Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
621/08.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: USUCAPIÃO
TRANSACÇÃO
USO ANORMAL DO PROCESSO
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 665º DO CPC E ART.1249º DO CC
Sumário: a) O uso anormal do processo - art.º 665º do CPC – na vertente de fraude processual pressupõe o conluio entre as partes, com alegação de uma versão fáctica não correspondente à realidade.
b) Não obsta à aquisição por usucapião de parcelas de prédio rústico, resultantes de divisão, efectuada por partilha verbal dos anteriores comproprietários, o facto de elas terem área inferior à unidade de cultura.

c) A criação de prédios urbanos, está sujeita a condicionalismos legais, designadamente licenciamento admnistrativo previsto no DL 555/99 de 16.12.

d) Não é possível homologar transacção, em violação do art.1249º do CC, se o A. pretende ver constituído prédio urbano, resultante de fraccionamento de prédio rústico, sem a devida licença admnistrativa.

Decisão Texto Integral: I - Relatório

1. A... e B... instauraram acção declarativa, com processo sumário, contra C... e D... , alegando, em síntese, que os autores e os réus são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade para os primeiros e metade para os segundos, do prédio rústico composto por terra de semeadura com a área de 3.160 m2, inscrito na matriz rústica sob o art.1299, e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 1955/Maceira.

Mais alegaram que a aquisição de tal prédio, nas ditas proporções, se mostra definitivamente registada, em nome dos A.A. e dos R.R., na aludida Conservatória, conforme docs. que junta.

Sucede, todavia, que há mais de 35 anos que tal prédio se encontra materialmente dividido em duas parcelas autónomas, dado que, durante a década de 70, os antigos comproprietários daquele prédio, procederam, em conjunto, à divisão do mesmo em duas parcelas de terreno, através da colocação de marcos de pedra, que são aquelas que se encontram assinaladas no levantamento topográfico junto aos autos.

Acresce que, posteriormente, os anteriores proprietários iniciaram na sua parcela, já delimitada, a construção de uma moradia de cave ampla para garagem e arrumos, rés-do-chão com 5 divisões, cozinha e 2 casa de banho para habitação, e logradouro.

E que, quando, em 1990, os Autores lhes compraram 1/2 indivisa do prédio descrito, adquiriram, de facto, uma parcela de terreno perfeitamente delimitada e distinta, com a área de 1.580m2, e onde se encontrava já edificada uma casa de habitação e logradouro. Casa que inscreveram na matriz, com respectivo alvará de licença de utilização, conforme docs. juntos, que é a casa de morada de família dos A.A.

E, desde há pelo menos 35 anos, que, quer os Autores, quer os Réus, por si e respectivos ante-possuidores, têm respeitado os limites das respectivas parcelas, sendo que, no que aos Autores diz respeito, desde 1990 e até ao presente, ou seja, há mais de 15 anos, vêm possuindo a sua parcela atrás identificada como se fosse prédio autónomo e distinto, tendo inscrito a sua moradia na respectiva matriz predial.

Invocam os autores, em conformidade com o alegado, que adquiriram a referida parcela por usucapião e peticionam que se declare que a sua parcela constitui “o prédio urbano composto de casa de cave ampla para garagem e arrumos, r/c com 5 divisões, cozinha e 2 casas de banho, destinada a habitação, com a área coberta de 135m2, e logradouro com a área de 1445m2, sita na Estrada Principal, nº 17, lugar de Cavalinhos, Freguesia de Maceira, Concelho de Leiria, com a área total de 1.580 m2, a confrontar do Norte com Estrada do Oeste, do Sul com Rua dos Silvais, do Nascente com J.... e do Poente com C..., inscrito na matriz sob o artigo 5370 da Freguesia da Maceira”, e que constitui prédio autónomo e distinto por usucapião e como tal lhes pertence, condenando-se os Réus a tal verem reconhecido.

Os réus regularmente citados não contestaram.

Posteriormente, vieram os autores e os réus, em 4.4.08, através de requerimento conjunto, sustentar a factualidade já alegada na acção, acordando que o prédio identificado, se encontra material e fisicamente dividido, há mais de trinta e cinco anos, em duas parcelas, sendo cada uma delas, prédio autónomo e distinto constituídos por usucapião.

E requereram a homologação de tal e adjudicação de tais prédios, sendo que:

- Aos Autores a parcela constituída por prédio urbano, composto de casa de cave ampla para garagem e arrumos, r/c com 5 divisões, cozinha e 2 casas de banho, destinada a habitação, com a área coberta de 135m2, e logradouro com a área de 1445m2, sua na Estrada Principal, nº. 17, lugar de Cavalinhos, Freguesia de Maceira, Concelho de Leiria, com a área total de 1.580 m2, a confrontar do Norte com Estrada do Oeste, do Sul com Rua dos Silvais, do Nascente com ... e do Poente com C..., inscrita na respectiva matriz sob o art°. 5370; e

- Aos Réus a parcela constituída por “Terra de semeadura, com oliveiras e pinhal, sita em Silvais, Freguesia de Maçara, Concelho de Leiria, com a área total de 1580 m2, a confrontar do Norte com Estrada do Oeste, Sul Rua dos Silvais, Nascente A...e Poente ...”.

E as partes acordaram ainda em que as custas da acção seriam suportadas por ambas em partes iguais.

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Tal acordo não foi homologado, por se ter considerado haver uso anormal do processo, nos termos do art.º 665º do CPC, tendo sido anulado o processo, e os RR. absolvidos da instância.

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2.Só os A.A. interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam:

A)Existiu um imóvel de natureza rústica, do qual se autonomizaram duas parcelas, cada uma delas prédio autónomo e distinto, a parcela A (urbana) e a parcela B (rústica), que A.A. e R.R., respectivamente, adquiriram por usucapião;

B)Não existe acto simulado, porque o efeito pretendido, peticionado ao Tribunal, corresponde ao seu verdadeiro e autêntico fito, inexistindo prejuízo concreto para terceiros;

C)Da análise dos pedidos formulados pelos apelantes é patente um antagonismo entre o direito de propriedade que invocam, adquirido por usucapião, em relação à dita parcela, e o direito que se encontra registado, o que justifica a presente acção;

D)A usucapião é suficiente e legítima para fundamentar o pedido e fundar a transacção;

E)A sentença recorrida violou os arts.º 665º, 288, nº1, b), 265º, 266º, 484º do CPC, e art.º. 1287 do C.Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que homologue a transacção.

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Os R.R. não contra-alegaram.

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II- Factos Provados

Os factos provados são os constantes deste Relatório.

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III- Do Direito

1.Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts.º 685º-A, e 684º, nº3, do CPC ).

Nesta conformidade serão as seguintes as questões a resolver.

-Existe uso anormal do processo;

-Em caso de resposta negativa, deve dar-se provimento ao recurso, com homologação da transacção.

 2.Dispõe o artigo 1376º do Código Civil que:

1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.

2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.

3. O preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos.

Por sua vez, dispõe o artigo 1377º do Código Civil que a proibição do fraccionamento não é aplicável:

a)A terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura;

b)Se o adquirente da parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado corresponda, pelo menos, a uma unidade de cultura;

c)Se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou rectificação de estremas.

Por outro lado, resulta do disposto na Portaria nº 202/70 de 21 de Abril, que a unidade de cultura para a região se fixou nos 2 hectares para culturas arvenses e de sequeiro e em 0,5 hectare para culturas hortícolas.

Os autores pretendem com a presente acção a divisão de um prédio rústico composto por terra de semeadura com Oliveiras e Pinhal, com a área de 3.160 m2, do qual são comproprietários registados na proporção de metade, em duas parcelas distintas e autónomas, a atribuir a cada um dos comproprietários, alegando que tal prédio há mais de 35 anos que se encontra materialmente dividido e como tal, ocorreu a aquisição por usucapião sobre a parcela que lhe coube em tal divisão, sendo que inclusivamente já aí se construiu uma casa de habitação.

Sendo que com a transacção apresentada nos autos, os réus aderiram aos fundamentos dos autores, pretendendo de igual forma com a homologação por sentença de tal transacção, que se reconheça que a outra parcela, de igual forma, na posse dos réus há mais de 35 anos, constitui igualmente um prédio autónomo.

Ou seja, pretendem os autores e os réus, que se declare por sentença a divisão de um prédio rústico que, por determinação legal, é indivisível.

Como referem PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, se, através de um negócio jurídico nulo (v.g., por falta de forma) se realizar um fraccionamento ou uma troca contrários ao disposto nos artigos 1376. ° e 1378.º, e se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obstam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais. () Embora as regras sobre fraccionamento e troca de terrenos aptos para cultura sejam determinadas por razões de interesse público, os negócios que as infrinjam só são impugnáveis dentro de um prazo bastante curto. Decorrido este prazo, a violação da lei deixa de relevar seja para que efeito for, não podendo, por conseguinte, impedir a aquisição de direitos por usucapião. (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed., p. 269). Também o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de Janeiro de 1995, (publicado na CJ, ano XX, tomo I, P. 189) decidiu que, a indisponibilidade que do falado art.º 1.376.° resulta quanto à divisão de terrenos aptos para cultura não impede, em absoluto, tal fraccionamento, como mostra desde logo a caducidade da acção de anulação prevista no mencionado art.º 1379º. () Como se diz no citado «Código Civil Anotado», () há «toda a vantagem (de ordem pública) em que a situação criada (com o fraccionamento dos referidos terrenos) se defina com toda a brevidade, não deixando por muito tempo sujeita a incerteza a posição jurídica dos interessados». Por idêntica (ou até por maioria de razão) deve ser dada relevância jurídica a uma situação possessória que conduz à usucapião, face às ponderosas razões de ordem económico-social que estão na base deste instituto ().

No Ac. Relação Évora, de 26.10.00, in C.J., T.4, pág.272, decidiu-se que “são usucapíveis as parcelas com área inferior à unidade de cultura, resultantes da divisão, efectuada por partilha verbal, de um prédio rústico apto para fins agrícolas”

Também o Prof. Castro Mendes concorda que “ não obsta à aquisição por usucapião de parte de prédio, dividido verbalmente pelos anteriores comproprietários, o facto da sua superfície ser inferior a meio hectare”-Teoria Geral do Direito Civil. Vol.2, 1979, pág.235.

E no Ac. do STJ de 15.12.2005, in dgsi.pt, Proc.05B3944, também se assentou que” como o comproprietário é possuidor em nome alheio quanto aos direitos dos restantes condóminos não poderá adquirir o respectivo direito por usucapião, sem a verificação de um comportamento idóneo à inversão do título da posse. Ocorre essa inversão quando dois comproprietários dividem o prédio em duas partes iguais, como se passassem a existir dois prédios distintos, e a partir daí cada um passa a comportar-se em relação a cada um deles como se fosse seu exclusivo proprietário”.

Mostra-se pois assente a possibilidade de se reconhecer a divisão material de determinado prédio, ainda que contra as regras fixadas no artigo 1376º e seguintes do Código Civil, desde que tal divisão se tenha firmado no ordenamento jurídico por actos de posse, susceptíveis de determinar uma aquisição originária por usucapião.

Daqui decorre que, invocando as partes a aquisição das respectivas parcelas, por usucapião, deixa de existir obstáculo à divisibilidade das mesmas.

Nas palavras de LEBRE DE FREITAS/M. MACHADO/R. PINTO (Código de

Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed. p. 695 e 696) Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si.

Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa predisposta no interesse geral.

E mais à frente “ A simulação do litígio, comum a ambas as figuras, passa quase sempre, mediante prévio acordo das partes, entre si conluiadas, pela alegação pelo A., não contraditada ou ficticiamente contraditada pelo R., duma versão fáctica não correspondente à realidade

  (no mesmo sentido, cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 101, ao referir a alegação de “facto suposto” ou “ facto que não existia”, e Ac. Rel. Coimbra, de 26.09.2006, in dgsi.pt, Proc.453/05.0TBANS,Relator Garcia Calejo).

Ora, no caso concreto dos autos, não se vislumbra, por um lado, que as partes se tivessem conluiado para obter sentença cujo efeito querem, apenas, relativamente a terceiros, mas não entre si.

E por outro lado, que queiram obter sentença cujo efeito realmente pretendem, mas que lesa direitos de terceiro.

Efectivamente, depreende-se que A.A. e R.R. pretendem obter um efeito real, a aquisição, cada um, por usucapião, de duas parcelas distintas, provenientes de um prédio rústico “mãe”, por virtude de anterior divisão material.

Assim repondo a realidade material que, aliás, é actualmente incompatível com a realidade registral. È esse o seu verdadeiro fito, não se descortinando prejuízos para terceiros.

È certo que pretendem ultrapassar proibição legal, mas foi constatado que legalmente existe possibilidade de, por via da usucapião, adquirirem o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno, objecto de fraccionamento rústico não permitido por lei.

E muito menos se pode concluir de forma segura, como decorre do citado art.º 665º do CPC, que as partes, por acordo, tivessem construído uma realidade fáctica não correspondente à realidade.

Onde viu a sentença recorrida “os factos supostos” ou “factos que não existem” ?

Não se descortinam, (não se olvidando que a realidade afirmada é suportada documentalmente).

Procede, pois, o recurso, nesta parte.

E assim, em substituição do tribunal recorrido -art.º 715º, nº2 do CPC- conhecer  do mérito da celebrada transacção, como propugnam os A.A. apelantes.

3.Por força do disposto no art.º 1249º, do CC, as partes não podem transigir sobre direitos que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos, o que está adjectivado no art.º 299º, do CPC.

Relembre-se que o pedido dos A.A., na p.i., era a declaração que a sua parcela constitui o “prédio urbano........”, e a sua pretensão na transacção é a adjudicação do “prédio urbano…….” .

Verifica-se, pois, que os A.A. pretendem a obtenção de um título que lhes reconheça o direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno, assim caminhando para a sua autonomização jurídica, transformando uma parcela de terreno de um prédio rústico em prédio urbano, susceptível de ser inscrito no registo predial a seu favor, com o correspondente destaque do prédio-base.

Ora, a constituição de prédios urbanos obedece a condicionalismos legais bem determinados.

Nos anos 70, altura em que terá ocorrido a divisão, o D.L. nº 289/73 de 6.6., impunha que a operação que tenha por objecto ou simplesmente por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinadas subsequentemente à construção, dependia de licença camarária (art.º 1º). E que as operações de loteamento referidas no art.º 1º, bem como a celebração de negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abarcados por tais operações, só podem efectuar-se depois de obtido o respectivo alvará, devendo tal requisito ser observado tanto nos instrumentos notariais, como nos títulos de arrematação e actos judiciais relativos aos actos ou negócios referidos, sob pena de nulidade (art. 27º, nº1 e 2).

Sobrevieram, depois, o D.L. nº 400/84, de 31.12., que consagrou solução materialmente idêntica nos arts.º 1º, 2º, 57º, 58º e 60º, cominando a nulidade dos respectivos negócios jurídicos, e D.L. 448/91, de 29.11., com igual solução material, nos arts.º 3º a), 5º, 53º, nº1, e 56º, nº3.

Finalmente foi publicado o D.L. 555/99, de 16.12., que regula o regime jurídico da urbanização e edificação.

Na sua actual redacção, decorrente da Lei nº 60/2007 de 4.9., entrada em vigor 180 dias depois, aplicável no caso dos autos, pois o requerimento de transacção é de 4.4.08.,importa ter presente que, a alínea i) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, define as operações de loteamento como as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu reparcelamento.

E que nos termos do disposto no artigo 4º, nº2, a), e 5º, nº1, de tal diploma legal, tais operações de loteamento estão dependentes de licenciamento administrativo.

Sendo ainda de considerar o disposto no artigo 49º, nº1, do Decreto-Lei nº 555/99, donde decorre a necessidade de prévia autorização administrativa para a constituição de lotes e a prova de tal autorização, inclusive nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais.

A isenção de tal licença, poderia ocorrer nas situações contempladas no art.º 6º, nº1 j), 4º, 5º,9º e 10º, reportado a destaques de parcelas, mas no caso dos autos não só os A.A. alegaram materialidade fáctica subjacente a tais normativos, como não juntaram a respectiva certidão camarária.

Os diplomas citados vêm, assim, confirmar a inviabilidade de procurar, por via indirecta, resultados inatingíveis pela via que envolve a apreciação pelas autoridades admnistrativas da constituição de prédios urbanos.

Tratar-se-ia, caso fosse reconhecido pelo tribunal, de caucionar um negócio jurídico nulo, por contrário à lei (art.º 294, do CC, e A. Varela, in C.C. Anotado, 3º Vol., 2ª ed., pág. 264, nota 5. ao artigo 1377º).

Não é, pois, possível homologar tal transacção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1249º do CC e 303º, nº3, do CC - vide em caso paralelo o Ac. Rel. Coimbra de 13.11.2007, dgsi,pt, Proc.539/02JTRC,Relator Távora Vítor.

 

4.Ao abrigo do art.º713º, nº7, do CPC elabora-se o seguinte sumário:

a)O uso anormal do processo - art.º 665º do CPC – na vertente de fraude processual pressupõe o conluio entre as partes, com alegação de uma versão fáctica não correspondente à realidade.

b)Não obsta à aquisição por usucapião de parcelas de prédio rústico, resultantes de divisão, efectuada por partilha verbal dos anteriores comproprietários, o facto de elas terem área inferior à unidade de cultura.

c)A criação de prédios urbanos, está sujeita a condicionalismos legais, designadamente licenciamento admnistrativo previsto no DL 555/99 de 16.12.

d)Não é possível homologar transacção, em violação do art.1249º do CC, se o A. pretende ver constituído prédio urbano, resultante de fraccionamento de prédio rústico, sem a devida licença admnistrativa.

IV – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, por se mostrar inverificada uma situação de uso anormal do processo, nos termos do art.º 665º do CPC, mas em substituição do tribunal recorrido, acorda-se em não homologar a transacção celebrada entre A.A. e R.R.

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Custas pelos A.A.