Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3141/18.4T8PBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: EXECUÇÃO
CAUÇÃO
SUA IDONEIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 623º, Nº 3 DO C. CIVIL; 751º, N.º 7 E 856º, N.º 5, AMBOS DO NCPC.
Sumário: I – Como se sabe, o fim da ação executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor e, como este não pode ser compelido por aquele a realizar os actos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efetiva, pelo valor que representa no seu património.

II - O art.º 623º, n.º 3, do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.

III - A caução constitui uma garantia especial das obrigações, visa satisfazer o interesse do credor. Embora a lei não estabelece qualquer critério para avaliação da idoneidade da caução mas, atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona.

IV - Á prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte.

V – E, por sua vez, à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão.

VI - Atento o regime instituído pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, verifica-se que, perante a garantia da penhora, o executado que se oponha à execução poderá substituir a penhora por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (cf. os art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5, ambos do nCPC).

VII - Existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão).

VIII - A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

                                          Proc.º n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1

                                                           1.- Relatório

1.1. – F..., J... e M..., executados nos autos à margem referenciados, vêm no presente incidente de prestação de caução requerer que sejam consideradas idóneas as hipotecas já constituídas a favor da exequente/embargada com vista à suspensão da execução.

Alegam os executados que os bens imóveis hipotecados têm valor suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda.

Juntam documentos.

            1.2. - Por despacho datado de 11 de Fevereiro de 2019 foi determinada a notificação da exequente nos termos e para os efeitos dos artigos 905.º e 907.º do Código de  processo Civil.

1.3. - Regularmente notificada, a exequente C... opôs-se à pretensão deduzida pelos executados.

A exequente entende que a caução oferecida é inadequada para suspender a execução, para além de ser insuficiente atento o valor dos bens.

Pugna pela improcedência do incidente de prestação de caução.

1.4. – A fls. 39 destes autos foi ordenada a realização de perícia, com despacho do seguinte teor, que se transcreve: “Considerando as várias soluções de direito plausíveis (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora datado de 6/11/2004, no processo n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 17/1/2017, processo n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1 e do Tribunal da Relação do Porto datado de 2/4/2009, no processo n.º 2239/07.9TBOVR-B.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt) importará produzir prova sobre o valor dos bens hipotecados oferecidos como caução para suspender a execução durante a pendência do incidente de embargos de executado.

Desta forma, entende-se que é necessário produzir prova pericial sobre os bens dados de garantia.

O objecto da perícia é o valor de mercado dos bens sobre os quais incidem as hipotecas.

Face ao exposto, determina-se, nos termos do artigo 477.º do Código de Processo Civil, a realização de perícia a incidir sobre o valor dos bens dados de caução, ficando as partes notificadas para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre o objecto da perícia” 

1.5. – Em 8/4/2019 os executados, requerentes, vieram referir que concordavam com o teor do objecto da perícia enunciado pelo Tribunal.

1.6. – Por despacho de 29/4/2019 foram identificados os imóveis objecto de perícia e nomeado perito para proceder à avaliação.

1.7. – A fls. 45 a 48 foi proferida decisão a:

a)- Fixar o valor da causa em €147.504,70 (artigos 296º, 297º, nº 1, 304º e 306º do Código de Processo Civil).

b) Sanear o processo, onde se refere ser o Tribunal o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, não haver nulidades que invalidem o processo e processo é o próprio, terem as partes personalidade, capacidade e legitimidade e estão devidamente representadas e não haver outras nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias e incidentais que cumpra conhecer.

            c) Julgar improcedente a pretensão dos requerentes, por entender que a caução deduzida pelos executados F..., J... e M... não era idónea.

            Condenando os mesmos em custas.

            1.8. - Inconformados com tal decisão dela recorreram os executados, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

A. O Tribunal a quo andou mal ao julgar inidónea a caução oferecida por insuficiência da garantia hipotecária pré-existente registada a favor da exequente.

B. Apesar do interesse para a boa decisão da causa, o Tribunal a quo não deu como provado que:

i. Foi constituída hipoteca de 1.o grau a favor da Exequente, com o capital de €75.000,00 euros, com o montante assegurado de €118.500,00 euros, sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...;

ii. Foi constituída hipoteca de 1.o grau a favor da Exequente, com o capital de €46.800,00 euros, com o montante máximo assegurado de €72.540,00 euros sobre o prédio misto sito no lugar de ..., composto por casa de habitação de dois pisos, logradouro e terra de cultura, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... e sobre o prédio urbano sito na ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...

C. As Certidões Prediais são documentos suficientemente aptos para demonstrar cabalmente a existências de tais hipotecas, pelo que o Tribunal a quo deveria ter julgado como provada a existência das hipotecas sobre os imóveis em causa na douta Sentença aqui recorrida.

D. O Tribunal a quo devia ter dado como provado que:

i. O Recorrente F... constituiu uma hipoteca de 1.o grau a favor da Exequente sobre a fracção autónoma fracção autónoma designada pela letra ..., com o capital de €75.000,00 euros, com o montante assegurado de €118.500,00 euros;

ii. Os Recorrentes M... e J... constituíram uma hipoteca de 1.o grau a favor da Exequente sobre o prédio misto sito no lugar de ..., composto por casa de habitação de dois pisos, logradouro e terra de cultura, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e sobre o prédio urbano sito na ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n...., com o capital de €46.800,00 euros, com o montante máximo assegurado de €72.540,00 euros.

E. O Tribunal a quo andou mal ao entender que o valor a considerar para aferir da idoneidade da caução era de €162.490,72 euros (€154.753,07 + 7.737,65).

F. O Tribunal a quo errou no cálculo do valor a ser tido em conta para aferir da idoneidade da caução prestada pelos Recorrentes, tendo os bens imóveis o valor suficiente para garantir o valor de € 154.879,94 euros, havendo ainda um diferencial de €22.120,06 euros.

G. Para efeitos de aferir da idoneidade da caução o valor a considerar era de €154.879,94 euros (€ 147.504,70 euros + € 7.375,25 euros).

H. Se o Tribunal a quo entendesse que era necessário averiguar sobre a natureza dos créditos da Fazenda Nacional, podia ter solicitado a emissão de certidões sobre a origem dos créditos, junto da própria Autoridade Tributária, para revelar a natureza de tal crédito sobre os imóveis aqui em causa, ao abrigo do princípio do inquisitório.

I. Para apurar a suficiência da caução, deve atender-se, por um lado, ao valor da totalidade da quantia exequenda e acréscimos e, por outro lado, ao valor de mercado dos bens que servem de garantia do crédito, e não ao valor da venda judicial, que corresponde a 85% do valor de mercado.

J. Tendo em atenção o valor total de mercado dos imóveis aqui em causa, a existência das penhoras sobre a fracção autónoma designada pela letra “...”, não inviabiliza o crédito exequendo aqui em causa, pois, por um lado, a Exequente, aqui Recorrida, tem a primeira hipoteca e, por outro lado, mesmo que se liquide as quantias exequendas dos outros processo em que foram feitas as penhoras, o valor remanescente será mais do que suficiente para garantir o crédito exequendo em apreço nos presentes autos.

K. O crédito exequendo mostra-se suficientemente garantido pelo direito real de garantia que incide sobre todos os imóveis aqui em causa, ultrapassando o crédito exequendo, acrescido de juros e de mora devidos durante a pendência da instância.

L. Mas se este não for o entendimento perfilhado por este Venerando Tribunal – no qua não se concede, mas que se alvitra por mero dever de patrocínio – então o Tribunal a quo deveria ter ordenando, aos aqui Recorrentes, a prestação de uma caução apta a garantir a diferença entre o valor de venda imediata e o valor para efeitos de prestação de caução (€154.879,94 - €150.450,00 = €4.429,94 euros).

Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e substituído por Acórdão que julgue idónea a caução oferecida ou que, no limite, ordene que sejam realizadas as necessárias diligências a aquilatar da idoneidade da garantia oferecida para a caução”.

            1.9. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º do C.P.C., a exequente apresentou resposta terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“I - Os executados/embargantes/requerentes interpuseram recurso da douta sentença proferida em 09-07-2019 que julgou improcedente o incidente de prestação de caução por si deduzido, entendendo porém a recorrida que o tribunal a quo decidiu bem ao considerar que as hipotecas já existentes sobre os bens imóveis penhorados nos autos não se mostram idóneas para garantir os fins da execução com vista à suspensão da execução.

II – Dos factos provados não consta expressamente que os imóveis penhorados encontram-se onerados com hipotecas a favor da apelada, mas do teor da sentença recorrida decorre que o tribunal a quo teve em consideração a pré-existência de tais hipotecas.

III – O tribunal a quo quantificou correctamente os valores a ter em conta para aferir da idoneidade da caução, considerando, para o aludido efeito o valor de €162.490,72.

IV - Isto porque, aplicando ao critério previsto no artigo 735o, no 3 do CPC para aferir das despesas prováveis da execução e tendo em conta também os juros de mora e imposto de selo entretanto vencidos até à data da prolação da sentença recorrida, às taxas, respectivamente, de 6,488% e 4%, chegamos ao valor de € 162.317,21 (quantia exequenda: € 147.504,70 + 5% da quantia exequenda: € 7.375,24 + juros de mora à taxa de 6,488% vencidos entre 06-09-2018 e 09-07-2019: € 7151,22 + imposto de selo à taxa de 4% sobre aqueles juros: € 286,05), valor muito próximo do valor que foi considerado pelo tribunal a quo.

V - Não assiste assim razão aos apelantes quando alegam que o valor a considerar para aferir da idoneidade da caução é o de €154.879,94, pois desconsideram os juros de mora e imposto de selo vencidos desde a data da entrada em juízo do requerimento executivo até à data da prolação da sentença recorrido, e que o tribunal a quo, bem, teve em conta.

VI – Também não têm razão os recorrentes quando pretendem atribuir aos imóveis hipotecados, e consequentemente à própria caução, o valor global de €177.000,00, correspondente ao seu valor de mercado, pois, nos termos do disposto no artigo 909o, no 2 do CPC aplicável ex vi artigo 913o, no 3 do mesmo diploma legal, há que atender à depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como às despesas que esta pode acarretar.

VII - Ora, nos termos do disposto no artigo 816o, no 2 do CPC, os imóveis em apreço, que se encontram penhorados nos autos principais, poderão ver vendidos pelo valor correspondente a 85% do respectivos valores base ou até por valor inferior em sede de venda por negociação particular, sendo que 85% do valor de mercado dos imóveis hipotecados corresponde a €150.450,00, valor já por si insuficiente para garantir o aludido valor de €162.490,72, ao qual acrescerão ainda os juros de mora e imposto de selo vincendos, a que corresponde um acréscimo mensal de € 727,00.

VIII –Por outro lado, o imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “...” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., não poderá servir de garantia, através da hipoteca pré-constituída, porquanto não só se encontra onerado com mais três penhoras, para além da efectuada nos presentes autos, todas anteriores a esta, como também a execução foi sustada quanto a esse bem, perdendo-se o domínio sobre a sua venda executiva, sendo o valor dos demais imóveis (€ 89.250,00 correspondentes a 85% do respectivo valor de mercado) de todo insuficiente para garantir a quantia exequenda e demais despesas e encargos.

IX – Concluindo o tribunal a quo pela insuficiência do valor dos imóveis hipotecados para garantir o pagamento da quantia exequenda e seus acréscimos, não lhe competia ordenar a prestação de caução pelo valor remanescente, porquanto ao tribunal compete apenas apreciar a concreta caução oferecida pelos apelantes e concluir pela sua idoneidade ou inidoneidade, o que fez ao julgar improcedente o incidente de prestação de caução por as hipotecas incidentes sobre os bens imóveis não se mostrarem idóneas para garantir os fins da execução com vista à sua suspensão.

X - Não assiste, pois, qualquer razão aos recorrentes, pelo que, não merecendo a douta sentença qualquer reparo ou censura, deverá a mesma ser confirmada na íntegra.

Nestes termos deve o recurso improceder e, consequentemente ser proferido douto acórdão que confirme na íntegra a douta sentença recorrida, assim se fazendo:

JUSTIÇA!”

            1.10. Com dispensa de vistos cumpre decidir

                                               2. Fundamentação

            Factos dados por provados.

Com interesse para a boa decisão da causa, estão provados os seguintes factos:

2.1. Nos autos de execução estão penhorados, entre os demais, os seguintes bens imóveis:

a) Fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao 1.o Andar Frente, destinada a habitação, do prédio urbano sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.o ..., com valor de mercado de €72.000,00, sobre a qual incidem os seguintes ónus: - penhora registada mediante ap. n.º ... de 22.05.2012 a favor da Fazenda Nacional de valor de €3.357,86;

- penhora registada mediante ap. n.º ... de 05.09.2012 a favor da Fazenda Nacional de valor de €1.264,49;

- penhora registada mediante ap. n.º ... de 07.12.2017 a favor de Condomínio do prédio sito na ... de valor de €2.046,16.

b) Prédio misto sito no lugar de ..., composto por casa de habitação de dois pisos, logradouro e terra de cultura, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com valor de mercado de €98.000,00;

c) Prédio urbano sito na ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com valor de mercado de €7.000,00.

2.2. Por decisão datada de 26 de Novembro de 2018 foi sustada a execução quanto ao bem descrito em a) de 2.1..

2.a)- Factos não provados

Não há factos não provados com interesse para a decisão.

                                                 3. Motivação

3.1. Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (cfr artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, todos do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. neste sentido ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363 e Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).

Efetivamente, muito embora na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) (cfr. neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).

Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Assim, a questões a decidir consiste em saber se a decisão recorrida deve ser revogada a substituída por outra que julgue idónea a caução oferecida ou que, no limite, ordene que sejam realizadas as necessárias diligências a aquilatar da idoneidade da garantia oferecida para a caução.

Segundo os recorrentes o Tribunal “a quo” errou ao não dar como provado que:

“i. Foi constituída hipoteca de 1.º grau a favor da Exequente, com o capital de € 75.000,00 euros, com o montante assegurado de € 118.500,00 euros, sobre a fracção autónoma designada pela letra ...;

ii. Foi constituída hipoteca de 1.º grau a favor da Exequente, com o capital de € 46.800,00 euros, com o montante máximo assegurado de € 72.540,00 euros sobre o prédio misto sito no lugar de ...

               Já que as certidões prediais são documentos suficientes e aptos a demonstrar cabalmente a existência de tais hipotecas, pelo que deveria ter dado como provado:

“a)- O Recorrente F... constituiu uma hipoteca de 1.º grau a favor da Exequente sobre a fracção autónoma fracção autónoma designada pela letra ---. com o capital de € 75.000,00 euros, com o montante assegurado de € 118.500,00 euros;

b)- Os Recorrentes M... e J... constituíram uma hipoteca de 1.º grau a favor da Exequente sobre o prédio misto sito no lugar de ..., com o capital de € 46.800,00 euros, com o montante máximo assegurado de € 72.540,00 euros”.

Por outro lado referem os recorrentes que “O Tribunal a quo andou mal ao entender que o valor a considerar para aferir da idoneidade da caução era de € 162.490,72 euros (€ 154.753,07 + 7.737,65), errando, pois no cálculo, do valor a ser tido em conta para aferir da idoneidade da caução prestada pelos Recorrentes, tendo os bens imóveis o valor suficiente para garantir o valor de € 154.879,94 euros, havendo ainda um diferencial de € 22.120,06 euros. O valor deveria, antes ser de 154.879,94€ (147.504,70 +7.375,25). Tanto mais, que para se apurar a suficiência da caução, deve atender-se, por um lado, ao valor da totalidade da quantia exequenda e acréscimos e, por outro lado, ao valor de mercado dos bens que servem de garantia do crédito, e não ao valor da venda judicial, que corresponde a 85% do valor de mercado.

Opinião oposta tem a recorrida, que pugna pela manutenção do decidido, referindo:

O tribunal a quo quantificou correctamente os valores a ter em conta para aferir da idoneidade da caução, considerando, para o aludido efeito o valor de €162.490,72, porquanto,  aplicando ao critério previsto no artigo 735.º, n.º 3, do CPC para aferir das despesas prováveis da execução e tendo em conta também os juros de mora e imposto de selo entretanto vencidos até à data da prolação da sentença recorrida, às taxas, respectivamente, de 6,488% e 4%, chegamos ao valor de €162.317,21 (quantia exequenda: €147.504,70 + 5% da quantia exequenda: €7.375,24 + juros de mora à taxa de 6,488% vencidos entre 06-09-2018 e 09-07-2019: € 7151,22 + imposto de selo à taxa de 4% sobre aqueles juros: € 286,05), valor muito próximo do valor que foi considerado pelo tribunal a quo.

Pelo que não assiste assim razão aos apelantes quando alegam que o valor a considerar para aferir da idoneidade da caução é o de €154.879,94, pois desconsideram os juros de mora e imposto de selo vencidos desde a data da entrada em juízo do requerimento executivo até à data da prolação da sentença recorrido, e que o tribunal a quo, bem, teve em conta.

 Por outro lado, o imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “..” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial da freguesia de ... não poderá servir de garantia, através da hipoteca pré-constituída, porquanto não só se encontra onerado com mais três penhoras, para além da efectuada nos presentes autos, todas anteriores a esta, como também a execução foi sustada quanto a esse bem, perdendo-se o domínio sobre a sua venda executiva, sendo o valor dos demais imóveis (€ 89.250,00 correspondentes a 85% do respectivo valor de mercado) de todo insuficiente para garantir a quantia exequenda e demais despesas e encargos”.

Sobre esta matéria refere a sentença recorrida: “O artigo 733.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Civil, prevê que é possível suspender a execução na sequência da dedução de oposição à execução se for prestada caução, devendo aplicar-se o critério do artigo 735.o, n.o 3, do mesmo código para aferir da idoneidade da caução.

No caso dos autos os executados pretendem prestar caução através de hipoteca já constituída a favor da exequente sobre a fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao 1.o Andar Frente, destinada a habitação, do prédio urbano sito na ...

O valor a considerar para aferir da idoneidade da caução é de €162.490,72 (€154.753,07+€7.737,65 aplicando o critério do artigo 735.o, n.o 3, do Código de Processo Civil e considerando os juros vencidos na presente data).

Não é líquida a questão sobre a prestação de caução através de hipotecas já constituídas a favor do exequente (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora datado de 06.11.2014 no processo n.o 53/14.4TBFAL-B.E1, do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 17.01.2017 no processo n.o 5211/15.1T8PBL-B.C1 e do Tribunal da Relação do Porto datado de 02.04.2009 no processo n.o 2239/07.9TBOVR-B.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Analisadas as duas posições, o tribunal opta por aquela que considera que a nada obsta a que a hipoteca anteriormente constituída sirva como caução para suspender a execução mas desde que o valor do bem sobre que recai a garantia seja suficiente para garantir a quantia exequenda e os demais encargos.

Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 17.01.2017, no processo n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, cuja argumentação se toma de comodato (disponível em www.dgsi.p):

“Na verdade, se o crédito exequendo se mostra suficientemente garantido pelo direito real de garantia (hipoteca) que incide sobre o imóvel, iniciando-se a penhora sobre este bem (cf. o art.o 752o, n.o 1), a suspensão da execução, em consequência da dedução de oposição à execução, nenhum prejuízo acarreta ao exequente, pois não existe qualquer perigo de extravio, ocultação ou dissipação do bem, nem tão-pouco qualquer receio de constituição de outro ónus ou encargo que afecte o direito do credor - nesta situação, poderá não se justificar exigir ao devedor outras garantias, nomeadamente a prestação de caução.

Havendo garantia real constituída, os executados ficam dispensados da prestação de caução desde que o valor dos bens (imóveis) ultrapassasse o crédito exequendo, acrescido dos juros de mora devidos durante a pendência da execução e outras despesas (art.o 835o, n.o 3); ficando aquém, a caução a prestar deverá compreender o valor remanescente, de modo a garantir o crédito exequendo e acessórios devidos durante a suspensão da execução”.

Importa, assim, saber se os bens imóveis têm valor suficiente para garantir o valor de €162.490,72, ao qual acrescerá os juros de mora vincendos e respectivos imposto de selo. O valor total de mercado dos bens imóveis é de €177.000,00.

O diferencial é de €14.509,28.

Pese embora, o valor total dos bens seja superior ao valor de €162.490,72, não se pode olvidar que a quantia exequenda continuará a vencer juros de mora à taxa diária 6,488%.

Acresce que sobre a fracção autónoma designada pela letra ... recaem outros encargos, nomeadamente penhoras a favor da Fazenda Nacional cuja natureza do crédito lhe pode conferir prevalência (caso seja de crédito emergente de IMI).

Aliás, por decisão datada de 26 de Novembro de 2018 já foi sustada a execução quanto a esse bem, perdendo o tribunal o “domínio” sobre a venda na execução fiscal, o que necessariamente se repercute no presente incidente.

É que estando o bem penhorado noutro processo, não pode o tribunal controlar as diligências de venda, não se sabendo se a exequente irá reclamar os seus créditos e qual a sorte da reclamação de créditos a deduzir.

Por outro lado, o valor base de venda dos bens situa-se nos 85%, sendo o valor total correspondente a €150.450,00.

Entende-se, assim, que a sustação da execução sobre a fracção autónoma bem como o diminuto valor do diferencial entre o valor total dos bens e a quantia em dívida na presente data inviabiliza que a fracção autónoma possa servir de garantia, através de hipoteca, nos presentes autos com vista à suspensão da execução, não se mostrando os demais bens suficientes para garantir a quantia exequenda e demais encargos.

Assim sendo, as hipotecas sobre os bens imóveis não se mostram idóneas para garantir os fins da execução com vista à suspensão da execução.

Improcede, desta forma, o incidente de prestação de caução”.

Vejamos.

Cotejando os factos dados como provados nas alíneas a), b) e c) do ponto 2.1. deste acórdão, que corresponde ao ponto 5.1.1. da sentença recorrida, vemos que os imóveis aludidos na sentença recorrida e nas alegações são os mesmos, com exceção dos valores.

Ora, resulta dos autos, e aludido em 1.4. – que antes da prolação da sentença, foi ordenada uma perícia para atribuir os valores aos bens em causa -, com a qual (perícia) os recorrentes concordaram (cfr. ponto 1.5), nomeado perito foi atribuído valor (ponto 1.6).

Assim, nesta vertente não vemos assistir razão aos recorrentes.

Dito isto, cabe ver se a caução é idónea, como pretendem os recorrentes.

Como se sabe, o fim da ação executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor e, como este não pode ser compelido por aquele a realizar os actos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efectiva, pelo valor que representa no seu património.

Para concretizar este objetivo procede-se à penhora de bens que se tornem necessários, para que o credor veja realizado o seu direito, ou pela adjudicação dos referidos bens ou pelo preço resultante da venda a que ficam sujeitos. A penhora como peça fundamental do processo executivo, apresenta-se, assim, como uma apreensão de bens, um desapossamento de bens do devedor, um acto que retira da disponibilidade material do devedor e subtrai relativamente à sua disponibilidade jurídica, bens do seu património (cfr. Ac. Rel. de Coimbra de 5 de Maio de 2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, citando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 11 edição p. 201).

Assim, também a caução terá essa garantia.

            A questão que temos “entre mãos” consiste em saber se a caução que os requerentes pretendem prestar é ou não idónea.

O art.º 623º, n.º 3, do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.

Como se sabe, a caução constitui uma garantia especial das obrigações, visa satisfazer o interesse do credor. Embora a lei não estabelece qualquer critério para avaliação da idoneidade da caução mas, atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona (cfr. Ac.s da Rel. do Porto, de 22.06.2006 e de 22/6/2010, proc.ºs n.ºs 632708 e 5242/08.8YYPRT-B.P, respectivamente, relatados por Amaral Ferreira e João Proença, respectivamente.

Ou, como se refere no Ac. da mesma Relação de 2/4/2009, proc.º n.º 2239/07.9TBOVR-B.P1, relatado por Freitas Vieira”, a caução, quando exigida por lei, deve constituir “um mais” em relação às garantias pré-existentes”.

À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte. E por sua vez, à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão (cfr. entre outros, os acórdãos da RC de 25.10.1994 e de 05.5.2015-processo 505/13.3TBMMV-B.C1, in CJ, XIX, 5, 32 e www.dgsi.pt, respectivamente).

Tem-se discutido se, existindo garantia anterior – constituída antes do processo ou através da própria penhora já efectuada nos autos – ela poderá ser suficiente para suspender a execução, defendendo-se, na jurisprudência, de um lado, que a suspensão da execução, em consequência da dedução de oposição à execução, impõe sempre a prestação de caução e que a prestação de caução através de hipoteca já constituída anteriormente no processo para garantia de pagamento da quantia exequenda e que incide sobre o bem penhorado no mesmo processo não se prefigura como idónea, na medida em que a requerente não oferece qualquer garantia que a requerida já não tenha – ou seja, verdadeiramente nada oferece como caução, pois, constituindo a caução uma garantia especial das obrigações, da sua prestação teria de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 02.4.2009, proc.º n.º 2239/07.9TBOVR-B.P1 e 28.4.2011-proc.º n.º 8176/09.5YYPRT-B.P1 e da Relação de Lisboa de 04.02.2010, proc.º n.º 33943/06.8YYLSB-8, publicados no “site” da dgsi.) e, de outro lado (em sentido contrário), que “a hipoteca, mesmo que anteriormente constituída, não é abstractamente inidónea para servir como caução - ela é idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão” (cfr. os acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1 e da RC de 05.5.2015-processo 505/13.3TBMMV-B.C1, publicados no “site” da dgsi).

Atento o regime instituído pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, verifica-se que, perante a garantia da penhora, o executado que se oponha à execução poderá substituir a penhora por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (cf. os art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5).

Acolhendo, assim, segundo se perspectiva, a mesma solução se impõe quanto às garantias constituídas antes do processo; havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo (cfr. entre outros, J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 327 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 224 e seguintes, especialmente a nota (76)).

      Assim, existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão). A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo. (cfr. os citados acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1, relatado por Pinto de Almeida, da Relação de Coimbra de 05.5.2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, da mesma Relação, de 17.01.2017, proc.º n.º  5211/15.1T8PBL-B.C1,  relatado por Fonte Ramos e da Rel. de Évora de  6/11/ 2014 – proc.º n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, relatado por Mata Ribeiro.

            A particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211 disponível in www.dgsi.pt).

Assim, não podemos deixar de advogar  no sentido de estar com aqueles que não vêem objeção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução.

Pois, como se salienta no Ac. do Relação de Guimarães de 29/05/2008. Proc.º n.º 639/08, relatado por Manso Rainho “a garantia oferecida pela executada – a hipoteca que prestou a favor do exequente como garantia da obrigação ora exequenda – é legalmente idónea em ordem a servir como caução (v. artº 623º do CC). A única especialidade que se verifica no caso vertente é que, contrariamente ao que normalmente acontece, o devedor não vem oferecer a título de caução uma garantia até então inexistente (ou seja, não vem oferecer uma garantia a constituir ex novo), mas sim afetar a garantia especial preexistente (a hipoteca) aos fins (ou seja, como objeto) da caução. E isto parece-nos inteiramente legal, pois que o que está sempre em causa é que se mostre que o crédito exequendo é objeto de uma garantia idónea, e isto tanto se atinge mediante uma garantia de constituição ex novo como mediante a afetação de uma garantia preexistente.

 Também Lebre de Freitas parece perfilhar de tal posição quando afirma (in A Ação Executiva, 6ª edição, 2014, 225) que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo

O mesmo entendimento parece defender Rui Pinto quando refere “havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora nos termos do artº 818º n.º 2 in fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual” (in Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435).

Por sua vez Lopes do Rego também parece dispensar a constituição de uma nova garantia aceitando como caução a pré existente ao afirmar que “é evidente que, se, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, …“prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente (cfr. Comentário ao CPC, 1999, 543).

Na mesma linha de entendimento Remédio Marques salienta que só se impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo (cfr.. Curso de Processo Executivo Comum, 2000, 163-164).

Da mesma opinião parece comungar F. Amâncio Ferreira quando refere “sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da ação executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à ação executiva, ou se ulteriormente se efetuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”(cfr. Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., 196).

Face aos ensinamentos supra, que comungamos, resta ver se a sentença posta em causa analisou assertivamente a questão.

A respeito escreve-se na mesma: “Importa, assim, saber se os bens imóveis têm valor suficiente para garantir o valor de €162.490,72, ao qual acrescerá os juros de mora vincendos e respectivos imposto de selo. O valor total de mercado dos bens imóveis é de €177.000,00.

O diferencial é de €14.509,28.

Pese embora o valor total dos bens seja superior ao valor de €162.490,72, não se pode olvidar que a quantia exequenda continuará a vencer juros de mora à taxa diária 6,488%.

Acresce que sobre a fração autónoma designada pela letra ... recaem outros encargos, nomeadamente penhoras a favor da Fazenda Nacional cuja natureza do crédito lhe pode conferir prevalência (caso seja de crédito emergente de IMI).

Aliás, por decisão datada de 26 de Novembro de 2018 já foi sustada a execução quanto a esse bem, perdendo o tribunal o “domínio” sobre a venda na execução fiscal, o que necessariamente se repercute no presente incidente.

É que estando o bem penhorado noutro processo, não pode o tribunal controlar as diligências de venda, não se sabendo se a exequente irá reclamar os seus créditos e qual a sorte da reclamação de créditos a deduzir.

Por outro lado, o valor base de venda dos bens situa-se nos 85%, sendo o valor total correspondente a €150.450,00.

Entende-se, assim, que a sustação da execução sobre a fração autónoma bem como o diminuto valor do diferencial entre o valor total dos bens e a quantia em dívida na presente data inviabiliza que a fração autónoma possa servir de garantia, através de hipoteca, nos presentes autos com vista à suspensão da execução, não se mostrando os demais bens suficientes para garantir a quantia exequenda e demais encargos.

Assim sendo, as hipotecas sobre os bens imóveis não se mostram idóneas para garantir os fins da execução com vista à suspensão da execução.

Improcede, desta forma, o incidente de prestação de caução”.

Muito embora o valor de mercado dos imóveis seja superior, pelas razões supra expostas e também explanadas na sentença recorrida, temos de ter em conta que a quantia exequenda continuará a vencer juros de mora à taxa diária 6,488, ao que acresce que sobre a fração autónoma designada pela letra ... recaem outros encargos, nomeadamente penhoras a favor da Fazenda Nacional cuja natureza do crédito lhe pode conferir prevalência (caso seja de crédito emergente de IMI), execução sustada, por decisão datada de 26 de Novembro de 2018,quanto a esse bem, perdendo o tribunal o “domínio” sobre a venda na execução fiscal, o que necessariamente se repercute no presente incidente.

É que estando o bem penhorado noutro processo, não pode o tribunal controlar as diligências de venda, não se sabendo se a exequente irá reclamar os seus créditos e qual a sorte da reclamação de créditos a deduzir.

Acresce, por outro lado, como bem se refere na sentença recorrida, que o valor base de venda dos bens situa-se nos 85%, sendo o valor total correspondente a €150.450,00.

Assim, pelas razões expostas não vemos assistir razão aos recorrentes.

4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Julgar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida nos seus termos.

Custas a cargo dos recorrentes.

Coimbra, 5/11/2019

           Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Jaime Ferreira (adjunto)