Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3260/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONDUTOR SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE ESSA SITUAÇÃO E O EVENTO E ILAÇÕES JUDICIAIS PERMITIDAS AO JULGADOR
Data do Acordão: 12/09/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONFIRMADA
Área Temática: D. L. 522/85 DE 31/12
Legislação Nacional: ART. 19°, AL. C) , DO D. L. 522/85 DE 31/12 E ART. S 349 A 351° DO C.C..
Sumário:
I - Para ocorrer o direito de regresso de uma seguradora contra o condutor de veículo que agiu sob a influência do álcool, e relativamente aos danos resultantes de um acidente por ele causado, é necessário que tenha ocorrido um nexo de causalidade entre uma condução sob a influência do álcool e esse acidente, cujo ónus da prova cabe inteiramente à seguradora .
II - Esse nexo de causalidade tem de resultar do conjunto dos factos verificados, e se não de uma forma imediata ou directa, pelo menos de uma forma indirecta ou por ilação judicial.
III - Estando demonstrado que o condutor circulava com uma taxa significativa de álcool no sangue ( 1,51 g/l ), não pode deixar de se considerar, por ilação, nos termos dos art. s 349° e 351 ° do C. C., que tal factor contribuiu pelo menos para um acidente que consistiu no embate desse carro no veículo da frente, sem que existam quaisquer outras razões que possam explicar o sucedido a não ser precisamente esse estado do seu condutor .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, a Companhia de Seguros ..., com sede no Largo do ..., em Lisboa, intentou contra António ..., residente no Beco ..., em Pataias, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação do R. no pagamento à A. da quantia de Esc. 3.114.814$00, acrescida de juros de mora, desde 4/11/2000 e até efectivo pagamento .
Para tanto e muito em resumo, alegou a A. que celebrou com o R. um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº 5984340, destinado a garantir a responsabilidade civil emergente da condução do veículo matrícula 90-08-EP, contrato esse ao abrigo do qual foi participado à A. a ocorrência de um acidente de viação ocorrido em 2/07/1998, pelas 21H30, na E. N. nº 242, entre Pataias e Martingança .
Que nesse acidente foram envolvidos o veículo seguro e o veículo 39-35-LF, tendo este sido embatido na sua traseira pela frente do EP, quando este era conduzido pelo R .
Que o R., nessas circunstâncias de tempo e lugar, conduzia sob uma T.A.S. de 1,51 g/l , em consequência do que originou esse acidente, pois nem sequer se apercebeu da presença do veículo LF à sua frente, dado o seu estado de euforia e de diminuição da acuidade visual .
Que tendo daí resultado danos no veículo LF, foi o seu proprietário indemnizado pela A., no valor de Esc. 2.751.400$00, valor este do qual a A. tem direito de regresso contra o R, o que pretende que lhe seja reconhecido .
Que já se encontram vencidos juros de mora desde 20/01/99 até 3/11/2000, no valor de Esc. 363.414$00, que também se reclamam .
II
Contestou o R., alegando, muito em resumo, que na ocasião do sinistro seguia a uma velocidade que não excedia os 50 km/h e que esse o embate ocorrido ficou a dever-se ao facto de o condutor do veículo LF não ter sinalizado a manobra de mudança de direcção para a esquerda que empreendeu no local e na ocasião, tendo parado de forma brusca e inopinada, o que originou o embate na traseira deste veículo, pelo que em nada contribuiu para tal sinistro a taxa de alcoolemia de que era portador o R. .
Que, por isso, não se verificam os pressupostos para a eventual procedência da pretensão da A., designadamente o nexo de causalidade entre esse estado de alcoolemia e o acidente havido, devendo, em consequência, o R. ser absolvido do pedido , o que pede .
III

Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual se considerou ser regular toda a tramitação da acção, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa .
Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, do que não houve qualquer reclamação .
Proferida a sentença, nela foi o R. absolvido do pedido, com o fundamento de que não ficou provado o nexo de causalidade entre a influência do álcool de que padecia o R. e a verificação do sinistro .
IV
Dessa decisão interpôs recurso a A., recurso esse admitido como apelação e com efeito suspensivo .

Nas alegações que oportunamente apresentou, a Recorrente conclui do seguinte modo :
1ª - Seria leonino o contrato que garantisse ao segurado a transmissão da sua responsabilidade civil para a seguradora em toda e qualquer circunstância, sem qualquer contrapartida, independentemente do grau da ilicitude do seu comportamento .
2ª - No cumprimento do contrato de seguro, o segurado além de pagar o prémio deve agir de boa fé, evitando comportamentos que agravem o risco coberto pela apólice.
3ª - Os riscos que pela sua gravidade estariam em princípio excluídos da cobertura do contrato de seguro devem ser assumidos pela seguradora, atendendo apenas ao princípio que visa a protecção dos direitos das vítimas, recaindo no entanto sobre os seus agentes o dever de reembolsar as seguradoras .
4ª - A lei define clara e taxativamente os comportamentos que estão para além do risco contratualmente admissível no artº 19º do DL 522/85 e simultaneamente a correspondente sanção contratual – o direito de regresso - , sem esquecer as exclusões previstas no artº 7º do mesmo diploma .
5ª - A lei do seguro obrigatório visa apenas a protecção dos direitos das vítimas e não dos segurados/condutores delinquentes ou grosseiramente negligentes .
6ª - Não é por acaso que a condução com álcool, como motivo de direito de regresso das seguradoras , é descrita na mesma alínea que o abandono de sinistrado e a condução sem habilitação legal . Tal contiguidade decorre do facto de todos estes comportamentos deverem a todos os títulos ser evitados, se não eliminados, por perigosos .
7ª - Os comportamentos descritos no artº 19º do DL 522/85 têm em comum o facto de serem considerados crimes de perigo, não se relacionando com os resultados . A gravidade dos resultados funciona apenas como motivo de agravação das respectivas penas ...
8ª - A intenção do legislador ao criar a norma contida no referido artº 19º foi dar continuidade ao previsto nas normas penais, estabelecendo uma sanção civil .
9ª - O legislador não ressalvou na referida al. c) do artº 19º qualquer condição, à semelhança da excepção que configurou na al. f) deste artigo .
10ª - A aceitar-se que o direito de regresso só poderia ser exercido nos casos de se provar o nexo de causalidade entre a condução influenciada pelo álcool e o acidente, a norma em questão tornar-se-ia inútil, porquanto seria impossível determinar tal nexo .
11ª - A configurar-se a hipótese de a lei vir a limitar o direito de regresso à prova da existência de tal nexo de causalidade, sempre tal ónus, isto é a prova da não existência de tal nexo, deveria recair sobre o infractor e nunca sobre um terceiro alheio a tal conduta – a seguradora .
12º - Da matéria dos autos decorre que o acidente é exclusivamente imputável a título de culpa ao recorrido, o qual violou as normas dos artºs 18º, nº 1 e 24º, nº 1, do C. da Estrada.
13ª - O recorrido efectuava a condução com uma taxa de álcool no sangue de 1,51 g/l, ou seja o triplo do que é permitido legalmente .
14ª - As circunstâncias em que ocorreu o acidente sub judice não deixam dúvidas de que a TAS de 1,51 g/l não foi alheia à produção do acidente, configurando-se como determinante do mesmo, embora não necessariamente em exclusivo .
15ª - Mostra-se violada, por erro de interpretação e aplicação, a disposição do artº 19º, al. c), do DL 522/85, de 31/12.
16ª - Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se o recorrente no pedido .
V
Não foram apresentadas contra-alegações pelo Recorrido .

Aceite o recurso nesta Relação tal como fora admitido, procedeu-se à recolha dos “ vistos “ inerentes ao seu processamento, nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, o qual, face às conclusões apresentadas pela Recorrente, se pode resumir às seguintes questões :
A – O ARTº 19º, al. c), do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12, pressupõe ou não, como condição do exercício do direito de regresso por parte das seguradoras, em caso de condução do segurado sob o efeito do álcool, a verificação de um nexo de causalidade entre essa forma de conduzir e o sinistro causado pelo segurado?
B – Caso assim se entenda, a quem cabe o ónus da prova desse pressuposto ou da não existência desse nexo ?
C – No caso concreto, decorre ou não da matéria de facto dada como assente que o acidente em causa está relacionado com a TAS com a qual conduzia o R. na ocasião do sinistro a que se reportam os autos ?
***
Considerando que a Recorrente não impugna a matéria de facto dada como assente e porque não se vislumbram motivos para a sua alteração, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, remete-se para os termos da decisão de 1ª Instância que decidiu essa matéria, a qual aqui se dá como reproduzida .
***
Passando à análise das primeira e segunda questões enunciadas, deve desde já salientar-se que se entende como correcta a apreciação feita em 1ª Instância sobre essa matéria, à luz do critério uniformizador de jurisprudência que decorre do Acórdão do STJ nº 06/2002, de 28/05/2002, segundo o qual “ a al. c) do artº 19º do D.L. nº 522/85, de 31/12, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente “ , posição jurisprudencial esta que é a seguida de forma unânime desde a publicação desse dito Acórdão e designadamente por esta Relação, como resulta designadamente dos Acórdãos desta Relação com os nºs 4057/02 e 465/03, de 18/02/2003 e de 08/04/2003, respectivamente, para os quais se remete por terem sido relatados pelo mesmo relator do presente Acórdão; de 20/2/2001, in C.J. ano XXVI, tomo I, pg. 42; e bem assim dos Ac.s R. Po. de 30/9/93 e de 11/5/95, in, respectivamente, C. J. 93, tomo 4, pg. 216, e BMJ 447,560; da R. Lx. de 24/10/91 e de 30/11/95, in, respectivamente, C. J. 91, tomo 4, pg. 191, e BMJ 451, 491; do STJ de 14/01/97, de 19/6/97, de 22/2/2000 e de 18/6/2002, in, respectivamente, C. J. STJ, ano V, tomo I, pg. 39; BMJ 468,376 ; BMJ 494,325; e Rec. Rev. nº 1289/02- 6ª Secção do STJ .
Resulta , pois, dessa corrente jurisprudencial e de forma muito clara, que para ocorrer o direito de regresso de uma seguradora contra o seu segurado em consequência de danos resultantes de um acidente causado por esse segurado e que a seguradora tenha suportado perante terceiros, é necessário, à luz do artº 19º, al. c), do D.L. nº 522/85, que tenha ocorrido nexo de causalidade entre uma condução sob a influência do álcool e o acidente, cujo ónus da prova cabe inteiramente à seguradora .
Desta forma e sem necessidade de maiores considerações, entende-se como correcta a posição interpretativa da lei seguida em 1º Instância, pelo que não se reconhece razão à Recorrente ao pretender que deveria recair sobre o segurado o ónus da prova de que não se verifica o nexo de causalidade em questão .

Passando à terceira das questões enunciadas, prende-se esta questão já com o caso concreto em apreço, isto é, saber-se se a Recorrente logrou ou não demonstrar a existência desse nexo, por forma a conseguir a condenação do Recorrido no direito de regresso que exerce na acção .
Esse nexo de causalidade tem de resultar do conjunto dos factos verificados, e se não de forma imediata ou directa pelo menos de uma forma indirecta ou por ilação, como correctamente transparece do Ac. STJ de 18/06/2002, in Rec. Revista nº 1289/02 – 6ª Secção .
O que não pode é resultar ou procurar-se uma solução para esse nexo através de uma simples pergunta ou quesito, que implique uma resposta directa sobre a existência desse nexo, pois tal existência é necessariamente uma conclusão ou o resultado de um conjunto de factos demonstrados ou observações feitas pelo julgador, que conduzam a esse tipo de resultado, como também sucede, por exemplo, quanto à indagação e prova do nexo de imputação do facto ao agente e sua culpabilidade .
Assim sendo e em consequência dos factos dados como assentes, como entender se se verifica ou não essa demonstração no presente caso?
Será que destes factos resulta demonstrado ou poderá inferir-se o apontado nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia do R. que se verificava na ocasião do sinistro e o embate que ocorreu entre o seu veículo e o veículo que o precedia ?
Não estando em causa a apreciação feita na sentença recorrida acerca da forma culposa como o Recorrido deu origem ao acidente verificado, porquanto podia e devia ter agido de modo a evitar o acidente em causa, designadamente porque não devia conduzir sob a influência do álcool, como sucedia, e devia ter feito parar esse veículo no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o abalroamento do veículo matrícula 39-35-LF que seguia na sua dianteira, interpretação essa com a qual se concorda e que as partes aceitam, apenas se nos coloca com duvidosa a solução encontrada em 1ª Instância sobre a existência do apontado nexo de causalidade entre o facto de o Recorrido seguir a conduzir com uma TAS de 1,51 g/l e essa colisão que causou .
A 1ª Instância concluiu que esse nexo de causalidade não está demonstrado, o que cabia à Recorrente fazer, pois tal embate não se pode atribuir, sem mais, ao referido facto de o Recorrido seguir , na ocasião, a conduzir com uma taxa de alcoolemia de 1,51 g/l .
Porém, está provado que o Recorrido seguia , na ocasião e local do sinistro, pela metade direita da via, considerando o seu sentido de marcha ( Pataias – Martingança ), a uma velocidade de cerca de 50 km/h, tendo, a dado momento, ido embater com a sua parte frontal na traseira do veículo matrícula 39-35-LF, que o precedia, sem que se apresentem quaisquer outros factos referentes a tal ocorrência e relativos ao modo de procedimento do Recorrido, dos quais se possa retirar alguma justificação ou compreensão do sucedido, a não ser que o Recorrido foi submetido a um exame de pesquisa de álcool no sangue, logo após o acidente se ter dado, no que revelou uma TAS de 1,51 g/l .
Mas também está assente que o condutor do veículo embatido accionou o sinal de mudança de direcção para a esquerda e abrandou a sua marcha momentos antes da ocorrência do sinistro, apesar do que foi embatido este veículo na sua traseira e pela parte dianteira do veículo seguro na A., num local sito a cerca de 60 metros depois de uma lomba de visibilidade reduzida .
É com este conjunto de factos e apenas com eles que cabe indagar sobre se se encontra ou não demonstrado o apontado nexo de causalidade, sendo certo que em 1ª Instância foi considerado que tal factualidade não era bastante para assim ser entendido .

Mas será que o facto de o R. seguir com a referida taxa de alcoolemia é indiferente ao sinistro ocorrido, ou será que a A. logrou provar, nesta causa, a existência de um nexo de causalidade entre ambas essas ocorrências ?
Afigura-se que assim sucede, pelo menos de forma indirecta, pois estando demonstrado que o Recorrido circulava com uma taxa significativa de álcool no sangue – 1,51 g/l -, o que em si mesmo configura um ilícito criminal ( conforme artº 292º do C. Penal ) , não pode deixar de se considerar, por ilação ( como o permitem os artºs 349º e 351º do C. Civ. ), que tal factor pelo menos também contribuiu para o desfecho verificado, associado ou não aos demais factores antes apontados, como seja a localização do local do embate logo após uma lomba de difícil visibilidade, a reduzida velocidade a que circulava o R. – cerca de 50 km/h - e o facto de se saber que o condutor do veículo embatido até sinalizou uma mudança de direcção para a esquerda e reduziu a sua respectiva velocidade, pelo que não pode deixar de se entender que o facto de o Recorrido seguir a conduzir sob clara influência do álcool pesou ou contribui de forma manifesta no desenrolar dos acontecimentos, até porque não consta que conduzisse distraído ou desatento, e nem a velocidade a que seguia, por si só, pode justificar o embate, já que a essa velocidade apenas necessitava, em condições de comportamento e de reflexos normais, de cerca de 30 metros para imobilizar o veículo, conforme cálculo de distâncias de paragem citado por António Serra Amaral , in Código da Estrada, 3ª Ed., pg. 50, pelo que não pode deixar de ter tido algum significado essa perturbação na sua percepção das coisas, mormente quanto às distâncias e tempo de reacção, já que a velocidade a que seguia era pequena e, em circunstâncias normais, permitiria que fizesse parar o carro antes de embater, já que tinha cerca de 60 metros entre o fim da lomba que precedeu o local do embate e este local, donde se dever concluir pela verificação de nexo de causalidade adequada entre o estado de perturbação alcoólica do R. e o acidente havido, sem o que, aliás, nenhuma outra explicação ou entendimento há para esse acidente .
Tenha-se em atenção que os estudos sobre a influência do álcool no sangue apontam no sentido de que os reflexos ficam algo diminuídos, ocorre alguma sensação de euforia e a noção das distâncias fica também diminuída ou prejudicada nos casos de um condutor com uma taxa da ordem de 1,00 a 1,50 g/l .
Tenha-se em atenção que a chamada “ teoria da causalidade adequada” , na variante conhecida como “ condicionalidade abstracta “,que é aquela que está prevista no C. Civ. vigente – artº 563º - ,exige que para que um dano seja reparável pelo autor do facto é não só necessário que o facto tenha actuado como condição concreta desse dano, mas também que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada ( hoc sensu ) desse dano, pelo que não nos podemos apenas ater ao facto e ao dano considerados isoladamente, mas antes a todo o processo causal ou factual que, em concreto, conduziu ao dano, processo este que há-se caber na aptidão geral ou abstracta de o facto poder produzir o dano verificado – veja-se, neste sentido, o Prof. A. Varela, loc. cit., pgs. 762 a 772 ( da 3ª edição ) .
Por outras palavras, a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem em consequência de um acto ilícito culposo do agente decorre da condição concreta verificada entre o facto e o dano e de se dever considerar que, em abstracto ou ex ante , o facto é também uma causa adequada do dano, segundo um juízo de prognose póstuma ( ou juízo à posteriori de previsão da evolução futura dos acontecimentos, com base no conhecimento da evolução de outras situações semelhantes e das condições aplicáveis) .
Ainda por outras palavras, “ o facto que actuou como condição do dano apenas deixará de ser considerado como causa adequada desse mesmo dano se, dada a sua natureza geral ou abstracta, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado apenas em função de circunstâncias anormais ou imprevisíveis e que ocorreram no caso concreto, sendo portanto inadequada para esse dano “ .
O STJ, p.ex., em Ac. de 13/02/1996, in BMJ 454, 716, considerou como causa adequada de um dano aquela que permite prever o dano como seu efeito provável, deixando de ser causa adequada desse dano quando se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação desse mesmo dano, ou quando o provocou apenas devido a circunstâncias excepcionais e imprevisíveis .
Donde que se deva concluir em sentido contrário ao decidido em 1ª Instância, isto é , que os factos considerados como demostrados conduzem a solução contrária àquela a que chegou a 1ª instância, devendo-se considerar que o estado de alcoolemia em que o R. circulava foi causa, pelo menos parcial ou indirecta , senão mesmo directa e única, da verificação do sinistro, em consequência do que cabe à A. o direito de regresso sobre o R., nos termos do artº 19º, al. c) do D.L. nº 522/85 .
Consequentemente há que revogar a sentença de mérito recorrida, assim procedendo a apelação deduzida , com a condenação do Recorrido .
Tal condenação abrange o capital despendido pela Recorrente com a indemnização paga ao terceiro proprietário do veículo embatido, no montante de Esc. 2.750.000$00 , a que acresce o montante de Esc. 1.400$00 pago pela Recorrente por uma certidão relativa à participação do acidente, o que corresponde ao montante de € 13.723,90 , e a que devem acrescer juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo pagamento, conforme decorre dos artºs 804º, 805º, nº 1 e 806º, nºs 1 e 2, conjugados com o disposto no artº 559º, todos do C. Civ., e Portarias nºs 1171/95, de 25/9; 263/99, de 12/04 e 291/2003, de 8/4, as quais fixaram a taxa de juro legal ao longo dos tempos, sendo certo que o Recorrido deve considerar-se interpelado pela Recorrente para pagar em 20/01/1999, conforme resulta do doc. de fls. 32 .
Nessa medida, os juros vencidos até à data de 30/04/2003 ascendem a € 4.203,40, o que acresce ao capital de €13.723,90, sendo ainda devidos juros de mora desde 1/05/2003, sobre o capital , mas já à taxa de 4%, e até efectivo pagamento .
VI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida, revogando a sentença recorrida, em consequência do que se julga procedente a acção , com condenação do Recorrido a indemnizar a Recorrente, a título de direito de regresso, em € 13.723,90 ( treze mil, setecentos e vinte e três Euros e noventa cêntimos ), com o acréscimo de juros vencidos até à data de 30/04/2003 , os quais ascendem a € 4.203,40 ( quatro mil, duzentos e três Euros e quarenta cêntimos ), e a que ainda acrescem juros de mora desde 1/05/2003, sobre o capital , mas já à taxa de 4%, e até efectivo pagamento .
***
Custas da acção e do recurso pelo Recorrido .