Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1671/03.1TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
FALECIMENTO DE ADVOGADO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Data do Acordão: 05/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGO 146.º; 254.º, N.º 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A notificação efectivamente expedida para o patrono da parte, ainda que comprovadamente após o falecimento desse patrono, é, todavia operante, face ao disposto no artigo 254.º , nº 4, ª parte do CPC.
2. Constatado o decesso do patrono dos RR. antes da expedição da notificação do acto passível de recurso, impor-se-ia que o respectivo escritório diligenciasse pela imediata informação - e comprovação - do referido evento no processo, visando não apenas a suspensão da instância e inutilização do prazo, como a substituição do falecido advogado.
3. Não o tendo feito, e tendo a parte realizado a comunicação do facto para além do decurso do prazo do recurso, quando se demonstrou que o poderia ter efectuado antes desse momento, assim beneficiando do efeito mencionado na parte final do nº 2 do artigo 283 do CPC, o direito de recorrer foi precludido, sem que possa invocar o justo impedimento.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de acção declarativa com processo ordinário que no 2º Juízo Cível de Aveiro A.....move a B.....e mulher C....., proferido o Acórdão desta Relação de fls. 171-179, do qual foram oportunamente expedidas as inerentes notificações dirigidas ao mandatário do A. e ao patrono dos RR., já após o regresso dos autos à 1ª instância, veio a Ré mulher, ao mesmo tempo que informava o processo do falecimento do ilustre patrono, juntar aos autos a correspectiva certidão de óbito; e, alegando que só na data do requerimento havia tomado conhecimento do passamento do causídico, invocar justo impedimento - por parte dos Réus - para a não interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo por objecto o mencionado Acórdão, como era de sua vontade.
Depois de ouvido o A. – que se opôs – e de anexada certidão de outro processo em que o R. B..... também comunicara o falecimento do mesmo advogado, sobre a pretensão veio a ser exarado o douto despacho de fls. 243 e 243 v., no qual se indeferiu o invocado justo impedimento e o requerimento apresentado pela Ré C......
Irresignados com tal veredicto, dele recorreram os Réus, recurso admitido como agravo, com subida imediata e efeito suspensivo.


Os agravantes terminam as respectivas alegações com o seguinte enunciado conclusivo:

A - Na presente acção é obrigatória a constituição de Advogado, como nos diz o artigo 32.° do Código de Processo Civil e como também sustenta o despacho ora posto em crise.
B - Ora, resultado do passamento do ilustre Dr. D....., ficaram os Réus destituídos de mandatário, cujos poderes só vieram a delegar mais tarde na Dra. E....., por procuração.
C - Assim, conjugando-se estes dois últimos pontos, conclui-se que, sendo obrigatória a constituição de Advogado e tendo o dr. D..... falecido em 06 de Fevereiro de 2007, os Réus não tinham legitimidade para interpor o competente Recurso de Revista para o STJ.
D - De facto, esta legitimidade só a veio a ter a actual mandatária aquando da procuração forense, estando até aí suspensos os prazos judiciais, uma vez que só aí cessou a suspensão da instância, encontra-se, assim, violado o prescrito no artigo 284.° do Código de Processo Civil.
E – E, ainda, sob a letra deste artigo e do art.º 283, nº 2 ex vi dos art.ºs 276, nº 1, alínea b) e 278.°do mesmo código, que também se encontram violados, sabe-se que não estando constituído mandatário, suspende-se a instância, não correm os prazos judiciais e é inutilizada a parte do prazo que tenha decorrido anteriormente.
F – Só após o primeiro acto do mandatário é que se presume a sua aceitação, donde só a partir daí cessar a irregularidade de falta de mandatário porque obrigatória a sua constituição.


O A. respondeu, pugnando pela manutenção do despacho agravado.

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Dispensados os vistos cumpre decidir.

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Podem enunciar-se do seguinte modo os pressupostos da decisão ora impugnada:

1 – Em 6/10/2003 o Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados nomeou como patrono oficioso dos RR. nos vertentes autos o Advogado sr. dr. D....., patrocínio que perdurou no processo até ao falecimento deste, ocorrido em 6/02/2007.
2 - Com data de expedição de 9/02/2007 foi enviada para o escritório do ilustre patrono oficioso dos Réus, Dr. D....., notificação do Acórdão desta Relação publicado em 9 do mesmo mês, em que, além de se confirmar o saneador-sentença na parte em que julgou a reconvenção improcedente, se determinou a anulação do aresto proferido na parte em que julgou a acção procedente para elaboração de base instrutória integrando certa matéria factual.
3 – A fls.188, por fax de 8/03/2007, a Ré C....., pretextando a ausência do R. marido, e o facto de só nessa data - 8/03/07 - ter tomado conhecimento do decesso do seu advogado, Dr. D....., veio juntar ao processo certidão de óbito do mesmo – ocorrido a 6/02/07 - e, a par com a manifestação da vontade de interpor recurso do Acórdão da Relação, cujo prazo supostamente transcorrera, requerer que, nos termos do art.º 146 do CPC, se considerasse justo impedimento por parte dos RR..
4 – Ouvido o A., este, a fls. 201, aduzindo que, no autos com o nº 338-C/02 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, os agora aqui RR. - e ali também partes - haviam comunicado o óbito do mesmo ilustre Advogado, logo no dia 12 de Fevereiro de 2007, requereu, além do mais, que, uma vez comprovada a exactidão daquela comunicação, se indeferisse o impetrado pela Ré C......
5 – Em 19/03/2007 foi proferido despacho a declarar suspensa a instância, nos termos do art.º 276, nº 1 al.ª b) do CPC.
6 – A fls. 209-212, com datas de 19/06/2007, os Réus juntaram aos autos procurações em que constituem mandatária a Sr.ª Dr.ª E......
7 – A fls. 237 acha-se cópia de um requerimento dirigido ao 2º Juízo do Tribunal de Albergaria-a-Velha, com carimbo de entrada de 12 de Fev. de 2007, subscrito por B…, a informar do "falecimento do seu mandatário Exmo. Sr. Dr. D..... no dia 06-02-07. Pelo que requer a Vossa Excelência a suspensão de prazo para se opor à execução à margem referenciada, até indicação de novo mandatário".


Cumpre decidir.


Antes de se iniciar a abordagem do mérito do agravo, impõe-se anotar que, o i. advogado falecido se encontrava no presente processo – de constituição obrigatória de advogado, ex vi do art.º 32, nº 1, al.ª a) do CPC - na veste de patrono dos RR. e ora agravantes, nomeado no âmbito do incidente de apoio judiciário por eles oportunamente desencadeado (e não na de mandatário dos mesmos). Na ausência de qualquer previsão, sobre as consequências processuais da morte do patrono nomeado, no diploma regulamentador do apoio judiciário aplicável – a Lei 30-E/2000 de 20/12 - nada obsta, portanto, a que àquela se lhe aplique o regime dos art.ºs 276, nº 1, al.ª b), 278 e 283 do CPC.

No despacho recorrido localizou-se como fulcro da apreciação do justo impedimento o saber se "a Ré esteve impedida de comunicar a morte do seu Advogado até ao termo desse prazo para recorrer".
E sopesou-se que "a Ré apenas em 08-03-2007 veio comunicar e provar a morte do seu Advogado, pelo que, nessa altura, já havia decorrido o prazo legal de 10 dias para interpor recurso de revista para o STJ, tendo esse prazo terminado em 22-02-2007".
O dissídio dos agravantes reside essencialmente no facto de o prazo para recorrer do Acórdão desta Relação não poder ter corrido a partir da data do óbito do patrono - que coincidiu com a data em que foi proferido o aresto – três dias antes da expedição da respectiva notificação.
Vejamos.



O despacho sob censura tratou o problema como sendo uma situação de justo impedimento.
A figura do justo impedimento destina-se a suprir os obstáculos que se interponham às partes e aos respectivos representantes ou mandatários na prática atempada do acto – art.º 146, nº 1 do CPC.
Verdadeiramente o acto cuja prática atempada a Ré C..... pretendeu salvaguardar perante o tribunal foi da apresentação de recurso do Acórdão da Relação que havia sido proferido. Mas este acto não era por ela praticável, antes competindo ao respectivo patrono, entretanto falecido.
O que cabia à parte – aos RR. – praticar era a célere comunicação e prova do decesso do respectivo patrono, com vista ao aproveitamento dos efeitos da suspensão da instância decorrentes dos art.ºs 276, 1, al.ª b), 278 e 283, nº 2 do CPC

Na verdade, à luz do preceituado no nº 2 do art.º 283 do CPC, os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão. Mas também aí se esclarece que, nos casos das alíneas a) e b) do nº1 do art.º 276 do CPC (e, por conseguinte, no caso de falecer o advogado em processo em que seja obrigatória a respectiva constituição) "a suspensão inutiliza a parte do prazo que decorreu anteriormente".
Nada se diz aí, por conseguinte, sobre o prazo que haja integralmente transcorrido entre o facto gerador da suspensão (a morte do advogado) e o momento em que é declarada, após a prova daquele facto, nos termos do art.º 278, 1ª parte, do CPC.
Mas sempre se entendeu Cfr. Alberto dos Reis, Comentário, V. III., p. 300, e Manuel de Andrade, Lições, pág. 45, nota 1. que este efeito inutilizador se retrotraía à data em que o facto devia comprovar-se no processo, quando a parte não desse conhecimento do facto da morte ou da extinção logo que lhe foi possível obter o documento comprovativo.
Donde que, efectivamente, se pudesse afirmar que a prática atempada pelos RR., ora agravantes, do acto de informar e provar no processo o óbito do seu patrono, requisito da imediata suspensão da instância e inutilização do prazo para o recurso, por força das citadas disposições legais, estava dependente da prova de um evento não imputável à parte, que se poderia reconduzir ao simples desconhecimento daquele infausto acontecimento, antes do requerimento de 8/03/2007.
Ora do acervo fáctico provado emerge que, pelo menos, em 12 de Fevereiro de 2007, isto é, ainda no início da vigência do prazo para recorrer do Acórdão, o R. marido soube do falecimento do seu patrono no processo.
Perante isso, foi imputável aos RR. o decurso integral do prazo do recurso, sem a interferência da suspensão da instância que derivaria da prova desse falecimento.
Daí que tanto a solução final como a linha de raciocínio desenvolvida pelo despacho atacado não sejam merecedoras de qualquer crítica.


Deve anotar-se que, quer o supra aludido requerimento da Ré de 8/03/07, quer o despacho recorrido, arrancaram de uma premissa que deram por certa e adquirida: a de que, sem a suspensão da instância, estribada na prova atempada do óbito do i. patrono dos RR., o prazo para estes recorrerem do Acórdão de 6/02/2007 – obviamente por intermédio do patrono nomeado - ter-se-ia iniciado e extinto.
Este prazo haver-se-ia por iniciado com a notificação do Acórdão ao i. patrono dos RR., ora agravantes.
Aparentemente, o que – antes de mais – os RR. querem ver enfrentado no agravo, é o problema de saber se o prazo em apreço podia ter corrido contra eles, quando então não podiam praticar o acto - a apresentação do recurso - senão através de advogado, constituído ou nomeado. Isto é, se a notificação do Acórdão, que foi direccionada ao seu falecido patrono, produziu, apesar de tudo, os seus efeitos. Este problema transporta-nos para o regime legal das notificações das partes, em processos em que estas estão representadas por advogado, constituído ou nomeado, ao qual que se reportam os art.ºs 253 e 254 do CPC.


Dispõe o nº 3 do art.º 254 do CPC que "A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja".
Esta presunção é ilidível, como no-lo diz o nº 4 do preceito.
De harmonia com o prescrito na 1ª parte do preceito, a presunção estabelecida no nº3 – tal como a do nº 4 – "pode ser ilidida pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada (…) por razões que lhe não são imputáveis".
Será que não deve ter-se por efectuada a notificação dirigida a um advogado já falecido?
É inegável que o desencadeamento do prazo, dilatório ou peremptório, resultante da notificação do mandatário ou patrono da parte, pressupõe que a mesma notificação seja válida e operante.
A notificação efectivamente expedida para o patrono da parte, ainda que comprovadamente após o falecimento desse patrono, é, todavia operante, face ao art.º 254, nº 4, ª parte do CPC. É que aí se estipula que "A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto do expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou domicílio por ele escolhido".
Ainda que, eventualmente, algo distanciado de parte da realidade social, o legislador actual quis conceber o escritório do advogado como uma entidade dotada de uma dimensão e estrutura funcional complexa, não dependente da individualidade física do advogado, de tal modo que, mesmo na ausência (física) do destinatário da notificação, não deixa de responsabilizar a capacidade organizativa do escritório - pela falta de resposta adequada e atempada às notificações dimanadas de processos pendentes.
Assim sendo, o prazo em questão, construído sobre a notificação dirigida em 9 de Fevereiro de 2007 para o escritório do falecido patrono dos RR., começou a correr e completou-se. Constatado o decesso do i. patrono dos RR. antes da expedição da notificação do Acórdão desta Relação, impor-se-ia que o respectivo escritório diligenciasse pela imediata informação - e comprovação - do referido evento no processo, visando não apenas a suspensão da instância e inutilização do prazo, como a substituição do falecido advogado.
Não o tendo feito, e tendo a parte realizado a comunicação do facto para além do decurso do prazo do recurso, quando se demonstrou que o poderia ter efectuado antes desse momento, assim beneficiando do efeito mencionado na parte final do nº 2 do art.º 283 do CPC, o direito dos RR. recorrerem precludiu-se-lhes de forma inelutável.
Pelo que o vertente agravo, na defesa do princípio essencial de que o prazo do recurso não chegou a correr, tem de claudicar necessariamente.

Pelo exposto, negam provimento ao agravo.
Custas pelo agravantes, sem prejuízo do apoio judiciário.