Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
390/08.7TBMGL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL DE COMARCA
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MANGUALDE - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 72º Nº 1 DA LEI Nº 52/2008 DE 28 DE AGOSTO E ARTIGOS 1º Nº 1 E 4º Nº 1 ALÍNEAS D) E E) DA LEI Nº 13/2002 DE 19 DE FEVEREIRO, ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Sumário: 1) A Lei atribuiu aos tribunais de comarca a competência para preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.

2) Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais"; considerando-se como tais (seguindo um critério estatutário que combina sujeitos fins e meios) "aquelas em que um dos sujeitos pelo menos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público actuando em vista de um interesse público legalmente definido.

3) Sendo os litigantes pessoas individuais e estando em causa a composição de interesses privados, o Tribunal de comarca é o competente para dirimir os conflitos surgidos de tais relações.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

A... e mulher B...., residentes na ....., vieram intentar contra C...., solteiro, maior, residente na...... acção com processo sumário em que pediram a condenação do Réu:

- A despejar o rebanho do seu prédio identificado no artigo 4º da PI.

- A não utilizar tal prédio para instalação e pernoita de qualquer rebanho, nomeadamente, o rebanho que ali mantém seguramente desde Outubro de 2005;

- A retirar e limpar o mencionado prédio de quaisquer excrescências e dejectos líquidos e sólidos produzidos pelo rebanho;

- A não construir qualquer ovil em terrenos deste prédio, contíguos ao aglomerado urbano habitacional em que se integra a casa de habitação dos RR, nem dentro deste mesmo aglomerado;

- A pagar aos Autores uma compensação por todos os danos morais que se deixaram referidos, causados com a recolha do rebanho no seu prédio, seguramente desde Outubro de 2005 até hoje, a fixar por este Tribunal por critérios de equidade, em quantia nunca inferior a seis mil euros (Três mil euros de compensação, por cada um dos Autores);

- Em sanção pecuniária compulsória, de cinquenta euros por cada dia de incumprimento da sentença que o venha a condenar a despejar o rebanho do prédio, e a mantê-lo livre dos respectivos dejectos animais, sendo que só metade se destina aos Autores;

Contestou o Réu por impugnação e excepção.

Excepcionando veio arguir a incompetência do tribunal em razão da matéria, já que entende que o competente seria o Tribunal Administrativo.

No despacho saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido decidido julgar improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal de comarca para apreciar o caso vertente.

Daí o presente recurso interposto pelo Réu, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão em crise declarando-se competente o Tribunal Administrativo para conhecer da presente acção.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Os Autores não peticionaram apenas que o Réu seja condenado a despejar o rebanho, antes também peticionaram a condenação daquele a não utilizar o seu prédio para instalação e pernoita de quaisquer animais, a não construir qualquer ovil no mesmo e no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

2) Os pedidos formulados nos autos respeitam à instalação de animais e edificação de construção, cuja competência para apreciação é de competência exclusiva da Câmara Municipal de M...., Município da área da situação do prédio.

3) Os referenciados pedidos respeitam à matéria do domínio do direito administrativo cuja competência para apreciação e julgamento se encontra atribuída aos Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal.

4) O Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, por Ião ter competência para apreciar matérias do domínio administrativo é incompetente em razão da matéria para apreciar os pedidos formulados nos autos, o que deverá ser declarado, determinando a absolvição do Réu da instância

5) Ao decidir-se pela forma constante que do despacho violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 115° do Decreto-Lei 38382 de 07 de Agosto de 1951, 4° e 5° do Decreto-Lei 555/99, na redacção introduzida pela Lei 6012007, de 04 de Setembro, 4º n° 1 alíneas a) e 1) da Lei 170- D/2003, de 31 de Dezembro e 66°, 101°e 105° n° 1 do Código de Processo Civil. 

Não houve contra alegações.

Cabe decidir.

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2. FUNDAMENTOS.

2.1. Os factos.

Os factos que interessam à decisão da causa cons­tam a fls. 22 ss do despacho agravado.

Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

                      +

2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A competência dos Tribunais Administrativos e o caso em análise.

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2.2.1. A competência dos Tribunais Administrativos e o caso em análise.

O recurso que analisamos prende-se com a competência do Tribunal para conhecer dos pedidos deduzidos em juízo. O Sr. Juiz entendeu no despacho saneador que essa competência cabe ao Tribunal de comarca. Os RR. discordando, sustentam a tese de que é competente para conhecer de tal matéria a Jurisdição administrativa e por via do presente recurso reafirmam essa postura que já tinham deixado delineada na sua contestação. 

Vejamos:

O artigo 72º nº 1 da Lei nº 52/2008 de 28 de Agosto estatui que " Compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais". A jurisdição do tribunal de comarca é pois a erigida como regra para conhecer de todas as causas cujo julgamento não esteja por norma expressa atribuída a outros Tribunais". Sustentando-se nesta sede a competência do foro administrativo, cabe pois indagar se à face da Lei pertinente o caso concreto se enquadra naquela previsão. A resposta a esta problemática é-nos dada pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, consubstanciado fundamentalmente na Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro, cujo artigo 1º nº 1 estatui que "Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais"; considerando-se como tais (seguindo um critério estatutário que combina sujeitos fins e meios) "aquelas em que um dos sujeitos pelo menos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público actuando em vista de um interesse público legalmente definido"[1].

Não se verifica nenhuma destas hipóteses no caso vertente. Nos pedidos em análise estão em causa fundamentalmente relações de natureza privada. É assim quando os AA. se queixam que uma instalação de animais pertença do R. lhes causa prejuízos e fortes incómodos que não são obrigados a suportar na medida em que é portadora de cheiros nauseabundos bem como a invasão da casa onde habitam de insectos, como moscas mosquitos e varejeiras, que se alimentam do estrume dos anexos vizinhos; aqui os AA. nada mais estão a fazer do que pugnar pelo seu direito cuja tutela consta aliás em primeira linha do artigo 1 347º do Código Civil ao estatuir que:

"1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.

2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo.

3. É devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido.

De igual modo a indemnização que os AA. pedem é um afloramento do princípio da responsabilidade civil extra-contratual que in casu não tem nada a ver com o Direito Administrativo, uma vez que pela forma como são postas, estão em causa exclusivamente relações jurídico-privadas.

No que toca ao artigo 4º nº 1 alíneas d) e e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais diremos que não está em causa a fiscalização da legalidade de normas ou actos materialmente administrativos emanados de entidades públicas mas antes da infracção de normas que não vindo colocadas em causa regulam in casu as relações entre particulares que actuam como tal e não no exercício de poderes administrativos – cfr. a dita alínea e) in fine.

Nesta conformidade e sem necessidade de outras considerações, iremos julgar a apelação improcedente.

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À guisa de sumário e conclusão poderá pois concluir-se o seguinte:

1) A Lei atribuiu aos tribunais de comarca a competência para preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.

2) Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais"; considerando-se como tais (seguindo um critério estatutário que combina sujeitos fins e meios) "aquelas em que um dos sujeitos pelo menos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público actuando em vista de um interesse público legalmente definido.

3) Sendo os litigantes pessoas individuais e estando em causa a composição de interesses privados, o Tribunal de comarca é o competente para dirimir os conflitos surgidos de tais relações.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto decide-se julgar a apelação improcedente confirmando o despacho saneador, na medida em que decidiu ser competente o Tribunal Judicial da comarca de Mangualde para conhecer dos pedidos na presente acção.

Custas pelos apelantes.


[1] Cfr. Vieira de Andrade "A Justiça Administrativa" (Li­ções), Almedina, Coimbra, 7ª Edição, pags 55 s.