Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/06.9TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
CLÁUSULA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 107º, AL. A), 108º, AL. A), E 110º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Nos termos do artº 108º, al. a), do Código do Trabalho, nos contratos de trabalho a termo de duração igual ou superior a seis meses, o período experimental tem a duração de 30 dias. Já nos contratos por tempo indeterminado, o período experimental é, em regra, de 90 dias, nos termos do artº 107º, al. a).
II – Sendo considerado pelo Tribunal um contrato de trabalho celebrado a termo como contrato por tempo indeterminado, por força da nulidade da estipulação do termo resolutivo, para a determinação do período experimental aplicável ao caso há que fazer apelo ao artº 107º do C. Trabalho.

III – Todavia, o artº 110º do C. Trabalho admite que, mediante acordo escrito, a duração do período experimental possa ser de duração inferior à legalmente prevista.

IV – Tendo as partes convencionado no acordo de trabalho celebrado entre ambas que o período experimental seria de 30 dias, é este o período a respeitar, apesar da nulidade da estipulação do termo contratual, isto é, há que considerar tal cláusula contratual como válida, por se tratar de uma cláusula acessória do contrato.

Decisão Texto Integral:
Autor: A...
Ré: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que a ré seja condenada no pagamento de: vencimentos e subsídio de alimentação no total de € 2.290,50; € 254,40, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho; € 212,00 a título de subsídio de Natal; € 169,60, a título de férias; € 212,00 a título de subsídio de férias.
Para tanto, alegou em síntese:
Que celebrou com esta um contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, com início no dia 01-08-2005, no qual se estabeleceu um período experimental de 30 dias. Sucede que a ré, por carta de 04-10-2005, comunicou à autora a rescisão de tal contrato a partir de 14-10-2005, afirmando que ainda decorria o período experimental do contrato, dado que este se deveria considerar sem termo.
Que a dita rescisão ocorreu depois de esgotado o período experimental do contrato.
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Contestou a ré, dizendo, no essencial, que a cláusula de termo aposta no contrato de trabalho está viciada de nulidade, pelo que o contrato deve ser considerado sem termo. Daí que seja igualmente nulo o período experimental de 30 dias convencionado, devendo recorrer-se ao período experimental supletivo de 90 dias. Por isso, o contrato foi regularmente denunciado no decurso do período experimental, pelo que a autora não tem direito aos montantes que peticiona, mas tão-somente às quantias de € 519,92, € 212, € 49,50, e € 156,64, correspondentes ao salário e subsídio de almoço do mês de Setembro de 2005, ao salário dos 14 dias de Outubro de 2005, ao subsídio de alimentação de 9 dias do mês de Outubro de 2005, e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, respectivamente.
Concluiu pela improcedência da acção. Por via reconvencional, pediu a declaração que denunciou o contrato de trabalho no decurso do período experimental, sendo este sem termo, ou seja, por tempo indeterminado.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a ré no pagamento à autora da quantia global de € 3.138,50.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.
Alegando, conclui:
“1- Não resultou em parte alguma, da matéria de facto provada, que as partes pretenderam reduzir o período experimental.
2. Assim, não pode o Meritíssimo Dr. Juiz ficcionar, por modo próprio, que quando as partes celebraram o contrato a termo, agora declarado nulo, pretenderam desde o início, reduzir o período experimental de 90 dias para 30, posto que, no momento da celebração do contrato a termo, as partes, naturalmente, não podiam conhecer que esse contrato padecia de nulidade e por consequência não podiam conceber que era possível aplicar, ao mesmo, o período experimental de 90 dias, e assim convencionar a sua redução.
3. Na verdade as partes ao estabeleceram o período experimental de 30 dias apenas pretenderam transpor para o contrato, o período experimental que a lei lhes permitia ao tempo, que era, no caso concreto, de 30 dias.
4. Corresponde à verdade que legalmente é possível às partes reduzir o período experimental estabelecido por lei, contudo não é menos verdade que no caso concreto só seria possível defender que as partes quiseram utilizar tal faculdade, caso tivesse ficado provado que as partes sabiam, no momento da celebração do contrato de trabalho, ser legalmente possível aplicar ao mesmo diferente duração do período experimental convencionado, ora nada disso resultou provado da matéria dada por provada.
5. Na sentença proferida no Tribunal "ad quo" defendeu-se que a cláusula do período experimental é autónoma do objecto do contrato de trabalho, no entanto a jurisprudência e a doutrina têm entendido que tal cláusula é acessória ao tipo de contrato em concreto celebrado pelas partes.
6. Na verdade, é ponto assente que, enquanto fase inicial da relação de trabalho, o período experimental não reclama, do ponto de vista da formação do respectivo vínculo, a assunção de qualquer formalidade ou requisito especifico para além dos que em geral se prefiguram como elementos da formação do contrato de trabalho.
7. Nestes termos, correspondendo ao tempo inicial de execução do contrato, o período experimental releva enquanto verdadeira fase ou momento inicial da execução de certa relação laboral, havendo assim que observar o regime geral aplicável quanto aos pressupostos e requisitos da formação de tal contrato, ou seja, este, porque não autónomo, está na estrita dependência do tipo de relação laboral que em concreto as partes convencionam, sujeitando-se assim ao regime específico eventualmente aplicável ao vínculo contratual em causa.
8. O período experimental assume-se, em suma, como fase do ciclo vital do contrato que serve de base à relação jurídica de trabalho, tendo como escopo, a verificação e valoração da compatibilidade entre o desenvolvimento de certo programa contratual acordado e os interesses e expectativas dos contraentes na sua celebração.
9. Na verdade compreende-se bem que o nível da ponderação e o grau de exigência colocados pela entidade empregadora na avaliação do trabalhador sejam diferentes consoantes se trate de um contrato de trabalho a termo ou de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que nos contratos de trabalho a termo um eventual erro de avalização poderá ser facilmente corrigido através do mecanismo da não renovação do contrato. E compreende-se assim que a duração do período experimental que, no caso português, é de aplicação ex lege, seja maior nos contratos por tempo indeterminado do que nos contratos a termo, sendo certo que a própria lei laboral reconhece isso mesmo.
10. Ora se no caso concreto, se a R. ao tempo da celebração fosse conhecedora que a A afinal era sua trabalhadora efectiva naturalmente que o seu grau de exigência e avalização da A no período inicial do contrato, seria outro, mais exigente, o que certamente, para tanto, careceria de mais tempo na sua duração e isso mesmo faria constar do contrato celebrado com a A.
11. Acresce que se o contrato realmente querido pelas partes (contrato de trabalho a termo) passou ab initio e por força da lei a um contrato sem termo, necessariamente, é-lhe aplicado, ab initio, o regime dos contratos sem termo, incluindo as disposições relativas ao período experimental.
12. Não lhe podem ser aplicados dois regimes: o regime dos contratos a termo para o período experimental e o regime dos contratos sem termo para o resto, nomeadamente para efeitos da sua cessação.
13. Ao ser considerado o contrato, como foi, um contrato sem termo dispõe o art. 107° al. a) CT que para a generalidade dos trabalhadores nos contratos de trabalho por tempo indeterminado o período experimental é de 90 dias.
14.Pelo que no dia 4-10-2005 a A ainda se encontrava em período experimental, donde a cessação do contrato não lhe confere qualquer indemnização, conforme o art. 105° nº1 CT, e em consequência não lhe são devidos os ordenados vincendos, férias e respectivo subsidio de férias e de natal, corno se decidiu na douta sentença ora recorrida, apenas reconhecendo a R. serem devidos à A os montantes especificados no artº 20 da sua Contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
15. Assim o Tribunal "ad quo" ao decidir como decidiu desrespeitou e salvo o devido respeito do art.o 107/a) do CT e bem assim o art. 105/1 do CT, devendo por isso e em conformidade ser revogado considerando-se válida a denúncia operada pela R. ao contrato de trabalho celebrado com a A por ter a mesma ocorrido durante o período experimental aplicável aos contratos de trabalho sem termo.

A autora não apresentou contra-alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de se negar provimento ao recurso interposto pela ré.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho que decidiu a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1. A autora A... e a ré “B...” celebraram um acordo escrito, denominado “contrato de trabalho a termo certo”, cuja cópia consta de fls. 6, datado de 1 de Agosto de 2005;
2. Por força do acordo referido no ponto anterior, a autora obrigou-se a prestar serviços à ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, com a categoria profissional de estagiário de 2º ano;
3. A autora prestou a actividade referida no ponto anterior ao serviço da ré a partir do dia 1 de Agosto de 2005;
4. No acordo referido no ponto 1. estipulou-se que o vencimento mensal ilíquido, a pagar pela ré à autora, seria de € 424, acrescido de subsídio de alimentação de € 5,50 por cada dia efectivo de trabalho (cláusulas 5ª e 6ª);
5. Nas cláusulas 7ª e 8ª do acordo referido no ponto 1. estipulou-se que o contrato tem o termo certo de 6 meses, a partir do dia 01-08-2005, com o fundamento de “acréscimo excepcional da actividade da empresa”;
6. Na cláusula 9ª do acordo referido no ponto 1. estipulou-se que o contrato caduca no prazo acordado desde que a ré comunique por escrito à autora, com a antecedência mínima de 8 dias, em carta registada com aviso de recepção, que não o deseja renovar;
7. Na cláusula 10ª do acordo referido no ponto 1. estipulou-se que “o período experimental é de 30 dias podendo durante esse período qualquer dos outorgantes rescindir o presente contrato, sem qualquer aviso prévio e sem haver direito de indemnização a qualquer das partes”;
8. No dia 4 de Outubro de 2005, a ré enviou à autora a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 7, na qual lhe comunica a “rescisão” do contrato de trabalho que com ela havia celebrado, “a partir do dia 14 de Outubro, inclusive”, afirmando que tal sucede “ainda no regime do período experimental, nos termos do disposto no art. 105º e 107º do Código do Trabalho”;
9. No dia 4 de Outubro de 2005, o mandatário da ré enviou à autora a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 9;
10. O gerente da ré sempre considerou imprescindível a existência de período experimental nos contratos de trabalho que a empresa celebra com novos colaboradores;
11. A autora não aceitou o referido nos pontos 8. e 9., não indicando aos funcionários do escritório da ré o local para onde deveria ser enviado o pagamento das quantias aludidas na carta cuja cópia se encontra junta a fls. 9;
12. A ré não pagou à autora os ordenados dos meses de Setembro e Outubro de 2005, nem o subsídio de almoço devido pelos dias de trabalho prestados nesses meses;
13. A ré não pagou à autora os ordenados dos meses de Novembro e Dezembro de 2005, e de Janeiro de 2006;
14. A ré não entregou qualquer quantia à autora a título de subsídio de Natal, férias e subsídio de férias;
15. A ré aceita dever à autora os montantes referidos na carta cuja cópia se encontra junta a fls. 9, no valor global de € 938,06.
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2. De direito
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar, de forma simples, da seguinte forma:
- sendo nula a cláusula de termo aposta no contrato de trabalho, e devendo este considerar-se celebrado por tempo indeterminado, a cláusula de período experimental de 30 dias, nele aposta por escrito, pode continuar a subsistir ou, antes, deve entender-se que o período experimental é superior, tal como é previsto para os contratos por termo indeterminado.

Vejamos:

Nos termos do art. 108º, al. a), do Código do Trabalho, nos contratos de trabalho a termo de duração igual ou superior a seis meses, o período experimental tem a duração de 30 dias. Já nos contratos por tempo indeterminado, para o caso que aqui nos interessa, o período experimental é, em regra, de 90 dias, nos termos do art. 107º, al. a).
O contrato escrito entre autora e ré continha uma cláusula estipulando um período experimental de 30 dias.
Esse contrato foi considerado pelo tribunal a quo como contrato por tempo indeterminado, por força da nulidade da estipulação do termo resolutivo, perante o não cumprimento da exigência consignada no art. 131º, nº 1, al. e), e 3, do Código do Trabalho. Essa ilação não sofre qualquer contestação das partes (duas razões são apontadas: o contrato de trabalho outorgado entre autora e ré manifestamente não cumpre a exigência formal de indicação concreta do motivo justificativo do prazo estipulado, limitando-se a reproduzir o enunciado abstracto da lei e a ré não demonstrou, como lhe incumbia, a verificação concreta da circunstância excepcional invocada nas cláusulas 7ª e 8ª do contrato de trabalho).
Sendo nula a estipulação do termo, não haveria que fazer apelo ao quadro do artigo 108º do Código do Trabalho (norma pertinente aos contratos a termo), no que toca ao período experimental, mas antes ao 107º do mesmo diploma, que prevê um período experimental aplicável ao caso do contrato dos autos de 90 dias.
Todavia, aquelas normas são de aplicação supletiva.
O artigo 110º do Código do Trabalho admite que, mediante acordo escrito em contrário, a duração do período experimental possa ser inferior.
No caso, o acordo estabelecido foi o de período experimental de 30 dias, acordo reduzido a escrito e integrado no próprio texto integral do contrato.
Na sentença da 1ª instância, considerou-se que nada obstava a que, em exercício do princípio da liberdade contratual, estipulassem, como o fizeram, uma cláusula escrita prevendo um período experimental de 30 dias – cláusula essa válida, quer num contrato a termo certo de 6 meses, quer num contrato por tempo indeterminado – e daí que, não se vislumbrando vício de vontade que afectasse tal cláusula, esta deva ser considerada válida, validade não afectada pela nulidade do termo resolutivo, “pois as cláusulas em questão (termo e período experimental) são perfeitamente autónomas, regulando aspectos diversos do contrato, e visando objectivos completamente díspares”.
Parece-nos correcta essa conclusão.
A ré/apelante, sustenta que não podem ser aplicados ao contrato dois regimes diferentes, o dos contratos a termo e dos contratos sem termo. Mas, no caso, não há diferença. O regime considerado é um único: o convencionalmente estipulado pelas partes, ao fixarem, como podiam fazer, a duração do período experimental em 30 dias.
A ré sustenta, nas conclusões do recurso, que não resultou em parte alguma, da matéria de facto provada, que as partes pretenderam reduzir o período experimental. Ora, não se trata disso. Trata-se que as partes podem livremente fixar um período experimental diverso do previsto na lei, desde que não seja superior a essa previsão. Não é, naturalmente, necessário que declarem a expressa vontade de reduzir o prazo da lei, enquanto tal. Basta que o prazo que estipularem, como estipularam, seja conforme à lei – tal como é o caso.
O que não é exacto é que esteja demonstrado, como defende a ré, que as partes ao estabeleceram o período experimental de 30 dias apenas pretenderam transpor para o contrato, o período experimental que a lei lhes permitia ao tempo. Isto, teria de o provar e não o fez. A própria ré defendeu na sua contestação a nulidade da estipulação do termo, pelo que, perante a clareza do quadro legal, é estranho e algo abusivo afirmar, como agora afirma, que no caso concreto só seria possível defender que as partes quiseram um período experimental inferior ao supletivo “caso tivesse ficado provado que as partes sabiam, no momento da celebração do contrato de trabalho, ser legalmente possível aplicar ao mesmo diferente duração do período experimental convencionado”…
A nulidade da estipulação do termo tem como consequência a conversão ope legis do contrato.
É claro que, quer a cláusula de estipulação do termo, quer a de estipulação da duração do período experimental, são cláusulas acessórias do contrato, como elementos acidentais do negócio.
Mas (e é isso que afirma o tribunal a quo) são autónomas entre si. Uma não contamina a outra se for nula. Para que a nulidade da cláusula de termo pudesse reduzir o negócio, com a eliminação da cláusula do período experimental, era necessário que se mostrasse, pelo menos, que esta não teria lugar sem a primeira (292º do Código Civil). Ora não se mostra, no quadro de facto estabelecido, que essa ligação ocorresse, na formação do contrato.
Por isso, no nosso entender, a solução dada na 1ª instância está correcta e não merece censura.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a sentença impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da apelante.
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Coimbra,
(Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)