Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2009/18.9T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 211, 212, 235 CRP, 1, 4 Nº1 F) ETAF, ARTS.12 LEI Nº 67/07 DE 31/12
Sumário: Alegando os AA, como causa de pedir, que na sequência de buscas domiciliárias realizadas no âmbito de um processo judicial, em fase de inquérito, os respectivos agentes de autoridade policial levaram a cabo actos de intimidação, de ameaça e agressões físicas, de que resultaram para os AA danos morais de que pretendem ser ressarcidos, não demandando tais agentes, nem havendo notícia de queixa-crime contra os mesmos, antes demandando o Estado, por responsabilidade civil extracontratual, o tribunal competente em razão da matéria para apurar a mesma é o tribunal administrativo e não o tribunal cível (arts. 12º da Lei 67/07, de 31.12 e 4º, nº 1, f), do ETAF).
Decisão Texto Integral:








I – Relatório

1. K (…), por si e em representação de seus filhos D (…) e V (…), residentes na X (...) , propuseram acção contra o Estado Português, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhes a quantia de 150.000 €, com juros legais desde a citação. 

Alegaram, em suma, que o seu domicílio foi objecto de uma busca ordenada no âmbito do Processo (…) – Inquérito da Comarca de Castelo Branco, Sertã – Inst. Local – Sec. Comp. Gen., que veio a ser arquivado, com arrombamento de porta, levada a cabo por dois polícias encapuzados, por suspeitas de existência ali de estupefacientes, tendo a sua filha e o seu filho V (…) sido algemados, apontada arma à autora, sofrido um hematoma, e obrigada a deslocar-se ao posto da GNR. A A. foi afectada no seu brio, honra e dignidade e considera a afronta perpetrada um acto de racismo, tendo ela e seus filhos ficado em tratamento médico-psicológico desde esse dia, e estes estiveram incapazes de ir à escola durante duas semanas, continuando os seus dois filhos mais pequenos a ser acompanhados no Hospital Pediátrico na Psiquiatria de Y (...) e ela e o filho mais velho acompanhados no Centro de Saúde da X (...) por uma psicóloga. Um dos inspectores que mexeu na carteira do filho V (…) dela retirou 20 €, tendo levado também uma garrafa de Coca-Cola fechada. Foi violada a privacidade da A. porque foi proporcionado a todos o seu número de telemóvel. Na escola muitos pais proibiram os seus filhos de brincarem com os da A. porque eram pessoas da droga. A diligência foi desumana, desacautelada e infundada sobre pessoas inocentes que deixou profundamente traumatizadas cinco pessoas para toda a vida. Sofreu em público vexames, desonra e vergonha. A diligência causou suspeitas dos vizinhos e conhecidos sobre a  honra e a dignidade da A. A A. e seus filhos jamais recuperarão do trauma que lhe foi infligido desnecessariamente e persistem neles o desgosto, sofrem de insónia e sentem vergonha. A A. fez despesas em tratamentos médicos, perdeu tempo e fez deslocações aos centros médicos e hospitalares. Os danos não patrimoniais sofridos pela A. e seus filhos menores, com sequelas pós-traumáticas para toda a vida, devem ser indemnizados por quantia não inferior a 150.000 €. Foram violados os arts. 129º do C. Penal, 72º, nº 1, b), do CPP e outros do CC.
O Estado Português (representado pelo Ministério Público) contestou, tendo deduzido excepção da incompetência material do tribunal, por ser da competência administrativa, sendo que, por força do princípio da adesão, a competência sempre teria de ser do tribunal criminal. Acresce que a responsabilidade civil em causa, reportando-se a responsabilidade por actuação policial integra-se nas g) e h) do art. 4° do ETAF e, portanto, à jurisdição administrativa.

Os autores, responderam, defendendo a competência da jurisdição cível comum.

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No despacho saneador foi decidido julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal (por ser da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal) e, consequentemente, absolvido o R. da instância.

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2. Os AA recorreram, concluindo que:

I - A ação baseia-se na violação dos direitos de personalidade, da honra e dignidade e em ofensas corporais e, também, no direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar

II - Não compete ao Tribunal Administrativo julgar os casos atentatórios da integridade física e moral dos AA.

III - Não existe relação jurídico-administrativa entre os AA. e o Estado para que o caso possa ser integrado no âmbito do artº 1º do ETAF.

IV - O Estado, no seu cumprimento do dever de reprimir o crime, pode causar danos a pessoas, no que pode ocorrer o dolo eventual, como é o caso, mas isso não isenta de reparar os danos sofridos pelas vítimas inocentes que não deram causa à sua atuação, e tais danos, em que pode haver origem criminosa, só podem ser determinados pela jurisdição comum.

V – A apreciação da culpa, na forma de dolo eventual, quer a atividade do estado seja legal quer não, compete aos tribunais comuns.

VI – As normas do ETAF não contemplam este tipo de culpa e a sentença recorrida não subsume os factos em causa em nenhuma dessas normas.
VII - Os AA. não pretendem apenas que o Estado responda por ofensas praticadas por agentes policiais, querem que o Estado responda pela sua afronta à vida íntima das pessoas, agravada com ofensas ao bom  nome, à imagem, à personalidade, à honra e à integridade física e moral e, assim, julgando-se o tribunal incompetente para julgar esta matéria violou os artigos 72º, nº 1, b) do C. P. Penal, 129º do C. Penal e 70º, nº 1, 483º, nº 1, 486º, nº 1, 496º, nº 1 e 562º a  564º, nº 1, e 566, nºs 1 e 2  do Código Civil e  64º, 576º, 578º e 278º, 1, a) CPC.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se competente para o julgamento da ação o Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA

3. O Estado contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados

1. A autora K (…), por si e em representação dos seus filhos menores, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, neste Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de 150.000,00 € (acrescido de juros de mora).

2. Para o efeito, como causa de pedir, alega que:

i. Na sequência de buscas domiciliárias realizadas no âmbito de um processo judicial, em fase de inquérito, no dia 29.11.2015, levadas a cabo por autoridade policial, descreve um conjunto de actos levados a cabo pelas pessoas que intervieram em tal diligência, como sendo actos de intimidação, de ameaça e agressões físicas.

ii. De tais actos resultaram danos morais para a autora e para os seus filhos, que descreve.

ii. Pretende ser ressarcida pelos danos sofridos em consequência de tal actuação policial.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Tribunal materialmente competente.

2. Na decisão recorrida, escreveu-se que:

“2.2.1. A determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelos autores deve partir dessa pretensão e dos fundamentos em que se baseia.

A competência terá, por isso, de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo. Para o efeito, há que atender ao pedido e especialmente à causa de pedir, tal como os autores o formulam.

In casu, a autora, por si e em representação dos seus dois filhos menores, vem pedir a condenação do Estado Português a pagar-lhe uma indemnização no valor de 150.000,00 €, referentes a danos morais que padeceram, em consequência de actos levados a cabo por agentes policiais, no decurso de uma busca domiciliária.

Para o efeito, imputa a responsabilidade por tais danos ao Estado Português, que deve, portanto, segundo a autora, responder pelos danos resultantes de actos de funcionários seus em exercício de funções.

Estamos, segundo a relação material controvertida, apresentada em juízo pela autora, perante responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

O litígio base (que é fundamento de responsabilidade civil extracontratual) objecto destes autos é entre uma pessoa singular, que actua por si e em representação dos seus filhos menores, e o Estado Português, onde são censurados actos praticados por funcionários policiais do Estado, no exercício das suas funções pública, em concreto na realização de buscas domiciliárias no âmbito de processo judicial na fase de inquérito, em violação de direitos subjectivos, como seja a integridade física e moral dos lesados, actuação essa que fundamenta os direitos em exercício nestes autos.

De relevante, segundo cremos, para o enquadramento do problema sub iudicio, temos que a autora não coloca em causa a legalidade do actos de buscas realizado (nada alega a esse respeito), antes os termos em que esse acto foi executado pelos elementos policiais que nela intervieram.

Ora, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art. 64º do CPC). …

Vejamos, então, se a competência para o conhecimento da acção está atribuída à jurisdição criminal ou à jurisdição administrativa e fiscal.

*

2.2.2. Julgamos que a competência da jurisdição criminal para este efeito carece de fundamento.

Na verdade, a acção não foi intentada contra os agentes policiais que praticaram os actos censurados, porventura, com enquadramento criminal, mas antes contra o Estado Português, sob a tutela de quem os mesmos actuaram.

Não correu – segundo o que resulta dos articulados – termos qualquer processo criminal que tenha tido origem ou fundamento nos actos que fundamentam a responsabilidade civil em causa nos autos.

Porém, estando em causa a responsabilidade civil do Estado, carece de fundamento a alegação do princípio de adesão (art. 71° do CPP), já que isso só poderia ser discutido se os demandados fossem os agentes do crime, o que não é o caso.

(…)

*

2.2.3. Julgamos estar, no caso sub judice, perante um litígio emergente de relações jurídico-administrativas (art. 1º do ETAF). Relações jurídicas administrativas são relações (externas) entre a Administração e os particulares e entre pessoas colectivas públicas, reguladas por normas jurídicas, das quais decorrem as posições jurídicas, activas e passivas, que constituem o respectivo conteúdo3Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed. Pág. 64 e ss.

O ETAF determina a competência da jurisdição administrativa, de forma positiva, através de enumeração, no art. 4º do referido diploma legal.

In casu, importa ter presente o disposto no art. 4º, n.º 1, als. f) e g) do ETAF.

Aí se define, na al. f), a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público como sendo da competência dos tribunais administrativos e fiscais. E na al. g), que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso.

Ora, o núcleo essencial da acção tem por objecto um litígio referente as questões relativas à responsabilidade civil extracontratual do Estado relativo à actuação de agentes seus aquando do seu exercício de funções, em violação – segundo o que é alegado na petição – de direitos subjectivos da autora e dos seus filhos.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos da al. f) e g) do n.º 1 do art. 4º do ETAF é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 28.10.20104Proc. 015/10, www.dgsi.pt., apreciou a responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente da actuação de um juiz, no exercício das suas funções.

Este acórdão, citado na petição inicial, fundamentou a competência da jurisdição comum (cível) nos seguintes termos:

“No caso concreto, temos que um particular instaurou uma acção contra o Estado Português pedindo a sua condenação numa indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto cometido no exercício de actividade jurisdicional, ou mais propriamente, praticado por juiz no exercício da sua função (jurisdicional).

Ora, dispondo-se no art. n° 1, al. g) do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro), que «1. — Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: ... g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;…», pareceria que a questão que nos ocupa estaria, desde logo, resolvida no sentido de que a competência para conhecer da acção caberia à jurisdição administrativa. Porém, a tal regra de cariz geral opõem-se as exclusões previstas expressamente nos n°s 2 e 3 da mencionada norma legal, designadamente, no que importa à resolução da questão que nos ocupa, o disposto na al. a) do n° 3, em que se prescreve expressamente que: «Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: a) A apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso; …»; de tal preceito legal crê-se poder concluir, sem qualquer dificuldade, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e a correspondente acção de regresso fundada em erro judiciário apenas deve ser conhecida pela jurisdição administrativa desde que respeitem a facto resultante da actividade dos tribunais administrativos”.

Aí mais se refere que: como explicam Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida é “atribuída à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade resultantes do (mau) funcionamento da administração da justiça. É, no entanto, excluída a apreciação das questões de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das acções de regresso contra magistrados que daí decorram: artigo 4º, n° 3, alínea a) (In Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição revista e actualizada).

Sucede que, no caso em apreço, o autor intenta acção contra o Estado Português, com fundamento em responsabilidade civil, imputando a um Juiz do tribunal da jurisdição comum a prolação de uma decisão (determinando a submissão do mesmo a julgamento sumário, com a imediata detenção até à sua realização, levando a que aguardasse nos calabouços do tribunal) com manifesta negligência, ou dito, com mais precisão, ‘com negligência grosseira’, portanto, integrando erro judiciário.

Assim, parece não subsistir qualquer dúvida de que cumpre ao tribunal da jurisdição comum o conhecimento da acção que contra o Estado Português veio a ser proposta por Autor”.

Pensamos que a doutrina exposta não se aplica ao caso dos autos, na medida em que a presente acção não se funda em qualquer erro judiciário (o que seria o caso se os autores tivessem alegado que as buscas foram, por exemplo, ilegais ou executadas em habitação erroneamente), mas antes na actuação de agente policiais no exercício das suas funções legais.

Poder-se-á entender estarmos quando muito perante responsabilidade resultantes do (mau) funcionamento da administração da justiça, porém, essa (com excepção do erro judiciário) é enquadrável na competência dos tribunais administrativos.

Na presente acção os autores pretendem que o Estado responda por ofensas praticadas por agentes policiais e não responsabilizar directamente tais agente pelas ofensas.

A presente acção subsume-se, quer no pedido, quer na causa de pedir, tal como a petição inicial está configurada, a uma acção da competência dos tribunais administrativos.

O desrespeito pelas regras de competência em razão da matéria determina incompetência absoluta deste tribunal, o que implica a absolvição da ré da instância, nos termos dos arts. 577º, al. a), 576º, n.º 2 e 99º, n.º 1 do CPC.”.

A decisão recorrida é acertada, não havendo censura a fazer à mesma.

Os AA limitam-se nas suas alegações e conclusões de recurso a reproduzir o que já tinham dito na sua p.i., sem atentar, devidamente, na argumentação jurídica do tribunal a quo que é apresentada para o caso particular em apreço, para o nosso caso em concreto.

Há, então, que realçar duas dessas linhas de argumentação e acrescentar ainda, por um lado, uma nota a rebater a invocação de um determinado acórdão do STJ, por parte dos recorrentes, e de outra parte, a trazer a colação um outro fundamento jurídico, para demonstrar a correcção do sentenciado.  

- na verdade, a acção dos recorrentes não foi intentada contra os agentes policiais que praticaram os actos censurados, porventura, com enquadramento criminal – é isso que defendem os apelantes ao invocarem o art. 129º do C. Penal, que dispõe que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.” e ao dizerem-no expressamente na parte final da sua resposta à excepção deduzida pelo Estado -, mas antes contra o Estado Português, sob a tutela de quem os mesmos actuaram.

Não correu – segundo o que resulta dos articulados – termos qualquer processo criminal que tenha tido origem ou fundamento nos actos que fundamentam a responsabilidade civil em causa nos autos. Não há notícia sequer de qualquer queixa-crime por parte dos AA contra os ditos agentes policiais.

Assim, estando em causa a responsabilidade civil do Estado, carece de fundamento a alegação do princípio de adesão - art. 71° do CPP, que dispõe que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.” e o adjuvante art. 72º, nº 1, b), trazido à colação pelos apelantes, que estatui que: “1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:

(…)
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
“, já que isso só poderia ser considerado se os demandados fossem os agentes do crime, o que não é o caso;

- o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 28.10.2010, Proc.015/10, em www.dgsi.pt., citado pelos apelantes na sua p.i. e nas alegações de recurso, apreciou a responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente da actuação de um juiz, no exercício das suas funções [e decidiu muito bem, face aos normativos do ETAF que convocou, os arts. 4º, nº 1, g) e 3º, nº 2, a), na redacção à altura vigente, emergente da Lei 59/2008, de 11/9, actuais arts. 4º, nº 1, f) e 4º, nº 2, a)]. Situação bem diferente da nossa. É, por isso, ininvocável na nossa hipótese, como a decisão recorrida demonstrou e bem.

- os recorrentes invocaram, ainda, nas suas alegações, o acórdão do STJ de 21.4.2010, Proc.173/2001, em www.dgsi.pt, para sustentar a sua posição. Há que rebater tal invocação, pois os mesmos não atentaram, mais uma vez, que tal aresto não é de considerar no caso concreto, pois o mesmo aplicou-se a uma situação em que estava vigente o velho DL 48.051, de 21.11 (aplicável à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública), que foi revogado pela Lei 67/07, de 31.12, e não o actual ETAF.

- finalmente há que trazer à discussão jurídica esta última Lei 67/07, que aprovou o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, e que no Capítulo III, dedicado à Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, sob o art. 12º, com a epígrafe Regime geral, estatuiu que “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”. Como os arts. segs. 13º, referente à responsabilidade por erro judiciário, e 14º, referente à responsabilidade dos magistrados, não interessam para o nosso caso, aplicando-se, por isso, a dita regra geral, emerge a necessidade de saber quem é o tribunal competente em razão da matéria para tal responsabilidade. E aqui o critério é ditado pelo apontado art. 4º, nº 1, f), do ETAF, que atribui competência aos tribunais administrativos para questões que tenham por objecto “Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional ….” (sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo, este último referente a erro judiciário, que não respeita à nossa hipótese.) – no mesmo sentido pode ver-se Emídio J. Costa e Ricardo J. A. Costa, Da Responsabilidade civil do Estado e dos Magistrados por danos da função jurisdicional, Quid Juris, 2010, págs. 181/183.      

Face ao explicitado, é forçoso concluir que não procede a apelação.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Alegando os AA, como causa de pedir, que na sequência de buscas domiciliárias realizadas no âmbito de um processo judicial, em fase de inquérito, os respectivos agentes de autoridade policial levaram a cabo actos de intimidação, de ameaça e agressões físicas, de que resultaram para os AA danos morais de que pretendem ser ressarcidos, não demandando tais agentes, nem havendo notícia de queixa-crime contra os mesmos, antes demandando o Estado, por responsabilidade civil extracontratual, o tribunal competente em razão da matéria para apurar a mesma é o tribunal administrativo e não o tribunal cível (arts. 12º da Lei 67/07, de 31.12 e 4º, nº 1, f), do ETAF).

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se mantendo a decisão recorrida.

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Custas pelos AA/recorrentes.

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  Coimbra, 26.11.2019

 Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço