Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO COSTA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA LEGITIMIDADE DO REQUERENTE | ||
Data do Acordão: | 09/15/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CONDEIXA-A-NOVA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 3.º, N.1 E 4 ; 20.º; 30.º, N.º 4DO CIRE | ||
Sumário: | 1. Está legitimado para requerer a insolvência do devedor, para além do mais, todo o credor que, em processo executivo movido contra o devedor, não logrou o pagamento do seu crédito, qualquer que seja o seu montante; 2. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a incapacidade do devedor satisfazer as obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência de o devedor continuar a satisfazer a generalidade das suas obrigações | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO A....., com sede em Coimbra, requereu, no Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, a declaração de insolvência de B...... Alegou, para tanto, em resumo, que, no âmbito da sua actividade, através de um dos seus sócios, prestou diversos serviços para a C..... da qual era procurador o Requerido; aquela sociedade veio a ser declarada falida por sentença de 10/5/2004; por sentença proferida no âmbito do processo nº 1801/06.1TJCBR, foram aquela empresa e, subsidiariamente, o aqui Requerido (enquanto fiador) condenados a pagar à aqui Requerente a quantia de € 6 587,10; a Requerente instaurou execução contra o Requerido para obter o pagamento daquela importância, mas, até hoje, não conseguiu localizar quaisquer bens ou rendimentos do Requerido que permitam obter o pagamento da aludida quantia; termina pedindo que o Requerido seja declarado insolvente e se ordene a citação do mesmo e dos credores desconhecidos. Contestou o Requerido, alegando, também em resumo, que não é devedor originário de qualquer importância à Requerente, mas somente subsidiário e que a falida esteve em liquidação e possuía bens imóveis; acresce que a facturação elaborada pela Requerente é extemporânea porque respeita a créditos datados de 2001/2003; a Requerente, não tendo tentado obter, numa primeira fase, o pagamento dos seus créditos junto da STAR, L.da, e, posteriormente, no respectivo processo de falência, não pode exigir o seu pagamento ao responsável subsidiário; além disso, o Requerido é engenheiro civil e, face aos problemas económicos que lhe foram causados, decidiu deslocar-se para Angola para refazer a sua vida económica, perspectivando-se sucesso nesta actividade; termina pedindo a improcedência da acção. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se lavrou nos autos despacho a responder à matéria da base instrutória, facultada às partes em audiência, sem reclamações. Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o Requerido do pedido de insolvência. Inconformada com o assim decidido, interpôs a Requerente recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª – “O Requerido/devedor, pessoa singular, B....., pode ser objecto de processo de insolvência e na verdade encontra-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações, não só a que tem para com a Recorrente mas as demais infra relacionadas; 2ª - A Recorrente tem legitimidade para a instauração do processo de insolvência contra o Requerido/devedor B.....; 3ª - Após a Audiência de Discussão e Julgamento foi julgada como provada a Matéria de Facto que consta da douta sentença recorrida, na parte III – Fundamentação de Facto, sob as alíneas A a P, que muito respeitosamente, aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos; 4ª - No início da Audiência de Discussão e Julgamento foi distribuído aos mandatários das partes o “Despacho Saneador” ou, mais concretamente, um despacho em 2 folhas contendo a Matéria de facto assente e Base Instrutória, sendo aquela insuficiente face ao alegado no art. 47º da Oposição; 5ª - O Requerido não tem inscrito em seu nome e, portanto, não é titular de rendimento de nenhum prédio urbano ou rústico, isto é não detém registo nem possui imóveis; 6ª - Um veículo inscrito em seu nome (EG-03-81 DE 1990) está penhorado à Fazenda Nacional como garantia de pagamento da quantia de 983.661$00 ou 4.906,48 €; 7ª - Um outro veículo (HM-39-29 de 1983) não possui seguro válido registado no Instituto de Seguros de Portugal; 8ª - Há já 3 anos que o Requerido não exerce qualquer actividade sujeita a contabilidade; 9ª - O Requerido não revela qualquer vencimento registado na Segurança Social nem qualquer outro tipo de subsídio; 10ª - O Requerido não pretende pagar à Recorrente; 11ª - Ao Requerido não é conhecida profissão certa nem entidade patronal; 12ª - O Requerido, face ao que foi dado provado e consta das conclusões 8ª, 9ª e 11ª (sobretudo destas) vive de “expedientes ocasionais”; 13ª - Em Audiência de Discussão e Julgamento duas testemunhas do Requerido – as únicas que foram ouvidas – disseram, respondendo ao ponto 5º da Base Instrutória, o seguinte: A testemunha Cecília: “Penso que luta pelo dia a dia. Tem dificuldades. Tenta sobreviver”. A testemunha José dos Reis: Disse nada saber; 14ª - O artº 5º da Base Instrutória foi incorrectamente julgado, face a toda a prova constante dos Autos e à apurada em Audiência de Discussão e Julgamento, devendo ter como resposta, PROVADO; 15ª - Com efeito o Requerido não aufere, como rendimento, quaisquer quantias a título de rendas ou alugueres porque não possui imóveis, nem móveis que possa dar de aluguer; 16ª - O Requerido não exerce profissão, logo não aufere retribuição do seu trabalho; 17ª - O Requerido não recebe subsídio de desemprego porque tal não consta dos registos de Segurança Social, como lá não constam registos de vencimentos; 18ª - O Requerido não possui quaisquer bens, nem tal resulta dos Autos, nomeadamente de pesquisas efectuadas pelo Sr. Solicitador de Execução; 19ª - O Tribunal “a quo”, no cômputo de tudo quanto apurou em Audiência de Discussão e Julgamento e consta dos Autos, não deveria considerar se a dívida do Requerido/devedor à Recorrente era ou é particularmente elevada ou não, mas, tão só, atender à existência da dívida vencida e ao não pagamento dela por parte do Requerido; 20ª - O Requerido tem outros credores com dívidas vencidas, nomeadamente: - Direcção Geral dos Impostos (Fazenda Pública) com o crédito vencido e em Execução de pelo menos, 4.906,48 €. - Banco Internacional do Funchal (BANIF) - Vodafone; 21ª - Deverão ser levados aos Factos Assentes os demais credores conhecidos (confessados pelo Requerido), supra referidos na conclusão 20ª; 22ª - O Requerido não possui quaisquer bens, porque não só ele não o alegou como deveria e em cumprimento do disposto no nº 3, in fine, do artº 30º do CIRE, como não resultam dos Autos ou das pesquisas do Sr. Solicitador de Execução; 23ª - O Requerido não logrou provar a inexistência da dívida à Recorrente; 24ª - O Requerido não logrou provar a inexistência da sua situação de insolvente, nem ilidir a presunção dos factos-índice em que ela assenta; 25ª - Os presentes Autos foram instaurados pelo facto de, em processo de Execução Comum movida contra o Requerido, se ter concluído pela insuficiência do património do Requerido, para pagamento da quantia exequenda, face às pesquisas e acção do Sr. Solicitador de Execução; 26ª - O facto do Requerido ter ido para Angola configura a norma da al. c) do artº 20º do CIRE, isto é a “fuga do Requerido do local onde exercia a sua actividade; 27ª - A sentença recorrida violou as seguintes normas: Artºs 3º, 20º e nºs 4 e 5 do artº 35º do CIRE Arts 511º e 653º do C.P.C.” Não foi apresentada contra-alegação. ............... O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8. De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber: - Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto da 1ª instância; e - Se estão preenchidos os requisitos para ser decretada a insolvência do Requerido. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. ............... OS FACTOS Na sentença recorrida, foram dados com provados os seguintes factos: A) A requerente é uma sociedade de Advogados cuja actividade, como do pacto consta, consiste no exercício da actividade forense e extrajudicial de advogado e consultor jurídico, por parte dos seus sócios; B) No âmbito dessa actividade, a requerente através do seu sócio, Dr. D....., prestou diversos serviços para a Sociedade Comercial STAR – Construções; C) Nos autos de processo sumário intentado pela requerente contra STAR Construções Lda. e B....., com o nº 1801/06.1TJCBR que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de Coimbra foi decidido, por sentença transitada em julgado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido: julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré, C…., e subsidiariamente (enquanto fiador), o Réu, B....., a pagar à Autora a quantia de 6.587,10 EUR. (seis mil quinhentos e oitenta e sete euros e dez cêntimos), absolvendo-se os Réus do demais que é peticionado; D) Tendo por base a sentença referida em C) a requerente intentou acção executiva contra C…. e contra o requerido que correu por apenso àquela acção; E) O requerido nasceu no dia 12/10/1953; F) Com data de 09/07/08 foi remetida pelo II. Mandatário do requerente ao II. Mandatário do requerido um carta onde pode ler-se: atento ao comportamento do constituinte do Exmo. Colega, Engº B....., que não me pagou a quantia que foi condenado a pagar, por sentença proferida pelo 1° Juízo Cível do Tribunal de Coimbra, venho informar que nos termos do nº 1, al. a) do artigo 2º e art. 3° e demais disposições aplicáveis do C.I.R.E Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas), irei de imediato requerer processo de insolvência contra ele; G) Com data de 18/08/08 foi emitida certidão pelo serviço de finanças de Condeixa-A-Nova onde pode ler-se: tendo compulsado os elementos existentes neste Serviços de Finanças, verifiquei que em nome do requerente B....., com o NIF 142591351 com domicílio fiscal em Eira Pedrinha 3150-220 Condeixa-a-Velha na presente data não se encontra inscrito nenhum prédio em seu nome; H) Com data de requisição de 20/08/08 foi emitida pela conservatória do registo comercial e automóvel de Coimbra certidão que atesta que o veículo de matrícula EG-03-81 tem propriedade registada a favor do requerido com penhora à Fazenda nacional datada de 20/11/90 no valor de 983.661$00; I) Com data de requisição de 20/08/08 foi emitida pela conservatória do registo comercial e automóvel de Coimbra certidão que atesta que o veículo de matrícula HM-39-29 tem propriedade registada a favor do requerido sem quaisquer ónus ou encargos; J) O requerido nos últimos três anos não exerceu qualquer actividade sujeita a contabilidade; K) Até à data da interposição do requerimento de insolvência do requerido este não tinha pago à requerente a quantia peticionada; L) Pela requerente foram emitidas as seguintes Notas de Honorários em nome de C…..: a. Nota de despesas 495/APS do período de 03/05/06 no valor de EUR. 1.585,80; b. Nota de despesas 618JAPS do período de 09/05/01 e 03/05/06 no valor de EUR. 2.394,11; c. Nota de despesas n° 791IAPS do período de 10/04/02 a 03/05/06 no valor de EUR. 2.607,19; d. Nota de despesas n° 1082/APS do período de 17/03/04 a 03/05/06 no valor de EUR. 82,10; M) Até ao dia 21/01/08 no decurso da acção referida em D) o solicitador de execução em resultado das pesquisas efectuadas, obteve as seguintes informações: informação de que os executados detinham em seu nome alguns veículos e que o mesmo não revela encargos e não revela registo de seguro no ISP; quanto ao património imobiliário não detêm os executados registo de imóveis em seu nome; não revela o executado qualquer vencimento registado na segurança social nem qualquer outro tipo de subsídio; N) A requerente tem feito tentativas junto do requerido para recebimento do seu crédito não tendo este demonstrado qualquer intenção de proceder ao pagamento da quantia em débito; O) Ao requerido não são conhecidas profissão certa nem entidade patronal; P) O requerido não tem bens imóveis. ............... O DIREITO 1 – A decisão da matéria de facto A apelante tece algumas críticas à decisão da matéria de facto da 1ª instância. Defende a apelante que o artº 5º da Base Instrutória foi incorrectamente julgado, face a toda a prova constante dos autos e à apurada em audiência de discussão e julgamento, devendo ter como resposta «provado». Vejamos. Aquele artº 5º tem a seguinte redacção: O requerido não tem fontes de rendimento? A resposta que obteve foi a de não provado e a apelante defende que a resposta deve ser alterada para «provado». Como é sabido, entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado (artº 655º, n.º 1, do C.P.C.). Daí que a Relação não possa, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos. Só o pode fazer dentro dos apertados limites previstos no artº 712º, n.º 1, do citado diploma legal, e se ocorrerem as seguintes situações: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou. Tem sido pacífico o entendimento da jurisprudência sobre este ponto. De facto, como decidiu já esta Relação (Ac. de 13/10/76, C.J., 1976, 3.º, 571), “as respostas do Tribunal Colectivo, aos quesitos não podem ser alteradas pela Relação, salvo se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base às respostas ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas e, também, se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou. Basta a circunstância de, em audiência de julgamento, terem sido produzidos depoimentos orais de testemunhas, para desde logo ser impossível operar qualquer crítica quanto à apreciação feita pelo Colectivo sobre o teor das respostas ao questionário”. Ora, no caso presente, não foi requerida a gravação da prova e, por isso, não foram, por nenhum meio, gravados ou registados os depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência de discussão e julgamento (vide acta de fls. 144 e segs.). E alguns desses depoimentos foram considerados relevantes para o formar da convicção do Tribunal de 1.ª instância (fls. 147 e 148). Esta Relação não tem, pois, ao seu dispor todos os elementos de prova em que aquele Tribunal se fundou para formar a sua convicção. Acresce que os elementos fornecidos pelo processo não impõem uma decisão diversa a tal matéria da que lhe deu o Tribunal recorrido, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Além disso, cumpre referir que a apelante também não apresentou documento novo superveniente e que, por si só, fosse suficiente para destruir a prova em que a matéria em causa assentou. Por tudo isto, esta Relação não pode alterar, no sentido propugnado pelo apelante ou em qualquer outro, a matéria em causa, já que não tem ao seu alcance os meios de prova de que o Tribunal recorrido se socorreu para formar a sua convicção. Defende também a apelante que deverão ser levados aos factos assentes os demais credores conhecidos (confessados pelo Requerido). Na sua contestação, o Requerido alegou (artº 47º) ter como credores as seguintes entidades: Direcção Geral dos Impostos (Fazenda Pública), com sede em Lisboa, já vencidas e em fase de execução (Condeixa); Banco Internacional do Funchal, Av. José Malhoa 22, 1099-012 Lisboa; Vodafone – Av. D. João II Lote 1.04.01. E 205Parque das Nações 198 017 Lisboa. Esta indicação dos credores era imposta pelo nº 2 do artº 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o qual veio a ser julgado inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 556/2008 (D. R., II Série, de 20/1/2009). Sendo aplicáveis ao processo de insolvência, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil (artº 17º do CIRE), os factos alegados em sede de oposição, porque não existe, no processo de insolvência, articulado de resposta, não podem considerar-se admitidos por acordo. Deste modo, e porque o facto em causa não se mostra provado por documento, não pode considerar-se o mesmo como provado. Assim, esta Relação considera como assentes os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido. ......... 2 - Se estão preenchidos os requisitos para ser decretada a insolvência do Requerido A sentença recorrida concluiu pela não declaração de insolvência do Requerido, considerando: a) O próprio montante da dívida, que não é particularmente elevado; b) O facto de não se ter por provado que o requerido tenha outros credores e de qual seja o montante e natureza de tais dívidas; c) O circunstância de se não ter por provado que os bens do requerido não são suficientes para fazer face às suas dívidas, designadamente a da requerente. Ponderadas estas circunstâncias, escreveu-se na sentença, “não se pode concluir que o requerido se encontra (na) situação de insolvência, ou seja, de que não dispõe de liquidez e património suficientes para fazer face às suas dívidas, designadamente não se enquadrando os factos que se devem considerar por provados em nenhuma das alíneas do artigo 20º, do CIRE, designadamente na alínea b) ou e) que ao caso poderiam ser aplicáveis”. A apelante procura convencer do inverso, ou seja, de que se impõe a declaração de insolvência do Requerido. Vejamos. O artº 3º, nº 1, do CIRE refere que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. O nº 4 do mesmo preceito acrescenta que “equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”. O conceito básico de insolvência expresso por este preceito, em relação às pessoas singulares, que é do que aqui se trata, traduz-se na impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações vencidas. Só são, pois, determinantes, para a caracterização da impossibilidade do cumprimento, as obrigações do devedor já vencidas, sem embargo de se permitir ao devedor que se apresente à insolvência quando esta seja meramente iminente. Mas essa é uma faculdade que apenas assiste ao devedor. Os credores apenas estão legitimados, nos termos do preceituado no artº 20º, nº 1, do CIRE, para requererem a declaração de insolvência verificando-se, para além do mais que aqui não tem relevo transcrever, algum dos seguintes factos: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo; d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor. Como escreveram Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE Anotado, 2008, pág. 72), de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Com efeito, acrescentam aqueles autores, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, por si só, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante. As diversas alíneas do citado artigo 20º, nº 1, estabelecem factos presuntivos da insolvência (ob. cit., 135) que tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva de situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (artº 3º, nº 1). Caberá, então, ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice (Ac. da R. de Évora de 25/10/2007, CJ, 2007, 4º, 259). Na verdade, o artº 30º, nº 4, do CIRE, é taxativo quanto ao ónus que impende sobre o devedor de provar a sua solvência. Aqui chegados, é fora de qualquer dúvida que a Requerente está legitimada para requerer a insolvência do Requerido, porquanto instaurou contra ele acção executiva com vista à cobrança da quantia de € 6 587,10, sendo certo que, em 21/01/08, o Sr. Solicitador de Execução deu noticia das pesquisas efectuadas sobre o património do executado em Janeiro de 2008 (vide al M) dos factos). E, até à data da apresentação do requerimento de insolvência, o Requerido não pagou à Requerente a quantia de que este é credor. Não se nos afigura, de modo algum, ao invés do que afirma a sentença recorrida, que a importância em dívida à Requerente não é particularmente elevada. De todo o modo, só a al. b) do nº 1 do artº 20º alude ao montante das obrigações, para efeitos de legitimação para requerer a insolvência. Aliás, como dizem os autores citados (idem, 135), a autonomização daquela al. b) era, em rigor, desnecessária, se se atender ao que já constituía entendimento pacífico da generalidade da doutrina e da jurisprudência. A verdadeira situação de insolvência, como já se deixou dito, encontra-se plasmada no citado artº 3º, nº 1, segundo o qual se considera em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. E o certo é que, à luz dos factos provados, dúvidas não restam de que o Requerido se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, nomeadamente a que tem perante a Requerente. Esta instaurou execução contra o Requerido com vista à cobrança coerciva do seu crédito, mas sem êxito. Aliás, a Requerente tem feito tentativas junto do Requerido para recebimento do seu crédito, mas este não tem demonstrado qualquer intenção de pagar (al. N) dos factos). O Requerido não tem bens imóveis e não lhe são conhecidas profissão certa nem entidade patronal (als. O e P) dos factos), o que lhe retira capacidade de poder continuar a pagar aos seus credores. Deste modo, ao contrário do decidido na sentença recorrida, afigura-se-nos que, perante os factos provados, se pode concluir que o Requerido não logrou provar que se encontra em situação de solvência, isto é, capaz de cumprir as suas obrigações vencidas, como aquela que tem perante a aqui apelante. Procedem, por isso, em parte, as conclusões da alegação da apelante, pelo que a sentença recorrida não se pode manter, devendo ser substituída por outra que declare a insolvência do Requerido, com as legais consequências. ......... Sumário: 1 - Está legitimado para requerer a insolvência do devedor, para além do mais, todo o credor que, em processo executivo movido contra o devedor, não logrou o pagamento do seu crédito, qualquer que seja o seu montante; 2 - O que verdadeiramente releva para a insolvência é a incapacidade do devedor satisfazer as obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência de o devedor continuar a satisfazer a generalidade das suas obrigações. ............... DECISÃO Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a fim de ser, na 1ª instância, substituída por outra que declare a insolvência do Requerido, com as legais consequências. Custas pela massa insolvente (artº 304º do CIRE). |