foram feitas inspecções aos colectores da obra da Figueira da Foz e dessa inspecção e teste gravítico foram detectados vários defeitos na rede de saneamento de gás, que foram reparados pela «Ecorel, L.da».
83) Trabalhos esses relativos às guias de serviços n.ºs 6120D a 6134D, no valor de 7.928,74 E, acrescido de IVA.
84) Foram efectuados trabalhos de reparação nas redes de drenagem da Regalheira relativos às guias de serviços n.ºs 6545 a 6549 e 6101 a 6119, no valor de 8.889,71 E, acrescido de IVA.
85) Foram ainda elaborados trabalhos relativos às guias de serviços n.ºs 6528 a 6532, 6535 a 6544, 4557, 4558, 4554, 6515, 6513, 6512, 6511 e 6510, no valor de 6.617,81 E, acrescido de IVA.
86) Foram ainda efectuados trabalhos relativos às guias de serviços n.ºs 6384 a 6388, 6389, 6394, 6397, 6398, 6400, 6523, 6524, 6525, 6526, 4518, 6527, 4519, 4520, 4521 e 4522, no valor de 6.257,72 E, acrescido de IVA.
87) Foram ainda feitos trabalhos relativos às guias de serviços n.ºs 6371D e 6374D, no valor de € 924,72, acrescido de IVA.
88) Foram ainda feitos trabalhos relativos às guias de serviços n.ºs 635lD, 6352D, 6353D, 6354D, 6355D, 6365D, no valor de 3.449,59 €, acrescido de IVA.
89) A «Gascontrol» facturou a quantia de 10.620,78 €, relativo ao valor dos serviços de inspecção de vídeo colectores.
90) Foi ainda necessário proceder à desobstrução e limpeza dos colectores, no valor de 3.480,75 €.
91) O valor dos materiais necessários para a reparação ascendeu ao montante de 39.3l7,24 €.
92) Nem todos os trabalhos referidos de 82 a 90 se realizaram em obras intervencionadas pela A
[…]”
[transcrição de fls. 788/796]


2.2.1 É em função deste acervo fáctico que cumpre apreciar os fundamentos do recurso. Expressam-se estes, enquanto linhas argumentativas da Apelante na sua crítica à decisão, nos seguintes elementos fundamentais apontados como valores negativos da mesma: (a) a consideração do pedido da A./Apelada de pagamento dos valores facturados, enquanto expressão do preço devido pela realização dos trabalhos subempreitados, não obstante as vicissitudes de execução do contrato, determinando, designadamente, se ocorreu uma resolução relevante do mesmo; (b) a não consideração do pedido reconvencional, em função dos factos provados (questão que é configurada como nulidade da Sentença por omissão de pronúncia). A estas questões de fundo colocadas pela Apelante, que nos conduzem à ponderação e à caracterização do desempenho de cada uma das partes na execução do contrato que as ligava, acresceriam alguns elementos laterais suscitados pelo pronunciamento decisório da primeira instância, que a Apelante configura como nulidades da decisão recorrida Referimo-nos à quantificação do valor devido pela Apelante, elemento que esta impugna, e que a Apelada e a Exma. Juíza parecem reconhecer ter assentado num erro de cálculo, e à determinação do momento a partir do qual seriam devidos juros respeitantes a essa quantia. . Dizemos acresceriam, porque a subsequente exposição e a decisão que ela determinará, tornarão inútil, por prejudicialidade, a apreciação de algumas dessas questões laterais (quantificação do valor devido pela Apelante e termo inicial da obrigação de juros).

No mais que a Apelante configura como nulidade, e referimo-nos aqui aos elementos do pedido reconvencional (indemnização por lucros cessantes e danos não patrimoniais) que a Sentença impugnada não considerou, esta Relação suprirá adiante essa omissão, adiantando-se desde já que a decisão recorrida, ao não tomar posição em concreto, fosse num sentido positivo ou negativo, sobre todos os elementos do pedido reconvencional, incorreu, com efeito, na nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea c) do CPC. Ela será, porém, suprida, por este Acórdão.

2.2.2. Preambularmente, importa aqui referir o enquadramento, que, aliás, é consensual entre as partes, da relação contratual estabelecida entre elas. Trata-se, com efeito, nos termos em que o define o artigo 1213º do Código Civil (CC), de um contrato de subempreitada, ligando a empreiteira original de uma obra (a Apelada) a um terceiro (a Apelante), relativamente à relação contratual originária de empreitada, traduzido na entrega a este terceiro, no quadro de um acordo estabelecido entre este e o empreiteiro, da realização da obra ou de elementos concretos desta. Foi, com efeito, uma relação contratual deste tipo que aqui se estabeleceu entre a Apelada e a Apelante, e é essa mesma relação que enforma nesta acção a relação material controvertida. A particularidade desta situação reside, no que tange às relações dos contraentes da subempreitada e conforme correctamente se sublinhou na decisão apelada, na consideração do empreiteiro originário como “dono da obra”, ou seja como portador desse estatuto, face ao subempreiteiro, funcionando este como “empreiteiro” daquele Como referia o Professor Adriano Vaz Serra, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil, “[s]e o empreiteiro confiar a outrem a execução da obra, mediante um contrato de empreitada, haverá uma subempreitada. Nesta, o empreiteiro primitivo figura como comitente, transferindo para terceiro (subempreiteiro) a execução da obra […]. A subempreitada não se confunde com a cessão da empreitada, na qual o empreiteiro cede a terceiro a sua posição contratual, e o terceiro (cessionário) se substitui ao cedente nos direitos e nas obrigações derivados do contrato de empreitada, ficando, por isso, em relação directa com o comitente; diversamente, a subempreitada é um contrato que cria apenas uma relação obrigacional entre o empreiteiro originário e o subempreiteiro […]” (“Empreitada”, BMJ, 145, 65/66).. Transpõe-se desta forma para o empreiteiro originário (aqui para a Apelante), no seu relacionamento com o subempreiteiro (aqui a Apelada), o estatuto próprio de um dono de obra (não o estatuto do originário dono daquela obra), funcionando correspondentemente o subempreiteiro como se fosse um empreiteiro. É, pois, face a este quadro jurídico – o respeitante a um dono da obra e a um empreiteiro –, que cumpre apreciar o comportamento contratual da Apelante e da Apelada, nos termos reflectidos pela matéria de facto.

2.3. Assentou a decisão recorrida – e, assim, entramos na apreciação do primeiro fundamento da apelação indicado em 2.3. – na consideração de que o pedido da A. respeitante ao pagamento das facturas não foi “destruído” pela argumentação da R.. Para atingir tal conclusão, valorou a decisão o comportamento contratual desta, enquanto “dona da obra” (no quadro de uma subempreitada), fundamentalmente por referência ao elemento desse comportamento exteriorizado através do envio à A. do fax de fls. 86, datado de 10 de Maio de 2002 (item 36 dos factos). Esta comunicação – e dela interessa aqui em particular o trecho recolhido no final deste item 36 “A Engigás exige que a empresa Briopul cesse todos os trabalhos nas Regalheiras e que se retire de imediato da obra”. –, tendo o significado de uma resolução do contrato pela “dona da obra” (R.) Diz-se na Sentença, a fls. 798, que esse documento “[…] exprime, de forma inquestionável, a resolução do contrato […]”., consubstanciaria, não obstante, uma resolução ocorrida, como se afirma na Sentença, a fls. 801, “[…] num quadro factual e legal que o não consentia, por não ter fixado à A. um prazo admonitório e não ter convertido a mora em incumprimento definitivo”, sendo que a isto acresceria – e continuamos a citar a Sentença – a circunstância de “[…] a resolução do contrato de empreitada por virtude da existência de defeitos só pode[r] ter lugar, cumpridas que sejam determinadas etapas a que se reportam os artigos 1218º e ss. [do CC] e que passam pela denúncia e eliminação dos defeitos, eventual redução do preço, apenas havendo lugar à resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina” (transcrição de fls. 801/802).

Não sendo, de um ponto de vista jurídico, em si mesma incorrecta a asserção contida nesta última transcrição (na empreitada a resolução tem de ser antecedida, tendencialmente, de algumas etapas necessárias), consideramos, e adiantamos aqui a conclusão que de seguida explicitaremos, que os elementos fácticos disponíveis correspondem a uma situação distinta daquela que justifica uma tal asserção.

É o que importa justificar.

2.3.1. De facto – e é neste sentido que a referida asserção não é incorrecta –, no contrato de empreitada, o regime da responsabilidade do empreiteiro pelos valores negativos da sua prestação, que se configurem enquanto “defeitos da obra” (artigos 1218º a 1228º do CC) Sublinha-se aqui este elemento, “defeitos da obra” (que, aliás, está contido no título da secção do CC que abrange os artigos 1218º a 1228º), frisando que os defeitos da prestação em causa neste segmento de normas são os que se referem ao objecto – a “obra” – finalisticamente pretendido através da actividade do empreiteiro., apresenta assinaláveis especificidades, comparativamente ao regime geral da responsabilidade contratual. Assentam tais particularidades num encadeamento, tendencialmente sequencial, dos direitos conferidos ao dono da obra, em função da existência desses defeitos, pelos artigos 1221º, 1222º e 1223º do CC: exigência da eliminação dos defeitos (artigo 1221º, nº 1); redução do preço ou resolução do contrato (artigo 1222º, nº 1); indemnização (artigo 1223º). O encadeamento destes preceitos é interpretado, correntemente, quando referido a defeitos da obra passíveis de correcção ou de repercussão no preço, como implicando uma ordem sequencial necessária, condicionante das opções do dono da obra face ao empreiteiro “Dada a forma como estão redigidos os artigos 1221º e segs., o lesado com a defeituosa execução da obra, terá de subordinar-se a uma certa ordem estabelecida nesses preceitos: o dono da obra deverá começar por exigir a eliminação dos defeitos e, só se esta não for possível ou não for executada, é que ele poderá recorrer à redução do preço ou à resolução do contrato, sem prejuízo do direito que lhe assiste a uma indemnização para ressarcimento dos prejuízos que não forem reparáveis por aqueles meios” [António Pereira de Almeida, Direito Privado II (Contrato de Empreitada), Lisboa, 1983, pp. 83/84]..

Neste sentido, ou seja enquanto expressão de um percurso necessário, apresenta esta asserção uma facti species que não é integrada quando, relativamente ao empreiteiro – rectius ao subempreiteiro –, esteja em causa algo que, afectando a subsistência do contrato, não corresponda propriamente à ideia de defeito da obra, entendido este conceito, restritamente, como resultado final do trabalho do empreiteiro, expressando antes um elemento comportamental desse empreiteiro que, respeitando à obra ou reflectindo-se nela, ocorre em paralelo a ela e dela se destaca, permitindo uma valoração correlacionada com a obra mas autónoma na sua essência. O significado deste raciocínio, aparentemente complexo, capta-se quase intuitivamente através da constatação de que o empreiteiro pode adoptar uma performance na execução da obra que torne inaceitável a subsistência do vínculo contratual com o dono desta, sem que isso – sem que o desvalor dessa performance – passe, ou passe só, por algo assimilável ao conceito de “defeitos da obra”, no sentido de elementos ou desvalores passíveis de uma resposta como as contidas nos passos que nos artigos 1221º e 1222º do CC antecedem a resolução do contrato.

É neste sentido, por exemplo, que João Baptista Machado, numa referência que, como veremos, abrange também o contrato de empreitada, fala, relativamente à resolução por incumprimento, em violações insusceptíveis de avaliação “[…] pelo critério do prejuízo certo que […] possa[m] causar à outra ou às outras partes no contrato, mas, antes como elemento sintomático, como facto capaz de fazer desaparecer a particular confiança que no adimplemento depositavam os outros contraentes […]”. Daí – prossegue este Autor – “[…] que nos contratos de que decorre uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal colaboração, tais como o contrato de sociedade, o contrato de trabalho ou certos contratos especiais de prestação de serviços (p. ex. assistência técnica, de reestruturação da contabilidade de uma empresa, de prestações profissionais como as do médico e do advogado), todo o comportamento que afecte gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução” “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, vol. II, Coimbra, 1979, p. 359.. E estas considerações valem, na óptica deste mesmo Autor, como se disse, para o contrato de empreitada, o qual, tal como sucede nos exemplos mencionados, “[…] pressupõe uma certa colaboração e entendimento entre as partes para que o objectivo do contrato ou o objectivo visado pelo credor da prestação […] seja plenamente alcançado” “Pressupostos…”, cit. pp. 360/361 e nota 23.. É, neste sentido que frequentemente aparece associada a contratos com estas características – e a existência na empreitada de um direito de fiscalização do dono da obra (artigo 1209º do CC) é sintomática – a ideia de inexigibilidade para a parte não inadimplente de continuação da relação contratual, expressa através do conceito de “justa causa”. Tal conceito, nominalmente ausente da regulação do contrato de empreitada, não deixa de nele valer na sua essência profunda, através da ponderação dos elementos relacionais múltiplos que a realização de uma obra, e particularmente de uma obra pública, convocam. Pressupõem estes elementos um investimento de confiança do dono no empreiteiro (e, mais ainda, do empreiteiro no subempreiteiro), que não se satisfaz com a eliminação de defeitos e a redução do preço, o qual, por isso mesmo, não pode deixar de convocar uma resposta que passe, desde logo, pela possibilidade de colocar um ponto final à relação contratual.

Aliás, confirmando a ideia de que o “mundo” da resolução do contrato de empreitada não se esgota no percurso que passe, em todas e quaisquer circunstâncias, pelo accionar prévio da eliminação dos defeitos e pela redução do preço, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/03/2007, relatado pelo Exmo. Conselheiro Azevedo Ramos Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo I/2007, pp. 84/86., constatando a existência de situações (no caso um incumprimento definitivo decorrente do abandono da obra pelo empreiteiro) face às quais a resolução do contrato nos termos gerais (como expressamente se refere no texto do aresto) constitui, desde logo, a opção adequada, por obvia inadequação da observância sequencial do regime dos artigos 1221º a 1223º do CC.

Revertendo estas considerações à situação que aqui se configura, sublinhamos a expressividade dos factos, todos eles anteriores ao fax de fls. 86 (referido no item 36 dos factos, o qual data de 10/05/2002) contidos nos itens 22 a 35. Estes, com efeito, consubstanciam, entre outras situações inquestionavelmente graves, protestos da “dona da obra” originária (a empresa Águas da Figueira, S. A.) dirigidos à Apelante, em função de um muito significativo rol de deficiências e desvalores comportamentais da Apelada na execução da subempreitada V. os documentos respectivos a fls. 48 a 85., factos estes que expressivamente tornam “justo” que a Apelante tenha perdido a confiança na capacidade da Apelada executar a obra e, em função disso, pretendesse, como efectivamente sucedeu, fazer terminar a relação contratual com a subempreiteira, considerando a permanência dessa relação intolerável e, como tal, impossível (artigo 801º, nº 1 do CC). Tanto mais que daí estavam a decorrer, para ela Apelante, descrédito e outras consequências nefastas (v. itens 64 a 68 dos factos) com reflexos negativos na respectiva imagem de mercado. É neste quadro, e não nas vicissitudes posteriores ao fax de 10/05/2002 da Apelante, que mais não expressam que a “relação de liquidação” do contrato resolvido A abertura dessa “relação de liquidação”, a ter lugar posteriormente, havia, aliás, sido anunciada pela Engigás, nesse fax de 10/05/2002, dizendo: “[p]ormenores de contentores no estaleiro, fundos de caixa de visita e tampas de ferro fundido serão resolvidos em data a combinar de imediato”., que adquirem significado – e, diga-se, um significado profundo – as considerações anteriormente tecidas em torno da ideia de inexecução do contrato, enquanto – e voltamos a citar João Baptista Machado – realidade aferida “[…] pelo valor sintomático da mesma no que respeita à confiança que o credor poderá depositar no comportamento futuro do devedor” “Pressupostos…”, cit. p. 353.. Nenhuma confiança, diremos nós, tendo presente ser o interesse do credor que justifica a existência da obrigação (artigos 398º, nº 2 e 808 do CC), e lendo os factos provados à luz do relevante interesse da Apelante em que os trabalhos por ela contratados com um subempreiteiro não lhe acarretassem, enquanto agente económico interessado no mercado daquele tipo de obras, descrédito e sucessivos problemas com a “sua” dona da obra e com outros possíveis adjudicadores de obras daquele tipo.

2.3.2. Destas considerações flúi a justificação e a relevância da opção, empreendida pela Apelante através do fax de 10/05/2002, pela resolução do contrato de subempreitada, sendo que esta resolução opera aqui (na empreitada) nos termos gerais (artigos 432º e seguintes do CC) Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Coimbra, 2000, p. 455., exonerando o dono da obra (aqui a Apelante), no que aqui nos interessa, da obrigação de pagar o preço Ibidem (v., no mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 554; António Pereira de Almeida, Direito Privado…, cit. p. 87)..

Tendo a Sentença recorrida condenado a Apelante no pagamento desse preço, expresso através do valor das facturas que o sustentam, importará alterar esse elemento da decisão do Tribunal a quo, absolvendo a R./Apelante desse pedido. Esta consequência, como anteriormente já havíamos deixado antever, dispensa-nos, por evidente prejudicialidade (artigo 660º, nº 2 do CPC), da apreciação da questão da fixação do montante condenatório e do momento a partir do qual seriam, no pressuposto da existência dessa condenação, devidos juros pela Apelante (conclusões XI a XVIII do respectivo recurso) Se é certo que, no caso da fixação desse montante, parece estar em causa um erro de cálculo (a soma dos itens 5, 6 e 7 dos factos, dos quais resultariam os pagamentos, corresponde a €63.309,90 e não a €66.096,34), no caso dos juros, não se compreende como a data do suposto vencimento foi fixada por referência a um momento anterior ao das próprias facturas, quando estas apresentam datas de vencimento posteriores..

2.4. E chegamos, assim, à questão do pedido reconvencional (conclusões XIX e seguintes do recurso). Assente que a questão de eventuais reduções de preços – que constituíam linhas defensivas alternativas, relativamente à resolução do contrato – foi ultrapassada pela decisão anunciada no trecho anterior deste Acórdão A resolução, aliás, exclui a indemnização pelo interesse contratual positivo. e ponderando que o pedido reconvencional da Apelante respeitante a “lucros cessantes”, não obstante não apreciado pela decisão recorrida O que configura, como se mencionou no item 2.2.1., uma nulidade., não dispõe de material fáctico (provado) suficiente no qual se alicerçar (sendo vagos e algo especulativos os elementos constantes dos itens 65, 66 e 67), não deixam de subsistir, todavia, assentes nos factos constantes dos itens 64 e 68 da Sentença Dos quais consta:

“[…]

64
No decurso da obra adjudicada à A. ficou a R. desacreditada perante a dona da obra, Águas da Figueira, S. A., e perante a própria Câmara Municipal da Figueira da Foz, tendo esta referido que não a convidava para realizar os futuros trabalhos em virtude do sucedido nesta obra, não sendo a R. convidada sequer a dar preços.
[…]
68
A imagem e o bom-nome da R., que até então nunca tinha sido posto em causa, encontra-se manchado e denegrido.
[…]”
[transcrição de fls. 794]

, elementos que possibilitam uma consideração indemnizatória (artigo 1223º do CC) de danos insusceptíveis de uma avaliação patrimonial directa, suficientemente graves para merecerem a tutela do direito (artigo 496º, nº 1 do CC), como não pode deixar de suceder, relativamente a uma empresa, com o descrédito junto do mercado.

Importa recordar serem os danos não patrimoniais ressarcíveis no quadro da responsabilidade contratual “A maioria da doutrina, bem como a actual jurisprudência é […] claramente favorável à ressarcibilidade do dano moral no âmbito da responsabilidade contratual […]” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 248, cfr. notas 486 e 487). e que esta indemnização se refere aqui a um elemento que nunca estaria coberto no quadro das opções decorrentes dos artigos 1221º e 1222º do CC Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, cit., p. 556., sendo certo que pode ser cumulada com a resolução do contrato, nos termos do artigo 801º, nº 2 do CC, norma aplicável à empreitada V. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações…, cit., pp. 456/457..

A fixação equitativa deste dano (como decorre do artigo 496º, nº 3 do CC) afigura-se-nos adequadamente quantificada, na falta de elementos mais expressivos respeitantes à significação em concreto da alteração pejorativa da imagem da Apelante no mercado, em €40.000,00, quantia à qual acrescerão juros à taxa legal, desde o trânsito da presente decisão, já que no cálculo equitativo aqui efectuado atendeu este Tribunal – deixa-se nota expressa disso – aos danos não patrimoniais que neste momento se lhe afigura terem existido (terem existido até ao presente) em função dos factos desencadeadores desta concreta obrigação de indemnizar, isto aplicando o critério decorrente do artigo 566º, nº 2 do CC O que exclui, para evitar uma duplicação indemnizatória, o cálculo dos juros nos termos do artigo 805º, nº 3 do CC, por referência à data da citação (v. o Acórdão do STJ de 09/05/2002, denominado “Jurisprudência nº 4/2002”, relatado pelo Juiz Conselheiro Garcia Marques, publicado no Diário da República – I Série-A, nº 146 de 27/06/2002, pp. 5057/5070)..

2.5. Temos, pois, resumindo o sentido da decisão do presente recurso, que a Sentença apelada será revogada, na parte em que condena a R./Reconvinte/Apelante a pagar à A./Reconvinda/Apelada os montantes em causa nas facturas indicadas nos itens 5 (este à luz do item 6) e 7 dos factos, e na parte em que absolve a mesma Apelada da totalidade do pedido reconvencional respeitante aos danos não patrimoniais. Existe, em função disto para a Apelante, uma procedência significativa mas parcial da sua pretensão recursória.

É o que importa determinar, formulando-se previamente a seguinte síntese conclusiva do antecedente percurso argumentativo:

I – A relação entre um empreiteiro e um subempreiteiro deste assenta na transposição das regras de relacionamento entre um dono da obra (o primitivo empreiteiro) e um empreiteiro (o subempreiteiro;
II – A resposta sequencial necessária do dono da obra aos desvalores da prestação do empreiteiro, traduzida na necessidade de seguir a ordem decorrente dos artigos 1221º e 1222º do CC (eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução), pressupõe a adequação a esses desvalores da eliminação dos defeitos e da redução do preço;
III – Desvalores que passem por uma justificada perda da confiança no empreiteiro (subempreiteiro), podem justificar, desde logo, a opção pela resolução do contrato;
IV – O contrato de empreitada, bem como o de subempreitada, pressupõem uma colaboração entre as partes à qual não é indiferente a existência de uma relação de confiança e a projecção desta como valor sintomático ligado à subsistência do vínculo entre o dono da obra e o empreiteiro;
V – A relevância da resolução exonera o dono da obra da obrigação de pagamento do preço.


III – Decisão

3. Assim, na parcial procedência da apelação, decide-se (com a consequente revogação dos pertinentes trechos da Sentença apelada):

A) Absolver a R. B..., do pedido consubstanciado no pagamento dos montantes decorrentes das facturas em causa nos itens 5 e 7 da Sentença (fls. 788 e 789) Montante que a Sentença apelada indicou como correspondendo a €66.096,34.;

B) Condenar a Reconvinda Briopul – Sociedade de Obras Públicas e Privadas, Lda., a pagar à Reconvinte B..., a título de danos não patrimoniais, a quantia de €40.000,00, à qual acrescerão juros à taxa legal desde o trânsito deste Acórdão até integral pagamento .

Custas em ambas as instâncias a cargo da A. e R. na proporção do decaimento respectivo, nos termos em que tal decaimento resulta (tanto na primeira como na segunda instância) da confirmação e revogação da decisão apelada, operada por este Acórdão.