Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1466/14.7T8CBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CUSTAS DE PARTE
TEMPESTIVIDADE
RECLAMAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 10/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.25 RCP, 628, 638 CPC, 33 PORTARIA Nº 419-A/2009 DE 17/4
Sumário: 1- O depósito da totalidade da nota de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do nº 2 do Artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.

2- Tendo os RR./apelados invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota.

3- Só com a efetiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º do Código Processo Civil.

4- Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto, o que não acontece.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

Os RR. A(…) e mulher, R (…) e mulher, L (…) e mulher, M (…) e Outros, SOCIEDADE (…), Lda.. A(…) e mulher, F (…) e mulher, e, MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ, vieram reclamar da tempestividade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela autora A(…)& FILHOS, LDA a fls. 835 e segs., sustentando a caducidade do exercício de tal direito, arguindo, em suma, que a mesma foi apresentada para além do prazo de cinco dias do trânsito da decisão proferida.

A autora foi notificada desse requerimento nos termos do artigo 255º do CPC, e nada disse.

O Tribunal recorrido proferiu então a seguinte decisão:

«Apreciando:

Nos termos do artigo Artigo 25.º 1 do RCP : «1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.»

A redacção deste preceito foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril.

O momento inicial da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ocorre com o do trânsito em julgado da decisão final da acção (definidora, consequentemente, da parte vencida da proporção do vencimento).

Decorre do disposto pelo artigo 628º do NCPC, que a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Conforme refere Salvador da Costa in Regulamento das Custas processuais Anotado págs. 313 : “No caso de a parte vencedora não enviar à parte vencida, no respectivo prazo, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, espécie de liquidação e interpelação para pagamento, parece que a consequência é a preclusão do seu direito de o realizar por essa via no âmbito do procedimento que a lei prevê.”

A pretensão de pagamento de custas de parte é matéria que está na inteira liberdade das partes.

O seu credor pode reivindicar o seu pagamento da parte contrária ou não o fazer.

Por sua vez, a parte pretensamente devedora poderá conformar-se com o pagamento; poderá renunciar ao direito de invocar a extemporaneidade do pedido, opor-se ao seu pagamento, invocando esta ou qualquer outro motivo.

Esta liberdade exclui forçosamente a natureza oficiosa do funcionamento da caducidade.

No caso dos autos a ré veio aos autos com data de 06.06.2014 apresentar nota discriminativa e justificativa das custas de parte.

A decisão final proferida nos autos, foi-o em 24.03.2014, tendo sido notificada às partes em 9.4.2014 (considera-se notificada em 14.04.2014– cfr. artigo 248º do CPC).

Desta decisão não foi interposto recurso, pelo que a decisão proferida transitou em julgado em 21.05.2014 – cfr. artigos 638º n.1 do CPC.

Decorre pois que a ré apresentou a nota em causa para além do prazo de cinco dias previsto no artigo 25º do RCP, já que tal prazo havia terminado no dia 26 de Maio de 2014, pelo que é assim manifestamente extemporânea.

De acordo com o conjunto de normas supra mencionado ocorreu, sem margem para dúvidas a caducidade, porque correctamente arguida pela parte a quem interessava tal arguição.

Nos termos do disposto no art.º 139.º, n.º3 do CPC, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.

Assim sendo, julgo verificada a caducidade arguida pelos RR., em consequência do que não se admite a nota discriminativa e justificativa apresentada pela autora, determinando-se o seu desentranhamento dos autos.

Custas do incidente a cargo da autora, cuja taxa de justiça se fixa no mínimo».

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

1. De acordo com o disposto no artigo 33.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 419.º- A/2009, de 17 de Abril, o depósito da totalidade do valor da nota, in casu €7.222,19, constitui condição de apreciação da reclamação, a qual é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

2. Os reclamantes, aqui recorridos, não procederam a tal depósito, pelo que estava o tribunal a quo legalmente impedido de decidir sobre a reclamação da nota justificativa de custas de parte apresentada.

3. Em consequência, o tribunal a quo, ao não aplicá-la, violou, em prejuízo da recorrente, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 419.º-A/2009, de 17 de Abril, cometendo nulidade que influi directa e decisivamente na decisão da causa prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, o que se invoca com as legais consequências.

4. Ao dar como assente que a ora recorrente não respondeu à reclamação da nota justificativa de custas de parte, quando efectivamente o fez (vd. Peça processual com Ref.ª Citius 1758489), violou o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 1 e 3 do CPC, cometendo a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

5. O tribunal recorrido não interpretou correctamente as normas constantes dos artigos 628.º do CPC e do artigo 25.º, n.º 1 do RCP, sendo certo que a sentença proferida nos presentes autos, concretamente para efeitos de apresentação de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, não transitava no dia 21/05/2014, mas antes em 02/06/2014.

6. Em 26/05/2014, data que o tribunal definiu como prazo para apresentação da nota de custas de parte, a sentença proferida nos autos não havia ainda transitado em julgado nos termos do artigo 628.º do CPC, visto que, nessa data, ainda era susceptível de recurso ordinário, por ter havido decisão quanto à matéria de facto, porque a prova produzida em audiência fora gravada e porque o Tribunal da Relação de Coimbra detém poderes cognitivos e substitutivos quanto a tal matéria, pelo que valia o prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC.

7. Tivesse sido interposto recurso entre 27/05/2014 e 02/06/2014, a nota discriminativa de custas de parte seria intempestiva e o seu envio um acto inútil.

8. O comportamento processual da parte vencedora e titular do direito de receber custas de parte tem de ser aferido à luz dos prazos em curso quando sobre ela impende o ónus de apresentar a nota discriminativa, ou seja, tem de ser analisado à luz das circunstâncias coevas e não de análises feitas a posteriori quanto ao facto de a parte vencida ter ou não deixado esgotar o prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC.

9. Entendimento contrário configuraria, salvo melhor opinião, conclusão ilógica e contraditória com a interpretação da norma contida no artigo 628.º do CPC.

10. Assim, e porque no ano de 2014 as férias judiciais decorreram no período entre 14 e 21 de Abril, o termo do prazo a que alude o artigo 628.º do CPC, ou seja, o momento a partir do qual já não seria possível interpor recurso ordinário ou reclamação da sentença, só se teria por verificado em 02/06/2014, conforme resulta do disposto no artigo 638.º, n.º 1 e n.º 7 do CPC.

11. Ora, tendo a autora, aqui recorrente, notificado a nota justificativa aos responsáveis pelo pagamento das custas de parte em 05/06/2014 e apresentado a mesma em juízo em 06/06/2014, fê-lo no prazo a que alude o artigo 25.º, n.º 1 do RCP, ou seja, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da sentença (02/06/2014), o qual só terminava no dia 09/06/2014 (porque o 5.º dia ocorria num Sábado – 07/06/2014 -, passando para o primeiro dia útil seguinte – 09/06/2014).

12. A decisão judicial impugnada violou as normas legais previstas nos artigos 6.º, n.º 1, 628.º e 638.º, n.º 7 do CPC.

Contra-alegaram os Réus/recorridos assim concluindo:

I. O cumprimento do disposto no art. 25º/1 do RCP (depósito da totalidade da nota) apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados.

II. Tendo os RR. invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória. Neste sentido, veja-se o Ac. da Relação do Porto, proferido no processo 269/10.2TAMTS-B.P1, de 19/2/2014, disponível em www.dgsi.pt;

III. Não se verifica qualquer nulidade susceptível de influir no exame e decisão do despacho recorrido quando este desconsidera o requerimento apresentado pela A., em resposta ao requerimento dos RR., e no qual apenas é alegada matéria de direito que o sobredito despacho acaba por indagar, interpretar e aplicar (art. 5º/3 do CPC) segundo a melhor jurisprudência em casos similares.

IV. O prazo regra de recurso é sempre de 30 dias (art. 638º do CPC), sendo este o prazo a considerar para efeitos da noção de trânsito em julgado (art. 628º) e não os 40 dias defendidos pela recorrente ao abrigo do nº 7 do art. 638º;

V. A vingar a tese da A., o prazo regra para interposição de recursos seria sempre de 40 dias (ou 43 dias, atento o previsto no art. 139º/5), posto que no actual CPC as audiências são sempre gravadas (art. 155º/1 do CPC);

VI. Ao estipular que a nota discriminativa de custas de parte deve ser apresentada “até 5 dias após o trânsito em julgado”, o legislador permite que a parte que a elas tenhas direito apresente a nota desde o 1º dia após a notificação da decisão até ao 35º dia posterior a essa mesma notificação, pelo que a nota apresentada além desta data é intempestiva. No sentido aqui defendido veja-se o Acórdão do Tribunal a Relação de Coimbra, processo 913/09.4TBCBR.C1 de 23/9/2014, disponível em www.dgsi.pt.

Termos em que, sempre com douto suprimento de V. Exas., deve o recurso improceder.

                                                                        II

A factualidade a considerar consta do relatório supra.

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), é a seguinte a questão a decidir:

- Se ocorreu nulidade por ter sido apreciada  a reclamação sem que tivesse sido efetuado o deposito da totalidade da nota.

- Se deve ser considerado o prazo adicional de 10 dias no cálculo do trânsito em julgado de sentença proferida na sequência de julgamento com prova gravada, ainda que, não tenha sido interposto qualquer recurso da mesma.

I - Se ocorreu nulidade por ter sido apreciada a reclamação sem que tivesse sido efetuado o depósito da totalidade da nota

Invoca a apelante a norma do nº 2 do Artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, diploma que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades, para invalidar a reclamação deduzida pelos apelados à sua nota de custas de parte.

Dispõe tal norma que:

«Reclamação da nota justificativa

1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.

2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.

Ora, como bem referem os apelados, o depósito da totalidade da nota apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados.

Tendo os RR./apelados invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota, “sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a exceção perentória”

- Se deve ser considerado o prazo adicional de 10 dias no cálculo do trânsito em julgado de sentença proferida na sequência de julgamento com prova gravada, ainda que, não tenha sido interposto qualquer recurso da mesma.

Nos termos do art. 628º do CPC “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

Dispõe, por sua vez, o art. 638 do CPC que “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do artigo 644º e no artigo 677º.”

Assim, nos processos não urgentes, ou fora dos casos tipificados no nº 2 do art. 644º e 677º do CPC, o trânsito em julgado efetiva-se pelo decurso do prazo de 30 dias.

Dispõe o art. 638 nº 7 do CPC que “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias”.

Pretende a apelante que, ao trânsito em julgado não é indiferente o facto de o julgamento ter sido gravado, pois que, em tal hipótese, a parte pode recorrer do julgamento de facto, aproveitando-lhe o prazo adicional de 10 dias previsto no art. 638 nº 7 do CPC. E que, assim sendo, independentemente de ter sido ou não interposto recurso, o trânsito em julgado só ocorre esgotado o prazo perentório acrescido do prazo adicional, ou seja, o somatório de 40 dias de prazo.

Interpretação que não concedemos.

Como resulta claro da letra da lei, o legislador ao escrever “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada”, tal significa que tem de haver manifestação de recorrer e de recorrer para reapreciação da prova gravada, a fim de se preencher este concreto objeto de recurso previsto na norma, pois que, só ele permite beneficiar de um prazo adicional de 10 dias.

Não se basta a norma com a possibilidade de haver recurso de prova gravada, sem exercício do mesmo, pois que, se assim fosse, o prazo do recurso seria sempre acrescido de 10 dias, uma vez que a audiência final, na lei processual atual, é sempre gravada (art. 155 nº 1 do CPC).

Intenção que não foi a do legislador e que inequivocamente não se colhe da letra da lei. Se o legislador tivesse querido estender o prazo adicional de 10 dias a todos os julgamentos gravados, tê-lo-ia dito. Mas não foi o caso.

A mesma exigência de que o prazo adicional de 10 dias só poderia ser concedido se tivesse sido, efetivamente, interposto recurso sobre o julgamento de facto resultava da lei anterior (art.685 nº 7 do anterior CPC) que também previa a gravação da audiência, ainda que a mesma estivesse dependente de requerimento de uma das partes, e não fosse automática (art.522-B do anterior CPC).

Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto.

Assim, não é de acolher a posição defendida pela apelante, quanto ao momento em que transita em julgado a sentença.

Finalmente importa referir que, ainda que se admita que a apelante exerceu direito de resposta à reclamação deduzida, a sua não consideração, ao tempo, podendo ter o enquadramento de uma nulidade, mostra-se ora suprida, por conhecimento da situação na sua vertente substantiva e adjetiva.

Em suma:

- O depósito da totalidade da nota de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do nº 2 do Artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.

- Tendo os RR./apelados invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota.

- Só com a efetiva interposição do recurso e com a incidência do mesmo sobre o julgamento de facto, se pode considerar que o recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no nº 7 do art. 638º do Código Processo Civil.

- Desse modo, esse prazo de 10 dias nunca entra no cálculo do trânsito em julgado, pois que, o mesmo pressupõe sempre a interposição de recurso ao julgamento de facto, o que não acontece.

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra,

Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )

            João Moreira do Carmo

            José Fonte Ramos